Language of document : ECLI:EU:T:2002:173

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

3 de Julho de 2002 (1)

«Directiva 92/27/CEE do Conselho - Rotulagem de um medicamento - Procedimento centralizado de autorização dos medicamentos - Inserção do logotipo do representante local na ‘blue box’ da embalagem exterior de um medicamento»

No processo T-179/00,

A. Menarini - Industrie Farmaceutiche Riunite Srl, com sede em Florença (Itália), representada por D. Waelbroeck e D. Brinckman, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por

European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por D. Anderson, QC, J. Stratford, barrister, I. Dodds-Smith e A. Wearing, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Wainwright e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 17 de Abril de 2000, que indefere o pedido da recorrente de incluir o seu logotipo na «blue box» da embalagem do produto farmacêutico OPTRUMA autorizado de acordo com o procedimento centralizado de autorização,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    A comercialização dos medicamentos na União Europeia está sujeita à concessão de uma autorização de introdução no mercado. O Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1), prevê um procedimento dito «centralizado» de autorização dos medicamentos. Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, terceiro travessão, do Regulamento n.° 2309/93, no âmbito do procedimento centralizado, deve-se verificar, designadamente, se a rotulagem e a bula satisfazem o disposto na Directiva 92/27/CEE do Conselho, de 31 de Março de 1992, relativa à rotulagem e à bula dos medicamentos para uso humano (JO L 113, p. 8).

2.
    A Comissão elaborou, nos termos do artigo 6.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2309/93, em consulta com a Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (a seguir «AEAM»), os Estados-Membros e as partes interessadas, instruções pormenorizadas sobre o modo como devem ser apresentados os pedidos de autorização. As orientações relativas às informações que devem figurar na embalagem dos medicamentos de uso humano autorizados pela Comunidade (a seguir «orientações sobre a embalagem») foram integradas no Guia da Comissão sobre a regulamentação dos medicamentos na União Europeia (The rules governing medicinal products in European Union), volume 2 C, «Orientações regulamentares» («Regulatory guidelines»).

3.
    O artigo 2, n.° 1, da Directiva 92/27 enumera as menções que devem obrigatoriamente figurar na embalagem exterior ou, na sua falta, no acondicionamento primário de qualquer medicamento, entre as quais se contam, designadamente, o nome e endereço do titular da autorização de introdução no mercado.

4.
    Além disso, o n.° 2 do referido artigo dispõe:

«A embalagem exterior [pode] incluir sinais ou imagens destinados a explicar certas informações mencionadas no n.° 1, bem como outras informações compatíveis com o resumo das características do produto e úteis para a educação sanitária, sendo excluído todo e qualquer elemento de carácter publicitário.»

5.
    Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 92/27, os Estados-Membros podem exigir a observância de certas regras de rotulagem que, em derrogação do n.° 1, permitam que aí figurem informações específicas a um Estado-Membro. Para apresentar essas informações específicas, a Comissão criou o conceito da «blue box» que se destina a conter essas informações num dos lados da embalagem exterior do medicamento autorizado segundo o procedimento centralizado. Nas orientações sobre a embalagem, a Comissão refere:

«As informações específicas a um Estado-Membro devem figurar no rótulo no interior de um quadrado (chamado ‘blue box’) existente num dos lados da embalagem. A ‘blue box’ deve estar redigida unicamente na língua ou línguas oficiais do Estado-Membro em questão [...] A colocação da ‘blue box’ na embalagem deve ser a mesma para todas as línguas. Quando uma embalagem se destine a ser comercializada em vários Estados-Membros, é preferível que só contenha uma ‘blue box’. O quadrado conterá informações diferentes em cada Estado-Membro. Na prática, isto poderá fazer-se, por exemplo, imprimindo-se uma ‘blue box’ virgem na embalagem, na qual se poderá colocar, sem risco, uma etiqueta autocolante que comporte as informações exigidas pelo Estado-Membro. Sempre que, em circunstâncias excepcionais, isto não possa ser feito, cada ‘blue box’ deverá possuir as mesmas dimensões e aparecer do mesmo lado da embalagem.»

6.
    Uma das informações que se pode inscrever na «blue box» é o nome do «representante local». A este respeito, as orientações sobre a embalagem referem o seguinte:

«Determinados titulares de autorizações comunitárias de introdução no mercado pediram que se indicasse no folheto informativo e no rótulo um correspondente. Em princípio, devia tratar-se do titular da autorização comunitária de introdução no mercado. Contudo, sempre que este último pretenda acrescentar o nome de outro correspondente (local), o ‘representante local’ poderá ser indicado:

-    através do seu nome, endereço e número de telefone, no folheto informativo, e,

-    através do seu nome, na ‘blue box’ no rótulo (como descrito na secção A).

[...]

O endereço e/ou número de telefone também aí podem figurar caso seja isso que se pretenda e desde que o espaço disponível o permita (sem que haja prejuízo para a legibilidade do texto constante da embalagem exterior).

A expressão ‘representante local’ deve ser entendida como significando: qualquer pessoa singular ou colectiva, estabelecida na Comunidade, encarregada, por força de um contrato concluído com o titular da autorização de introdução no mercado, de o representar numa zona (geográfica) determinada; esse contrato exclui qualquer transferência de responsabilidade resultante, para o titular da autorização de introdução no mercado, do direito comunitário, do direito nacional e da regulamentação ou das medidas administrativas tomadas em execução do direito comunitário.

[...]»

7.
    Além disso, previu-se poder acontecer que, «por razões de ordem prática e linguística, os titulares de autorizações comunitárias de introdução no mercado apresentem a embalagem de um medicamento em diferentes versões linguísticas e/ou ‘nacionais’ (e o façam no lugar adequado da embalagem). Nesse caso, o logotipo, o formato, a apresentação, o estilo, a combinação de cores e as dimensões da embalagem devem ser idênticos em todo o território comunitário para todas as versões da embalagem do medicamento».

Factos que estão na origem do recurso

8.
    A recorrente é uma sociedade de direito italiano que exerce as suas actividades no sector da investigação farmacêutica, do desenvolvimento e da comercialização de medicamentos.

9.
    Em 5 de Agosto de 1998, a Comissão emitiu, de acordo com o procedimento centralizado, uma autorização de introdução no mercado à Eli Lilly Nederland BV (a seguir «Eli Lilly»), uma sociedade farmacêutica neerlandesa, para o medicamento denominado «OPTRUMA», especialidade farmacêutica que contém uma substância activa denominada «raloxifeno», que está indicado para o tratamento e a prevenção da osteoporose em mulheres menopáusicas.

10.
    Em 3 de Setembro de 1999, a Eli Lilly celebrou com a Menarini International Operations Luxembourg SA, uma sociedade de direito luxemburguês, um acordo de licença relativo aos seus direitos sobre a marca OPTRUMA, à promoção e à distribuição desse medicamento em Itália. Nos termos desse acordo, a própria Menarini International Operations Luxembourg estava autorizada a conceder uma sublicença, exclusivamente à recorrente, no que respeita à utilização desses direitos, o que fez por acordo de 18 de Outubro de 1999.

11.
    A Eli Lilly, enquanto titular da autorização de introdução no mercado, submeteu à AEAM várias maquetas da embalagem exterior do medicamento, que incluíam, pelo menos no interior da «blue box» da embalagem italiana, o nome da recorrente, representada por um «M» estilizado acompanhado do vocábulo «Menarini».

12.
    Em Fevereiro de 1999, a AEAM entendeu que a embalagem proposta era inaceitável porque o logotipo da recorrente não devia figurar no interior da «blue box» e remeteu o processo à Comissão para uma discussão mais aprofundada.

13.
    Em 24 de Maio 1999, a recorrente enviou uma carta ao chefe da unidade dos produtos farmacêuticos e cosméticos da Direcção «Assuntos industriais III: indústrias de bens de consumo» da antiga Direcção-Geral «Indústria» (DG III) da Comissão, em que pedia a inserção do seu logotipo na «blue box» da embalagem do medicamento OPTRUMA. A essa carta anexou uma outra, de 17 de Maio de 1999, enviada pela Eli Lilly e que continha a seguinte referência: «Pedido de inserção de um logotipo na ‘blue box’».

14.
    Por ofício de 9 de Junho de 1999, o chefe adjunto da unidade dos produtos farmacêuticos e cosméticos respondeu o seguinte:

«[...]

Confirmo que, em princípio, não encontramos qualquer razão para excluir [a inserção referida]. Contudo, suscitaremos esta questão no próximo comité farmacêutico, em Setembro de 1999, a fim de obter o acordo dos Estados-Membros para uma alteração das orientações aplicáveis.»

15.
    O comité farmacêutico, na sua 48.a reunião de 27 e 28 de Setembro de 1999, discutiu a questão da aposição de um logotipo na embalagem exterior de um medicamento autorizado nos termos do procedimento centralizado. Os membros do comité entenderam, por unanimidade, que a aposição do logotipo da sociedade titular da autorização de introdução no mercado na embalagem exterior devia ser aceite para fins de identificação.

16.
    Depois da referida reunião do comité farmacêutico, a recorrente enviou à Comissão uma carta, com data de 9 de Novembro de 1999, em que apresentava diversos argumentos a favor da possibilidade de incluir o logotipo do distribuidor ou, eventualmente, do titular da licença na «blue box» da embalagem dos medicamentos autorizados nos termos do procedimento centralizado.

17.
    O chefe da unidade dos produtos farmacêuticos e cosméticos respondeu-lhe, por ofício de 22 de Novembro de 1999, que não encontrava «qualquer razão para se opor a tal inserção [a do logotipo do representante local], para fins de identificação». Referiu igualmente:

«Contudo, uma vez que esta questão ainda não foi discutida com os Estados-Membros, entendo que é necessário suscitá-la no próximo comité farmacêutico, em Março de 2000, para obter o acordo dos Estados-Membros para uma alteração das orientações aplicáveis.»

18.
    Na 49.a reunião do comité farmacêutico, que ocorreu em 22 e 23 de Março de 2000, discutiu-se o pedido que a recorrente apresentara com vista a obter a autorização de incluir o logotipo do representante local na rotulagem dos medicamentos autorizados nos termos do procedimento centralizado. Uma larga maioria dos representantes dos Estados-Membros declararam-se contra a aposição do logotipo do representante local na embalagem dos medicamentos autorizados nos termos do procedimento centralizado. A principal razão apresentada foi a de que a indicação do nome de um representante local devia servir para permitir aos doentes contactar o representante nacional e de que não era necessário, para fins sanitários, acrescentar a essa informação o logotipo da sociedade. Além disso, determinadas delegações entenderam que a aposição do logotipo podia levar o doente a confundir o titular da autorização de introdução no mercado (que assume toda a responsabilidade pelo medicamento) com o representante local, que, por definição, não assume nenhuma.

19.
    Por ofício de 17 de Abril de 2000, recebido pela recorrente em 26 de Abril de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), a recorrida informou a recorrente de que o pedido que apresentara a fim de ser autorizada a incluir o seu logotipo na «blue box» tinha sido definitivamente indeferido.

20.
    Na decisão impugnada, a Comissão expõe o seguinte:

«Apesar do apoio que certos representantes dos Estados-Membros manifestaram em relação à proposta apresentada, a grande maioria pronunciou-se contra a aposição do logotipo do ‘representante local’ na embalagem dos produtos farmacêuticos autorizados nos termos do procedimento centralizado.

A principal justificação para esta tomada de posição é a de que o logotipo da sociedade nada acrescentava às informações úteis para efeitos de educação sanitária, pois a simples indicação do nome e do endereço do ‘representante local’ bastaria, por si só, para garantir aos doentes a possibilidade de contactar um correspondente nacional. Além disso, certas delegações sublinharam que essa aposição poderia levar a que se confundisse o titular da autorização de introdução no mercado (que é responsável pelo produto) com o representante local, que - por definição - não o é.

Os serviços da Comissão entendem que estão vinculados a esta posição clara, manifestada no âmbito do comité farmacêutico, não só devido à grande maioria que se manifestou contra a aposição do logotipo, mas também porque qualquer alteração da ‘orientação blue box’, que permitiria a aposição do logotipo do ‘representante local’, exige o apoio do próprio comité. Consequentemente, tendo em conta as considerações precedentes, a proposta relativa à inclusão do logotipo do ‘representante local’ na embalagem dos produtos farmacêuticos autorizados nos termos do procedimento centralizado não pode ser acolhida.»

Tramitação processual e pedidos das partes

21.
    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Julho de 2000, a recorrente interpôs o presente recurso.

22.
    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Janeiro de 2001, a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (a seguir «EFPIA») apresentou no Tribunal de Primeira Instância um pedido de intervenção para sustentar os pedidos da recorrente. Por despacho do presidente da Quarta Secção do Tribunal de 23 de Janeiro de 2001, a EFPIA foi autorizada a intervir.

23.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, convidou a recorrente e a recorrida a responderem por escrito a certas questões.

24.
    As alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal foram apresentadas na audiência de 6 de Março de 2002. No termo dessa audiência, o Tribunal adiou o encerramento da fase oral para data posterior. A fase oral foi encerrada em 18 de Março de 2002.

25.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    subsidiariamente, declarar ilegais, nos termos do artigo 241.° CE, as orientações da Comissão sobre a embalagem dos medicamentos, na medida em que podem ser interpretadas como contendo uma proibição da utilização do logotipo pelo representante local ou por um titular da licença;

-    condenar a recorrida nas despesas.

26.
    Na audiência, a recorrente desistiu do seu segundo pedido, o que ficou exarado.

27.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

28.
    A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    acolher o recurso;

-    condenar a recorrida nas despesas.

Questão de direito

29.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca sete fundamentos, baseando-se o primeiro na inexistência de base legal, na regulamentação comunitária, para a proibição que a Comissão lhe impõe de incluir o seu logotipo na embalagem exterior do medicamento OPTRUMA. O segundo fundamento baseia-se na violação do seu direito de propriedade. O terceiro fundamento baseia-se na violação do princípio da não discriminação, enquanto o quarto fundamento se baseia na violação do princípio da protecção da confiança legítima. O quinto fundamento baseia-se na violação do dever de fundamentação e o sexto fundamento numa violação do princípio da proporcionalidade e do direito ao livre exercício de actividades económicas. O sétimo fundamento baseia-se na prescrição.

Argumentos das partes

30.
    No quadro do primeiro fundamento, baseado na inexistência de base legal para a proibição de incluir o logotipo da recorrente na embalagem exterior do medicamento OPTRUMA, a recorrente salienta, em primeiro lugar, que o objectivo essencial das disposições comunitárias sobre a rotulagem e a embalagem dos medicamentos enunciadas na Directiva 92/27 é o de assegurar um nível elevado de protecção dos consumidores. O nome e o endereço da pessoa responsável pela introdução do medicamento no mercado constituem, a este respeito, informações essenciais para o utilizador e para os profissionais de saúde e contribuem, portanto, para atingir esse nível elevado de protecção do consumidor.

31.
    Alega que a pessoa responsável pela introdução do medicamento no mercado tem várias obrigações, designadamente em matéria de fornecimento de informações científicas e de farmacovigilância.

32.
    Era, portanto, importante que a pessoa responsável pela introdução de um medicamento no mercado pudesse ser fácil e correctamente identificada como tal pelo utilizador e os profissionais de saúde que utilizam os medicamentos em causa, eventualmente, devido à aposição do logotipo da sociedade, que não pode ser dissociado da sua identidade comercial e do seu nome.

33.
    A recorrente alega, em segundo lugar, que as disposições legislativas italianas que transpõem para direito interno a Directiva 92/27 prevêem que, quando não seja o próprio titular da autorização de introdução no mercado a comercializar o medicamento, o nome e o endereço do titular da licença ou do concessionário (o represente local) devem figurar na embalagem exterior.

34.
    A recorrente salienta, em terceiro lugar, que a decisão impugnada não pode ter por base qualquer disposição da Directiva 92/27.

35.
    A recorrente afirma, em quarto lugar, que o logotipo pode pôr em evidência as informações necessárias para efeitos de educação sanitária, como as que garantem aos doentes poder contactar um correspondente nacional.

36.
    A interveniente apoia a argumentação da recorrente e precisa que, nos termos do procedimento centralizado, um único titular de autorização de introdução no mercado é responsável pela totalidade do mercado comunitário. O titular da autorização de introdução no mercado está, muitas vezes, estabelecido num país diferente daquele em que o medicamento é comercializado. Consequentemente, os representantes locais são, muitas vezes, os únicos correspondentes práticos e efectivos para os profissionais e os doentes que poderiam, na sua falta, ter dificuldades em assinalar efeitos indesejáveis do medicamento ou em obter informações a seu respeito. Os utilizadores do medicamento tinham assim a possibilidade de a nível local pedir conselhos na sua própria língua.

37.
    A recorrida alega que nem o nome nem o logotipo da recorrente, que é titular de uma licença exclusiva para a promoção e venda do OPTRUMA em Itália, se incluem nas menções que devem obrigatoriamente figurar na embalagem por força do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 92/27. A questão é saber se, por força do artigo 2.°, n.° 1, dessa directiva, o nome e/ou o logotipo da recorrente podem figurar na embalagem como «outras informações úteis para a educação sanitária». A este respeito, a prática da Comissão consiste em aceitar que o titular de uma autorização de comercialização indique como correspondente o nome do representante local na «blue box» do rótulo. Esta prática justifica-se pelo facto de, no contexto de uma autorização de comercialização concedida pela Comunidade, o nome de um representante local que cumpra a função de correspondente para os profissionais ou para os consumidores poder por vezes ser útil para a educação sanitária em sentido amplo.

38.
    Entende que o que os doentes ou os profissionais de saúde têm a necessidade de conhecer, na prática, é o nome de um correspondente ou um número de telefone para determinarem «de forma fácil, rápida e sem ambiguidades» o representante local. Observa que a inserção do logotipo na «blue box» conduziria, sobretudo, a que as informações relativas ao correspondente deixassem de aparecer tão claramente, pelo que não chamariam suficientemente a atenção. Tendo, muitas vezes, o problema do espaço uma grande importância, em particular nas embalagens de pequena dimensão ou redigidas em várias línguas, um logotipo que chame a atenção, mas que seja acompanhado de informações relativas ao correspondente redigidas em letra muito pequena e num espaço restrito, não ajudaria o utilizador a saber rápida e facilmente quem devia contactar.

39.
    Acrescenta que, no domínio regulamentado das informações relativas aos medicamentos, é necessário definir e limitar as informações dadas e prever que as referidas informações sejam apresentadas de uma determinada maneira, compatível com o objectivo que consiste em fornecer aos utilizadores informações claras, precisas e completas sobre o produto em questão, o que contribui para garantir a protecção da saúde pública. Assim, a limitação das informações fornecidas no rótulo justificava-se, de facto, por motivos ligados à protecção dos consumidores.

40.
    A recorrida sustenta que as duas razões invocadas na decisão impugnada correspondem a uma interpretação razoável do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/27. Este último número previa uma excepção facultativa à regra geral, prevista no artigo 2.°, n.° 1 da Directiva 92/27, relativa às menções que devem figurar na embalagem dos medicamentos. As excepções às regras gerais deviam ser interpretadas de forma restritiva. Em seguida, tendo em conta a natureza da expressão «informações úteis para a educação sanitária», a interpretação que dela dá a Comissão exigia uma determinada apreciação do que é útil, e a fiscalização jurisdicional a que está sujeita devia limitar-se ao exame da existência de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder. No caso em apreço, não se podia considerar que a conclusão da Comissão, segundo a qual o logotipo do representante local não é uma informação útil para a educação sanitária, estivesse viciada por erro manifesto.

41.
    A recorrida salienta que a utilização do nome sem o logotipo não compromete a identificação da sociedade. No caso em apreço, o logotipo mais não era, na realidade, do que uma versão estilizada do nome. Acresce, tendo em conta o objectivo prosseguido pela Comissão, que é o de garantir para efeitos de educação sanitária a possibilidade de contactar um correspondente, as menções úteis eram o nome e o endereço do representante local, e não o seu logotipo.

42.
    Por último, a recorrida alega que, independentemente da situação em Itália ou em qualquer outro Estado-Membro, a situação jurídica é tal que, por razões de farmacovigilância, uma pessoa não pode ser responsável pela introdução do medicamento no mercado sem, ao mesmo tempo, ser titular da autorização de introdução do mercado. Além disso, que a Comissão saiba, a inserção do logotipo do represente local não constitui uma política comum a todos os Estados-Membros. Resulta da acta da reunião de Março de 2000 do comité farmacêutico que uma larga maioria de Estados-Membros se opuseram à inserção de tal logotipo nos produtos autorizados de acordo com o procedimento centralizado, e que se pode, portanto, considerar que a posição adoptada no âmbito do comité farmacêutico é igualmente aplicada pelos Estados-Membros aos produtos autorizados a nível nacional.

Apreciação do Tribunal

43.
    Importa recordar, a título preliminar, que o artigo 2, n.° 1, da Directiva 92/27 enumera as menções que devem obrigatoriamente figurar na embalagem exterior dos medicamentos para uso humano, enquanto o n.° 2 do referido artigo indica os tipos de menções que podem ser acrescentadas na embalagem exterior às menções obrigatórias previstas no número anterior. Na decisão impugnada, a Comissão pronunciou-se, em substância, sobre a possibilidade de o representante local apor o seu logotipo na embalagem exterior de um medicamento à luz do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/27.

44.
    Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, se a decisão administrativa for o resultado de apreciações complexas do domínio médico-farmacológico, essas apreciações são objecto de uma fiscalização jurisdicional limitada (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, Upjohn, C-120/97, Colect., p. I-223, n.os 33 e 34, e despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2001, Comissão/Trenker, C-459/00 P(R), Colect., p. I-2823, n.os 82 e 83).

45.
    No caso em apreço, a decisão que a Comissão foi chamada a tomar não implica apreciações complexas do domínio médico-farmacológico, como, por exemplo, as relativas à eficácia, à segurança e à qualidade de um medicamento (despacho Comissão/Trenker, já referido, n.° 82). Com efeito, a possibilidade, à luz do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/27, de colocar na embalagem exterior de um medicamento o logotipo do representante local depende, designadamente, da questão de saber se esse elemento é ou não útil para a educação sanitária. Ora, a apreciação da utilidade do referido logotipo para a educação sanitária não apresenta qualquer complexidade susceptível de justificar uma limitação do âmbito da fiscalização jurisdicional, tendo em conta, designadamente, que não exige uma avaliação ou conhecimentos técnicos especiais.

46.
    Tal como resulta da decisão impugnada, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que o logotipo do representante local nada acrescentava às informações necessárias para efeitos de educação sanitária, em segundo lugar, que a aposição do logotipo poderia levar a que se confundisse o titular da autorização de introdução no mercado, que é responsável pelo produto, com o representante local, que não o é, e, em terceiro, que a Comissão devia seguir o parecer do comité farmacêutico.

47.
    Quanto ao primeiro fundamento, há que recordar que Directiva 92/27 tem como objectivo que as disposições relativas à informação dos doentes garantam um elevado nível de protecção dos consumidores, por forma a possibilitar a utilização correcta dos medicamentos, com base numa informação completa e compreensível (quinto considerando).

48.
    No que diz respeito a este objectivo, há que examinar se a recusa em autorizar a inserção do logotipo do representante local na «blue box» se justifica. Importa recordar, antes de mais, que, no caso em apreço, o logotipo, acompanhado do vocábulo «menarini», é uma marca registada e representa o nome e identificação comercial da recorrida. A este respeito, há que recordar igualmente que as orientações sobre a embalagem prevêem que o nome, o endereço e o número de telefone do representante local podem fazer parte das informações que figuram na «blue box» (secção C, ponto 5). No mesmo sentido, o comité farmacêutico entendeu, na sua 48.a reunião, por unanimidade, que a aposição do logotipo da sociedade titular da autorização de introdução no mercado na embalagem exterior devia ser aceite para fins de identificação. Ora, se a aposição do logotipo da sociedade titular da autorização de introdução no mercado na embalagem exterior é aceitável para fins de identificação, o mesmo se passa em relação ao logotipo do representante local.

49.
    Com efeito, o logotipo desempenha um papel importante na identificação de uma sociedade presente no mercado. A sua função é a de constituir um conjunto com o nome da sociedade para facilitar a identificação desta última. Ora, tendo a Directiva 92/27, de acordo com o seu quinto considerando, por objectivo, designadamente, assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores, a inserção do logotipo na «blue box», que facilita a identificação do representante local, contribui para melhorar a protecção dos consumidores. Tendo em conta que os consumidores podem contactar o representante local mais facilmente em caso de problemas com o medicamento e colocar-lhe questões na sua língua materna e que, quando se coloquem questões de responsabilização, o representante local pode convidar os consumidores a contactarem o titular da autorização de introdução no mercado, a inserção do logotipo do representante local na «blue box» é útil para a educação sanitária, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/27.

50.
    No âmbito do segundo fundamento em que se apoia a decisão impugnada, a Comissão suscita a questão do risco de confusão entre as responsabilidades do titular da autorização de introdução no mercado e as do representante local. Segundo a Comissão, a inserção dos dois logotipos na «blue box» poderia conduzir a que os consumidores confundissem o titular da autorização de introdução no mercado, que assume a responsabilidade pelo medicamento, com o representante local, que, por definição, não assume nenhuma.

51.
    Ainda que, correctamente, a Comissão tenha salientado essa diferença, esta não é determinante para a solução do litígio. Com efeito, para determinar se a aposição do logotipo do representante local pode levar a que se confunda o titular da autorização de introdução no mercado com o representante local, é necessário distinguir entre as informações gerais e comuns constantes da embalagem exterior e as informações específicas a um Estado-Membro que constam na «blue box». Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 92/27, o nome e o endereço do titular da autorização de introdução no mercado devem imperativamente ser mencionados na embalagem exterior do medicamento. Além disso, o titular da autorização de introdução no mercado pode incluir o seu logotipo na embalagem. Nas orientações precisa-se que o nome e o endereço do representante local podem figurar na «blue box» (secção C, ponto 5). Nestas condições, o logotipo que constitui um conjunto com o nome do representante local não pode criar um risco de confusão suplementar para o consumidor, dado que o nome e o endereço do representante local já figuram na «blue box».

52.
    Daqui resulta que a Comissão cometeu um erro de direito ao proibir a inserção do logotipo da recorrente na «blue box» da embalagem exterior do medicamento OPTRUMA ao abrigo do artigo 2, n.° 2, da Directiva 92/27.

53.
    Por outro lado, a decisão impugnada não pode justificar-se pelo facto de a Comissão ter considerado que devia seguir a proposta do comité farmacêutico relativa à inserção do logotipo da recorrente na «blue box». Com efeito, o comité farmacêutico limita-se a formular um simples parecer que não vincula a Comissão.

54.
    Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser acolhido, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos e argumentos invocados pela recorrente.

Quanto às despesas

55.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida, há que condená-la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da recorrente e da interveniente, em conformidade com os pedidos destas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)    A decisão da Comissão, de 17 de Abril de 2000, que indefere o pedido da recorrente de incluir o seu logotipo na «blue box» da embalagem do produto farmacêutico OPTRUMA autorizado de acordo com o procedimento centralizado de autorização, é anulada.

2)    A recorrida suportará as suas despesas, bem como as da recorrente e da interveniente.

Vilaras
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Julho de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Vilaras


1: Língua do processo: inglês.