Language of document : ECLI:EU:C:2024:446

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 30 de maio de 2024 (1)

Processo C432/23

F,

Ordre des Avocats du Barreau de Luxembourg

contra

Administration des contributions directes

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo)]

«Reenvio prejudicial — Legislação fiscal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 7.° — Diretiva 2011/16/UE — Cooperação administrativa no domínio da fiscalidade — Artigo 5.° — Artigo 6.° — Artigo 18.° — Pedido de informações das autoridades fiscais de outro Estado‑Membro — Injunção emitida pela autoridade fiscal requerida — Apresentação de documentos por um advogado — Sigilo profissional de um advogado — Proporcionalidade da apresentação de documentos relativos a serviços prestados no domínio da consultoria em matéria de direito societário»






I.      Introdução

1.        Garantir uma aplicação uniforme e legal da legislação fiscal num mundo globalizado exige a cooperação entre as administrações fiscais. Por conseguinte, através da Diretiva 2011/16/UE (2), o legislador da União criou uma base jurídica para a cooperação entre as administrações fiscais dos Estados‑Membros na União Europeia. A diretiva prevê, nomeadamente, um intercâmbio transfronteiriço de informações.

2.        No entanto, essa troca de informações e as medidas de investigação conexas implicam igualmente ingerências nos direitos fundamentais dos contribuintes e dos indivíduos sujeitos a uma obrigação de informação em causa. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça já teve de se debruçar sobre a proteção dos direitos fundamentais no âmbito de aplicação da Diretiva 2011/16 em várias ocasiões no passado (3).

3.        A questão que agora se coloca num pedido de decisão prejudicial luxemburguês é a de saber se e em que condições uma Administração Fiscal pode recorrer a um advogado no âmbito de uma troca de informações a pedido. A este respeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou a importância da proteção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes no contexto da obrigação de comunicação (4) dos mecanismos fiscais transfronteiriços (5).

4.        No âmbito do presente processo, é possível concretizar melhor esta proteção do sigilo profissional dos advogados (a seguir «sigilo profissional dos advogados»). Em especial, coloca‑se a questão de saber se o aconselhamento ou a representação em matéria fiscal, conforme previsto no direito luxemburguês, pode, de um modo geral, ser excluído da proteção do sigilo profissional dos advogados ao abrigo do direito da União.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        A troca de informações a pedido é regulada pela secção I do capítulo II da Diretiva 2011/16. O artigo 1.°, n.° 1, tem a seguinte redação:

«1. A presente diretiva estabelece as regras e os procedimentos ao abrigo dos quais os Estados‑Membros devem cooperar entre si tendo em vista a troca de informações previsivelmente relevantes para a administração e a execução da legislação interna dos Estados‑Membros respeitante aos impostos a que se refere o artigo 2.°»

6.        O artigo 5.° desta diretiva determina o seguinte:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunica à autoridade requerente todas as informações a que se refere o n.° 1 do artigo 1.° de que disponha ou que obtenha na sequência de inquéritos administrativos.»

7.        A título complementar, o artigo 6.° da Diretiva 2011/16 contém regras relativas aos eventuais inquéritos no Estado requerido:

«1. A autoridade requerida manda efetuar os inquéritos administrativos necessários para obter as informações a que se refere o artigo 5.°

2. O pedido a que se refere o artigo 5.° pode conter um pedido fundamentado de inquérito administrativo. Caso entenda que não é necessário um inquérito administrativo, a autoridade requerida informa imediatamente a autoridade requerente das razões que lhe assistem.

3. Para obter as informações solicitadas ou para conduzir o inquérito administrativo requerido, a autoridade requerida procede como se agisse por iniciativa própria ou a pedido de outra autoridade do seu próprio Estado‑Membro. [...]»

8.        Os artigos 16.° e segs. da Diretiva 2011/16 preveem as condições que regem a cooperação administrativa. O artigo 17.°, n.os 1 e 4, da Diretiva 2011/16, determina o seguinte:

«1. A autoridade requerida de um Estado‑Membro comunica à autoridade requerente de outro Estado‑Membro as informações a que se refere o artigo 5.°, desde que a autoridade requerente tenha esgotado as fontes habituais de informação a que teria podido recorrer segundo as circunstâncias para obter as informações solicitadas sem correr o risco de prejudicar a consecução dos seus objetivos.

4. A prestação de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de informações cuja divulgação seja contrária à ordem pública.»

9.        O artigo 18.° da Diretiva 2011/16 determina o seguinte:

«1. Se forem solicitadas informações por um Estado‑Membro nos termos da presente diretiva, o Estado‑Membro requerido recorre às medidas que tenha previsto em matéria de recolha de informações para a obtenção das informações solicitadas, mesmo que não necessite dessas informações para os seus próprios fins fiscais. Esta obrigação é imposta sem prejuízo dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 17.°, cuja invocação não pode em caso algum ser entendida como autorizando um Estado‑Membro requerido a não prestar informações apenas por não ter interesse nessas informações a nível interno.

2. O disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 17.° não pode, em caso algum, ser entendido como autorizando a autoridade requerida de um Estado‑Membro a escusar‑se a prestar informações apenas pelo facto de essas informações estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição financeira, de uma pessoa designada ou atuando na qualidade de agente ou de fiduciário ou pelo facto de estarem relacionadas com uma participação no capital de uma pessoa.»

B.      Direito luxemburguês

10.      O § 177 da Loi générale des impôts du 22 mai 1931 (Lei Geral dos Impostos de 22 de maio de 1931, a seguir «AO») dispõe, em substância:

«(1) Por outro lado, podem recusar comunicar tais informações:

1.      Os defensores e advogados que participaram em processos penais,

2.      Os médicos relativamente às informações que lhes foram confiadas no exercício da sua profissão,

3.      Os advogados relativamente às informações que lhe foram confiadas no exercício da sua profissão,

4.      Os assistentes ou colaboradores das pessoas referidas nos n.os 1 a 3 pelos factos de que tomaram conhecimento nesta qualidade.

(2) Esta disposição não é aplicável às pessoas referidas nos n.os 3 e 4 pelos factos de que tenham tomado conhecimento ao representar ou aconselhar os seus representados em questões fiscais, a menos que se tratem de questões cuja resposta afirmativa ou negativa possa expor estes últimos a um risco de processo penal.»

III. Matéria de facto

11.      Em 28 de junho de 2022, o Directeur de l’administration des contributions directes (Diretor da Administração dos Impostos Diretos) emitiu à Société en commandite simple F (a seguir «recorrente») uma decisão redigida, essencialmente, nos seguintes termos:

«[...] a autoridade competente da Administração Fiscal espanhola transmitiu‑nos um pedido de informação ao abrigo [...] da Diretiva 2011/16/UE do Conselho de 15 de fevereiro de 2011 [...]

A pessoa coletiva a que se refere o pedido é a sociedade espanhola (K) [...]

Peço que nos forneçam, relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2019, as informações e documentos seguintes o mais tardar até 3 de agosto de 2022:

— Queiram fornecer, em relação ao referido período, toda a documentação disponível (carta de compromisso, contratos com o cliente, relatórios, memorandos, comunicações, faturas, etc.) relativamente aos serviços prestados pela [vossa sociedade F] à sociedade espanhola (K) no âmbito:

1.      da aquisição, em 2015, de 80 % das participações sociais da (N) pelo grupo de investimento (O) (fatura n.° […]);

2.      da aquisição de outra empresa espanhola pelo grupo em 2018 (fatura n.° […]);

— Queiram fornecer uma descrição pormenorizada do desenrolar das operações acima referidas, desde o compromisso dos serviços da sociedade (F) até à sua conclusão, bem como uma explicação da sua participação nesses processos e a identificação dos seus interlocutores (vendedores, compradores e terceiros) e as faturas; [...]»

12.      Por mensagem de correio eletrónico de 8 de julho de 2022, a recorrente indicou à administração dos impostos diretos ter atuado como advogada e consultora jurídica do grupo a que a sociedade K pertencia. Deste modo, está legalmente impossibilitada de comunicar informações relativas ao seu cliente uma vez que estão cobertas pelo sigilo profissional.

13.      Numa carta registada com aviso de receção de 8 de agosto de 2022, a recorrente reafirmou a sua posição ao especificar que o seu mandato jurídico no processo visado pela decisão não era de caráter fiscal, mas dizia apenas respeito ao direito societário.

14.      Por carta registada como aviso de receção de 19 de agosto de 2022, o Diretor da Administração dos Impostos Diretos declarou à recorrente que a sua resposta não era satisfatória. Em seguida, por Decisão de 16 de setembro de 2022, aplicou à recorrente uma coima por inobservância da decisão de injunção.

15.      A recorrente interpôs recurso desta decisão nos órgãos jurisdicionais nacionais, no qual interveio a Ordre des Avocats du Barreau de Luxembourg. Por Sentença de 23 de fevereiro de 2023, o tribunal administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo) negou provimento ao recurso e rejeitou a intervenção.

16.      Por petições iniciais apresentadas a 10 e 13 de março de 2023, a recorrente e a Ordre des avocats du Barreau de Luxembourg recorreram dessa sentença para a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo).

IV.    Pedido de decisão prejudicial

17.      A Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo), competente para conhecer do litígio no processo principal, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, nos termos do artigo 267.° TFUE:

1.      Uma consulta jurídica de um advogado em matéria de direito societário — no caso em apreço, com vista à criação de uma estrutura societária de investimento — está abrangida pelo âmbito da proteção reforçada das trocas de informação entre os advogados e os seus clientes concedida pelo artigo 7.° da Carta?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, uma decisão da autoridade competente do Estado‑Membro requerido, emitida para dar seguimento a um pedido de troca de informações a pedido feito por outro Estado‑Membro com base na Diretiva 2011/16, que tem por objeto a ordem emitida a um advogado para lhe fornecer, grosso modo, toda a documentação disponível relativamente às suas relações com o seu cliente, uma descrição pormenorizada das operações que são objeto do seu aconselhamento, uma explicação da sua participação nesses processos e a identificação dos seus interlocutores, constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre os advogados e os seus clientes, garantido pelo artigo 7.° da Carta?

3.      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a Diretiva 2011/16 é compatível com os artigos 7.° e 52.°, n.° 1, da Carta, ao não incluir, além do seu artigo 17.°, n.° 4, nenhuma disposição que permita formalmente a ingerência na confidencialidade das trocas de informação entre os advogados e os seus clientes no âmbito do regime da troca de informações a pedido e que defina, ela mesma, o alcance da limitação do exercício do direito em causa?

4.      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, o regime do dever de colaboração dos advogados (ou de um escritório de advogados) enquanto terceiros detentores no âmbito da aplicação do mecanismo da troca de informações a pedido instituído pela Diretiva 2011/16, em especial as limitações específicas destinadas a ter em conta o impacto do seu sigilo profissional, pode ser regulado pelas disposições do direito interno de cada Estado‑Membro que regem o dever de colaboração dos advogados, enquanto terceiros, na investigação fiscal no âmbito da aplicação da lei fiscal interna, em conformidade com a remissão operada pelo artigo 18.°, n.° 1, da referida diretiva?

5.      Em caso de resposta afirmativa à quarta questão, para estar em conformidade com o artigo 7.° da Carta, uma disposição jurídica nacional que estabeleça o regime do dever de colaboração dos advogados enquanto terceiros detentores, como a aplicável no presente processo, deve incluir disposições específicas que:

— assegurem o respeito pelo conteúdo essencial da confidencialidade das comunicações entre o advogado e o seu cliente; e

— instituam requisitos específicos para assegurar que a obrigação de colaboração dos advogados seja reduzida ao que é adequado e necessário para a realização do objetivo da Diretiva 2011/16?

6.      Em caso de resposta afirmativa à quinta questão, os requisitos específicos que visam assegurar que a colaboração dos advogados na investigação fiscal seja reduzida ao que é adequado e necessário para a realização do objetivo da Diretiva 2011/16, devem incluir a obrigação de a autoridade competente do Estado‑Membro requerido:

— efetuar um controlo reforçado quanto à questão de saber se um Estado‑Membro requerente explorou efetiva e previamente as fontes habituais de informação a que pode recorrer para obter as informações solicitadas sem arriscar prejudicar a realização desses objetivos, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2011/16; e/ou

— se ter dirigido, previamente e em vão, a outros potenciais detentores de informação para que se possa dirigir, em última instância, a um advogado na sua qualidade de potencial detentor de informação; e/ou

— proceder, em cada caso individual, a uma ponderação entre, por um lado, o objetivo de interesse geral e, por outro, os direitos em causa, de tal modo que uma decisão de injunção só possa ser validamente emitida contra um advogado se estiverem preenchidos requisitos adicionais, como a exigência de que as implicações financeiras do controlo levado a cabo no Estado‑Membro requerente atinjam ou sejam suscetíveis de atingir uma certa importância ou possam ter relevância penal?

18.      No âmbito do processo no Tribunal de Justiça, a recorrente, a Ordem dos Advogados do Luxemburgo, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República Federal da Alemanha, a República da Áustria, o Reino de Espanha, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Em conformidade com o artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

V.      Apreciação jurídica

19.      A República da Áustria considera que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar a título prejudicial, uma vez que as questões submetidas não têm por objeto a interpretação do direito da União, mas apenas do direito luxemburguês. Esta argumentação não é convincente. As questões submetidas pelo órgão jurisdicional luxemburguês têm expressamente por objeto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como a interpretação e a aplicação da Diretiva 2011/16. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para responder ao pedido de decisão prejudicial (6).

A.      Quanto às duas primeiras questões prejudiciais

20.      Com as suas duas primeiras questões prejudiciais, às quais há que responder conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se uma decisão de injunção tomada relativamente a um advogado, enquanto detentor de informações, no âmbito da troca de informações a pedido, constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes (artigo 7.° da Carta), ou se determinados domínios, como o aconselhamento em matéria de direito societário, estão excluídos desse direito.

1.      Quanto ao âmbito da proteção do sigilo profissional dos advogados

21.      De acordo com o artigo 7.° da Carta, todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações. Esta disposição corresponde ao artigo 8.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»). Em conformidade com o artigo 52.°, n.° 3, da Carta, o Tribunal de Justiça deve, portanto, ter igualmente em conta, na interpretação do artigo 7.° da Carta, o artigo 8.°, n.° 1, da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), enquanto limiar de proteção mínima (7).

22.      O artigo 8.°, n.° 1, da CEDH, e o artigo 7.° da Carta conferem uma proteção específica ao sigilo profissional dos advogados. Esta justifica‑se, designadamente, pelo facto de aos advogados ser confiada uma missão fundamental numa sociedade democrática, a saber, a defesa dos litigantes (8). Daqui resulta, por um lado, que o particular deve poder dirigir‑se com toda a liberdade a um advogado para receber deste um aconselhamento jurídico independente.

23.      Por outro lado, o advogado deve ser leal para com o seu cliente (9). É da própria essência da atividade profissional de um advogado que o seu cliente lhe confie segredos e que receba outras comunicações confidenciais. O cliente pode razoavelmente esperar que essa comunicação permaneça privada e confidencial (10). Se a confidencialidade das informações não estiver garantida, não pode haver confiança (11). É por esta razão que o sigilo profissional não é apenas um direito fundamental, mas também uma obrigação fundamental dos advogados (12).

24.      Por último, os advogados são não só representantes de interesses do seu cliente, mas também órgãos independentes da administração da justiça (13). O sigilo profissional dos advogados protege, portanto, não só os interesses individuais dos advogados e dos seus clientes, mas também o interesse geral de uma administração da justiça que satisfaça as exigências do Estado de direito. Assim, a proteção especial do sigilo profissional dos advogados decorre igualmente do princípio do Estado de direito em que a União Europeia se funda por força do artigo 2.° TUE.

25.      Daqui resulta que a proteção do sigilo profissional dos advogados é plenamente garantida pela Carta (14). O artigo 7.° da Carta garante o sigilo profissional dos advogados no âmbito de qualquer consulta jurídica, tanto em relação ao seu conteúdo como à sua existência (15).

26.      Isto exclui uma distinção entre os diferentes domínios do direito — como fez aqui o Luxemburgo — na determinação do âmbito de proteção, de modo que o aconselhamento jurídico seja igualmente protegido no domínio do direito societário e do direito fiscal. Concretamente, um aconselhamento com vista à criação de uma estrutura societária de investimento, como o que está em causa no caso em apreço, está, portanto, igualmente incluído no âmbito da proteção.

27.      Por último, o âmbito de aplicação pessoal do artigo 7.° da Carta é igualmente aberto. No caso em apreço, a recorrente e os contribuintes são sociedades. É certo que o Tribunal de Justiça considerou que «as pessoas coletivas só podem invocar a proteção dos artigos 7.° e 8.° da Carta [...] desde que a denominação legal da pessoa coletiva identifique uma ou mais pessoas singulares» (16). No entanto, esta diferenciação apenas diz respeito ao tratamento de dados pessoais em conformidade com o artigo 8.° da Carta (17).

28.      Em contrapartida, as pessoas coletivas também podem invocar o direito ao respeito pela vida privada protegido pelo artigo 7.° da Carta (18). O mesmo se aplica, por maioria de razão, à proteção das comunicações e, mais especificamente, ao sigilo profissional dos advogados, igualmente garantidos pelo artigo 7.° da Carta. Com efeito, o que deve ser determinante é saber se um direito fundamental é, por natureza, igualmente aplicável às sociedades. É esse o caso no que respeita à proteção do sigilo profissional dos advogados. Com efeito, é protegida a relação particular de confiança entre o advogado e o seu cliente. Esta existe igualmente entre os advogados agrupados numa sociedade e os seus clientes ou órgãos. A este respeito, a forma jurídica sob a qual o advogado ou o seu cliente atua não é pertinente.

29.      Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial no sentido de que o aconselhamento prestado por uma sociedade de advogados no domínio do direito societário, no caso em apreço no que respeita à criação de uma estrutura societária de investimento, está abrangido pelo âmbito de proteção do sigilo profissional dos advogados garantido pelo artigo 7.° da Carta.

2.      Quanto à ingerência no artigo 7 da Carta pela decisão de injunção

30.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber essencialmente se uma decisão que ordena a um advogado, enquanto detentor de informações, que apresente determinados documentos constitui uma ingerência no sigilo profissional dos advogados protegido pelo artigo 7.° da Carta.

31.      No caso em apreço, a Administração Fiscal luxemburguesa exige à recorrente «toda a documentação disponível» relativa aos serviços que prestou à sua cliente (a sociedade K) no âmbito da aquisição de duas empresas. Além disso, a recorrente tem nomeadamente de fornecer uma «descrição pormenorizada do desenrolar» das referidas operações, incluindo as pessoas envolvidas.

32.      Por conseguinte, se a recorrente cumprir a decisão de injunção, a Administração Fiscal luxemburguesa terá inevitavelmente um conhecimento alargado do conteúdo do aconselhamento jurídico entre a recorrente e a sociedade K. Daqui resulta que a decisão de injunção constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes garantido pelo artigo 7.° da Carta.

33.      Além disso, haveria uma ingerência adicional se a Administração Fiscal luxemburguesa trocasse posteriormente as informações obtidas através da decisão de injunção com a Administração Fiscal espanhola. Com efeito, isso permitiria igualmente à Administração Fiscal espanhola conhecer a existência e o conteúdo dos pareceres jurídicos.

34.      Por conseguinte, há que responder à segunda questão prejudicial no sentido de que uma decisão de injunção da autoridade fiscal relativamente a uma sociedade de advogados, no contexto de uma troca de informações a pedido através da qual essa autoridade exige toda a documentação relativa ao aconselhamento jurídico prestado a um cliente sobre determinadas operações e à participação nessas operações, constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes garantido pelo artigo 7.° da Carta.

35.      Além disso, no sentido de uma resposta útil, importa recordar que cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no âmbito do recurso interposto pela recorrente contra a aplicação da coima por incumprimento da decisão de injunção, se a ingerência da Administração Fiscal luxemburguesa é justificada. Isto pressupõe, nomeadamente, uma decisão de injunção legal (19). A Comissão expressou corretamente dúvidas a este respeito. Com efeito, dado que a decisão de injunção exigiu «toda a documentação disponível», a relevância previsível das informações, por exemplo, não pode ser reconhecida à primeira vista (20).

B.      Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais

36.      Com a terceira e quarta questões, às quais importa igualmente responder em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber quem, nas relações entre a União e o Estado‑Membro, no caso em apreço, o Luxemburgo, tem o direito e a obrigação de estabelecer os requisitos materiais e formais em que pode ocorrer legalmente a ingerência no artigo 7.° da Carta. Trata‑se, portanto, da responsabilidade da proteção do sigilo profissional dos advogados.

37.      A questão coloca‑se porque, no artigo 17.°, n.° 4, da Diretiva 2011/16, o legislador da União se limitou a prever que a prestação de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo profissional. O órgão jurisdicional de reenvio parece ter dúvidas quanto à questão de saber se esta disposição satisfaz as exigências do artigo 7.° e do artigo 52.°, n.° 1, da Carta. Se assim não fosse, a Diretiva 2011/16 poderia ser inválida a este respeito.

38.      No entanto, isto pressupõe que a própria Diretiva 2011/16 constitua uma ingerência no artigo 7.° da Carta. Todavia, por força do artigo 288.°, n.° 3, TFUE, qualquer diretiva deve ainda ser objeto de transposição para o direito nacional. Em princípio, só este direito nacional de transposição produz efeito direto em relação às pessoas em causa. Por conseguinte, a ingerência nos direitos fundamentais é principalmente imputável ao Estado‑Membro, ou seja, no caso em apreço, ao Luxemburgo.

39.      Todavia, quando uma diretiva não deixa margem de manobra relativamente à transposição ao Estado‑Membro, a ingerência não é imputável a este, mas ao legislador da União. O direito da União já seria então contrário à Carta. A título de exemplo, pode referir‑se a obrigação de comunicação dos mecanismos fiscais transfronteiriços, invocada por várias partes interessadas, que o legislador da União introduziu através do artigo 8.°‑AB, n.° 1, da Diretiva 2011/16. É certo que esta disposição exige uma transposição para o direito nacional para produzir efeito direto relativamente aos intermediários em causa. No entanto, uma vez que os Estados‑Membros não têm margem de manobra relativamente à transposição a este respeito, a ingerência nos direitos fundamentais cabe, em última análise, ao legislador da União. Por conseguinte, este é obrigado a proteger o sigilo profissional dos advogados. Como não era suficientemente o caso dos advogados intermediários, o Tribunal de Justiça declarou inválido o artigo 8.°‑AB, n.° 5, segunda frase, da Diretiva 2011/16 (21).

40.      No caso em apreço, em contrapartida, trata‑se de medidas de investigação adotadas no âmbito de uma troca de informações a pedido. A este respeito, resulta do artigo 5.°, do artigo 6.°, n.° 1, e do artigo 18.°, n.° 1, da Diretiva 2011/16, que a autoridade requerida luxemburguesa pode ser obrigada a proceder a inquéritos administrativos. Ora, as medidas de investigação concretas são reguladas pelo direito processual nacional (artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 2011/16). Do mesmo modo, a Administração Fiscal luxemburguesa adotou a decisão de injunção em relação à recorrente com base no direito processual luxemburguês.

41.      Por conseguinte, é certo que o direito da União exige, no caso em apreço, medidas de investigação nacionais e, portanto, ingerências nos direitos fundamentais. No entanto, a ingerência efetiva nos direitos fundamentais só é causada pelo direito luxemburguês adotado no âmbito da transposição da Diretiva 2011/16 e pela decisão de injunção de 28 de junho de 2022 nele baseada. Por conseguinte, o Luxemburgo, que aplica o direito da União na transposição e aplicação da Diretiva 2011/16 e, por conseguinte, está vinculado pelos direitos fundamentais da União por força do artigo 51.°, n.° 1, primeira frase, da Carta (22), deve assegurar a proteção do sigilo profissional dos advogados nos termos do artigo 7.° da Carta.

42.      O artigo 17.°, n.° 4, da Diretiva 2011/16, confere ao Estado‑Membro requerido a liberdade necessária para esse efeito. Em especial, as informações abrangidas pelo sigilo profissional não devem ser divulgadas. Além disso, a diretiva não impõe ao Luxemburgo, enquanto Estado‑Membro requerido, que proceda a investigações incompatíveis com a legislação nacional (artigo 17.°, n.° 2, da Diretiva 2011/16). A este respeito, não há, portanto, dúvidas quanto à validade da Diretiva 2011/16.

43.      Contrariamente ao que entendem o Luxemburgo e a Espanha, a ligação da diretiva com o direito processual nacional não é, contudo, em si mesma, desprovida de problemas. A obrigação de declaração para os mecanismos fiscais transfronteiriços pode, por sua vez, servir de exemplo (v., a este respeito, n.° 39, supra). É certo que, à semelhança do artigo 17.°, n.° 4, da Diretiva 2011/16, o seu artigo 8.°‑AB, n.° 5, concede igualmente aos Estados‑Membros a possibilidade de isentar os intermediários da obrigação de comunicação se, na sua falta, o direito nacional violar um dever de sigilo profissional legalmente protegido. No entanto, isto significa que a proteção do sigilo profissional é nula se a legislação nacional não previr esse dever de sigilo profissional.

44.      Este facto é igualmente ilustrado pelo caso em apreço: Uma vez que o § 177, n.° 2, da AO, não confere aos advogados o direito de recusar prestar informações em matéria fiscal, o Luxemburgo não pode isentar os advogados da sua obrigação de comunicação nos termos do artigo 8.°‑AB, n.° 1, da Diretiva 2011/16. Por conseguinte, parece duvidoso que o artigo 8.°‑AB, n.° 5, primeira frase, da Diretiva 2011/16, cumpra os requisitos do artigo 7.° da Carta.

45.      Assim, há que responder à terceira questão no sentido de que a Diretiva 2011/16 é compatível com o artigo 7.° e o artigo 52.°, n.° 1, da Carta, mesmo que não inclua, além do seu artigo 17.°, n.° 4, nenhuma disposição que permita formalmente uma ingerência na confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes no âmbito do regime de troca de informações a pedido e que defina, ela mesma, o alcance da limitação do exercício do direito em causa.

46.      A quarta questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que a legislação nacional de cada Estado‑Membro pode e deve regulamentar as condições, o alcance e os limites do dever de cooperação dos advogados detentores de informações no âmbito da troca de informações a pedido nos termos da Diretiva 2011/16.

C.      Quanto à quinta e sexta questões prejudiciais

47.      Com a sua quinta e sexta questões prejudiciais, às quais importa igualmente responder conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância e de forma bastante abstrata, sobre as exigências que o direito da União impõe a uma legislação nacional que regula o dever de colaboração dos advogados enquanto detentores de informações para que esta seja compatível com o artigo 7.° da Carta.

48.      Esta questão tem por base o facto de o direito dos advogados de recusarem prestar informações, nos termos do § 177, n.° 2, da AO, não se aplicar aos factos de que tenham tomado conhecimento ao representar ou aconselhar os seus representados em questões fiscais. A única exceção a esta regra é o caso de questões cuja resposta afirmativa ou negativa possa expor estes últimos a um risco de processo penal.

49.      Como já foi explicado, qualquer obrigação imposta a um advogado de divulgar informações sobre uma relação de mandato constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes, protegido pelo artigo 7.° da Carta. A questão decisiva é, portanto, a de saber se, e em que condições, essa ingerência pode ser justificada. A este respeito, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, da Carta, tanto o princípio da proporcionalidade como o conteúdo essencial do direito fundamental devem ser respeitados (23).

1.      Quanto ao conteúdo essencial do sigilo profissional dos advogados

50.      O § 177, n.° 2, da AO, exclui, de um modo geral, um direito de recusa de prestação de informações em caso de aconselhamento ou representação em matéria fiscal. Tal põe em causa a proteção do sigilo profissional dos advogados, que também é garantido no caso de aconselhamento em matéria fiscal.

51.      Por outro lado, a disposição luxemburguesa protege o direito de um advogado de recusar prestar informações em todos os outros domínios do direito. Além disso, existe igualmente um direito de recusa de prestação de informações em matéria de direito fiscal, pelo menos no que se refere às questões cuja resposta afirmativa ou negativa possa expor os representados a um risco de processo penal. A este respeito, em conformidade com o artigo 7.° da Carta, o sigilo profissional dos advogados beneficia, pelo menos, de uma certa proteção.

52.      Estas considerações demonstram que a determinação abstrata de um conteúdo essencial intangível suscita, em todo o caso, dificuldades no que respeita aos direitos fundamentais de liberdade, como o artigo 7.° da Carta (24). Por conseguinte, a questão da proporcionalidade da ingerência nos direitos fundamentais é mais importante.

2.      Quanto à proporcionalidade

53.      Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, segunda frase, da Carta, qualquer restrição deve corresponder a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União. A troca de informações a pedido tem esse objetivo. Com efeito, de acordo com considerando 1 da Diretiva 2011/16 subjacente, esta visa o correto estabelecimento dos impostos devidos e o combate à fraude e evasão fiscais. Trata‑se de objetivos legítimos na aceção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta (25).

a)      Quanto à necessidade da medida

54.      Além disso, no âmbito de uma troca de informações a pedido, os Estados‑Membros devem limitar ao estritamente necessário a ingerência no direito fundamental ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes no âmbito de uma troca de informações a pedido (26). Em especial, os objetivos do estabelecimento correto dos impostos devidos e do combate à fraude e evasão fiscais não devem poder ser alcançados de forma igualmente eficaz através de outros meios menos atentatórios do sigilo profissional dos advogados.

55.      Daqui decorre, antes de mais, que as medidas de investigação no Estado requerido (no caso em apreço, o Luxemburgo) continuam, em princípio, a ser secundárias relativamente às adotadas no Estado requerente (neste caso, a Espanha). Com efeito, qualquer intercâmbio transfronteiriço de informações implica ingerências suplementares nos direitos fundamentais dos contribuintes e dos indivíduos sujeitos a uma obrigação de informação em causa. Do mesmo modo, o artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2011/16, prevê que a autoridade requerente deve ter esgotado todas as fontes habituais de informação a que teria podido recorrer segundo as circunstâncias para obter as informações solicitadas (27). Se não for esse o caso, a decisão de injunção adotada pela Administração Fiscal luxemburguesa em 28 de junho de 2022 não seria necessária.

56.      Daqui resulta que a Administração Fiscal luxemburguesa, enquanto autoridade requerida, deve assegurar‑se que a autoridade espanhola requerente esgotou as suas próprias possibilidades de investigação sem sucesso. Mesmo que a autoridade requerida não possa regularmente verificar este facto, deve, pelo menos, obter a confirmação da autoridade requerente de que foram esgotadas todas as medidas de investigação no Estado requerente antes de recorrer a um advogado.

57.      Além disso, a necessidade, na aceção do artigo 52.°, n.° 1, segunda frase, da Carta, pressupõe que também não existe, no Estado requerido, isto é, no caso em apreço, o Luxemburgo, um meio tão adequado para atingir o objetivo que seja menos restritivo para o interessado, isto é, no caso em apreço, a recorrente. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar esta questão no caso concreto.

b)      Quanto à proporcionalidade da medida

58.      Por último, a análise da adequação da lei exige que se determine a gravidade da ingerência nos direitos fundamentais e que se examine se o objetivo de interesse geral prosseguido pela ingerência é proporcional à gravidade da ingerência (28). A este respeito, o Estado‑Membro requerido, no caso em apreço, o Luxemburgo, deve ter em conta a importância particular que o advogado reveste enquanto órgão independente da justiça num Estado de direito (v., a este respeito, n.os 22 e segs.). O facto de o sigilo profissional dos advogados proteger não só os interesses individuais, no caso em apreço da recorrente e dos contribuintes, mas também os interesses do público, repercute‑se a favor do sigilo profissional dos advogados na necessária ponderação de interesses.

59.      Daqui resulta que só a título excecional é que a Administração Fiscal luxemburguesa, enquanto autoridade requerida, pode pedir à recorrente, enquanto sociedade de advogados, informações relativas aos mandatos. Mesmo que todas as outras medidas de investigação estejam esgotadas, o recurso à recorrente enquanto detentora de informações não é automaticamente autorizado. Com efeito, tendo em conta a importância do sigilo profissional dos advogados, não pode haver apuramento de factos a qualquer preço.

60.      No entanto, nem todas as informações que chegam ao conhecimento de um advogado enquanto pessoa estão sujeitas à proteção especial do sigilo profissional dos advogados. Pelo contrário, apenas são protegidas as informações relacionadas com atividades de aconselhamento jurídico no âmbito de um mandato específico. No entanto, os advogados podem também exercer uma atividade comercial, por exemplo, no âmbito de uma consultoria de gestão. A este respeito, o advogado não atua como um órgão independente da administração da justiça (29). Por conseguinte, as informações obtidas neste contexto não requerem a mesma proteção que as informações obtidas no contexto do aconselhamento jurídico.

61.      Por outro lado, estes princípios aplicam‑se não só aos advogados mas também aos consultores fiscais e a outras categorias profissionais, uma vez que estes são, por força das legislações nacionais respetivas, equiparados aos advogados enquanto órgãos independentes da administração da justiça e estão, portanto, habilitados a prestar aconselhamento jurídico e a representar clientes em juízo (30).

62.      Por último, a Administração Fiscal luxemburguesa, enquanto autoridade requerida, deve igualmente poder ter em conta, nas suas decisões individuais, a gravidade da ingerência. Se, como no caso em apreço, for exigida «toda a documentação disponível», é duvidoso que a decisão de injunção em relação ao advogado continue a ser proporcional ao objetivo prosseguido.

63.      Em conclusão, o direito nacional deve definir as condições, o alcance e os limites do dever de colaboração dos advogados enquanto detentores de informação. A este respeito, o direito nacional deve, nomeadamente, permitir à autoridade requerida ponderar, em cada caso concreto, o interesse geral no correto estabelecimento dos impostos devidos e no combate à evasão e fraude fiscais, por um lado, e à proteção do sigilo profissional dos advogados, por outro.

64.      Por conseguinte, é contrária ao artigo 7.° da Carta uma disposição nacional segundo a qual o aconselhamento e a representação por um advogado em matéria fiscal, com exceção do direito penal fiscal, não sejam abrangidos, de maneira geral, pela proteção do sigilo profissional e que, por conseguinte, não permitam igualmente uma ponderação de interesses em casos individuais.

VI.    Conclusão

65.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo) do seguinte modo:

1.      O aconselhamento jurídico prestado por uma sociedade de advogados também se encontra abrangido pelo âmbito do sigilo profissional dos advogados garantido pelo artigo 7.° da Carta no domínio do direito societário, por exemplo, no que diz respeito à criação de uma estrutura societária de investimento.

2.      Uma decisão de injunção da autoridade fiscal competente adotada em relação a uma sociedade de advogados, no contexto de uma troca de informações a pedido, através da qual essa autoridade exige toda a documentação relativa ao aconselhamento jurídico prestado a um cliente sobre determinadas operações e à participação nessas operações, constitui uma ingerência no direito ao respeito pelas comunicações entre advogados e clientes garantido pelo artigo 7.° da Carta.

3.      A Diretiva 2011/16/UE é compatível com o artigo 7.° e o artigo 52.°, n.° 1, da Carta, ao não incluir, além do seu artigo 17.°, n.° 4, nenhuma disposição que permita formalmente a ingerência na confidencialidade das trocas de informação entre os advogados e os seus clientes no âmbito do regime da troca de informações a pedido e que defina, ela mesma, o alcance da limitação do exercício do direito em causa. Com efeito, o artigo 17.°, n.° 4, da Diretiva 2011/16, concede aos Estados‑Membros uma margem de manobra suficiente para cumprirem os requisitos do artigo 7.° da Carta.

4.      A legislação nacional de cada Estado‑Membro pode e deve regulamentar as condições, o alcance e os limites do dever de cooperação dos advogados detentores de informações no âmbito da troca de informações a pedido nos termos da Diretiva 2011/16. A este respeito, o direito nacional deve nomeadamente permitir à autoridade competente ponderar, caso a caso, os objetivos de interesse geral, por um lado, e a proteção do sigilo profissional do advogado, por outro. Dado que o direito luxemburguês não permite essa ponderação em matéria fiscal, o artigo 7.° da Carta opõe‑se à aplicação do direito nacional a este respeito.


1      Língua original: alemão.


2      Diretiva do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE (JO 2011, L 64, p. 1).


3      V. Acórdãos de 25 de novembro de 2021, État luxembourgeois (Informação relativa a um grupo de contribuintes) (C-437/19, EU:C:2021:953), de 6 de outubro de 2020, Estado luxemburguês (Recurso contra um pedido de informações em matéria fiscal) (C-245/19 e C-246/19, EU:C:2020:795), e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C-682/15, EU:C:2017:373).


4      Introduzida pela Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho, de 25 de maio de 2018, que altera a Diretiva 2011/16/UE no que respeita à troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade em relação aos mecanismos transfronteiriços a comunicar (JO 2018, L 139, p. 1).


5      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963).


6      V., a propósito de uma situação comparável, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Estado luxemburguês (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C-245/19 e C-246/19, EU:C:2020:795, n.° 46).


7      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 26).


8      V. TEDH, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Michaud/França (CE:ECHR:2012:1206JUD001232311, §§ 118 e 119), e, posteriormente, TJUE, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 28).


9      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 28).


10      TEDH, Acórdão de 9 de abril de 2019, Altay/Turquia [n.° 2] (CE:ECHR:2019:0409JUD001123609, § 49), e, posteriormente, TJUE, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 27).


11      V. Código Deontológico do CCBE aplicável aos advogados da União, n.° 2.3.1, disponível em Berufsregeln_Mai 2006_090615.pdf (brak.de).


12      V. Código Deontológico do CCBE aplicável aos advogados da União, n.° 2.3.1, disponível em Berufsregeln_Mai 2006_090615.pdf (brak.de).


13      Neste sentido, Acórdãos de 24 de março de 2022, PJ e PC/EUIPO (C-529/18 P e C-531/18 P, EU:C:2022:218, n.° 65), de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C-550/07 P, EU:C:2010:512, n.° 42), e de 18 de maio de 1982 AM & S Europe/Comissão (155/79, EU:C:1982:157, n.° 24); v., igualmente, as minhas conclusões no processo Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C-550/07 P, EU:C:2010:229, n.° 48).


14      No contexto da defesa perante um órgão jurisdicional, o artigo 47.° da Carta garante esta proteção, v. Acórdãos de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.os 60 e segs.), e de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C-305/05, EU:C:2007:383, n.os 31 e segs.).


15      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 27).


16      Acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C-92/09 e C-93/09, EU:C:2010:662, n.° 53).


17      V. Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C-419/14, EU:C:2015:832, n.os 79 e segs.).


18      Como expressamente referido no Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Varec (C-450/06, EU:C:2008:91, n.° 48).


19      Acórdãos de 25 de novembro de 2021, État luxembourgeois (Informações sobre um grupo de contribuintes) (C-437/19, EU:C:2021:953, n.° 89), e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C-682/15, EU:C:2017:373, n.° 56).


20      O Tribunal de Justiça já concretizou as condições de legalidade de uma tal decisão de injunção: Quanto à relevância previsível das informações solicitadas, v. Acórdãos de 25 de novembro de 2021, État luxembourgeois (Informações sobre um grupo de contribuintes) (C-437/19, EU:C:2021:953, n.° 41), e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C-682/15, EU:C:2017:373, n.° 41); quanto à exigência de fundamentação, v. Acórdão de 25 de novembro de 2021, État luxembourgeois (Informações sobre um grupo de contribuintes) (C-437/19, EU:C:2021:953, n.° 93).


21      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 66).


22      V., desde logo Acórdão de 6 de outubro de 2020, Estado luxemburguês (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C-245/19 e C-246/19, EU:C:2020:795, n.° 46).


23      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, estes dois aspetos devem ser examinados de forma cumulativa e independente, v. Acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C-92/09 e C-93/09, EU:C:2010:662, n.° 50); concretamente, quanto ao conteúdo essencial do artigo 7.° da Carta, v. Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Schrems (C-362/14, EU:C:2015:650, n.° 94), e de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C-293/12 e C-594/12, EU:C:2014:238, n.° 39).


24      Esta situação pode ser diferente, por exemplo, no caso dos direitos fundamentais da justiça, v., no que respeita ao artigo 47.° da Carta, Acórdãos de 20 de abril de 2023, DIGI Communications (C-329/21, EU:C:2023:303, n.° 47), e de 20 de abril de 2021, Repubblika (C-896/19, EU:C:2021:311, n.° 51).


25      Sobre a prevenção da fraude e da evasão fiscais, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 44 e jurisprudência referida); quanto à correta determinação do IVA, Acórdão de 26 de janeiro de 2006, Comissão/Conselho (C-533/03, EU:C:2006:64, n.° 52).


26      V. Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 42).


27      Esta disposição protege igualmente a autoridade requerida de exigências excessivas.


28      Mais especificamente, no que respeita ao artigo 7.° da Carta, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o. (C-694/20, EU:C:2022:963, n.° 41 e jurisprudência referida).


29      V., igualmente, quanto aos juristas de empresas, Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C-550/07 P, EU:C:2010:512, n.° 44), e as minhas conclusões no processo Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C-550/07 P, EU:C:2010:229, n.os 52 e segs.).


30      V., igualmente, as conclusões do advogado-geral N. Emiliou no processo Belgian Association of Tax Lawyers e o. (C-623/22, EU:C:2024:189, n.° 219).