Language of document : ECLI:EU:T:2006:103

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

5 de Abril de 2006 (*)

«Concorrência – Artigo 81.° CE – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da metionina – Carácter único e continuado da infracção – Coima – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Gravidade e duração da infracção – Cooperação durante o procedimento administrativo – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17/62 – Presunção de inocência»

No processo T‑279/02,

Degussa AG, estabelecida em Düsseldorf (Alemanha), representada por R. Bechtold, M. Karl e C. Steinle, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Bouquet e W. Mölls, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑J. Freund, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Conselho da União Europeia, representado por E. Karlsson e S. Marquardt, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 2003/674/CE da Comissão, de 2 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (processo C.37.519 – Metionina) (JO 2003, L 255, p. 1), e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada nessa decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A Degussa AG (Düsseldorf) é uma sociedade alemã criada em 2000 pela fusão da SKW Trostberg e da Degussa‑Hüls, tendo esta última surgido, ela própria, da fusão em 1998 das empresas químicas alemãs Degussa AG (Frankfurt‑am‑Main) e Hüls AG (Marl) (a seguir «Degussa» ou «recorrente»). A Degussa opera designadamente no sector da alimentação animal e é a única empresa fornecedora dos três aminoácidos essenciais mais importantes: a metionina, a lisina e a treonina.

2        Os aminoácidos essenciais são os aminoácidos que não podem ser produzidos naturalmente pelo organismo e, consequentemente, têm de ser adicionados aos alimentos. O primeiro aminoácido cuja falta interrompe a síntese proteica dos restantes aminoácidos é designado o «primeiro aminoácido limitante». A metionina é um aminoácido essencial adicionado aos alimentos compostos e às pré‑misturas destinadas a todas as espécies animais. É utilizada principalmente na alimentação para aves de capoeira (para as quais é o primeiro aminoácido limitante) e, de forma crescente, nos alimentos para suínos e nos alimentos especiais para animais.

3        A metionina apresenta‑se sob duas formas principais: a metionina DL (a seguir «MDL») e o análogo de hidroximetionina (a seguir «MHA»). A MDL é produzida sob forma cristalizada e apresenta um conteúdo activo próximo dos 100%. A MHA, que foi introduzida na década de 80 pelo produtor Monsanto, antecessora da Novus International Inc., apresenta um conteúdo activo nominal de 88%. A MHA representava, em 2002, cerca de 50% do consumo mundial.

4        À data dos factos, os três principais produtores mundiais de metionina eram a Rhône‑Poulenc (actual Aventis SA), cuja filial responsável pela produção de metionina era a Rhône‑Poulenc Animal Nutrition (actual Aventis Animal Nutrition SA), a Degussa e a Novus. A Rhône‑Poulenc produzia metionina sob as suas duas formas, ao passo que a Degussa só produzia MDL e a Novus só produzia MHA.

5        Em 26 de Maio de 1999, a Rhône‑Poulenc apresentou à Comissão uma declaração em que admitia ter participado num acordo tendo por objecto a fixação de preços e a atribuição de quotas para a metionina e pediu para beneficiar da comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»).

6        Em 16 de Junho de 1999, funcionários da Comissão e do Bundeskartellamt (instituto federal alemão dos acordos, decisões e práticas concertadas) efectuaram investigações, ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 Fevereiro 1962, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que estava então em vigor, nas instalações da Degussa‑Hüls, em Frankfurt‑am‑Main.

7        Na sequência destas investigações, a Comissão enviou à Degussa‑Hüls, em 27 de Julho de 1999, um pedido de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, sobre os documentos obtidos. A Degussa‑Hüls respondeu a esse pedido em 9 de Setembro de 1999.

8        A Comissão enviou também pedidos de informações à Nippon Soda Co. Ltd (a seguir «Nippon Soda»), à Novus International Inc. (a seguir «Novus») e à Sumitomo Chemical Co. Ltd (a seguir «Sumitomo») em 7 de Dezembro de 1999, e à Mitsui & Co. Ltd em 10 de Dezembro de 1999. Estas empresas responderam durante o mês de Fevereiro de 2000 e a Nippon Soda apresentou uma declaração complementar em 16 de Maio de 2000.

9        Em 1 de Outubro de 2001, a Comissão adoptou uma comunicação de acusações contra cinco produtores de metionina, entre os quais a recorrente. A mesma comunicação de acusações foi dirigida à Aventis Animal Nutrition (a seguir «AAN»), filial a 100% da Aventis.

10      Na sua comunicação de acusações, a Comissão acusava estas empresas de terem participado, desde 1986 até, na maioria dos casos, ao início de 1999, num acordo continuado contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»), que abrangia a totalidade do EEE. Segundo a Comissão, o acordo em questão consistia na fixação dos preços da metionina, na utilização de um mecanismo de aplicação de aumentos dos preços, na atribuição de mercados nacionais e de quotas de mercado e num mecanismo de fiscalização e aplicação desses acordos.

11      Todas as partes apresentaram observações escritas em resposta à comunicação de acusações da Comissão, tendo a Aventis e a AAN, no entanto, informado a Comissão de que apresentariam uma única resposta em nome das duas sociedades.

12      As respostas foram recebidas pela Comissão entre 10 e 18 de Janeiro de 2002. A Aventis, a AAN (a seguir, conjuntamente, «Aventis/AAN») e a Nippon Soda reconheceram a infracção e admitiram a materialidade de todos os factos. A Degussa admitiu igualmente a infracção, mas unicamente para o período de 1992 a 1997. Em 25 de Janeiro de 2002, teve lugar uma audição com as empresas em causa.

13      No termo do procedimento, por considerar que a Aventis/AAN, a Degussa e a Nippon Soda tinham participado num acordo e/ou prática concertada de carácter continuado que abrangeram a totalidade do EEE, no âmbito dos quais chegaram a acordo sobre objectivos de preços para o produto, adoptaram e utilizaram um mecanismo de aplicação de aumentos dos preços, trocaram informações sobre volumes de vendas e quotas de mercado e fiscalizaram e fizeram aplicar os seus acordos, a Comissão adoptou a Decisão 2003/674/CE da Comissão, de 2 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (processo C.37.519 – Metionina) (JO 2003, L 255, p. 1, a seguir «decisão»).

14      Nos considerandos 63 a 81 da decisão, a Comissão descreveu o acordo como destinado à fixação de escalões de preços e de «preços absolutamente mínimos». Os participantes chegaram a acordo sobre a necessidade de aumentar os seus preços e examinaram aquilo que o mercado poderia aceitar. De seguida, os aumentos de preços foram organizados por diferentes «campanhas» sucessivas, cuja aplicação era analisada durante as reuniões seguintes do cartel. Além disso, os participantes trocaram informações sobre os volumes de vendas e as capacidades de produção, bem como as suas estimativas sobre o volume total do mercado.

15      No que diz respeito a pôr em prática os objectivos de preços, a Comissão observou que as vendas eram objecto de fiscalização por parte dos participantes, sendo os dados objecto de troca compilados e examinados em reuniões regulares, sem que, contudo, tivesse existido um sistema de controlo dos volumes, acompanhado de um mecanismo de compensação, embora a Degussa tenha feito uma proposta nesse sentido. As reuniões multilaterais (mais de 25 entre 1986 e 1999) e bilaterais regulares constituíram um elemento essencial da organização do cartel. As mesmas tomaram a forma de «cimeiras» e de reuniões mais técnicas ao nível dos colaboradores.

16      Por último, o funcionamento do acordo conheceu três períodos distintos. O primeiro, durante o qual os preços estiveram em alta, decorreu desde Fevereiro de 1986 até 1989 e chegou ao seu termo com a saída da Sumitomo do acordo e com a entrada no mercado da Monsanto e da MHA. Durante o segundo período, que decorreu de 1989 a 1991, os preços começaram a descer de maneira espectacular. Os membros do cartel interrogaram‑se então acerca da melhor forma de reagir a esta nova situação (recuperarem as quotas de mercado ou concentrarem‑se nos preços) e concluíram, após diversas reuniões realizadas em 1989 e 1990, ser necessário concentrarem os seus esforços no aumento dos preços. Durante o terceiro e último período, que decorreu desde 1991 até Fevereiro de 1999, o aumento das vendas da MHA produzida pela Monsanto (Novus a partir de 1991) levou os participantes no acordo a concentrarem‑se acima de tudo no nível dos preços.

17      A decisão compreende, nomeadamente, as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

A Aventis [...] e a [AAN], solidariamente responsáveis, a Degussa [...] e a Nippon Soda [...] cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 81.° do Tratado e ao n.° 1 do artigo 53.° do acordo EEE ao participarem, da forma e na medida apresentadas nos considerandos, num complexo de acordos e de práticas concertadas no sector da metionina.

A duração da infracção foi a seguinte:

–        desde Fevereiro de 1986 até Fevereiro de 1999.

[...]

Artigo 3.°

Desta forma, são aplicadas as seguintes coimas às empresas designadas no artigo 1.°, no que se refere à infracção nele verificada:

–        Degussa [...], uma coima de 118 125 000 euros,

–        Nippon Soda [...], uma coima de 9 000 000 de euros

[...]»

18      Para efeitos do cálculo da coima, a Comissão, sem se lhe referir explicitamente, aplicou, no essencial, a metodologia constante das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), bem como da comunicação sobre a cooperação.

19      Para fixar o montante de base da coima, a Comissão considerou, em primeiro lugar, a gravidade da infracção. Declarou que, tendo em conta a natureza do comportamento em causa, a sua incidência sobre o mercado da metionina e a dimensão do mercado geográfico de referência, as empresas destinatárias da decisão tinham cometido uma infracção muito grave ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE (considerandos 270 a 293).

20      Por entender, por outro lado, que era de aplicar um tratamento diferenciado, atendendo à capacidade económica real de as empresas prejudicarem significativamente a concorrência, e fixar a coima a um nível que garantisse um efeito dissuasivo suficiente, a Comissão considerou que, face às grandes diferenças de dimensão entre as empresas, havia que tomar por base as quotas de mercado destas últimas no mercado mundial da metionina e que, portanto, a Rhône‑Poulenc e a Degussa constituíam uma primeira categoria de empresas e a Nippon Soda constituía, por si só, uma segunda categoria. Consequentemente, a Comissão fixou os montantes iniciais das coimas da Aventis/AAN e da Degussa em 35 milhões de EUR, e o montante de base da coima da Nippon Soda em 8 milhões de EUR (considerandos 294 a 302).

21      Para garantir um efeito dissuasivo suficiente e ter em conta o facto de as grandes empresas disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter infractor do seu comportamento as consequências que daí decorrem do ponto de vista do direito da concorrência, a Comissão entendeu, por último, que o montante inicial das coimas aplicadas à Aventis/AAN e à Degussa, calculado em função da importância relativa da empresa no mercado em causa, devia ser agravado de forma a tomar em consideração a dimensão e os recursos globais respectivos dessas duas empresas. A Comissão decidiu, portanto, que havia que aumentar o montante inicial das coimas aplicadas à Aventis/AAN e à Degussa em 100%, elevando‑o para 70 milhões de EUR (considerandos 303 a 305).

22      No que respeita, em segundo lugar, à duração da infracção, a Comissão entendeu que a Aventis/AAN, a Degussa e a Nippon Soda tinham participado de maneira continuada na infracção, de Fevereiro de 1986 a Fevereiro 1999, ou seja, durante doze anos e dez meses. Os montantes iniciais das coimas, determinados em função da gravidade da infracção, foram, por conseguinte, agravados em 10% por ano e 5% por semestre, ou seja, em 125%. O montante de base da coima foi, pois, fixado em 157,5 milhões de EUR para a Aventis/AAN e para a Degussa e em 18 milhões de EUR para a Nippon Soda Company (considerandos 306 a 312).

23      Em terceiro lugar, a Comissão considerou que não havia nenhuma circunstância atenuante a favor das empresas que tinham participado na infracção (considerandos 313 a 331).

24      Em quarto e último lugar, a Comissão, em aplicação da comunicação sobre a cooperação, reduziu em 100% a coima aplicada à Aventis/AAN, ao abrigo da secção B da referida comunicação. Em contrapartida, entendeu que a Nippon Soda e a Degussa não preenchiam as condições para uma redução muito substancial do montante da coima com fundamento na secção B nem as condições para uma redução substancial do montante da coima com fundamento na secção C da comunicação sobre a cooperação. Porém, a Comissão admitiu que a Nippon Soda preenchia as condições previstas na secção D, n.° 2, primeiro e segundo travessões, da referida comunicação e que a Degussa preenchia as condições previstas na secção D, n.° 2, primeiro travessão desta última e, consequentemente, reduziu os montantes das coimas aplicadas a estas empresas em 50% e 25%, respectivamente (considerandos 332 a 355).

 Tramitação processual e pedidos das partes

25      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Setembro de 2002 a recorrente interpôs o presente recurso.

26      Em 13 de Dezembro de 2002, o Conselho pediu para intervir no processo. Por despacho de 13 de Fevereiro de 2003, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção do Conselho em apoio dos pedidos da Comissão.

27      Por decisão do Tribunal de Primeira Instância, o juiz‑relator foi afecto à Terceira Secção, à qual o processo foi consequentemente atribuído.

28      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância convidou as partes a responderem a determinadas questões e a apresentarem certos documentos. As partes cumpriram este pedido.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões que o Tribunal de Primeira Instância lhes colocou na audiência de 27 de Abril de 2005.

30      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular a decisão;

–        subsidiariamente, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

31      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

32      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        decidir sobre as despesas como for de direito.

 Questão de direito

33      A recorrente invoca, no essencial, quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento, no âmbito do qual a recorrente deduz uma excepção de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, refere‑se à violação do princípio da legalidade das penas. O segundo fundamento refere‑se a um erro de apreciação quanto ao carácter único e continuado e à duração da infracção na qual a recorrente participou. O terceiro fundamento refere‑se a erros de apreciação, erros de direito, erros de facto e à violação dos princípios da proporcionalidade, da irretroactividade das penas e da igualdade de tratamento, e do dever de fundamentação na determinação do montante da coima. Por último, o quarto fundamento refere‑se à violação dos princípios do «respeito do segredo profissional», da boa administração e da presunção de inocência.

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da legalidade das penas

A –  Quanto à excepção de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

1.     Argumentos das partes

34      A recorrente deduz uma excepção de ilegalidade na acepção do artigo 241.° CE e alega que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, disposição que habilita a Comissão a aplicar coimas por infracção ao direito comunitário da concorrência, viola o princípio da legalidade das penas enquanto corolário do princípio da segurança jurídica, que é um princípio geral do direito comunitário, atendendo a que essa disposição não predetermina, de forma suficiente, a prática decisória da Comissão.

35      A título preliminar, a recorrente recorda que o princípio da legalidade das penas está consagrado no artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») que prevê que «não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida». Acrescenta que este mesmo princípio (nulla poena sine lege) está igualmente consagrado no artigo 49.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1) (a seguir «Carta») e faz parte integrante das tradições constitucionais dos Estados‑Membros (v., por exemplo, artigo 103.°, n.° 2, da constituição alemã). Deste princípio decorrem, segundo a interpretação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça, tanto o princípio da irretroactividade como o da legalidade das penas (v., nomeadamente, TEDH, acórdão S.W. e Reino Unido de 22 de Novembro de 1995, série A, n.° 335, § 35, e acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1996, X, C‑74/95 e C‑129/95, Colect., p. I‑6609, n.° 25). Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da legalidade das penas constitui uma emanação do princípio da segurança jurídica, que é reconhecido como princípio geral do direito comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1981, Salumi e o., 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 10, e de 22 de Fevereiro de 1984, Kloppenburg, 70/83, Recueil, p. 1075, n.° 11) e exige nomeadamente que a legislação comunitária seja clara e previsível para os sujeitos de direito e que, quando esteja em causa uma regulamentação susceptível de implicar consequências financeiras, a exigência de certeza e previsibilidade constitua um imperativo que se impõe com especial rigor, de forma a permitir aos interessados conhecer com exactidão o alcance das obrigações que lhes são impostas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1990, Comissão/França, C‑30/89, Colect., p. I‑691, n.° 23, e jurisprudência referida).

36      Quanto aos critérios que permitem apreciar o carácter suficientemente certo e previsível de uma «lei», na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, a recorrente recorda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem exige a acessibilidade daquela aos interessados e uma formulação suficientemente precisa para lhes permitir – se necessário, com auxílio de aconselhamento especializado – prever, num grau razoável nas circunstâncias da causa, as consequências que podem resultar de um acto determinado. Todavia, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, uma lei que confere um poder de apreciação não colide, em si, com esta exigência, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente face ao objectivo legítimo em jogo, a fim de proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade (TEDH, acórdãos Margareta e Roger Andersson e Suécia de 25 de Fevereiro de 1992, série A, n.° 226, § 75, e Malone e Reino Unido de 2 de Agosto de 1984, série A, n.° 82, § 66).

37      A recorrente alega que o princípio da legalidade das penas é susceptível de se aplicar tanto às sanções penais como às sanções que não têm natureza penal em sentido estrito e, portanto, igualmente ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, independentemente da questão da natureza jurídica das coimas impostas pela Comissão com fundamento nesta disposição. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que «uma sanção, mesmo de carácter não penal, só pod[ia] ser aplicada se assenta[sse] numa base legal clara e inequívoca» (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1984, Könecke, 117/83, Recueil, p. 3291, n.° 11, e de 18 de Novembro de 1987, Maizena, 137/85, Colect., p. 4587, n.° 15). A indicação constante do artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17, de que as decisões da Comissão que aplicam coimas por infracção ao direito comunitário da concorrência «não têm natureza penal», é, neste aspecto, indiferente, visto que a designação de um acto jurídico não é determinante para a apreciação deste último (TEDH, acórdão Engel e o. e Países Baixos de 8 de Junho de 1976, série A, n.° 22, § 81). Pelo contrário, resulta da gravidade das coimas aplicadas e da sua função repressiva e preventiva que as mesmas se revestem essencialmente de natureza quase penal, senão mesmo de natureza penal em sentido lato.

38      Além disso, esta interpretação é conforme com a dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no que respeita ao conceito de acusação penal (TEDH, acórdãos Belilos e Suíça de 29 de Abril de 1988, série A, n.° 132, §§ 62 e 68, Öztürk e Alemanha de 21 de Fevereiro de 1984, série A, n.° 73, §§ 46 e segs., e Engel e o. e Países Baixos, já referido no n.° 37 supra, §§ 80 e segs.), segundo a qual mesmo as coimas de baixo montante aplicadas no âmbito de procedimentos administrativos têm natureza penal. A recorrente considera a fortiori que este é também o caso das coimas aplicadas pela Comissão por infracção ao direito comunitário, dada a importância dos seus montantes.

39      A recorrente recorda que, segundo o Tribunal de Justiça, a exigência de clareza jurídica é «particularmente imperiosa num domínio em que qualquer incerteza faz correr o risco de [...] aplicação de sanções particularmente sensíveis» (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Comissão/Reino Unido, 32/79, Recueil, p. 2403, n.° 46), o que sucede no caso das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

40      Além disso, a recorrente sublinha que resulta da repartição das competências entre o Conselho e a Comissão prevista nos artigos 83.° CE e 85.° CE que só o Conselho tem competência para estabelecer os regulamentos ou directivas úteis para a aplicação dos princípios constantes dos artigos 81.° CE e 82.° CE. Os requisitos relativos ao princípio da legalidade das penas implicam, portanto, que o Conselho não possa delegar na Comissão o poder de impor coimas, na falta de um sistema suficientemente determinado.

41      Ora a recorrente sustenta que a Comissão dispõe de poderes simultaneamente de investigação, acusação e julgamento. Semelhantes poderes, que não estão em conformidade com as tradições constitucionais dos Estados‑Membros, deveriam ser enquadrados por regras claras e unívocas. A recorrente entende, assim, que o regulamento de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE do Conselho deveria definir precisamente o teor, objectivo e intensidade das sanções. Além disso, o princípio da legalidade das penas exige que seja previsto um limiar, que não deveria ser excessivamente elevado, a fim de que a coima não adquira natureza penal. Com efeito, caso a coima pudesse ser ilimitada, a mesma não seria definitivamente determinada de forma antecipada pelo Conselho, mas antes imposta pela Comissão enquanto autoridade executiva.

42      A recorrente entende que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não preenche os requisitos decorrentes do princípio da legalidade das penas, anteriormente descritas.

43      Em primeiro lugar, sustenta que o Regulamento n.° 17 não prevê os casos em que uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE deve ser objecto de uma coima, deixando à Comissão o poder discricionário de decidir da oportunidade desta última. A recorrente recorda, a este respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão (32/78, 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, n.° 53), nos termos do qual a Comissão beneficia de total liberdade no exercício do poder discricionário de que dispõe para decidir ou não aplicar uma coima.

44      Em segundo lugar, a recorrente alega que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não contém um limite quantificado. A recorrente entende, por isso, que esta previsão não é compatível com o princípio da legalidade das penas e constitui uma transferência, para a Comissão, de uma competência que, por força do Tratado, cabe ao Conselho. Na realidade, o montante da coima não é determinado antecipadamente pelo regulamento mas sim, e exclusivamente, pela Comissão, de forma não previsível nem verificável (v. acórdão Comissão/França, referido no n.° 35 supra, n.° 23, e a jurisprudência aí referida). A necessidade de garantir que a coima tenha um efeito dissuasivo não pode justificar essa falta de limiar absoluto, porquanto esta exigência deve ser conciliada com o princípio fundamental do direito comunitário, de valor jurídico superior, que é o princípio da legalidade das penas (acórdãos Kloppenburg, referido no n.° 35 supra, n.° 11, e Salumi e o., referido no n.° 35 supra, n.° 10).

45      Em terceiro lugar, a recorrente observa que não há critérios estabelecidos pelo legislador para a fixação da coima, excepto quanto à gravidade e duração da infracção. Ora estes dois critérios não têm, na prática, nenhum efeito restritivo sobre o poder de apreciação da Comissão. Com efeito, por um lado, a Comissão não está obrigada por uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54, e acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 443) e, por outro, a Comissão tem em conta numerosos factores agravantes ou atenuantes que os sujeitos de direito não podem conhecer antecipadamente.

46      Além disso, os requisitos relativos ao princípio da igualdade de tratamento não permitem compensar essa imprecisão atendendo a que, segundo a jurisprudência, a Comissão não é obrigada a velar por que os montantes finais das coimas traduzam toda e qualquer diferença entre as empresas em causa quanto ao seu volume de negócios (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 278).

47      A tese da recorrente é corroborada por um acórdão do Bundesverfassungsgericht (tribunal constitucional alemão), segundo o qual uma norma penal que preveja, como limite da pena, o património do condenado deve ser anulada por ser contrária ao princípio da legalidade das penas (acórdão de 20 de Março de 2002, BvR 794/95, NJW 2002, p. 1779). Contrariamente ao que afirma o Conselho, o § 81, n.° 2, da lei alemã contra as restrições da concorrência [Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (GWB)] não contém nenhuma disposição análoga ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, tendo o legislador renunciado voluntariamente a esse quadro.

48      Em quarto lugar, a recorrente refere que a prática decisória da Comissão ilustra a justeza da sua tese. Esta prática é marcada pelas diferenças importantes entre os montantes das coimas aplicadas e por um aumento brutal e recente dos referidos montantes. A recorrente observa, assim, designadamente, que oito das dez coimas mais importantes foram aplicadas após 1998 e que uma coima recorde de 855,23 milhões de EUR, dos quais 462 milhões a uma única empresa, foi aplicada no chamado caso das «vitaminas» [Decisão da Comissão C (2001) 3695 final, de 21 de Novembro de 2001, processo COMP/E‑1/37.512]. Este último montante é quinze vezes superior à média das coimas aplicadas entre 1994 e 2000 e a segunda coima mais elevada [\decisão da Comissão C (2001) 4573 final, de 20 de Dezembro de 2001, processo COMP/E‑1/36.212 – Papel autocopiativo] do ano de 2001 representa ainda seis vezes esse valor médio.

49      Em quinto lugar, a recorrente entende que o sistema existente não pode ser justificado pelo necessário efeito dissuasivo que as coimas devem revestir para as empresas. Com efeito, por um lado a recorrente admite que, embora o montante exacto da coima não deva ser determinável antecipadamente, o objectivo de dissuasão não autoriza, contudo, o Conselho a não «mencionar claramente os limites da competência atribuída à Comissão». Por outro lado, observa que a falta de um mínimo de previsibilidade da coima teve, na realidade, por efeito dissuadir as empresas de cooperar com a Comissão. A possibilidade de avaliar, ainda que aproximativamente, as potenciais consequências de um comportamento garante, pelo contrário, muito melhor o efeito dissuasivo prosseguido, à semelhança das leis penais nacionais.

50      Em sexto lugar, a recorrente sustenta que as orientações não podem ser consideradas um paliativo para a falta de legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Por um lado, as referidas orientações não podem, segundo afirma, constituir um acto jurídico na acepção do artigo 249.° CE e, por outro, só o Conselho está habilitado a adoptar disposições nesta matéria, nos termos do artigo 83.° CE. A recorrente entende que é, pois, ao Conselho que cabe respeitar o princípio da legalidade das penas. Pelos mesmos motivos, a competência de plena jurisdição reconhecida ao Tribunal de Justiça pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17 não pode compensar a falta de legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do mesmo regulamento. Com efeito, a recorrente recorda que, não obstante esta competência, é à Comissão que compete, em primeira linha, determinar o montante da coima e provar os factos durante o procedimento administrativo. Além disso, a recorrente recorda que a imprecisão do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e a falta de critérios de fiscalização levam ao esvaziamento de sentido da competência de plena jurisdição atribuída aos órgãos jurisdicionais comunitários. Por último, a recorrente nota que não se pode exigir aos sujeitos de direito que interponham sistematicamente recursos contenciosos pelo facto de o quadro legal da imposição de coimas ser insuficientemente determinado. Acrescenta que a compensação, pelo tribunal comunitário, dos erros do legislador ultrapassa as atribuições da jurisprudência e é, pois, contestável à luz do artigo 7.°, n.° 1, CE.

51      A Comissão entende que a argumentação da recorrente não procede.

52      A Comissão sublinha que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 constitui uma base jurídica clara e sem ambiguidade que permite às empresas prever as possíveis consequências dos seus actos com precisão suficiente.

53      Além disso, a Comissão recorda que o poder de apreciação de que dispõe deve ser exercido com observância dos critérios da gravidade e da duração da infracção estabelecidos nesse artigo, dos princípios gerais de direito comunitário, nomeadamente dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento e da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. A Comissão sustenta, assim, que deve respeitar os referidos princípios sempre que faz uso do seu poder discricionário (v., quanto ao respeito do princípio da igualdade de tratamento, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, Brugg Rohrsysteme/Comissão, T‑15/99, Colect., p. II‑1613, n.os 149 e segs., e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.os 69, 207, 281 e 308; conclusões do advogado‑geral D. Ruiz Jarabo‑Colomer no processo que deu origem ao acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., pp. I‑123, I‑133, n.os 96 e segs.).

54      Ao contrário do alegado pela recorrente, não se pode, a este respeito, inferir do acórdão BMW Belgium e o./Comissão, referido no n.° 43 supra, que essa fiscalização não se estende à decisão de aplicar ou não uma coima. Com efeito, neste processo, o facto de o Tribunal de Justiça ter admitido a possibilidade de a Comissão aplicar uma coima aos revendedores, quando o não tinha feito em processos anteriores, não significa que o poder da Comissão de aplicar ou não uma coima seja ilimitado, pois este último deve ser exercido com fundamento em razões objectivas que correspondam à finalidade da disposição que atribui à Comissão o referido poder.

55      A recorrente não tem razão quando invoca o facto de a decisão ser uma «decisão‑surpresa», na medida em que a função dissuasiva da coima implica que esta não pode ser calculada antecipadamente pelas empresas e comparada com o ganho esperado. A Comissão recorda que, de qualquer das formas, a recorrente não podia fundar a sua confiança legítima no facto de não lhe ser aplicada uma coima superior às coimas mais elevadas aplicadas no decurso da infracção (acórdãos LR AF 1998/Comissão, no n.° 46 supra, n.° 241, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.os 63 e 64).

56      Além disso, a competência de plena jurisdição do Tribunal de Primeira Instância e a adopção das orientações em Janeiro de 1998, orientações estas que foram declaradas compatíveis com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, contradizem a posição da recorrente de que a determinação da coima foi arbitrária e desprovida de transparência.

57      Tão‑pouco se pode acusar o Conselho de ter efectuado uma transferência de competências para a Comissão em violação do Tratado, atendendo a que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, devido aos critérios que menciona, tal como são interpretados pelos órgãos jurisdicionais comunitários, e à exigência do respeito dos princípios gerais do direito comunitário, constitui uma base jurídica suficientemente determinada face ao objectivo prosseguido pela aplicação de coimas. O argumento de que as orientações não podem sanar a falta de determinação desta disposição carece, pois, de objecto. Além disso, estas últimas melhoraram a segurança jurídica e a transparência do processo decisório.

58      Por último, quanto ao aumento do montante das coimas durante os últimos anos, a Comissão observa, por um lado, que o aumento do volume de negócios das empresas desde os anos 60 justifica, por si só, a margem de manobra deixada à Comissão pela disposição impugnada e, por outro, que segundo jurisprudência assente (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 108 e 109; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 46 supra, n.° 237, e de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.os 144 e 145), a Comissão deve poder aumentar o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo. Porém, este poder discricionário não é ilimitado, pois o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância examinam se os aumentos decididos pela Comissão são justificados pelo interessado alegado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Sarrió/Comissão, T‑334/94, Colect., p. II‑1439, n.os 323 a 335, e de 20 de Março de 2002, Lögstör Rör/Comissão, T‑16/99, Colect., p. II‑1633, n.° 251). Por último, a Comissão nota que, apesar deste aumento do nível das coimas, as infracções manifestas, graves e de longa duração continuam a ser relativamente frequentes.

59      O Conselho, interveniente no litígio, entende que a excepção de ilegalidade do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 deve ser julgada improcedente. O Conselho admite que uma coima, ainda que se trate de uma sanção sem natureza penal, deve assentar numa base legal clara e sem ambiguidade. Considera, no entanto, que o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 preenche este requisito. Recorda, além disso, que o princípio nulla poena sine lege só é susceptível de se aplicar às sanções penais, o que não é o caso das coimas impostas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, conforme o disposto no n.° 4 deste mesmo artigo. Por isso, os requisitos relativos a este princípio não podem ser aplicados ao caso vertente (acórdão Maizena, referido no n.° 37 supra, n.° 14; TEDH, acórdão Welch e Reino Unido de 9 de Fevereiro de 1995, série A, n.° 307).

60      Além disso, o Conselho entende que o montante da sanção está suficientemente determinado, na medida em que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 prevê um limite para a coima em função do volume de negócios da empresa em causa. Um limite absoluto não seria adaptado, dado que as decisões da Comissão dizem respeito a casos individuais. Por outro lado, o poder de apreciação da Comissão, longe de ser absoluto, é limitado pela tomada em consideração obrigatória dos critérios da duração e gravidade da infracção previstos no referido artigo. A Comissão está, assim sujeita à observância dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação.

61      O Conselho considera que é difícil definir um quadro mais restritivo, que permita ter em conta circunstâncias específicas do contexto de cada infracção e garantir um efeito dissuasivo suficiente. De resto, o Tribunal de Primeira Instância nunca pôs em causa a validade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, pelo contrário, até a confirmou (acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.os 98 a 101).

62      Quanto ao argumento da recorrente de que a prática da Comissão se caracteriza por diferenças muito substanciais nos montantes das coimas aplicadas e por um aumento brutal e recente, o Conselho observa que estas afirmações apenas reflectem o facto de as empresas em causa terem volumes de negócios diferentes e de a sua dimensão aumentar.

63      Também é errado afirmar que a Comissão acumula as funções de autoridade de investigação, acusador e juiz, visto que está sujeita a uma fiscalização de plena jurisdição, não podendo, por isso, ser considerada juiz e parte.

64      O mesmo se pode dizer da afirmação de que o Conselho delegou na Comissão a sua competência para instituir coimas. Com efeito, o Conselho recorda que a delegação de que a Comissão beneficia diz respeito apenas à competência para tomar decisões com base no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o qual constitui a expressão da competência do Conselho. Isso está em conformidade com o artigo 202.°, terceiro travessão, CE.

65      Por último, o Conselho observa que, ao contrário do alegado pela recorrente, existem ao nível dos Estados‑Membros, nomeadamente na Suécia e na Alemanha regras comparáveis.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

66      Recorde‑se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito comunitário e exige, designadamente, que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta impõe ou permite impor sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1981, Gondrand Frères e Garancini, 169/80, Recueil, p. 1931, n.° 17; Maizena, referido no n.° 37 supra, n.° 15; de 13 de Fevereiro de 1996, van Es Douane Agenten, C‑143/93, Colect., p. I‑431, n.° 27; e X, referido no n.° 35 supra, n.° 25).

67      Este princípio, que faz parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais, nomeadamente pelo artigo 7.° da CEDH, impõe‑se tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que impõem ou permitem impor sanções administrativas (v. acórdão Maizena, referido no n.° 37 supra, n.os 14 e 15, e a jurisprudência referida). Este princípio aplica‑se não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras (v., neste sentido, acórdão X, referido no n.° 35 supra, n.os 22 e 25).

68      A este respeito, observe‑se que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.»

69      Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, resulta desta disposição que a lei deve definir claramente as infracções e as penas que as reprimem. Este requisito está preenchido quando o litigante pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os actos e omissões pelos quais responde penalmente (TEDH, acórdão Coëme c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões, 2000‑VII, § 145).

70      O Conselho sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não se pode inspirar no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa a este artigo para analisar a legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, atendendo a que o artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17 dispõe que as decisões tomadas pela Comissão ao abrigo, nomeadamente, do n.° 2 dessa disposição não têm natureza penal.

71      Ora, sem que seja necessário apreciar a questão de saber se, face, designadamente, à natureza e grau de severidade das coima aplicadas pela Comissão por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH é susceptível de se aplicar a essas sanções, não se pode deixar de observar que, mesmo na hipótese de se dever considerar que o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH é aplicável a tais sanções, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, para preencher os requisitos desta disposição, não é exigido que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta.

72      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a existência de termos vagos na disposição não implica necessariamente a violação do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH e o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, tendo em conta o objectivo legítimo em jogo, a fim de proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade (TEDH, acórdão Margareta e Roger Andersson e Suécia, referido no n.° 36 supra, § 75). A este propósito, além do texto da própria lei, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram precisados em jurisprudência assente e publicada (acórdão G. e França de 27 de Setembro de 1995, série A, n.° 325‑B, § 25).

73      Por outro lado, a tomada em conta das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros não leva a que, ao princípio geral do direito comunitário que é o princípio da legalidade das penas, se dê uma interpretação diferente. Quanto aos argumentos da recorrente baseados no acórdão do Bundesverfassungsgericht de 20 de Março de 2002 (referido no n.° 47 supra), – mesmo admitindo que este se possa mostrar pertinente no âmbito das coimas aplicadas a empresas por violação das regras de concorrência – e no § 81.°, n.° 2, da GWB, que não contém nenhuma disposição análoga ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, há que sublinhar que uma tradição constitucional comum aos Estados‑Membros não pode ser inferida da situação jurídica de um só Estado‑Membro. A este propósito, refira‑se, que, pelo contrário, como observa o Conselho, sem ser contradito, quanto a este ponto, pela recorrente, o direito pertinente de outros Estados‑Membros conhece, no que toca à aplicação de sanções administrativas como as aplicadas por violação das regras nacionais da concorrência, um nível de delimitação comparável ao do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, senão mesmo critérios semelhantes ou idênticos aos previstos nesta disposição comunitária; citando o Conselho a este propósito o exemplo do Reino da Suécia.

74      Quanto à validade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 face ao princípio da legalidade das penas, tal como este foi reconhecido pelo tribunal comunitário de acordo com as indicações fornecidas pela CEDH e as tradições constitucionais dos Estados‑Membros, não se pode deixar de observar que, ao contrário do que a recorrente sustenta, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada para a fixação das coimas por infracção às regras da concorrência.

75      Com efeito, o próprio artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 limita o poder de apreciação da Comissão. Por um lado, ao precisar que «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de [1000 EUR], no mínimo, a um milhão [de EUR], podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção», o mesmo artigo prevê um limite para as coimas em função do volume de negócios das empresas em causa, ou seja, em função de um critério objectivo. Assim, embora, como refere a recorrente, não haja um limite absoluto aplicável à globalidade das infracções às regras de concorrência, a coima que pode ser aplicada conhece, no entanto, um limite quantificável e absoluto, calculado em função de cada empresa, para cada infracção, pelo que o montante máximo da coima que pode ser aplicada a uma empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, esta disposição impõe à Comissão que fixe as coimas em caso concreto, tomando «em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma».

76      Embora estes dois critérios deixem, é certo, à Comissão uma larga margem de apreciação, não é menos verdade que se trata de critérios adoptados por outros legisladores para disposições semelhantes e que permitem à Comissão adoptar sanções tomando em consideração o grau de ilegalidade do comportamento em causa. Por conseguinte, há que considerar, neste estádio, que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, ao mesmo tempo que deixa à Comissão uma certa margem de apreciação, define os critérios e limites que se lhe impõem no exercício do seu poder em matéria de coimas.

77      Além disso, há que observar que, para fixar coimas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão é obrigada a observar os princípios gerais de direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como foram desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância.

78      Contrariamente ao afirmado pela recorrente, os limites ao poder de apreciação da Comissão anteriormente descritos impõem igualmente à decisão de aplicar ou não uma coima, nomeadamente quando a Comissão aplica a comunicação sobre a cooperação, cuja validade, aliás, não é impugnada. A este propósito, o facto de o Tribunal de Justiça ter admitido, no acórdão citado pela recorrente (acórdão BMW Belgium e o./Comissão, referido no n.° 43 supra, n.° 53), que a circunstância de, em processos anteriores semelhantes, a Comissão não ter considerado que havia lugar à aplicação de uma coima a determinados operadores económicos não a privava desse poder, expressamente reconhecido pelo Regulamento n.° 17, desde que estivessem reunidas as condições para o seu exercício, não pode significar que a Comissão dispõe do poder discricionário de não aplicar uma coima, sem que a ela se imponha o respeito, por um lado, da auto‑limitação ao exercício do seu poder de apreciação resultante das orientações e da comunicação sobre a cooperação e sobretudo, por outro, dos princípios gerais do direito, nomeadamente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, bem como, de uma maneira geral, do efeito útil dos artigos 81.° CE e 82.° CE e do princípio da livre concorrência resultante do artigo 4.°, n.° 1, CE.

79      Importa acrescentar também que, por força do artigo 229.° CE e do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância decidem com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular as decisões tomadas pela Comissão, mas também suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa da Comissão está sujeita à plena fiscalização do tribunal comunitário. Ao contrário do que afirma a recorrente, esta fiscalização não leva o tribunal comunitário a ultrapassar as suas competências, violando o artigo 7.°, n.° 1, CE, atendendo a que, por um lado, esta fiscalização está expressamente prevista nas disposições supracitadas, cuja validade não é contestada, e, por outro, o juiz comunitário a exerce com observância dos critérios a que se refere o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Por conseguinte, a fiscalização exercida pelo juiz comunitário permitiu precisamente esclarecer, em jurisprudência assente e publicada, os conceitos indeterminados que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 podia conter.

80      Por outro lado, com base em critérios constantes do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e esclarecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, a própria Comissão desenvolveu uma prática administrativa conhecida e acessível. Ainda que a prática decisória da Comissão não sirva, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑0000, n.° 87, e jurisprudência referida), não é menos verdade que, por força do princípio da igualdade de tratamento, a Comissão não pode tratar situações comparáveis de modo diferente ou situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

81      Além disso, é jurisprudência assente que a Comissão pode, a todo o tempo, adaptar o nível das coimas, se a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência o exigir (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 109, e acórdão LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 46 supra, n.os 236 e 237), podendo então essa alteração da prática administrativa da Comissão ser objectivamente justificada pelo objectivo de prevenção geral das infracções às regras comunitárias de concorrência. O aumento recente do nível das coimas, invocado e contestado pela recorrente, não pode, pois, em si, ser considerado ilegal face ao princípio da legalidade das penas, quando se mantenha no quadro legal definido pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, tal como interpretado pelos órgãos jurisdicionais comunitários.

82      Por outro lado, importa ter em conta que, com uma preocupação de transparência e para reforçar a segurança jurídica das empresas em questão, a Comissão publicou orientações em que enuncia o método de cálculo que impõe a si própria em cada caso específico. A este propósito, o Tribunal de Justiça já considerou, de resto, que ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão se autolimitou no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essas regras sob pena de poder ser penalizada, sendo caso disso, por violação dos princípios gerais do direito, tais como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima. Além disso, embora não constituam o fundamento jurídico da decisão, as orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas pela referida decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑0000, n.os 211 e 213). Daqui se conclui que, ao contrário do afirmado pela recorrente, a adopção de orientações pela Comissão, na medida em que se inscreveu no quadro legal imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não pode ser considerada viciada de incompetência, apenas tendo contribuído para precisar os limites do poder de apreciação da Comissão que já resulta daquela disposição.

83      Assim, face aos diferentes elementos atrás apontados, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método e ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. O facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas, atendendo a que, devido à gravidade das infracções que a Comissão é chamada a punir, os objectivos de repressão e de dissuasão justificam que se evite que as empresas possam avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infracção tendo em conta, por antecipação, o montante da coima que lhes seria aplicada devido a esse comportamento ilícito.

84      A este propósito, ainda que as empresas não possam, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão determinará em cada caso concreto, há que notar que, em conformidade com o artigo 253.° CE, na decisão que aplica uma coima, a Comissão tem o dever, e isso não obstante o contexto geralmente conhecido da decisão, de a fundamentar, nomeadamente no que toca ao montante da coima aplicada e ao método utilizado para o determinar. Esta fundamentação deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da Comissão, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida tomada, para ajuizar da oportunidade de recorrer ao juiz comunitário e, se for caso disso, de permitir a este último exercer a sua fiscalização.

85      Por último, quanto ao argumento de que, ao definir o quadro da coima, em conformidade com o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o Conselho, efectivamente, transferiu para a Comissão uma competência que lhe pertencia por força do Tratado, violando os artigos 83.° CE e 229.° CE, há que considerar que o mesmo não tem fundamento.

86      Por um lado, como se expôs anteriormente, embora o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 deixe à Comissão uma larga margem de apreciação, limita porém o seu exercício instituindo critérios objectivos que a Comissão tem de observar. Por outro lado, há que recordar que, como o Conselho referiu na audiência, o Regulamento n.° 17 foi adoptado com base no artigo 83.°, n.° 1, CE, que prevê que «[o]s regulamentos ou directivas necessários à aplicação dos princípios constantes dos artigos 81.° e 82.° serão estabelecidos pelo Conselho, [...] sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu». Estes regulamentos e directivas têm, conforme dispõem as alíneas a) e d) do n.° 2 do artigo 83.°, respectivamente, o objectivo de «[g]arantir o respeito das proibições referidas no n.° 1 do artigo 81.° [CE] e no artigo 82.° [CE], pela cominação de multas e adstrições», e de «definir as funções respectivas da Comissão e do Tribunal de Justiça quanto à aplicação do disposto no presente número». Recorde‑se, por outro lado, que, nos termos do artigo 211.°, primeiro travessão, CE, a Comissão «vela pela aplicação das disposições do presente Tratado bem como das medidas tomadas pelas instituições, por força deste» e que dispõe, por força do terceiro travessão do mesmo artigo, de um «poder de decisão próprio».

87      Daqui resulta que não se pode considerar que o poder de aplicar coimas por infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE pertence originariamente ao Conselho, que o transferiu para a Comissão ou delegou nesta a respectiva execução, na acepção do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. De acordo com as disposições do Tratado anteriormente citadas, este poder integra‑se, com efeito, no papel específico da Comissão de velar pela aplicação do direito comunitário, papel este que, tratando‑se da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, foi precisado, enquadrado e formalizado pelo Regulamento n.° 17. O poder de aplicar coimas que este regulamento atribui à Comissão decorre, pois, das previsões do próprio Tratado e destina‑se a permitir a aplicação efectiva das proibições previstas nos referidos artigos (v., neste sentido, acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 133). Por conseguinte, o argumento da recorrente deve ser julgado improcedente.

88      Resulta do exposto que a excepção de ilegalidade deduzida relativamente ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 deve ser julgada improcedente.

B –  Quanto à interpretação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 à luz do princípio da legalidade das penas

89      Na hipótese de o Tribunal de Primeira Instância não declarar a invalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a recorrente sustenta, a título subsidiário, que esta disposição deveria ser objecto de concretização e interpretada de forma estrita, face ao princípio da legalidade das penas, à semelhança da prática decisória da Comissão e da jurisprudência relativas aos artigos 81.° CE e 82.° CE. A recorrente expõe, a este propósito, determinadas propostas destinadas a permitir uma suficiente previsibilidade da coima e conclui pedindo a anulação da decisão.

90      A Comissão e o Conselho consideram que estes argumentos são improcedentes.

91      Ora, a este propósito basta notar, antes de mais, que os argumentos que a recorrente expôs no âmbito da segunda parte, invocada a título subsidiário, do fundamento relativo à violação do princípio da legalidade das penas se limitam a reiterar parcialmente alguns dos argumentos já desenvolvidos no âmbito da primeira parte do mesmo fundamento, dirigindo‑os contra a prática decisória da Comissão resultante da aplicação das orientações e contra a decisão, na medida em que ilustra essa prática. Ora, além de que a prática decisória não pode ser objecto de qualquer recurso de anulação, há que recordar que, como se referiu anteriormente, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não desrespeita o princípio da legalidade das penas e que a prática decisória da Comissão e as orientações contribuíram precisamente, sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais comunitários, para reforçar a segurança jurídica das empresas. Não se pode, pois, considerar que a decisão é ilegal unicamente com o fundamento de que esta constitui uma aplicação da prática decisória alegadamente ilegal da Comissão em matéria de coimas. Há, pois, que rejeitar os referidos argumentos.

92      Além disso, na medida em que a recorrente invoca, no âmbito da presente parte, argumentos relativos à alegada falta de fundamentação da decisão, especialmente no que toca à determinação do montante de base, do impacto real da infracção no mercado e do aumento do montante da coima para garantir a esta um efeito dissuasivo suficiente, refira‑se que estes argumentos se enquadram fundamentalmente no terceiro fundamento, que versa especificamente sobre a questão da fundamentação da decisão e no âmbito do qual serão portanto apreciados.

93      Por último, quanto ao restante, os argumentos da recorrente consistem em considerações gerais e teóricas sobre a prática decisória que a Comissão deveria conduzir, sobre novas disposições que o Conselho deveria adoptar e sobre os desenvolvimentos jurisprudenciais que o Tribunal de Primeira Instância deveria efectuar, pelo que não suscitam nenhuma objecção de ordem jurídica contra a decisão, devendo por isso ser rejeitados.

94      Por outro lado, na réplica e na audiência, a recorrente acrescentou que se deve considerar que o volume de negócios a que se refere o limite máximo da coima de 10% do volume de negócios realizado durante o exercício social anterior à adopção da decisão que aplicou a coima devia ser o volume de negócios realizado no mercado em causa e não o volume de negócios global.

95      Desde que possa ser inferido desta alegação que a recorrente pretende impugnar a decisão na parte em que lhe aplicou uma coima que excede 10% do volume de negócios que ela realizou no mercado da metionina no exercício social anterior à adopção da decisão, e sem que seja sequer necessário interrogar‑se quanto à admissibilidade dessa argumentação face ao artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, nomeadamente quanto à existência de um nexo estreito entre essa argumentação e um dos fundamentos constantes da petição, basta recordar que nem o Regulamento n.° 17, nem a jurisprudência, nem as orientações prevêem que o montante das coimas deva ser fixado directamente em função da dimensão do mercado afectado, sendo este factor apenas um elemento pertinente entre outros. Com efeito, em conformidade com o Regulamento n.° 17, conforme interpretado pela jurisprudência, o montante da coima aplicada a uma empresa por uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcionado à infracção, apreciada no seu conjunto, tendo nomeadamente em conta a gravidade desta (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 240, e, por analogia, de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127). Como o Tribunal de Justiça afirmou no n.° 120 do acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, para se apreciar a gravidade de uma infracção é necessário ter em conta um grande número de elementos cuja natureza e importância variam segundo o tipo de infracção em causa e as circunstâncias específicas desta (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, JFE Engineering/Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colect., p. II‑0000, n.° 532).

96      Cumpre igualmente observar, a este respeito, que, segundo jurisprudência assente, a única referência expressa ao volume de negócios da empresa em causa, ou seja, o limite de 10% do volume de negócios tido em conta para efeitos de fixação das coimas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, visa o volume de negócios global da empresa realizado no mundo inteiro (v., neste sentido, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 119) e não o volume de negócios por ela realizado no mercado afectado pelo comportamento anticoncorrencial punido. Com efeito, resulta do mesmo número desse acórdão que esse limite visa evitar que as coimas sejam desproporcionadas em relação à importância da empresa no seu conjunto (acórdão JFE Engineering/Comissão, referido no n.° 95 supra, n.° 533).

97      Daqui se conclui que há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

98      Em consequência, há que julgar o primeiro fundamento globalmente improcedente.

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de apreciação quanto ao carácter único e continuado e à duração da infracção

99      A recorrente contesta, a título principal, que tenha participado numa infracção única e continuado entre Fevereiro de 1986 e Fevereiro de 1999. Admite ter participado numa infracção entre 1986 e 1988 e após 1992, mas alega, por um lado, que a prática anticoncorrencial foi interrompida entre 1988 e 1992 e, por outro, que esta cessou definitivamente em 1997. Subsidiariamente, considera que a Comissão deveria, em todo o caso, ter tido em conta o facto de os acordos terem, pelo menos, sido suspensos entre 1988 e 1992 e após 1997.

A –  Quanto à interrupção da infracção entre 1988 e 1992

1.     Argumentos das partes

100    Segundo a recorrente, na sequência da retirada da Sumitomo do acordo as «cimeiras» e os acordos anticoncorrenciais foram interrompidos em 1988 e retomados apenas em 1992.

101    Em primeiro lugar, a recorrente entende que, quando afirmou no considerando 212 da decisão que, uma vez que os participantes no acordo não tinham manifestado a sua intenção de alterar ou renunciar aos acordos, não se podia dar por assente que o acordo tivesse cessado entre 1988 e 1992, e ao declarar, nos considerandos 251 e seguintes da decisão que, dado que os participantes no acordo nunca comunicaram reciprocamente a sua intenção de pôr termo aos acordos, havia que concluir daí que não tinha havido formação de um novo acordo, mas unicamente desenvolvimento orgânico de uma estrutura de acordo complexa, a Comissão reconheceu implicitamente que não dispunha de prova directa da existência do acordo entre 1988 e 1992. Assim, a Comissão baseou‑se em presunções e comportamentos em seu entender impostos e isso desrespeitando as exigências em matéria de administração da prova e do princípio in dubio pro reo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 354; de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 261 a 266; e de 28 de Março de 1984, CRAM e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 16). Além disso, a comunicação recíproca da intenção de pôr termo a um acordo não constitui, de modo nenhum, uma condição para a cessação de um acordo contrário ao direito da concorrência (acórdão LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 46 supra, n.os 59 e segs.). Por conseguinte, não compete à recorrente provar que não participou na infracção durante o período considerado, mas sim à Comissão produzir a prova de que a recorrente tomou efectivamente parte nesta (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 58).

102    Em segundo lugar, a recorrente alega, no essencial, que a Comissão apreciou de forma errada os diferentes documentos destinados a provar a existência de um acordo entre 1988 e 1992.

103    Para fundamentar as suas afirmações, em primeiro lugar, a recorrente observa que a apresentação dos factos pela Nippon Soda nas suas observações de 23 de Fevereiro de 2000, na qual a Comissão se baseia, só menciona uma única vez a existência de reuniões entre 1988 e 1990, que prosseguiram de uma forma ou de outra e unicamente ao nível dos colaboradores até 13 de Maio de 1998. Ora, a Comissão não teve em conta o facto de, as declarações da Nippon Soda, referirem, por um lado, que as «cimeiras» cessaram em 1988 e, por outro, que as reuniões ao nível dos colaboradores entre 1988 e 1990 tinham unicamente por objecto a forma pela qual as participantes se podiam proteger da concorrência da Monsanto e a organização de um intercâmbio de informações, que não constitui uma infracção ao direito da concorrência.

104    Em segundo lugar, quanto à nota de 5 de Maio de 1990 produzida pela Nippon Soda (a seguir «nota de 5 de Maio de 1990»), da qual a Comissão inferiu que tinha havido uma reunião em 1989, a recorrente alega, pelo contrário, que esse documento enumera, na introdução, as razões pelas quais as relações de cooperação comercial foram cortadas em 1989, ou seja, a existência de uma controvérsia entre a Sumitomo, por um lado, e a Degussa e a Rhône‑Poulenc, por outro. Além disso, a nota de 5 de Maio de 1990 indica que a reunião de Agosto de 1989, tinha por objecto dissuadir a Degussa de vender a metionina a preços reduzidos. No entanto, resulta dessa nota que a Degussa rejeitou categoricamente quaisquer esforços de dissuasão, pois o seu objectivo comercial era concorrer com a Monsanto e com a Sumitomo. Assim, essa reunião pode, quando muito, ser vista como uma tentativa, por parte da Nippon Soda e da Rhône‑Poulenc, de instigar a recorrente a participar numa infracção e prova, de qualquer forma, a inexistência de intenções anticoncorrenciais por parte desta última.

105    Foi, por outro lado, erradamente, que a Comissão inferiu da nota de 5 de Outubro de 1990 nos considerandos 103 a 106 da decisão, que tinha sido avançada a possibilidade de uma nova reunião mas que se ignorava se essa reunião se tinha efectivamente realizado, quando a Nippon Soda aí concluiu, pelo contrário, que não era possível chegar a uma estimativa comum do preço de venda, tendo em conta que mesmo a Rhône‑Poulenc não estava interessada numa política comum de preços.

106    Por último, na nota de 5 de Maio de 1900 conclui que havia «motivos para crer que a Degussa não se preocupa[va] muito com o que a Rhône‑Poulenc realmente pensa[va]». A recorrente declara, assim, interrogar‑se quanto ao fundamento da afirmação da Comissão, no considerando 106 da decisão, de que a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda se reuniram diversas vezes em 1989 e 1990 para discutir preços e dados relativos ao mercado e para decidir da sua reacção conjunta à nova situação do mercado. A recorrente recorda que, pelo contrário, a Degussa exprimiu claramente perante as outras empresas interessadas, a sua intenção de não prosseguir a execução dos acordos.

107    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão também não fez prova bastante da participação da sua infracção entre 1990 e 1992. Com efeito, resulta da declaração complementar da Rhône‑Poulenc, de 5 de Dezembro de 2000, que a reunião de 10 de Junho de 1990 entre a Degussa e a Rhône‑Poulenc tinha culminado unicamente na decisão de entrar em contacto com a Nippon Soda para discutir a descida dos preços e a organização de reuniões mais regulares. Por isso, é errada a afirmação da Comissão de que o acordo de 1986 nunca cessou e de que a Nippon Soda já estava implicada na adopção dessas medidas (considerando 110 da decisão).

108    Por outro lado, a nota da Nippon Soda sobre a reunião de Seul de 7 de Novembro de 1990 (a seguir «nota da reunião de 7 de Novembro de 1990»), não contém nenhuma indicação relativa a um acordo sobre o anúncio de um aumento de preços ou a sua aplicação, mas, pelo contrário, indica que a Rhône‑Poulenc e a Degussa não planeavam um segundo aumento de preços sem a participação da Monsanto. Este documento também não permite concluir, como a Comissão afirma, pela existência de um primeiro aumento de preços, como comprova a nota de 5 de Maio de 1990. Além do mais, a recorrente afirma, no essencial, que as afirmações constantes dessa nota não são fiáveis, visto que não se trata do original, mas sim de uma tradução, provavelmente a partir do japonês, como o demonstram a sua tipografia e o erro manifesto relativo ao ano mencionado na data «Novembro de 1998».

109    Da mesma forma, a Comissão não estava em condições de provar a existência de qualquer acordo que fosse para 1991. Com efeito, na sua declaração de 26 de Maio de 1999, a Rhône‑Poulenc indica que as reuniões de 1991 «tinham a finalidade de criar e aumentar um nível de confiança entre as três concorrentes». Estas reuniões constituíram, assim, negociações preparatórias que não chegaram à fase da tentativa de acordo ou de prática concertada. Além disso, esta análise é confirmada na declaração complementar da Rhône‑Poulenc de 5 de Dezembro de 2000.

110    A Comissão sustenta que fez prova bastante da participação da recorrente numa infracção única e continuada entre Fevereiro de 1986 e Fevereiro de 1999 e reitera as afirmações constantes dos considerandos 96 a 115, 212, 255 e 256 da decisão.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

111    Há que constatar que a recorrente não contesta, no âmbito do presente recurso, a sua participação em dois acordos que ela considera distintos, abrangendo um o período compreendido entre Fevereiro de 1986 e o Outono de 1988, período durante o qual o acordo incluía o produtor japonês Sumitomo, e o outro o período compreendido entre Março de 1992 e Outubro de 1997, data em que a recorrente entende que a infracção cessou, ao contrário das afirmações da Comissão segundo as quais a infracção continuou até Fevereiro de 1999. Quanto ao período de 1988‑1992, a recorrente considera que a Comissão não demonstrou a existência de um acordo em que aquela tenha participado e que, portanto, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao entender que a recorrente participou numa infracção única e continuada de Março de 1986 a Março de 1999.

112    Importa determinar, pois, se a Comissão fez prova bastante de que, durante o período compreendido entre o Outono de 1988 e Março de 1992, a recorrente participou em actos constitutivos de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.° do acordo EEE e que se inscrevem, face às infracções não contestadas anteriores e posteriores a esse período, num «plano de conjunto», em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Nesta perspectiva, importa apreciar, relativamente a esse período, as provas reunidas pela Comissão, bem como as conclusões a que esta chegou nos considerandos 95 e seguintes da decisão.

a)     Quanto à participação da recorrente num acordo e/ou numa prática concertada entre 1988 e 1992

113    A título preliminar, observe‑se que a recorrente critica em primeiro lugar a Comissão por ter inferido, nos considerandos 212 e 251 e seguintes da decisão, da mera circunstância de as participantes no acordo de 1986 não terem manifestado a sua intenção, após a retirada da Sumitomo em 1988, de pôr termo aos acordos, que não estava provado que o acordo tivesse sido interrompido. Ao basear‑se nesta presunção, a Comissão inverteu o ónus da prova, que em princípio sobre ela recai.

114    Recorde‑se, a este propósito, que é jurisprudência assente que a exigência de segurança jurídica, de que devem beneficiar os operadores económicos, implica que, verificando‑se um litígio sobre a existência de uma infracção às regras da concorrência, a Comissão, a quem incumbe o ónus da prova das infracções por ela declaradas, forneça os elementos adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos da infracção. No que respeita à alegada duração de uma infracção, o mesmo princípio de segurança jurídica impõe que, na falta de elementos de prova que permitam determinar directamente a duração da infracção, a Comissão invoque, pelo menos, elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a poder‑se razoavelmente admitir que essa infracção perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdão Baustahlgewebe/Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 58, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colect., p. II‑441, n.° 79).

115    O princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada, por outro lado, no preâmbulo do Acto Único Europeu e no artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia, bem como no artigo 47.° da Carta, são reconhecidos na ordem jurídica comunitária. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções que lhe estão ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas e susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, designadamente TEDH, acórdãos Öztürk e Alemanha, n.° 38, supra, e Lutz e Alemanha de 25 de Agosto de 1987, Série A, n.° 123‑A; acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

116    No caso vertente, há que notar efectivamente que a Comissão, no considerando 212 da decisão, observou o seguinte:

«[…] Com efeito, fica demonstrado nos considerandos 95 a 125 que os participantes continuaram a estar presentes em reuniões em 1989, 1990 e 1991 sem se terem distanciado publicamente do que nelas se passava. Dada a natureza manifestamente anticoncorrencial das reuniões iniciais, a falta de elementos de prova de que a participação nas reuniões não tinha qualquer intenção anticoncorrencial permite concluir que, com efeito, o sistema ilegal prosseguiu […].»

117    Todavia, ressalta da argumentação da Comissão constante dos considerandos 96 a 125, 212 e 255 da decisão que, longe de se basear única ou mesmo predominantemente na não manifestação, pelas partes no acordo de 1986, da intenção de lhes pôr termo após 1988, a Comissão procedeu a uma análise circunstanciada das provas documentais postas à sua disposição pelos participantes no acordo, das quais ela inferiu que não só estes últimos nunca tinham manifestado a sua intenção de pôr termo aos acordos, mas que, além disso, as actividades do cartel nunca tinham sido interrompidas.

118    À luz da decisão, considerada globalmente, não se pode pois censurar a Comissão por ter baseado a sua apreciação do carácter único e continuado da infracção, e portanto da existência desta entre 1988 e 1992, somente na consideração de que, uma vez que os participantes no acordo de 1986 não tinham marcado a sua intenção de pôr termo a este último, havia que presumir que as reuniões realizadas entre 1989 e 1991 tinham um objecto anticoncorrencial e constituíam a continuação do acordo anterior. Consequentemente, o argumento da recorrente de que a Comissão deu por assente a existência da infracção após o Outono de 1988 com base numa simples presunção não pode ser acolhido.

119    Em contrapartida, há que determinar se as provas documentais em que a Comissão se baseou são susceptíveis de demonstrar de forma bastante que a recorrente participou numa infracção ao direito da concorrência entre 1988 e 1992 e, em caso afirmativo, que essa infracção constitui a continuação do acordo anterior, cuja existência não é contestada pela recorrente.

120    Resulta do exame dos autos que, entre 1988 e 1992, importa distinguir dois períodos, decorrendo o primeiro entre o fim de 1988, altura da retirada da Sumitomo do acordo inicial, no fim do Verão de 1990, e o segundo entre o fim do Verão de 1990 e Março de 1992, altura em que a recorrente admite ter participado no que considerou ser uma infracção distinta.

 Quanto ao período compreendido entre o fim de 1988 e o fim do Verão de 1990

121    No que diz respeito ao período compreendido entre o fim de 1988 e o Verão de 1990, recorde‑se que a Comissão sustentou, nos considerandos 98 a 106 da decisão, que, na sequência da retirada da Sumitomo do acordo inicial, a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda, não obstante as sérias dificuldades que tiveram em coordenar a sua acção, se reuniram diversas vezes em 1989 e 1990 para discutir preços e dados relativos ao mercado e para planear a sua reacção conjunta face à nova situação do mercado, caracterizada pela entrada da Monsanto. Para este efeito, a Comissão referiu‑se às seguintes reuniões, que a recorrente, de resto, não negou terem‑se realizado:

Data

Local

Participantes

Agosto de 1989

Não mencionado

Nippon Soda, Degussa, Rhône‑Poulenc

Outono de 1989

Japão

Nippon Soda, Degussa

10 de Junho de 1990

Francoforte

Degussa, Rhône‑Poulenc


122    A argumentação da recorrente consiste, no essencial, em sustentar que estas reuniões não permitem demonstrar a continuação do acordo e que os documentos em que a Comissão se baseia levam, pelo contrário, a provar que os participantes nas referidas reuniões estavam em desacordo, e nomeadamente que a recorrente recusou qualquer proposta relativa a um acordo sobre os preços.

123    Ora resulta da resposta da Nippon Soda de 23 de Fevereiro de 2000 ao pedido de informações da Comissão (a seguir «declaração da Nippon Soda de 23 de Fevereiro de 2000») e da nota de 5 de Maio de 1990 que, embora se deva admitir que as «cimeiras» cessaram em 1988, não é menos verdade, e a recorrente não contesta este facto, que, segundo estes mesmos documentos, as reuniões dos colaboradores continuaram a realizar‑se entre 1988 e 1998 e que estas reuniões se destinavam, em parte, a substituir as cimeiras anteriores.

124    Além disso, embora seja verdade que não se possa inferir da declaração da Nippon Soda de 23 de Fevereiro de 2000 que, para o período compreendido entre 1989 e 1990, os participantes nas reuniões acordaram na fixação de preços, na atribuição de clientela ou na restrição de capacidades de produção, há que sublinhar, no entanto, que esta declaração menciona, nos pontos 2.8 e 2.9, que tenha sido desenvolvido um sistema mais flexível de «preços‑alvo» e que as reuniões tinham por objecto a protecção contra a concorrência da recém‑chegada ao mercado, a Monsanto, e a troca de informações para este efeito. No ponto 6.2, sob a epígrafe «Objecto das reuniões realizadas após 1 de Janeiro de 1990», a Nippon Soda confirma esta descrição quando indica que, em 1990, as actividades da Monsanto representavam a principal ameaça para as partes nos acordos e que, assim, as reuniões, que foram apresentadas como regulares, se concentravam na partilha das informações relativas às referidas actividades e na discussão de preços‑alvo.

125    Por outro lado, resulta, em especial, da nota de 5 de Maio de 1990 que se realizou uma reunião entre a Nippon Soda, a Rhône‑Poulenc e a Degussa em Agosto de 1989 e outra, no Outono de 1989, entre a Degussa e Nippon Soda, o que a recorrente não contesta. Estas reuniões tinham por objecto dissuadir a Degussa de vender a metionina a preços reduzidos. Segundo este mesmo documento, a Degussa rejeitou essa proposta, pelo que não se pode considerar que as partes tenham chegado, nessas reuniões, a um acordo sobre os preços. No entanto, a nota refere que a Degussa indicou, nessa ocasião, designadamente, por um lado, que essas reduções de preços eram necessárias para manter os seus volumes de vendas e portanto os seus custos fixos e, por outro, que, em seu entender, o preço razoável da metionina situava‑se em cerca de 2,80 dólares dos Estados Unidos (USD) por quilograma e que, assim, o nível actual de 3 USD/kg era demasiado elevado.

126    A recorrente sustenta que esta nota demonstra que um acordo era impossível entre os participantes nas reuniões nessa época.

127    A este respeito, há que reconhecer que a nota de 5 de Maio de 1990 deixa transparecer que a Degussa, de 1989 ao Verão de 1990, praticou uma significativa redução de preços para, nomeadamente, retirar clientes à Monsanto. Da mesma forma, a Nippon Soda afirma que as relações entre a Degussa e a Rhône‑Poulenc se tenham deteriorado e que, por isso, era provável que a estratégia desta última seria, a curto prazo, a de continuar a fazer concorrência à Monsanto, à Degussa, à Sumitomo e à Nippon Soda.

128    Porém, importa sublinhar que, ainda que a Comissão não tenha provado a existência de um acordo sobre os preços, provou que a recorrente tinha participado em reuniões com a Nippon Soda e com a Rhône‑Poulenc durante todo aquele período e que nessas reuniões eram trocadas informações sobre as condições do mercado, discutido o nível dos preços e os participantes expunham a estratégia comercial que projectavam aplicar no mercado, tendo a recorrente, designadamente, anunciado o preço que considerava razoável naquela época, ou seja, 2,80 USD/kg.

129    Por conseguinte, não se pode inferir deste breve período, compreendido entre 1988 e o fim de 1990, de desentendimento entre os participantes que a colusão tinha cessado, atendendo a que estas reuniões não só continuaram a ser realizadas regularmente, mas que, além disso, tinham precisamente por objecto acordar na reacção a adoptar face aos novos dados do mercado. A circunstância de a recorrente ter praticado temporariamente reduções de preços para retirar clientes à Monsanto e de ter recusado pontualmente as propostas da Nippon Soda e pela Rhône‑Poulenc de não baixar os preços não permite, pois, concluir que a recorrente tinha a intenção de se distanciar do conteúdo das reuniões e actuar de maneira autónoma, tanto mais que, segundo a nota de 5 de Maio de 1990, a recorrente tinha intenção de acordar com as outras participantes o aumento dos preços a partir de Julho de 1990 e que, para esse efeito, era crucial persuadir a Rhône‑Poulenc a juntar‑se aos esforços mútuos de aumento dos preços.

130    De resto, observe‑se que o alegado diferendo entre a Degussa e a Rhône‑Poulenc, que, aliás, é apresentado como uma simples conjectura na nota de 5 de Maio de 1990, não impediu estas empresas de se encontrarem por duas vezes durante o Verão de 1990, a primeira nos escritórios da Degussa em Francoforte, em 10 de Junho de 1990, e a segunda em Paris. Por ocasião deste último encontro, segundo as declarações não contestadas da Rhône‑Poulenc, as partes trocaram informações sobre o mercado. Em especial, a Rhône‑Poulenc apresentou à Degussa os seus volumes de vendas mundiais e as vendas da Degussa foram objecto de discussão, se bem que nenhum valor específico tenha sido comunicado por esta última.

131    Daqui se conclui que, como a Comissão no essencial observa no considerando 103 da decisão, ainda que o acordo inicial tenha conhecido, entre 1988 e o fim de 1990, uma certa flutuação devida à retirada da Sumitomo e à chegada da Monsanto ao mercado, a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda continuaram, durante esse período, a reunir‑se para acordarem uma estratégia comum de luta contra a concorrência da Monsanto e que, nesta perspectiva, eram trocadas informações relativas designadamente aos preços e às vendas da Rhône‑Poulenc, da Nippon Soda e da Degussa, bem como informações relativas às actividades da Monsanto.

132    Ora, nesta fase, basta recordar que o conceito de «prática concertada» consiste numa forma de coordenação entre empresas que, sem ter levado à realização de um acordo propriamente dito, substitui cientemente por uma cooperação prática entre elas os riscos da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 64). Os critérios de coordenação e cooperação em causa, longe de exigirem a elaboração de um verdadeiro «plano», devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência e segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que tenciona seguir no mercado comum. Embora seja exacto que esta exigência de autonomia não exclui o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento constatado ou previsível dos seus concorrentes, mas opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto directo ou indirecto entre eles que tenha por objectivo ou efeito de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial ou de revelar a essa concorrente o comportamento que eles próprios tenham decidido adoptar ou tencionem adoptar no mercado (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, referido no n.° 41 supra, n.os 173 e 174, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 720).

133    Assim, para fazer prova de uma prática concertada, não é necessário demonstrar que o concorrente em questão se comprometeu formalmente, para com um ou vários outros, a adoptar determinado comportamento ou que os concorrentes fixaram em comum o seu comportamento futuro no mercado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o. /Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 1852). Basta que, através da sua declaração de intenções, o concorrente tenha eliminado ou pelo menos reduzido substancialmente a incerteza quanto ao comportamento no mercado que dele se pode esperar (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, BASF/Comissão, T‑4/89, Colect., p. II‑1523, n.° 242, e Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 260).

134    Além disso, ainda que, como a recorrente recorda, a comunicação recíproca, pelos participantes num acordo, da sua intenção de lhe pôr termo não seja uma condição para a sua cessação, não é menos verdade que, segundo jurisprudência assente, a partir do momento em que uma empresa participa, mesmo que não seja activamente, em reuniões entre empresas que tenham um objecto anticoncorrencial, e que ela não se distancia publicamente do respectivo conteúdo, levando assim os outros participantes a pensar que subscreve o resultado das reuniões e os respeitará, pode ser considerado provado que participa no acordo resultante das referidas reuniões (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Hercules Chemicals/Comissão, referido no n.° 133 supra, n.° 232, de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 98, e de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.os 85 e 86).

135    Ora, ainda que, na verdade, resulte dos elementos dos autos, referidos anteriormente, que os participantes nas reuniões tiveram determinados diferendos, não é menos verdade que as reuniões continuaram a realizar‑se e que não se pode considerar que a Degussa se tenha distanciado publicamente do respectivo conteúdo, designadamente porque indicou qual seria o seu comportamento no mercado e o preço que considerava razoável e porque ela própria mostrou a sua intenção de pôr em prática uma acção concertada com vista a aumentar os preços, em Julho de 1990.

136    Além do mais, embora resulte dos próprios termos do artigo 81.°, n.° 1, CE que uma prática concertada implica, para além da concertação entre as empresas, um comportamento no mercado dando seguimento a essa concertação e um nexo de causa e efeito entre esses dois elementos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 118, e Hüls/Comissão, referido no n.° 115 supra, n.° 161), há todavia que presumir, sem prejuízo da prova em contrário que aos operadores interessados cabe apresentar, que as empresas que participam na concertação e que estão activas no mercado têm em conta informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento nesse mercado (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, n.° 121, e Hüls/Comissão, já referido, n.° 162). E será assim, por maioria de razão, se a concertação tiver lugar de forma regular durante um longo período, o que sucedeu no caso vertente, pois o acordo começou em 1986.

137    Pelo exposto, conclui‑se que a Comissão teve razão quando entendeu, no considerando 106 da decisão, que «fica[ra] pelo menos estabelecido que [...] as partes [tinham estado] em contacto entre si, [trocado] informações sobre preços e vendas e [discutido] aumentos de preços durante 1989 e 1990» e daí inferiu, baseando‑se, nos considerandos 194 e seguintes da decisão, sobre a jurisprudência atrás referida, que a recorrente tinha participado num acordo e/ou prática concertada durante esse período.

138    A questão de saber se, como a Comissão observa no considerando 106, a nota da Nippon Soda de 7 de Novembro de 1990 permite concluir que uma «primeira» campanha de aumento de preços tivera já lugar no Verão de 1990 é indiferente a este respeito, na medida em que a Comissão não baseia as suas conclusões nessa circunstância, que é apresentada acessoriamente, como sendo meramente provável. De resto, pode admitir‑se que tal suposição não se pode considerar totalmente infundada atendendo a que, por um lado, a referida nota indica claramente, na introdução, que a Rhône‑Poulenc e a Degussa estavam «nervosas relativamente ao segundo aumento de preços proposto» e, por outro, a Degussa já tinha manifestado a sua intenção de proceder a um aumento dos preços em Julho de 1990 e, para esse efeito, tinha entrado em contacto com a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda para organizar uma reunião tripartida.

139    Da mesma forma, o argumento da recorrente de que resulta da declaração complementar da Rhône‑Poulenc de 5 de Dezembro de 2000 que os representantes desta última e da Degussa se encontraram pela primeira vez em 10 de Junho de 1990, que nesta ocasião decidiram entrar em contacto com a Nippon Soda e que por isso não existia, nessa época, nenhum acordo nem a continuação de um qualquer programa, não pode pôr em causa as declarações da Nippon Soda nem a nota de 5 de Maio de 1990, apresentada por esta última, de que resulta que as reuniões de pessoal perduraram durante esse período e, em especial, que se realizou uma reunião entre a Nippon Soda, a Rhône‑Poulenc e a Degussa em Agosto de 1989 e outra no Outono de 1989, entre a Degussa e a Nippon Soda.

140    Com efeito, a declaração complementar da Rhône‑Poulenc de 5 de Dezembro de 2000, em que a recorrente se baseia, indica simplesmente que os Srs. H. e B., da Rhône‑Poulenc, encorajaram o Sr. K., chegado à empresa em Abril de 1990, a contactar a Sr.ª R., da Degussa, para se apresentar a esta última como sucessor do Sr. B. Assim, o facto de o Sr. K. e a Sr.ª R. se terem encontrado pela primeira vez em 10 de Junho de 1990 não pode significar que os contactos entre a Rhône‑Poulenc, a Degussa e a Nippon Soda tinham cessado entre o fim de 1988 e aquela data. Da mesma forma, a simples indicação, constante da referida declaração, de que na reunião bilateral de 10 de Junho de 1990 a Rhône‑Poulenc e a Degussa decidiram contactar a Nippon Soda para discutir a queda dos preços da metionina e a possibilidade de realizarem reuniões mais regulares não pode levar a concluir que estas empresas cessaram todo e qualquer contacto, bilateral ou trilateral, depois de a Sumitomo se ter retirado do cartel no fim de 1988.

 Quanto ao período compreendido entre o Verão de 1990 e Março de 1992

141    No que respeita ao período compreendido entre o fim do Verão de 1990 e Março de 1992, recorde‑se, em primeiro lugar, que a declaração da Rhône‑Poulenc de 26 de Maio de 1999 indica inequivocamente que a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda se encontraram em Hong Kong no fim do Verão de 1990 para discutir a recente baixa do preço da metionina e acordaram, nessa ocasião, em aumentar os preços de 2,50 para 2,80 USD/kg.

142    A nota da Nippon Soda relativa à reunião realizada em Seul a 7 de Novembro de 1990, que a Comissão pergunta se não será, na realidade, a mesma que se realizou em 19 de Novembro de 1990 e que a Rhône‑Poulenc situa em Hong Kong na sua declaração complementar de 5 de Dezembro de 2000, dá conta, por seu lado, de que os participantes tinham chegado a acordo sobre os seguintes pontos: primo, manutenção dos preços em vigor na zona de prevalência do marco alemão (DEM) (ou seja 5,10 DEM/kg) durante o primeiro trimestre de 1991; secundo, anúncio de um aumento dos preços de cerca de 10% nessa mesma zona, com efeitos a partir de Abril de 1991; tertio, aumento generalizado dos preços no âmbito de uma segunda campanha desde Janeiro de 1991 e, subsequentemente; quarto, adaptação dos preços nas zonas em que o nível dos preços era baixo (em especial o Canadá), para dissuadir os revendedores de reexportar. Além disso, deveria ter lugar outra reunião no fim de Fevereiro de 1991, na Europa, para discutir os preços para o mês de Abril de 1991 e o período seguinte a esta data.

143    Daqui se conclui que, o mais tardar em Novembro de 1990, havia uma vontade comum entre os participantes nas reuniões de proceder a um aumento dos preços, aumentos esses cujas modalidades eram determinadas, pelo que há que considerar que existia um acordo entre eles.

144    A este respeito, o argumento da recorrente, que não contesta o conteúdo da nota da Nippon Soda, de que, pelo contrário, esta nota não demonstra que a Degussa não projectava um aumento dos preços sem a participação da Monsanto, não pode ser acolhido.

145    Com efeito, por um lado, não resulta de modo nenhum dessa nota, designadamente do ponto iii) («Tanto a Rhône‑Poulenc como a Degussa deverão entrar em contacto separadamente com a Monsanto e tentar persuadi‑la a juntar‑se à segunda campanha de aumento de preços. Para que todos estejam prontos para o aumento de preços proposto, previsto para o decurso de Janeiro de 1991 e posteriormente, é necessário que se realizem reuniões com a Monsanto em Novembro de 199[0]»), citado pela recorrente, que a participação da Monsanto fosse uma condição necessária para o acordo. A referida nota limita‑se a mencionar que a Rhône‑Poulenc e a Degussa deveriam tentar persuadir a Monsanto a participar no acordo, e isto antes do aumento de preços proposto em Janeiro de 1991, sem indicar que os acordos cairiam não existindo essa participação. Assim, as diligências previstas parecem mais destinadas a aumentar a eficácia do acordo do que propriamente uma condição para a sua existência.

146    Por outro lado, mesmo que se admita que se pode entender que essa menção impõe uma condição para a execução do acordo, não é menos verdade que havia, entre as partes, uma vontade comum de aumentar o preço da metionina no mercado e que, portanto, o acordo anticoncorrencial estava formado (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 228). Além disso, a parte do acordo que consistia na adaptação dos preços nas zonas em que o nível dos preços era baixo para dissuadir os revendedores de reexportar era independente de qualquer participação da Monsanto.

147    Por outro lado, os alegados indícios avançados pela recorrente no sentido de demonstrar que a nota da Nippon Soda de 7 de Novembro de 1990 não é um original mas sim uma tradução não só constituem simples alegações cuja veracidade a recorrente nem sequer logrou provar como, para mais, não são de modo algum susceptíveis de pôr em causa o valor probatório desse documento, devendo ser julgados improcedentes.

148    Por último, não se pode deixar de observar que, em todo o caso, a recorrente não contesta a afirmação da Rhône‑Poulenc, constante da sua declaração de 26 de Maio de 1999, e recordada pela Comissão na contestação, de que a Nippon Soda, a Degussa e a Rhône‑Poulenc acordaram em Hong Kong, no fim do Verão de 1990, em aumentar os preços de 2,50 para 2,80 USD /kg.

149    No que respeita ao período posterior ao acordo de Novembro de 1990, a recorrente afirma, de novo, que a Comissão não demonstrou a sua participação num acordo ou numa prática concertada até Março de 1992, tendo as reuniões em que admitiu ter participado consistido unicamente, segundo afirma, em aumentar o nível de confiança entre os concorrentes.

150    Esta afirmação é manifestamente improcedente. Com efeito, a recorrente não tem em conta que, embora, efectivamente, como ela afirma, a declaração da Rhône‑Poulenc de 26 de Maio de 1999 mencione que as reuniões trimestrais iniciadas em 1991 se realizassem em diversas cidades da Europa e da Ásia e se destinassem a elevar o nível de confiança entre as partes, esse mesmo documento acrescenta que, nessas reuniões, os participantes «[d]iscutiam a produção, os concorrentes na China e na Ásia, os clientes e contratos recentes» e que «[t]rocavam frequentemente dados das vendas, calculados numa base regional ou por país». Assim, «ainda que nunca tenha havido atribuição de clientes, havia um esforço constante no sentido de manter os preços». A declaração complementar da Rhône‑Poulenc de 5 de Dezembro de 2000 completa esta exposição, indicando que aquelas reuniões trimestrais deram lugar a uma troca de informações sobre as estratégias de preços e questões de produção e que os preços‑alvo eram acordados por região. Além disso, indica‑se que, quando um dos participantes se queixava do comportamento de outro concorrente no mercado, as partes tentavam resolver o diferendo. Por último, a Rhône‑Poulenc conclui que a mensagem partilhada unanimemente era a de se absterem de tomar medidas drásticas, designadamente diminuindo os preços de modo significativo.

151    Assim, foi com razão que, baseando‑se nos documentos anteriormente descritos, nos considerandos 115 a 123 da decisão, a Comissão rejeitou, no considerando 125 desta, a argumentação da Degussa de que a sua participação, antes de 1992, em reuniões com um objecto anticoncorrencial não foi demonstrada.

152    É verdade que a decisão não menciona elementos precisos quanto às datas e aos locais dessas reuniões relativamente ao ano de 1991. No entanto, as declarações da Rhône‑Poulenc, não contestadas pela recorrente, indicam claramente que a decisão de realizar reuniões trimestrais foi tomada desde o início de 1991. Além disso, tanto a Nippon Soda como a Rhône‑Poulenc apresentam essas reuniões como uma prática contínua a partir de 1991 até 1998. Assim, o simples facto, invocado pela recorrente, de não ter sido possível apurar nenhuma precisão quanto às circunstâncias de lugar e de tempo das reuniões do cartel durante o ano de 1991 não basta para concluir que as actividades do referido cartel cessaram durante esse período, visto ter sido demonstrado que ficou provado que um acordo tinha sido alcançado desde o fim de 1990 e que a recorrente não contesta a sua participação num acordo em Março de 1992.

153    Ora, recorde‑se que, na falta de elementos de prova que permitam determinar directamente a duração de uma infracção, a Comissão deve invocar, pelo menos, elementos de prova que se reportem a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a que se possa razoavelmente admitir que essa infracção prosseguiu ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Dunlop Slazenger/Comissão, referido no n.° 114 supra, n.° 79, e de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 188). Atendendo a que, por um lado, a Comissão provou devidamente a existência de um acordo ilícito em Novembro de 1990 e, por outro, a recorrente não contesta a existência de uma infracção a partir de 1992 e, por último, as declarações concordantes da Rhône‑Poulenc e da Nippon Soda dão conta de reuniões trimestrais regulares a partir do início de 1991, há que considerar que esses requisitos estão preenchidos, no caso vertente.

154    Resulta de todo o exposto que a Comissão tinha razão quando considerou que a recorrente tinha participado num acordo e/ou numa prática concertada entre o fim de 1988 e Março de 1992.

b)     Quanto ao carácter único e continuado da infracção

155    Recorde‑se que a violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não só de um acto isolado, mas também de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com fundamento no facto de um ou vários elementos dessa série de actos ou desse comportamento continuado poderem igualmente constituir, em si mesmos e isoladamente considerados, uma violação da referida disposição (v., neste sentido, acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.° 136 supra, n.° 81). Quando as diferentes acções se inscrevem num «plano de conjunto», em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 258).

156    Ora, refira‑se que os acordos nos quais a recorrente reconhece ter participado, antes do fim de 1988 e após Março de 1992, têm como actores, com excepção da Sumitomo, que se retirou em 1988, os mesmos participantes e têm um objecto idêntico ao do acordo em que a recorrente participou entre 1988 e 1992, ou seja, uma acção concertada com vista a manter e aumentar os preços no mercado da metionina no EEE, bem como uma troca de informações sobre os preços, quotas de mercado e volumes de venda.

157    Daqui decorre que a Comissão tinha razão quando concluiu, nos considerandos 206 a 212 da decisão, que a infracção em que a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda tinham participado devia ser qualificada como única e continuada.

158    O argumento da recorrente de que a infracção foi interrompida entre o fim do ano de 1988 e o mês de Março de 1992 deve, pois, ser julgado improcedente.

B –  Quanto ao fim da infracção

1.     Argumentos das partes

159    A recorrente entende que a Comissão não logrou provar que a sua participação no acordo após o Outono de 1997, altura em que o acordo cessou em consequência da saída do Sr. H. da Rhône‑Poulenc, pois o sucessor deste, o Sr. Z., decidiu pôr termo a qualquer contacto com os concorrentes.

160    A retoma dos contactos apenas foi autorizada, em Março de 1998, pelo Sr. G., novo director‑geral da Rhône‑Poulenc, para pôr termo ao acordo, evitando perturbações demasiado importantes no mercado.

161    Por último, a existência de um acordo relativo aos aumentos de preços celebrado entre a Degussa e a Rhône‑Poulenc não permite provar a continuação das actividades do acordo inicial, o qual incluía a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda.

162    A Comissão entende que as objecções da recorrente relativas à falta de prova das suas alegações constantes dos considerandos 180 a 185 da decisão não são procedentes.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

163    Em primeiro lugar, note‑se que, embora, como a Comissão observa no considerando 180, na sequência da saída do Sr. H. no Outono de 1997, o seu substituto, o Sr. Z., tenha efectivamente ordenado a cessação de quaisquer comunicações da Rhône‑Poulenc com os seus concorrentes, é pacífico que, a partir do mês de Março de 1998, o sucessor do Sr. Z., ou seja, o Sr. G., autorizou a continuação dos contactos com os concorrentes, para permitir uma «aterragem suave» e evitar perturbações demasiado importantes no mercado, ordenando porém a cessação das reuniões trimestrais.

164    Ora, a consideração de que, segundo o director‑geral da Rhône‑Poulenc, que não participava nas reuniões, os contactos entre as partes no acordo deviam ter por objecto permitir pôr termo suavemente ao acordo, não permite provar que tenha verdadeiramente sido esse o caso, mas, além do mais, tende a demonstrar que a Rhône‑Poulenc e os seus concorrentes tinham a intenção de continuar a concertar‑se até uma data ulterior, em que se poria definitivamente termo ao acordo. Isto é corroborado pelo objecto das reuniões que se realizaram após a autorização do Sr. G., como a seguir se examinará. Além disso, segundo as declarações da própria Rhône‑Poulenc, só em Fevereiro de 1999 é que a direcção finalmente ordenou a cessação definitiva dos contactos com os concorrentes.

165    A circunstância de que a Comissão tenha proposto como explicação provável para a cessação das reuniões trimestrais, no considerando 181 da decisão, o facto de estes últimos serem extremamente visíveis e de haver o risco de serem descobertos, devido ao avanço das investigações das autoridades da concorrência americanas no sector das vitaminas nessa época é, a este respeito, indiferente. Com efeito esta explicação, por um lado, constitui apenas uma suposição da qual a Comissão não tira nenhuma consequência no que à recorrente diz respeito e, por outro, em nada afecta a exactidão da conclusão da Comissão de que, desde o mês Março de 1998, os contactos com os concorrentes foram novamente autorizados pelo Sr. G., director‑geral da Rhône‑Poulenc.

166    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância constata que a recorrente não contesta a realização das seguintes reuniões, mencionadas nos considerandos 179 a 184 da decisão:

Data

Local

Participantes

Maio 1998

Francoforte ou Dusseldórfia

Degussa, Rhône‑Poulenc, Nippon Soda

Fim do Verão/início do Outono de 1998

Heidelberga

Degussa, Rhône‑Poulenc

4 de Fevereiro de 1999

Nancy

Degussa, Rhône‑Poulenc

4 de Fevereiro de 1999 (noite)

Paris

Nippon Soda, Rhône‑Poulenc


167    Verifica‑se, assim, que, durante o período compreendido entre o Outono de 1997 e o mês de Fevereiro de 1999, a Degussa e a Rhône‑Poulenc se encontraram por duas vezes, a primeira no fim do Verão ou no início do Outono de 1998 em Heidelberga, e a segunda em 4 de Fevereiro de 1999 em Nancy. Segundo a Comissão, a Degussa e a Rhône‑Poulenc acordaram, nestas duas ocasiões, respectivamente em aumentar os preços e fixar objectivos de preços (3,20 USD/kg, ou seja, 5,30 DEM/kg).

168    A recorrente não contesta expressamente estas circunstâncias, mas alega que a Comissão não se pode basear nelas para demonstrar que constituíam a continuação do acordo anterior, no qual estavam implicados três participantes (a Degussa, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda).

169    Esta argumentação não pode ser acolhida.

170    Com efeito, como observa acertadamente a Comissão, resulta das declarações da Rhône‑Poulenc que os contactos bilaterais, designadamente telefónicos, prosseguiram entre a Rhône‑Poulenc e a Degussa, por um lado, e a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda, por outro, entre o mês de Abril de 1998 e 4 de Fevereiro de 1999.

171    Por outro lado, nas suas declarações, apresentadas em anexo pela própria recorrente, a Nippon Soda indica, em especial, ter‑se encontrado com um representante da Rhône‑Poulenc num jantar em Paris em Outubro de 1998, e com representantes da Degussa, a primeira vez em Francoforte em Outubro de 1998, e a segunda vez em Tóquio no Outono de 1998. Segundo a Nippon Soda, estas reuniões tinham por objecto permitir aos participantes discutir as condições do mercado e as tendências dos preços. Além disso, ainda segundo esse documento, a Rhône‑Poulenc e a Nippon Soda encontraram‑se em 4 de Fevereiro de 1999 em Paris, na mesma noite da reunião realizada entre a Degussa e a Rhône‑Poulenc em Nancy, e discutiram, nessa ocasião, a procura e as condições do mercado da metionina (considerando 183 da decisão).

172    Por último, a recorrente também não contesta o facto de se ter realizado uma reunião tripartida em Maio de 1998 (que a Rhône‑Poulenc situa em Francoforte e a Nippon Soda em Dusseldórfia), durante a qual, segundo as declarações da Rhône‑Poulenc, não contestadas pela recorrente, a Nippon Soda afirmou que seguiria qualquer aumento dos preços.

173    Resulta do que antecede que a recorrente não pode alegar que a Comissão não fez prova bastante da participação da Nippon Soda na referida concertação entre o Outono de 1997 e Fevereiro de 1999. Com efeito, não se pode deixar de observar que, como a decisão refere no considerando 184, durante todo este período os três participantes no acordo mantiveram contactos bilaterais. Tanto a Rhône‑Poulenc como a recorrente continuaram a estar em contacto com a Nippon Soda para discutir as condições do mercado e o nível dos preços, ao passo que a Nippon Soda deu o seu acordo de princípio com qualquer aumento de preços na última reunião tripartida de Maio de 1998. Nestas circunstâncias, o simples facto de estas três sociedades não se terem reunido trilateralmente após a referida reunião tripartida não pode, manifestamente, levar à conclusão de que, nessa época, o acordo tinha cessado.

174    A este respeito, o argumento da recorrente de que resulta do considerando 184 da decisão que a Comissão baseou o seu raciocínio na simples presunção de que tinham sido mantidos contactos bilaterais após a reunião de Maio de 1998 é manifestamente improcedente. Com efeito, resulta dos considerandos 182 a 184 que a Comissão pôs em evidência, com base nas declarações concordantes da Rhône‑Poulenc e da Nippon Soda, a existência desses contactos, como atrás se explicou detalhadamente. A única suposição que a Comissão formula no considerando 184 diz respeito à determinação da reunião tripartida durante a qual os participantes decidiram pôr termo aos contactos trilaterais, o que não tem qualquer incidência sobre a exactidão das suas conclusões.

175    De qualquer modo, mesmo admitindo que não se pode demonstrar que a Nippon Soda participou no acordo após o Outono de 1997, mantêm‑se que resulta da declaração complementar da Rhône‑Poulenc de 5 de Dezembro de 2000, cuja força probatória a recorrente não logrou pôr em causa, que a Rhône‑Poulenc e a recorrente participaram em duas reuniões, uma no fim do Verão ou no princípio do Outono de 1998 em Heidelberga, outra em 4 de Fevereiro de 1999 em Nancy, durante as quais foram acordados objectivos e aumentos de preços. Ora a hipotética retirada da Nippon Soda do acordo anterior não pode afectar o carácter manifestamente anticoncorrencial dessas reuniões nem o facto de estas constituírem a continuação do acordo anterior, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 155 supra.

176    Resulta do que antecede que o argumento da recorrente relativo à data que a Comissão considerou ser a da cessação da infracção deve ser rejeitado.

C –  Quanto à suspensão do acordo

177    A recorrente sustenta, subsidiariamente, caso a infracção seja considerada única e continuada, que a Comissão deveria ter tido em conta o facto de a infracção ter, no mínimo, sido suspensa do fim de 1988 até Março de 1992 e a partir do Outono de 1997, à semelhança do que sucedeu no chamado processo dos «tubos com revestimento térmico» [Decisão 1999/60/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE processo IV/35.691/E‑4 – Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1)].

178    A este respeito, observe‑se desde já que este argumento é manifestamente impertinente na parte em que diz respeito ao período posterior ao Outono de 1997. Com efeito, a suspensão de um acordo só pode ser reconhecida na hipótese de se verificar que uma dada infracção, ainda que única e continuada, foi objecto, durante um breve período, de perturbações tais que esse período não pode ser contabilizado na duração total da infracção, entendendo‑se que o acordo foi a seguir retomado plenamente. Este método permite, assim, conciliar a utilização do conceito de infracção única e continuada com os requisitos relativas à exactidão da duração da infracção e, portanto, na medida em que o cálculo do montante da coima é, designadamente, efectuado em função deste último critério, do princípio da proporcionalidade.

179    Ora a recorrente afirma que o acordo foi suspenso do Outono de 1997 a 4 de Fevereiro de 1999, ou seja, a data que a Comissão considerou ser a do termo da infracção. Esta argumentação equivale, assim, no essencial, a contestar a data da cessação da infracção e portanto a reiterar as pretensões da recorrente a esse respeito. O argumento da recorrente relativo à suspensão do acordo após o Outono de 1997 deve consequentemente ser rejeitado pelos motivos atrás expostos nos n.os 163 a 176, dos quais decorre que, na sequência da última reunião tripartida do mês de Maio de 1998, contactos bilaterais entre a Nippon Soda, a Rhône‑Poulenc e a recorrente perduraram até 4 de Fevereiro de 1999.

180    Quanto ao período compreendido entre o fim de 1988 e o mês de Março de 1992, recorde‑se que a prática decisória da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v., designadamente, acórdão Scandinavian Airlines System/Comissão, referido no n.° 80 supra, n.° 87, e jurisprudência referida). Além disso, não se pode deixar de observar que, no acórdão Lögstör Rör/Comissão, referido no n.° 58 supra (n.os 59 a 65), o Tribunal de Primeira Instância contentou‑se em observar que a própria Comissão tinha admitido e tomado em conta, na sua decisão relativa ao processo dos tubos com revestimento térmico, a circunstância de o acordo ter sido suspenso do mês de Outubro de 1993 ao mês de Março de 1994 e que, assim, ao contrário do alegado pelo então recorrente, a Comissão não o tinha acusado de ter participado numa actividade anticoncorrencial durante esse período.

181    Daqui se conclui que a circunstância de a Comissão ter tomado em conta, no processo dos tubos com revestimento térmico o facto de, em seu entender, o acordo ter sido suspenso, não pode bastar, por si só, para demonstrar a ilegalidade da decisão por nela a Comissão não ter procedido da mesma forma.

182    Além do mais, há que distinguir o caso vertente do processo dos tubos com revestimento térmico invocado pela recorrente. Com efeito, neste último caso, a Comissão entendeu efectivamente, no considerando 152 da sua decisão, que durante um período de seis meses, compreendido entre o mês de Outubro de 1993 e o mês de Março de 1994, o acordo, qualificado como infracção única e continuada, tinha sido suspenso. A este respeito, a Comissão teve em conta o facto de, por um lado, os produtores terem declarado que uma «guerra de preços» tinha estalado e que o nível dos preços nos principais mercados tinha, com efeito, baixado 20% e, por outro, que, não obstante os produtores terem continuado a reunir‑se bilateral ou trilateralmente durante esse período, nenhum pormenor, com excepção do pedido de compensação apresentado pela Tarco e recusado pela Lögstör, estava disponível quanto ao objecto dessas reuniões (considerando 52).

183    No caso vertente, embora seja exacto que ressalta, da nota da Nippon Soda de 5 de Maio de 1990 que a Degussa praticou temporariamente uma baixa dos preços da metionina, a semelhança com o processo dos tubos com revestimento térmico não pode passar dessa simples observação. Com efeito, ao contrário da situação que prevaleceu neste último processo, a Comissão dispunha, no caso vertente, de elementos concludentes que demonstravam que, não obstante os participantes no acordo não terem chegado a acordar um aumento de preços antes, o mais tardar, do mês de Novembro de 1990, as reuniões realizadas entre o fim de 1988 e o mês de Novembro de 1990, em que a recorrente participou, tinham por objecto acordar uma reacção comum face à entrada da Monsanto no mercado e trocar informações relativas às actividades desta última, aos volumes de vendas e aos preços da metionina, como ficou anteriormente demonstrado.

184    Além disso, ao contrário do que se apurou no processo dos tubos com revestimento térmico, resulta da declaração da Rhône‑Poulenc de 26 de Maio de 1999 que a queda dos preços da metionina a partir do Verão de 1989 se deveu, não ao facto de os participantes no acordo terem restabelecido uma livre concorrência entre eles, mas à chegada da Monsanto e da MHA ao mercado, bem como à baixa generalizada da procura. Resulta igualmente da nota da Nippon Soda de 5 de Dezembro de 1990 que foi precisamente para retomar clientes à Monsanto que a Degussa, num primeiro momento, baixou os seus preços e que, de seguida, propôs aos participantes no acordo o aumento dos preços para Julho de 1990, tendo a própria Monsanto anunciado o aumento dos seus preços em Julho de 1990.

185    Por último, como anteriormente foi verificado, a Comissão provou devidamente que um acordo no sentido de aumentar os preços tinha sido celebrado no fim do Verão e/ou em Novembro de 1990, o qual tinha sido seguido de reuniões trimestrais em que eram trocadas informações sobre o mercado e eram fixados preços‑alvo.

186    Face aos elementos de prova produzidos pela Comissão, o argumento da recorrente de que a infracção foi, no mínimo, suspensa entre 1988 e 1992 deve, pois, ser rejeitado. Porém, esta conclusão não prejudica a questão dos efeitos concretos da infracção no mercado durante esse período.

187    Resulta das considerações expostas que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

III –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de apreciação, a um erro de direito e de facto, a violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da não retroactividade das penas, bem como do dever de fundamentação na determinação do montante da coima

188    O terceiro fundamento divide‑se, no essencial, em quatro partes, relativas, respectivamente, à gravidade da infracção, ao aumento da coima para garantir um efeito dissuasivo suficiente, à cooperação da recorrente e à violação do princípio da não retroactividade das penas.

A –  Quanto à gravidade da infracção

189    A recorrente invoca, no essencial, três argumentos, extraídos, primeiramente, da falta de fundamentação na determinação da gravidade da infracção, em segundo lugar, num erro de apreciação quanto à extensão do mercado geográfico em questão e, em terceiro lugar, num erro de apreciação quanto ao impacto da infracção no mercado.

1.     Quanto à fundamentação da gravidade da infracção

a)     Argumentos das partes

190    A recorrente alega, no essencial, que a apreciação, por parte da Comissão, da natureza muito grave da infracção não está suficientemente fundamentada, nomeadamente no que respeita ao facto de o montante de base da coima, ou seja 35 milhões de EUR, ser superior ao mínimo previsto nas orientações para as infracções qualificadas como muito graves, ou seja, 20 milhões de EUR. A recorrente sustenta, em especial, que, de acordo com o princípio da legalidade das penas, a Comissão deveria ter efectuado uma ponderação dos diversos elementos apurados para qualificar a infracção como muito grave e fixar o referido montante de base.

191    A Comissão entende que este argumento é infundado.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

192    Resulta de jurisprudência assente que a fundamentação duma decisão individual deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só do teor do acto em causa, mas também do contexto em que esse acto foi adoptado (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63).

193    No que respeita, em especial, ao cálculo do montante das coimas aplicadas pela Comissão por infracção ao direito comunitário da concorrência, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, os requisitos da formalidade essencial que o dever de fundamentação constitui estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.° 73). Por outro lado, o alcance do dever de fundamentação deve ser determinado à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser apurada em função de um grande número de elementos, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, referido no n.° 45 supra, n.° 54; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 46 supra, n.° 378, e de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1532).

194    Recorde‑se também que o dever de fundamentação não impõe à Comissão que indique na sua decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas, mas unicamente os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdãos Sarrió/Comissão, referido no n.° 193 supra, n.os 73 e 76, e Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.° 193 supra, n.° 1558).

195    Ora, no caso vertente, verifica‑se que a Comissão, antes de mais, explicou, nos considerandos 271 a 275 da decisão, que, como a infracção consistiu em práticas de partilha do mercado e de fixação de preços, principal factor de concorrência, a mesma devia, por natureza, ser qualificada como muito grave. De seguida, a Comissão indicou, nos considerandos 276 a 291, os motivos por que entendia que a infracção tinha tido uma incidência real no mercado. Depois, a Comissão referiu, no considerando 292, que o mercado geográfico em causa era constituído por toda a Comunidade e, após a sua criação, pela totalidade do EEE. Por último, explicou, nos considerandos 294 a 300, que importava ter em conta a capacidade real das empresas de causar um prejuízo importante à concorrência e, assim, tendo em conta as quotas de mercado dos participantes no acordo, constituir duas categorias de empresas, compreendendo a primeira a Degussa e a Rhône‑Poulenc, e a segunda a Nippon Soda. Daí, a Comissão inferiu, no considerando 302, que o montante de base das coimas em função da gravidade da infracção deveria ser fixado em 35 milhões de EUR tratando‑se da Degussa e da Rhône‑Poulenc e em 8 milhões de EUR tratando‑se da Nippon Soda.

196    Assim, à luz dos elementos de facto que descrevem o funcionamento do acordo apresentados nos considerandos 79 a 185, há que concluir que a Comissão explicou de forma bastante os motivos que, em seu entender, justificavam a qualificação de infracção «muito grave». Com efeito, em conformidade com a jurisprudência atrás referida nos n.os 193 e 194, a exigência de fundamentação não impõe à Comissão que precise a ponderação aritmética dos critérios considerados na determinação da gravidade da infracção. O argumento da recorrente de que a Comissão, ao não indicar a ponderação dos critérios adoptados a esse respeito, ou seja, a natureza da infracção, a extensão do mercado geográfico em questão e a incidência real da infracção no mercado, violou o princípio da legalidade, de que o dever de fundamentação constitui uma das expressões, deve, pois, ser rejeitado.

197    Por último, quanto ao argumento da recorrente de que a decisão não indica os motivos que justificam a fixação de um montante superior ao montante mínimo previsto nas orientações para as infracções muito graves, recorde‑se que, em conformidade com o ponto 1, A, terceiro travessão, das referidas orientações, cuja legalidade não é contestada pela recorrente, os montantes de base «previstos» para uma infracção qualificada como muito grave são «superiores a 20 milhões de [EUR]». Desta forma, a Comissão pretendeu reservar‑se, de acordo com o amplo poder de apreciação de que dispõe em matéria de coimas, a possibilidade de fixar montantes de base superiores a esse montante, em função das circunstâncias de cada caso concreto. Nestas circunstâncias, não há motivo para exigir à Comissão que exponha os motivos específicos que a levaram a decidir fixar um montante de base superior a 20 milhões de EUR, uma vez que a sua decisão deixa transparecer, de forma bastante, os motivos que justificam, por só, a fixação do montante de base ao nível determinado pela referida decisão. Ora, como resulta do n.° 196 supra, é forçoso concluir que a Comissão explicou de forma bastante os motivos que, em seu entender, justificavam que o montante de base da coima em função da gravidade da infracção seja fixado em 35 milhões de EUR.

198    O argumento da recorrente relativo à falta de fundamentação da qualificação da infracção como muito grave e da fixação do montante de base da coima em função da gravidade da infracção em 35 milhões de EUR deve, portanto, ser julgado improcedente.

2.     Quanto à extensão do mercado geográfico em causa

a)     Argumentos das partes

199    A recorrente sustenta que, ao contrário do que a Comissão afirma na sua contestação, resulta implicitamente de determinadas passagens da decisão que o acordo foi considerado mundial. Com efeito, a Comissão indicou, nomeadamente, que aumentos de preços tinham sido discutidos «para cada região e país» (considerando 128) e fez referência a outras regiões do mundo para além do EEE ao longo de toda a decisão (considerandos 138, 139, 155 e 158). Ora, por um lado, esta afirmação não é minimamente alicerçada em elementos de prova. Por outro lado, ao considerar o facto de a infracção ser de alcance mundial, a Comissão violou o princípio ne bis in idem e acabou por efectuar uma avaliação desproporcionada das repercussões do acordo.

200    A Comissão considera que esta argumentação é improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

201    O Tribunal observa que, não obstante determinadas passagens da decisão mencionarem brevemente discussões sobre outros países para além dos europeus (v., nomeadamente, considerandos 87, 138 e 139), no entanto, resulta claramente do considerando 2 da decisão que a Comissão considerou a infracção verificada apenas em relação ao EEE. Isso está confirmado no considerando 292, a propósito da apreciação da dimensão do mercado geográfico em causa.

202    É, pois, inexacto afirmar, como o faz a recorrente, que a Comissão considerou que o acordo tinha alcance mundial. De qualquer forma, mesmo que se admita que foi esse o caso, há que observar que, na determinação do montante da coima, explicada nos considerandos 268 a 312, a Comissão não teve de modo nenhum em conta o eventual alcance mundial do acordo, sendo os escassos elementos, atrás referidos, que poderiam comprovar esse alcance figuram, a título incidental, apenas na parte em que se descreve o funcionamento do acordo (considerandos 79 a 185). Pelo contrário, resulta nomeadamente dos considerandos 272, 275 e 293 e da própria epígrafe da rubrica relativa ao «[i]mpacto efectivo da infracção sobre o mercado da metionina no EEE», que só as características da infracção relativas ao mercado e, na sequência da sua criação, ao EEE foram tomadas em conta para efeitos da determinação do montante da coima.

203    Conclui‑se, assim, que a Comissão não atendeu, ao contrário do que sustenta a recorrente, à circunstância agravante relativa à alegada dimensão mundial do acordo. Por isso, o presente argumento deve ser rejeitado.

3.     Quanto à apreciação do impacto da infracção no mercado

a)     Argumentos das partes

204    A recorrente entende que a Comissão não fez prova bastante do impacto concreto que a infracção teve no mercado.

205    A recorrente observa que o acordo não previa nenhum mecanismo de subida dos preços e que apenas eram definidos preços‑alvo. Da mesma forma, não existiu nenhum mecanismo de repartição de quotas, volumes ou clientes, nem mecanismos de fiscalização e compensação para assegurar a observância dos preços‑alvo.

206    A recorrente sublinha também que a Comissão, embora observasse que a não participação da Novus no acordo impedia que os preços‑alvo fossem alcançados (considerandos 276 e seguintes) e que, apesar da infracção, os preços tinham baixado de 1992 a 1997 (considerandos 287 e seguintes), considerou, sem razão, que estas circunstâncias não demonstravam que a execução dos acordos não tinha influenciado a estrutura e as flutuações dos preços no mercado da metionina e, por isso, avaliou erradamente as repercussões concretas da infracção no mercado.

207    Ao limitar‑se a verificar o impacto da infracção no mercado, a Comissão violou as orientações, que prevêem, no ponto 1 A, terceiro parágrafo, quanto às categorias de infracção em função da sua gravidade, que «[n]o interior de cada uma destas categorias, e nomeadamente no âmbito das categorias infracções graves e muito graves, a escala das sanções permitirá diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infracções cometidas». Da mesma forma, ainda que admita que a infracção constitui uma situação de facto complexa que se adaptou, ao longo dos anos, às condições reais do mercado, a Comissão não procedeu de modo nenhum a uma diferenciação das repercussões concretas dessa situação complexa.

208    Ao não produzir provas do impacto concreto do acordo, a Comissão desrespeitou, assim, os requisitos relativos ao ónus da prova. Com efeito, a recorrente sublinha que, no considerando 287 da decisão, a Comissão indica que as empresas participantes não produziram provas de que a aplicação do acordo não tinha influenciado a fixação e flutuação dos preços no mercado da metionina. Ora, cabe precisamente à Comissão provar quer a amplitude do impacto quer a própria existência da infracção (acórdãos Hüls/Comissão, referido no n.° 115 supra, n.° 154, e Baustahlgewebe/Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 58). Uma vez que, segundo a recorrente, a Comissão não provou o impacto concreto da infracção no mercado, há que considerar que esse impacto não existiu e que, portanto, o montante da coima deveria ter sido inferior. Nestas circunstâncias, a recorrente entende que só o montante mínimo previsto para as infracções muito graves teria sido aceitável, ou seja, 20 milhões de EUR.

209    A Comissão entende que esta argumentação é infundada.

210    A Comissão observa, antes de mais, que de modo nenhum afirmou, na parte da decisão relativa à incidência real da infracção, que existiam mecanismos quer de aumento quer de repartição de quotas, de volumes ou de clientes quer ainda de vigilância e de compensação para assegurar o respeito dos preços‑alvo, pelo que os argumentos da recorrente a este respeito carecem de objecto.

211    De seguida, a Comissão alega, para além do seu efeito concreto no mercado, ela não teve em conta a natureza da infracção e a extensão do mercado geográfico em questão, os quais não foram contestados pela recorrente.

212    Além disso, recorda que os acordos anticoncorrenciais foram aplicados e os preços indicativos eram geralmente anunciados aos clientes através da imprensa especializada. Ora, esses anúncios têm necessariamente incidência sobre o mercado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 177). De resto, os esforços dos participantes para inverter a queda dos preços na sequência da chegada da Monsanto ao mercado e da baixa da procura foram coroados de êxito.

213    A Comissão conclui daqui que não há dúvida que o acordo teve uma incidência real no mercado, susceptível de ser avaliada, se bem que seja impossível determinar em que medida os preços efectivos se afastaram dos preços que teriam sido praticados se não tivesse havido colusão. Com efeito, as orientações prevêem que a Comissão tome em consideração o impacto concreto da infracção no mercado e não a amplitude desse impacto.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

214    Antes de mais, refira‑se que a Comissão, embora não tenha invocado expressamente as orientações na decisão, determinou o montante da coima aplicada à recorrente através do método de cálculo que a ela própria se impôs.

215    Ora, nos termos das orientações (ponto 1 A, primeiro parágrafo), «[a] avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração [...] o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável».

216    Da mesma forma, em conformidade com a jurisprudência, a Comissão é obrigada a proceder a esse exame quando se verificar que esse impacto é quantificável (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 143).

217    Foi neste contexto que a Comissão se baseou no facto de a infracção ter tido, em seu entender, uma incidência no mercado da metionina no EEE (considerandos 276 a 291).

218    A título preliminar, há que considerar que, no caso vertente, para efeitos de controlo da apreciação, efectuada pela Comissão, dos efeitos da infracção, basta examinar a sua apreciação dos efeitos do acordo nos preços.

219    Com efeito, por um lado há que observar que, embora a infracção tenha sido descrita pela Comissão como um acordo destinado a manter ou aumentar os preços, no âmbito do qual eram trocadas informações sobre os volumes de vendas e quotas de mercado, o impacto da infracção no mercado foi apreciado unicamente do ponto de vista dos seus efeitos nos preços. Por outro lado, o exame dos efeitos do acordo sobre os preços permite, de qualquer modo, verificar se foi alcançado o objectivo prosseguido pelas trocas de informações sobre os volumes de vendas e as quotas de mercado, atendendo a que esse intercâmbio se destinava precisamente a permitir a aplicação efectiva do acordo sobre os preços (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 148, e jurisprudência citada).

220    Além disso, em resposta à argumentação da recorrente segundo a qual a falta, não contestada pela Comissão no âmbito do presente argumento, de mecanismos de aumento dos preços, de repartição dos volumes ou dos clientes, de vigilância e de compensação demonstra a inexistência de efeitos concretos da infracção no mercado, observe‑se que a falta desses mecanismos, ainda que seja susceptível de dar uma explicação à inexistência de efeitos concretos da infracção nos preços, caso a inexistência desses efeitos fosse constatada, não permite, no entanto, presumir que a infracção não os teve. Por isso, há que examinar os elementos invocados pela Comissão para demonstrar a existência desse impacto.

221    A este respeito, a Comissão considerou que, durante todo o período de duração do acordo, os seus membros conseguiram manter os preços a um nível superior àquele que teria prevalecido sem os acordos ilícitos (considerando 289).

222    Ora, recorde‑se que, na determinação da gravidade da infracção, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento censurado (acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 612, e Ferriere Nord/Comissão, referido no n.° 45 supra, n.° 38). A este respeito, resulta da jurisprudência que, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, cabe à Comissão tomar como referência o jogo da concorrência que normalmente existiria se não houvesse a infracção (v., neste sentido, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, referido, n.os 619 e 620; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 235, e de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 645).

223    Daqui se conclui que, no caso de acordos sobre os preços, a verificação, pela Comissão, de que os acordos efectivamente permitiram às empresas em causa alcançar um nível de preços de transacção superior ao que teria prevalecido se o acordo não existisse, autoriza a Comissão a ter em conta, na determinação do montante da coima, a importância dos efeitos nefastos da infracção no mercado e, assim, fixar o montante da coima, atenta a gravidade da infracção, a um nível superior ao que teria sido fixado na falta dessa verificação.

224    No quadro dessa apreciação, a Comissão deve atender a todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar que prevalece. Há que ter em conta a existência, se for caso disso, de «factores económicos objectivos» que realcem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de modo idêntico ao dos preços praticados (acórdãos Cascades/Comissão, referido no n.° 212 supra, n.os 183 e 184, e Mayr‑Melnhof, referido no n.° 222 supra, n.os 234 e 235).

225    No caso vertente, a Comissão invocou três elementos essenciais para sustentar as suas conclusões quanto à incidência real do acordo no nível dos preços.

226    Em primeiro lugar, a Comissão considerou, por um lado, que a infracção tinha sido cometida por empresas que, na época dos factos, «detinham a maior parte» do mercado e, por outro, que atendendo a que os acordos postos em evidência se destinavam especificamente a elevar os preços para um nível superior àquele que eles teriam alcançado de outro modo e a restringir as quantidades vendidas e que tinham sido aplicados de forma continuada durante mais de dez anos, esses acordos tinham necessariamente tido uma incidência real no mercado (considerandos 276, 278, 281 e 287).

227    A este respeito, a Comissão observou que os acordos colusórios foram aplicados e que as partes trocaram os seus dados de vendas durante todo o período de duração do acordo, a fim de acordarem novos objectivos de preços. A Comissão acrescenta que os novos objectivos de preços eram efectivamente anunciados aos clientes através da imprensa especializada (considerando 278).

228    Em segundo lugar, a Comissão notou que, durante os primeiros anos do acordo, os participantes procuram, acima de tudo, aumentar os preços da metionina. Com a chegada da Monsanto ao mercado, em 1989, e a diminuição geral da procura, a tendência dos preços para a descida foi invertida graças aos esforços conjugados dos membros do acordo. Posteriormente, os esforços destas centraram‑se na manutenção dos preços existentes (considerando 279).

229    Isto é confirmado por uma nota apresentada pela Nippon Soda relativa a uma reunião realizada em 17 de Maio de 1993, da qual ressalta que os preços no mercado de metionina estavam a aumentar. A Degussa conseguiu vender metionina ao preço de 6,80 DEM/kg a um dos seus maiores clientes, a Cebeco. Ora, antes da reunião de 7 de Novembro de 1990, os preços situavam‑se ainda em 2,50 USD/kg [4,03 DEM/kg]. Além disso, na reunião de Novembro de 1990, os membros do acordo concordaram em aumentar os preços de 2,50 USD/kg para 2,80 USD/kg (4,51 DEM/kg). A Nippon Soda refere preços mais elevados: o primeiro aumento, relativo a Janeiro de 1991, deveria elevar os preços para 3,30‑3,50 USD/kg [ou seja, a um valor médio de 5,10 DEM/kg, segundo as informações da própria Nippon Soda, e um escalão de preços de 5,31‑5,64 DEM/kg, com base nos dados do Serviço de Estatística das Comunidades Europeias (Eurostat)] e o segundo para 3,60‑3,70 USD/kg (5,80‑5,92 DEM/kg) (considerando 280).

230    Em terceiro e último lugar, a Comissão observou, no considerando 290 que é difícil conceber que as partes tivessem repetidamente acordado em reunir‑se em diferentes locais no mundo inteiro para fixar objectivos de preços durante o período da infracção, tendo em conta os riscos que isso envolvia, se tivessem tido a impressão de que o acordo tinha um impacto reduzido ou nulo no mercado da metionina.

231    Antes de mais, refira‑se que, como a Comissão observa, no essencial, no considerando 277 da decisão, a prova dos efeitos concretos de uma infracção no mercado pode, em determinados casos, revelar‑se particularmente difícil, tendo em conta que essa prova implica a comparação entre a situação resultante dessa infracção com a situação que se verificaria se a mesma não tivesse existido, a qual é por natureza hipotética. A este respeito, há que ter em conta, na apreciação dos elementos em que a Comissão se baseou para demonstrar o impacto no mercado, por um lado, que a infracção remonta parcialmente a um período recuado (a Comissão fixou como data do início da infracção, data essa não contestada pela recorrente, o princípio de 1986) e, por outro, no que respeita ao período posterior a 1993, que a tendência dos preços era de baixarem (devido nomeadamente à concorrência exercida pela Novus), o que implica que a Comissão tinha de demonstrar não que os preços aumentavam devido à colusão, mas que, teriam baixado relativamente ao seu nível real se esta não existisse.

232    Quanto à primeira série de elementos referidos pela Comissão, não se pode deixar de observar que tanto o facto de as partes no acordo deterem uma quota maioritária do mercado como a circunstância de os acordos postos em evidência se destinarem especificamente a aumentar os preços para um nível superior ao que de contrário teriam alcançado e a restringir as quantidades vendidas, factos estes que têm aliás que ver com o objecto do cartel e não com os seus efeitos, constituem tão‑só indicações no sentido de demonstrar que a infracção era susceptível de gerar efeitos anticoncorrenciais significativos, mas não que tenha realmente sido esse o caso. Além disso, sublinhe‑se que, segundo as conclusões da própria Comissão, a quota de mercado dos membros do acordo tinha diminuído progressivamente a partir da entrada da Monsanto no mercado, para atingir os 60% à data do termo da infracção, ao passo que a Novus (anteriormente Monsanto) se tinha tornado, durante esse período, no primeiro produtor mundial de metionina, com mais de 30% de quotas de mercado (considerando 44), o que, de resto, suscitou a inquietação dos referidos membros a partir do fim de 1993 (considerando 150).

233    Todavia, refira‑se ainda que a Comissão fez prova bastante de que os acordos foram aplicados, nomeadamente, nos termos do considerando 278, de que os preços eram ajustados em função das condições do mercado (considerandos 88, 128, 130, 139, 150 e 154) e de que, especialmente nos períodos compreendidos entre 1986 e 1988 e entre 1992 e 1995, os novos objectivos de preços eram efectivamente anunciados aos clientes através da imprensa especializada (considerandos 88, 136, 157 e 167). Ora, como alega a Comissão, tais anúncios de preços têm, por natureza, incidências no mercado e no comportamento dos diferentes actores, tanto do lado da oferta como do da procura, atendendo a que esses anúncios influenciam o processo de determinação dos preços, porquanto o preço anunciado constitui uma referência em caso de negociação individual dos preços de transacção com os clientes (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Finnboard/Comissão, T‑338/94, Colect., p. II‑1617, n.° 342), que viram necessariamente a sua margem de negociação dos preços limitada (v., neste sentido, acórdão de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, referido no n.° 132 supra, n.° 745).

234    Em contrapartida, refira‑se que a aplicação de acordos colusórios sobre os preços e o anúncio de objectivos de preços não foi demonstrada para o período compreendido entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990, e isto não obstante a Comissão admitir que a entrada da Monsanto no mercado causou nessa época, perturbação entre os participantes (considerando 100).

235    De seguida, no que respeita à análise do aumento dos preços, efectuada pela Comissão no considerando 280, há que considerar que a mesma comprova que os objectivos de preços fixados pelos membros do cartel aumentaram entre 1990 e 1993. Com efeito, recorde‑se que, segundo a nota de 5 de Maio de 1990, os preços da metionina caíram substancialmente em 1989, para chegar aos 2,00 USD/kg. Ora, como observa a Comissão, resulta das declarações da Rhône‑Poulenc que, no fim do Verão de 1990, o preço da metionina era de 2,50 USD/kg (4,03 DEM/kg) e deveria ser aumentado, para chegar aos 2,80 USD/kg (4,51 DEM/kg). Além disso, na nota da reunião de 7 de Novembro de 1990, a Nippon Soda indica que, nessa época, os preços eram da ordem dos 3,40 a 3,50 USD/kg na zona de prevalência do marco alemão. Por último, na nota de 17 de Maio de 1993, a Nippon Soda indica que a tendência dos preços era para a subida e que a Degussa tinha vendido metionina, no segundo trimestre de 1993, a um dos seus clientes ao preço de 6,80 DEM/kg. Além disso, resulta dos considerandos 132 a 152, cujo teor não é contestado pela recorrente, que de 1992 a 1993 os objectivos de preços subiram de 6,05 (considerando 132) para 6,20 DEM/kg (considerando 137), devendo este último valor manter‑se em vigor, se bem que com algumas excepções, até ao terceiro trimestre de 1993 (considerando 144). Ainda que estes objectivos nem sempre tenham sido alcançados, resulta do considerando 136 que o preço médio da metionina na Europa era de 5,60 DEM/kg (ou seja, 3,35 USD/kg) no quarto trimestre de 1992 e de 5,20 DEM/kg (ou seja, 3,23 USD/kg) no primeiro trimestre de 1993. Daqui se conclui que, a partir do Verão de 1990, embora a tendência dos preços fosse anteriormente para a descida, os objectivos de preços, bem como os preços de transacção aumentaram e, em certa medida, foram estabilizados, o que permitiu que a Comissão, com razão, inferisse que os esforços conjugados dos participantes no acordo tinham tido um impacto concreto no mercado durante esse período.

236    No entanto, observe‑se que a Comissão não pôs em evidência da mesma forma a influência do acordo antes do Verão de 1990, o que a mesma parece reconhecer expressamente no que respeita, em particular, ao período compreendido entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990, nem tão‑pouco a sua influência na descida tendencial dos preços a partir de 1993.

237    Ora, no que respeita ao período compreendido entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990, referiu‑se atrás que, na sequência da retirada da Sumitomo do acordo e da chegada da Monsanto ao mercado e da diminuição generalizada da procura, o acordo sofreu uma certa flutuação, que se manifestou nomeadamente numa descida significativa dos preços praticados pela Degussa, que pretendia sobretudo recuperar quotas de mercado face à Monsanto, baixa esta que teve repercussões em todo o mercado.

238    Da mesma forma, quanto ao período compreendido entre 1993 e o fim do acordo, resulta dos considerandos 152 a 179 que os objectivos de preços baixaram gradualmente e que os participantes verificaram que aqueles não eram alcançados (considerandos 152, 153 e 160). Além disso, não se pode deixar de observar que a própria Comissão admitiu que os objectivos de preços não tinham sido alcançados e que os argumentos apresentados pela Degussa, ou seja, a não participação da Novus no acordo e a inexistência de mecanismos de aumento dos preços, de repartição dos volumes ou dos clientes e de vigilância, permitiam explicar essa circunstância (considerandos 284 a 287). A Comissão reconheceu igualmente que o facto de os preços da metionina terem diminuído ao longo do tempo ilustrava as dificuldades sentidas pelas partes para aumentar os preços numa situação de mercado difícil (considerando 288).

239    Apesar destas constatações, a Comissão concluiu, no considerando 289, que durante todo o período de duração do acordo os membros do cartel tinham conseguido manter os preços a um nível superior àquele que teria sido alcançado sem os acordos ilícitos.

240    Finalmente, no que diz respeito ao último elemento destacado pela Comissão, reiterado no quadro do presente recurso, segundo o qual os participantes no acordo não se teriam reunido regularmente durante toda a duração do acordo se este não tivesse tido nenhum efeito no mercado, há que considerar que o mesmo se baseia em puras conjecturas e não em factores económicos objectivos. Carecendo de qualquer valor probatório, há que o afastar (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido n.° 53 supra, n.° 159).

241    Resulta do exposto que a Comissão só parcialmente demonstrou a incidência do acordo no mercado da metionina entre 1986 e 1999. Em especial, a Comissão deveria ter tido em conta o facto de que, entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990, a discórdia entre os membros do acordo, associada à concorrência exercida pelo novo operador no mercado e a descida generalizada da procura levou a uma queda significativa dos preços, pondo em causa a prova dos efeitos concretos da colusão durante esse período e reforçando a hipótese da inexistência dos referidos efeitos. Isto é tanto mais verdadeiro quanto ficou por demonstrar a celebração de qualquer acordo sobre os preços durante esse período, como se referiu quando do exame da duração da infracção.

242    Ora, não resulta da decisão que a Comissão tenha tido especificamente em conta este elemento. Pelo contrário, a Comissão afirmou, nos considerandos 97 e 255, que as actividades do cartel prosseguiram com a mesma intensidade. Da mesma forma, resulta do considerando 291 que a Comissão rejeitou as objecções da recorrente a este respeito e entendeu que o comportamento desta durante aquele período não implicava que os participantes não tivessem aplicado o acordo colusório. No entanto, como se referiu anteriormente, não se pode deixar de observar que a Comissão não pôs em evidência a celebração de nenhum novo acordo sobre os preços entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990, nem tão‑pouco a aplicação do acordo anterior após a retirada da Sumitomo do acordo, no fim de 1988.

243    Além disso, note‑se que os preços da metionina baixaram gradualmente de 1993 até ao termo da infracção e que, durante esse período, os objectivos de preços não foram alcançados, devido nomeadamente à concorrência exercida pela Novus, a qual detinha uma quota de mercado superior a 30% do mercado mundial da metionina, à data do termo da infracção (25% a 26% ao nível do EEE, nos termos do considerando 286) e, segundo a própria opinião dos referidos membros, enunciada desde o final de 1993, estava em vias de se apoderar da quota mais elevada do mercado da metionina (considerando 150). Por outro lado, é certo que a Comissão pôs em evidência o anúncio, na imprensa especializada, dos objectivos de preços fixados pelos participantes no acordo, até ao início de 1995 (considerandos 136, 155, 157 e 167), devendo considerar‑se que esse anúncio teve necessariamente determinados efeitos no processo de fixação dos preços. Em contrapartida, sublinhe‑se que a decisão não refere nenhum anúncio de preços a partir daquela data. Por isso, há que considerar que a Comissão não demonstrou plenamente, ao contrário do que afirma no considerando 289, que após o período de 1992/1993 os preços foram mantidos a um nível superior àquele que seria alcançado sem os acordos ilícitos, demonstração cuja inexistência se faz sentir especialmente no que respeita ao período compreendido entre o início do ano de 1995 e o termo da infracção.

244    Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Primeira Instância analisar o alcance desta conclusão no âmbito da sua competência de plena jurisdição em matéria de coimas.

4.     Conclusão quanto à determinação do montante da coima em função da gravidade da infracção

245    Como se explicou anteriormente, há que concluir que a Comissão só parcialmente provou o impacto concreto da infracção no mercado, especialmente no que toca ao período compreendido entre o Outono de 1988 e o Verão de 1990 e entre 1995 e o termo da infracção.

246    Ora, há que referir também que a Comissão, ainda assim, entendeu, no considerando 289, que, durante todo o período de duração do acordo, designadamente depois do período de 1992/1993 os membros do cartel tinham conseguido manter os preços a um nível superior àquele que seria alcançado sem os acordos ilícitos. Do mesmo modo, na conclusão relativa à gravidade da infracção (considerando 293), a Comissão levou em conta o facto de, em seu entender, o comportamento censurado aos participantes no acordo ter tido uma incidência real no mercado.

247    Daqui se conclui que a Comissão determinou o montante da coima em função da gravidade da infracção em consideração da circunstância segundo a qual a referida infracção tinha tido, em seu entender, um impacto concreto no mercado, apesar de esse impacto não ter podido ser plenamente demonstrado para todo o período de duração do acordo.

248    Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância considera, em virtude da sua competência de plena jurisdição em matéria de coimas, que há que reduzir o montante da coima, determinado em função da gravidade da infracção, o qual foi fixado pela Comissão no considerando 302 em 35 milhões de EUR.

249    Porém, a este propósito, há que ter em conta que, como observa a Comissão, resulta do considerando 273 da decisão que a infracção foi qualificada como muito grave atenta a «sua própria natureza», tendo a Comissão observado que a infracção tinha consistido na partilha do mercado e na fixação de preços, «que constituem, pela sua própria natureza, o tipo mais grave de infracção ao n.° 1 do artigo 81.° [...] CE e ao n.° 1 do artigo 53.° do acordo EEE», (considerando 271). Por outro lado, a Comissão acrescentou, no considerando 275, que «(é) óbvio que os cartéis de fixação de preços e de repartição de mercados prejudicam, pela sua própria natureza, o funcionamento correcto do mercado único».

250    Ora, o Tribunal de Primeira Instância já declarou, no seu acórdão de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 258 e 259), que a gravidade da infracção pode ser determinada por referência à natureza e ao objecto dos comportamentos abusivos e que, segundo jurisprudência assente, os elementos relativos ao objecto de um comportamento podem ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Thyssen Stahl/Comissão, referido no n.° 222 supra, n.° 636, e de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 199).

251    O Tribunal de Justiça confirmou esta abordagem quando considerou que o efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui um critério determinante para a apreciação do montante adequado da coima. Os elementos que dizem respeito ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os relativos aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves, como a fixação dos preços e a repartição dos mercados (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, Colect., p. I‑10821, n.° 118).

252    Além disso, recorde‑se que sempre se considerou que os acordos horizontais em matéria de preços fazem parte das infracções mais graves ao direito comunitário da concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Tate & Lyle e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 103, e de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 262).

253    Por último, sublinhe‑se igualmente que a Comissão não concedeu ao critério do impacto real da infracção no mercado uma importância preponderante na fixação do montante de base da coima. Com efeito, a Comissão baseou igualmente a sua apreciação noutros elementos, nomeadamente na constatação de que a infracção devia ser qualificada como muito grave em razão da sua própria natureza (considerandos 271 a 275) e de que o mercado geográfico em causa era constituído por toda a Comunidade e, após a sua criação, pelo EEE (considerando 292).

254    Por conseguinte, atentas as considerações precedentes, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão qualificou correctamente a infracção como muito grave. Porém, tendo em conta que os efeitos concretos da infracção só parcialmente foram demonstrados, o Tribunal de Primeira Instância considera que o montante da coima determinado em função da gravidade da infracção deve ser reduzido de 35 para 30 milhões de EUR.

B –  Quanto ao agravamento da coima para assegurar um efeito dissuasivo suficiente

255    A recorrente invoca, neste âmbito, em primeiro lugar, um erro de direito e um erro de facto na determinação do seu volume de negócios, em segundo lugar, a violação do princípio da legalidade das penas, do dever de fundamentação e dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento na determinação da taxa de agravamento e, em terceiro lugar, um erro de apreciação quanto ao efeito dissuasivo suficiente face ao seu comportamento posterior à cessação da infracção.

1.     Quanto ao erro de direito e ao erro de facto relativamente ao volume de negócios da recorrente

a)     Argumentos das partes

256    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o montante do seu volume de negócios fixado pela Comissão para 2000 está errado. Com efeito, esse montante não é de 16,9 mas sim de 10,175 mil milhões de EUR, como a Comissão tomou conhecimento pela carta da recorrente de 5 de Junho de 2002 em resposta ao seu pedido de 28 de Maio de 2002. Atendendo à ligação directa entre os objectivos prosseguidos através do agravamento da coima e o volume de negócios da empresa, o erro cometido pela Comissão consiste em esta última ter deixado de lado circunstâncias essenciais que, a serem tidas em conta, a teriam levado a tomar outra decisão. Por isso, a Comissão cometeu um erro de apreciação susceptível de justificar a anulação da decisão.

257    Em segundo lugar, a recorrente entende que a Comissão considerou, sem razão, para o cálculo do montante da coima, a situação da nova empresa Degussa AG (Düsseldorf). Com efeito, esta última resultou da fusão da Degussa‑Hüls com a SKW, realizada em 2000 (v. n.° 1, supra), ou seja, segundo a recorrente, posteriormente à cessação da infracção. Além disso, a Degussa‑Hüls é ela própria o resultado da fusão entre a Degussa AG (Frankfurt‑am‑Main) e a Hüls AG (Marl), realizada em 1998 (v. o mesmo número), ou seja, também posteriormente ao comportamento anticoncorrencial censurado, segundo a recorrente. Assim, o autor da infracção foi a Degussa AG (Frankfurt‑am‑Main), empresa a que a Comissão se deveria ter referido quando calculou o montante da coima. Ora, o volume de negócios desta empresa ascendeu a 15,905 mil milhões de DEM no exercício de 1997/1998.

258    A recorrente admite que a nova entidade económica resultante da fusão é, em princípio, responsável pelas infracções cometidas anteriormente pelas entidades que se fundiram. Porém, esta responsabilidade limita‑se à infracção original e aos danos por ela causados. Ao tomar em consideração o volume de negócios da entidade resultante da fusão, a Comissão violou, pois, o «princípio da culpabilidade» (nulla poena sine culpa), reconhecido pelos ordenamentos jurídico‑penais dos Estados‑Membros e pelo artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, bem como pelo artigo 49.°, n.° 3, da Carta, segundo o qual a sanção aplicada deve ser proporcionada à culpabilidade da empresa que dela seja objecto. a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu igualmente este princípio, que resulta, em parte, do princípio da proporcionalidade, como elemento determinante da intensidade da pena (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1983, Lucchini/Comissão, 179/82, Recueil, p. 3083, n.° 27; de 14 de Fevereiro de 1984, Alfer/Comissão, 2/83, Recueil, p. 799, n.os 17 e 18; e de 17 de Maio de 1984, Estel/Comissão, 83/83, Recueil, p. 2195, n.os 39 e segs.).

259    A recorrente deduz do facto de o objectivo da coima ser tanto reprimir comportamentos ilícitos como prevenir a sua reincidência (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect., p. 447, n.os 172 a 176) que a infracção constitui o pressuposto quer da existência da sanção quer da sua intensidade.

260    Por conseguinte, ao considerar a situação da empresa posteriormente à época em que foi cometida a infracção, a Comissão baseou o cálculo do montante da coima unicamente no objectivo de dissuasão e prevenção, sem levar em conta a relação entre a sanção e a gravidade dos danos causados.

261    Quanto ao primeiro destes argumentos, a Comissão reconhece que o volume de negócios mundial da recorrente em 2000 era de 10,715 mil milhões de EUR, segundo os dados fornecidos na carta de 5 de Junho de 2002. Porém, afirma que este número está manifestamente errado.

262    A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão recorda que a recorrente indicou, no seu relatório de actividades de 2000, um volume de negócios de 16,9 mil milhões de EUR. Este número foi reproduzido na comunicação de acusações e posteriormente, dado não ter suscitado objecções por parte da recorrente na resposta à referida comunicação, na decisão.

263    Em segundo lugar, a Comissão sublinha que o relatório de actividades e o relatório de gestão para o ano de 2000 mencionam um volume de negócios pro forma de 20,3 mil milhões de EUR e um volume de negócios, excluída a compra e venda de metais preciosos, de 16,9 mil milhões de EUR. O resumo da conta de lucros e perdas do grupo Degussa, que inclui os resultados da Degussa‑Hüls entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2000 e os da SKW de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2000, apresenta receitas de 18,198 mil milhões de EUR em 31 de Dezembro de 2000. A Comissão deduziu daí que o volume de 10,715 mil milhões de EUR, adiantado pela recorrente na sua carta de 5 de Junho de 2002 e apresentado como o volume de negócios da Degussa‑Hüls, incluindo o volume de negócios realizado pela SKW nos seis meses seguintes à fusão destas duas empresas, está errado.

264    Além disso, a recorrente indicou, no seu relatório de gestão, que a avaliação pro forma, uma vez que abrange os resultados da Degussa‑Hüls e da SKW para um período de doze meses, devia ser considerada «mais significativa do ponto de vista económico» do que a apreciação em boa e devida forma, a qual contabiliza os resultados da SKW unicamente para um período de seis meses. A gestão interna e orientação estratégica da empresa foram, assim, estabelecidas com base nestes dados. Nestas circunstâncias, a Comissão considera que a recorrente não a pode censurar por ter levado em conta números que ela própria considerava economicamente mais significativos e punha em evidência no seu relatório de actividades destinado ao público.

265    De qualquer modo, a Comissão alega que a tomada em consideração do volume de negócios com exclusão dos resultados pro forma (da ordem dos 2 mil milhões de EUR) da SKW para o primeiro semestre de 2000 teria levado a um resultado pouco diferente.

266    Por último, a Comissão supõe que a recorrente pretende alegar o facto de a fusão da Degussa‑Hüls com a SKW só ter sido inscrita no registo comercial em 9 de Fevereiro de 2001 e que, por isso, só o volume de negócios da Degussa‑Hüls, que era talvez de 10,715 mil milhões de EUR, podia ser tomado em conta para o exercício de 2000. A Comissão observa, por um lado, que nesse caso a recorrente não deveria ter indicado, na sua carta de 5 de Junho de 2002, que o montante de 10,715 mil milhões de EUR incluía o volume de negócios da SKW realizado nos seis meses seguintes à fusão com a Degussa‑Hüls e, por outro, que, segundo o relatório de actividades da recorrente, as duas sociedades se fundiram com efeitos retroactivos a 30 de Junho de 2000, como de resto o comprova o facto de a recorrente ter podido organizar as contas do grupo em 31 de Dezembro de 2000, cumulando as da Degussa‑Hüls e as da SKW.

267    Quanto ao segundo desses argumentos, em primeiro lugar, a Comissão alega que teve em conta, no cálculo do montante da coima em função da gravidade da infracção, além do volume de negócios da recorrente, a participação desta numa infracção muito grave (considerando 293) e a quota de mercado da recorrente a nível mundial e ao nível do EEE em 1998.

268    Em segundo lugar, a Comissão observa que a infracção prosseguiu até Fevereiro de 1999, ou seja, posteriormente à fusão da Degussa com a Hüls (considerando 306). A este respeito, a recorrente mencionou, no procedimento administrativo, um volume de negócios de 12,354 mil milhões de EUR correspondentes ao exercício de 1998/1999.

269    Ora, segundo a Comissão, um volume de negócios de 8,1, 10,715, 12,354 ou 16,9 mil milhões de EUR justifica, em qualquer caso, a qualificação de grande empresa atribuída à recorrente e, portanto, um agravamento da coima pelos motivos expostos no considerando 303.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

270    No essencial, a recorrente acusa a Comissão de, por um lado, ter cometido um erro de facto quanto ao montante do seu volume de negócios para o ano de 2000 e, por outro, de ter cometido um erro de direito ao considerar, para efeitos da determinação do agravamento da coima, o seu volume de negócios para o ano de 2000, quando, segundo a decisão, a infracção cessou em Fevereiro de 1999.

271    Importa examinar antes de mais o segundo destes argumentos.

 Quanto à tomada em consideração do volume de negócios da recorrente para o ano de 2000

272     Na determinação do montante das coimas por infracção ao direito da concorrência, a Comissão deve não só ter em consideração a gravidade da infracção e as circunstâncias específicas do caso concreto, mas também o contexto em que a infracção foi cometida e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade (v., neste sentido, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 106).

273    A este respeito, as orientações prevêem, de resto, que, além da própria natureza da infracção, do seu impacto concreto no mercado e da dimensão geográfica deste, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante da coima que assegure a esta um carácter suficientemente dissuasivo (ponto 1 A, quarto parágrafo).

274    Pode ser também tomado em consideração o facto de as empresas de grandes dimensões poderem melhor apreciar o carácter infractor do seu comportamento e as consequências que daí decorrem (ponto 1 A, quinto parágrafo).

275    No caso vertente, a Comissão, sem se referir expressamente às ditas orientações, observou, no considerando 303, que importava «garantir [… à] coima um efeito dissuasivo suficiente e toma[r] em consideração o facto de [que] as grandes empresas disp[unha]m de conhecimentos jurídicos e económicos e de infra‑estruturas que lhes permit[ia]m mais facilmente reconhecer que o seu comportamento constitu[ía] uma infracção e estarem conscientes das consequências que dela decorr[ia]m nos termos da legislação da concorrência». Assim, a Comissão entendeu, nos considerandos 304 e 305, que, face aos volumes de negócios globais da Aventis, da Degussa e da Nippon Soda, ou seja, respectivamente 22,3 mil milhões de EUR, 16,9 mil milhões de EUR e 1,6 mil milhões de EUR para o exercício de 2000, havia que agravar em 100% o montante inicial das coimas, calculado em função da importância relativa no mercado em causa, de forma a tomar em consideração a dimensão e os recursos globais respectivos da Aventis e da Degussa.

276    Nos termos da decisão, a Comissão considerou correctamente, como foi declarado anteriormente, que a infracção cessou em Fevereiro de 1999. Ora, há que constatar, como observa a recorrente, que a Comissão baseou a sua apreciação do agravamento do montante de base da coima nos volumes de negócios realizados pelas empresas em causa durante o exercício de 2000 (considerando 304), portanto posteriormente à cessação da infracção. Ao contrário do afirmado pela recorrente, esta circunstância não é susceptível de viciar o método de cálculo seguido pela Comissão.

277    Resulta do considerando 303 que a Comissão atendeu a dois elementos que justificam o agravamento do montante de base em 100% no que respeita à Aventis e à Degussa. Este agravamento teria sido necessário, por um lado, para garantir à coima um efeito dissuasivo suficiente e, por outro, para ter em conta o facto de as grandes empresas disporem de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitam apreciar melhor o carácter infractor do seu comportamento.

278    Quanto ao primeiro destes elementos, recorde‑se que o objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima tem em vista assegurar o respeito, por parte das empresas, das regras de concorrência previstas no Tratado para a condução das suas actividades na Comunidade ou no EEE. Ora, o Tribunal de Primeira Instância entende que este objectivo só pode ser validamente alcançado se se considerar a situação da empresa no dia em que a coima é aplicada.

279    Com efeito, há que distinguir entre, por um lado, a amplitude da infracção no mercado e a parte de responsabilidade que cabe a cada participante no acordo (situação abrangida pelo ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações) e, por outro, o efeito dissuasivo que deve revestir a imposição da coima.

280    Quanto à amplitude da infracção no mercado e à parte de responsabilidade que cabe a cada participante no acordo, já foi declarado que a parte do volume de negócios que provém das mercadorias que são objecto da infracção é susceptível de dar uma indicação ajustada da extensão da infracção no mercado em causa (v., nomeadamente, acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 121, e Mayr‑Melnhof/Comissão, referido no n.° 222 supra, n.° 369) e que o volume de negócios relativo aos produtos que foram objecto de uma prática restritiva constitui um elemento objectivo que dá uma medida ajustada da nocividade desta prática para o jogo normal da concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, British Steel/Comissão, T‑151/94, Colect., p. II‑629, n.° 643).

281    De resto, a Comissão seguiu esta metodologia nos considerandos 294 a 302, na determinação do montante da infracção da coima em função da gravidade da infracção. A Comissão tomou em consideração, nessa ocasião, a quota de mercado mundial e no EEE de cada uma das empresas presentes no mercado da metionina em 1998, último ano civil da infracção, e deduziu daí que a Aventis e a Degussa representavam uma primeira categoria e a Nippon Soda uma segunda, pelo que lhes devia ser aplicado um tratamento diferenciado. De resto, a recorrente não contesta esta conclusão.

282    Por conseguinte, há que observar, nesta fase, que o argumento da recorrente de que a Comissão considerou somente o volume de negócios da nova entidade Degussa AG (Düsseldorf), criada em 2000, e, assim, baseou o seu raciocínio unicamente no objectivo de dissuasão, sem levar em conta os danos para concorrência resultantes do seu comportamento à data da infracção, é improcedente.

283    Porém, o segundo destes conceitos, ou seja, a necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, quando não dá origem ao aumento geral do nível das coimas no quadro da aplicação de uma política de concorrência, exige que o montante da coima seja modulado de forma a levar em conta o impacto pretendido na empresa à qual é aplicada, e isso para que a coima não se torne irrisória, ou pelo contrário excessiva, face, nomeadamente, à capacidade financeira da empresa em questão, de acordo com as exigências relativas, por um lado, à necessidade de garantir a eficácia da coima e, por outro, do respeito do princípio da proporcionalidade.

284    Assim, o Tribunal de Primeira Instância já referiu que uma das empresas em causa, «devido ao seu enorme volume de negócios global relativamente ao dos outros membros do cartel, mobilizaria mais facilmente os fundos necessários ao pagamento da sua coima, o que justificava, na perspectiva de um efeito dissuasivo suficiente desta última, a aplicação de um multiplicador» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. I‑0000, n.° 241).

285    Ora, devido, nomeadamente, a operações de cessão ou de concentração, os recursos globais de uma empresa podem variar, diminuindo ou aumentando de forma significativa num lapso de tempo relativamente curto, em especial entre a cessação da infracção e a adopção da decisão que aplica a coima. Daqui se conclui que os referidos recursos devem ser avaliados, para alcançar correctamente o objectivo de dissuasão, e isso com observância do princípio da proporcionalidade, no dia em que a coima é aplicada. A este respeito, pelos mesmos motivos há que notar que, no âmbito do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o limite superior da coima fixado em 10% do volume de negócios da empresa interessada é determinado em função do volume de negócios realizado durante o exercício social anterior à adopção da decisão (acórdão Sarrió/Comissão, referido no n.° 193 supra, n.° 85).

286    Daqui se conclui que não se pode considerar que a Comissão tenha cometido um erro de direito quando se baseou nos volumes de negócios relativos a um exercício posterior à cessação da infracção. Porém, há que observar que, conforme se explicou anteriormente e atendendo a que a decisão foi adoptada em 2 de Julho de 2002, em princípio a Comissão deveria ter considerado, para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, o volume de negócios realizado pelos diferentes destinatários da decisão no exercício social de 2001. Porém, em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância na audiência, a Comissão indicou, por um lado, que os volumes de negócios da Sumitomo e da Nippon Soda para esse exercício não estavam disponíveis à data da adopção da decisão e, por outro, que os volumes de negócios realizados pelas empresas em causa em 2000 tinham sido objecto de verificação das contas. Ora, há que considerar que estas circunstâncias, não contestadas pela recorrente, são susceptíveis de justificar o facto de a Comissão não ter tomado em consideração, os volumes de negócios realizados em 2001 pelas empresas em causa, mas os volumes de negócios mais recentes que tinha à sua disposição, ou seja, os relativos ao exercício social de 2000.

287    Daqui se conclui que a Comissão não pode ser censurada por ter tomado em consideração, na determinação no agravamento da coima em função do efeito dissuasivo, o volume de negócios realizado pela recorrente em 2000.

288    O argumento da recorrente de que a Comissão tomou, indevidamente, em conta o volume de negócios resultante das fusões verificadas, respectivamente, entre a Degussa e a Hüls em 1998, e a Degussa‑Hüls e a SKW em 2000, as quais são posteriores à cessação da infracção, além de, em parte, não ter suporte na matéria de facto, visto que foi demonstrado que a infracção tinha cessado em Fevereiro de 1999, é portanto improcedente, a este respeito. Refira‑se, além do mais, que as circunstâncias do caso concreto ilustram precisamente a necessidade de avaliar os recursos globais da empresa em causa em função do seu último volume de negócios disponível.

289    Quanto ao segundo elemento levado em conta pela Comissão para efeitos do agravamento do montante de base da coima, a saber, as infra‑estrututuras jurídico‑económicas de que as empresas dispõem e que lhes permitem apreciar do carácter infractor do seu comportamento, refira‑se, por oposição ao que ficou exposto anteriormente, que o mesmo se destina a punir em maior medida as grandes empresas, que se presume terem os conhecimentos e meios estruturais suficientes para terem consciência do carácter infractor do seu comportamento e avaliarem os benefícios dele decorrentes.

290    Ora, há que considerar que, nesta hipótese, o volume de negócios com base no qual a Comissão determina a dimensão das empresas em causa, e portanto a sua capacidade para determinar a natureza e consequências do seu comportamento, deve reportar‑se à sua situação no momento da infracção. No caso vertente e no que toca a este aspecto, a Comissão não podia, pois, levar em conta o volume de negócios realizado pela recorrente em 2000, visto a infracção ter cessado em Fevereiro de 1999.

291    Porém, esta conclusão não é, por si só, susceptível de alterar a validade da conclusão da Comissão segundo a qual o montante de base da coima aplicada à recorrente deve ser agravado em 100%.

292    De facto, por um lado, os considerandos 303 a 305 da decisão dispõem:

«Efeito dissuasivo suficiente

(303) Por forma a garantir que a coima produz um efeito dissuasivo suficiente e toma em consideração o facto de as grandes empresas disporem de conhecimentos jurídicos e económicos e de infra‑estruturas que lhes permitem mais facilmente reconhecer que o seu comportamento constitui uma infracção e estarem conscientes das consequências que dela decorrem nos termos da legislação da concorrência, a Comissão determinará seguidamente se é necessário qualquer outro ajustamento ao montante inicial para qualquer das empresas.

(304) Com volumes de negócios a nível mundial de respectivamente 22,3 mil milhões de euros e 16,9 mil milhões de euros em 2000, a Aventis e a Degussa são operadores de muito maiores dimensões do que a Nippon Soda (volume de negócios a nível mundial de 1,6 mil milhões de euros em 2000). Neste contexto, a Comissão considera que o ponto de partida adequado para uma coima resultante do critério da importância relativa no mercado relevante, necessita de um novo ajustamento no sentido da subida, por forma a tomar em consideração a dimensão e os recursos globais da Aventis e da Degussa, respectivamente

(305) Com base no que precede, a Comissão considera que, para garantir um efeito suficientemente dissuasivo, é necessário que o ponto de partida da coima determinada nos termos do considerando 302 seja aumentado em 100% (× 2), para 70 milhões de euros, no que se refere à Degussa e à Aventis [...].»

293    Resulta do que antecede que, embora a Comissão tenha mencionado o elemento relativo às infra‑estruturas jurídico‑económicas, na realidade justificou o agravamento do montante de base da coima essencialmente pela necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, como comprovam a conclusão que figura no considerando 305 e a própria epígrafe da rubrica.

294    Por outro lado, observe‑se que, em qualquer caso, o volume de negócios global da recorrente no exercício de 1997/1998 eleva‑se, de acordo com os dados fornecidos por esta, a cerca de 15,9 mil milhões de DEM. Ora, não se pode sustentar que, por este motivo, a recorrente não dispunha das infra‑estruturas jurídico‑económicas de que dispõem as empresas de dimensão importante, o que de resto a recorrente não alega. A tomada em consideração do volume de negócios da recorrente em 2000 (fixado pela Comissão em 16,9 mil milhões de EUR) não pode, pois, ter nenhuma repercussão no entendimento da Comissão de que o montante de base da coima devia ser agravado para levar em conta o facto da recorrente dispor dos recursos necessários para lhe permitir apreciar do carácter infractor do seu comportamento e as consequências dele decorrentes.

295    Daqui se conclui que o argumento da recorrente de que a Comissão cometeu um erro de direito ao levar em conta, para fundamentar o agravamento do montante da coima determinado em função da gravidade da infracção, o seu volume de negócios no exercício de 2000, não pode justificar a anulação da decisão nem a redução do montante da coima.

 Quanto ao erro de facto relativamente ao montante do volume de negócios da recorrente em 2000

296    A recorrente alega que o volume de negócios no ano 2000 (16,9 mil milhões de EUR) considerado pela Comissão está errado, que o mesmo ascende, na realidade, a 10,715 mil milhões de EUR, como resulta da carta enviada pela recorrente à Comissão em 5 de Junho de 2002, em resposta a um pedido desta última de 28 de Maio de 2002.

297    Nas suas respostas às questões escritas do Tribunal de Primeira Instância e na audiência, a recorrente indicou que o volume de negócios de 10,715 mil milhões de EUR foi o único que foi certificado por auditores como conforme aos princípios contabilísticos dos Estados Unidos geralmente aceites (United States generally accepted accounting principles). A recorrente sustenta que, na falta de disposições comunitárias que definam as regras de cálculo do volume de negócios das empresas, a segurança jurídica exige que só sejam considerados os volumes de negócios determinados e certificados de acordo com as regras aplicáveis à empresa em causa, ou seja, no caso vertente, os referidos princípios contabilísticos.

298    A Comissão alega que o montante de 16,9 mil milhões de EUR que tomou em conta resulta do relatório de gestão da recorrente elaborado para 2000. Porém, na audiência, a Comissão admitiu que o volume de negócios a tomar em consideração devia reflectir a situação real da empresa e que, por conseguinte, atendendo a que a fusão da recorrente com a SKW tivera lugar em 1 de Julho de 2000, não havia que considerar o volume de negócios pro forma realizado pela SKW de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2000.

299    Resultam dos autos, designadamente das respostas da recorrente às questões escritas do Tribunal de Primeira Instância, os seguintes elementos:

–        O montante de 16,9 mil milhões de EUR levado em conta pela Comissão inclui uma avaliação pro forma do volume de negócios da SKW de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2000, bem como o volume de negócios realizado em três sectores de actividade não essenciais (dmc², Dental e Phenolchemie), cedidos pela recorrente em 2001 (a seguir «volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001»);

–        O montante de 10,175 mil milhões de EUR, invocado pela recorrente, só inclui o volume de negócios da SKW para o período compreendido entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2000 e exclui o volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001;

–        O volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001 ascende a 4,131 mil milhões de EUR.

300    Na audiência, as partes concordaram com estes dados, facto que o Tribunal de Primeira Instância registou.

301    Resulta do que antecede que a diferença entre os volumes de negócios declarados pelas partes se explica pelo facto de esses valores não incluírem os mesmos elementos. Enquanto o montante tomado em conta pela Comissão inclui tanto o volume de negócios realizado pela sociedade SKW de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2000 como o volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001, o volume de negócios invocado pela recorrente, por um lado, só inclui o volume de negócios realizado pela SKW no período compreendido entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2000 e, por outro, não inclui o volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001.

302    Ora, o Tribunal de Primeira Instância considera que, como se explicou anteriormente, no âmbito da determinação do eventual agravamento da coima com vista a garantir que esta produza um efeito dissuasivo, importa ter em conta a capacidade financeira e os recursos reais da empresa no momento em que a coima lhe é aplicada e não a avaliação pro forma inscrita no seu balanço, que é fictícia por natureza e resulta da aplicação das regras contabilísticas que a empresa em causa impôs a si própria.

303    Por isso, não é de considerar o volume de negócios pro forma da SKW durante o período compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2000 nem a subtracção pro forma do volume de negócios realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001.

304    Com efeito, não se pode deixar de observar que, no exercício social de 2000, que devia ser tomado em conta na determinação do agravamento da coima para assegurar a esta última um efeito dissuasivo suficiente, conforme se explicou atrás, a recorrente, por um lado, não incorporou o volume de negócios realizado pela SKW de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2000, dado que a fusão desta sociedade com a recorrente teve lugar a 1 de Julho de 2000, mas, por outro, incorporou efectivamente o volume de negócios proveniente dos três sectores de actividade cedidos em 2001.

305    Por conseguinte, o volume de negócios pertinente no caso vertente resulta da adição do volume de negócios de 10,715 mil milhões de EUR invocado pela recorrente e do volume de negócios de 4,131 mil milhões de euros realizado nos três sectores de actividade cedidos em 2001, ou seja, 14,846 mil milhões de EUR.

306    Nenhum dos argumentos expendidos pela Comissão, que de resto admitiu, na audiência, que o volume de negócios tido em conta na decisão estava errado, é susceptível de pôr em causa esta conclusão.

307    Em primeiro lugar, o facto de, na sua resposta, de 10 de Janeiro de 2002, à comunicação de acusações, de 1 de Outubro de 2001 (a seguir «CA»), a recorrente não ter suscitado nenhuma objecção quanto à consideração do montante de 16,9 mil milhões de EUR, não só não é em si decisivo como, além disso, não é pertinente, na medida em que a Comissão apenas evocou aquele montante na parte descritiva dos membros do acordo, uma vez que a CA não contém, de resto, nenhuma avaliação da coima aplicável. Se a Comissão tivesse pretendido ter, de qualquer modo, em conta, em todo o caso, o montante indicado na CA, suscitar‑se‑iam, além disso, interrogações quanto aos motivos que a levaram a enviar à recorrente, em 28 de Maio de 2002, um pedido de informações com vista a obter dados relativos ao volume de negócios desta. Além disso, não se pode deixar de observar que, na sua resposta de 5 de Junho de 2002 a esse pedido de informações, a recorrente mencionou expressamente que o volume de negócios, no montante de 10,715 mil milhões de EUR, indicado para o exercício de 2000, incluía unicamente o volume de negócios realizado pela SKW de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2000. Daqui se conclui que a Comissão podia dar‑se conta da discordância entre este montante e o montante de 16,9 mil milhões de EUR indicado na CA. Nestas circunstâncias, a Comissão poderia ou mesmo deveria ter pedido à recorrente informações complementares para se certificar da exactidão do montante a tomar em consideração.

308    Em segundo lugar, o facto de a avaliação pro forma mencionada no relatório de gestão da recorrente aí ser considerada por esta última mais significativa do ponto de vista económico, por um lado, não foi provado pela Comissão e, por outro, não é de qualquer modo susceptível de infirmar a conclusão de que a Comissão, na apreciação do efeito dissuasivo que a coima deve revestir, é obrigada a tomar em consideração a situação real da empresa no momento em que avalia a coima que projecta aplicar‑lhe, o que de resto aquela admitiu na audiência.

309    Em terceiro e último lugar e ao contrário do que a Comissão supôs, sublinhe‑se que a recorrente não afirma de modo nenhum que só o volume de negócios da Degussa‑Hüls, com exclusão do da SKW, deve ser tomado em conta na determinação do montante do seu volume de negócios para o ano de 2000 em razão da inscrição da fusão no registo comercial em 9 de Fevereiro de 2001. De resto, a carta de 5 de Junho de 2002, enviada pela recorrente à Comissão, menciona inequivocamente que o volume de negócios indicado inclui o realizado pela SKW no segundo semestre de 2000. Por isso, o argumento da Comissão assente nesta consideração é inoperante.

310    Resulta das considerações que antecedem que o volume de negócios levado em conta pela Comissão na determinação do agravamento da coima com vista a assegurar a esta última um efeito dissuasivo suficiente, está errado. Este montante não constitui, contudo, o necessário suporte para a conclusão da Comissão de que se verificou a infracção em que a recorrente participou. Com efeito, o erro cometido pela Comissão só poderia ter repercussões na determinação do montante da coima, domínio em que o Tribunal de Primeira Instância dispõe de competência de plena jurisdição. Daqui se conclui que o erro no volume de negócios tomado em consideração pela Comissão não é susceptível de acarretar a anulação da decisão. O pedido da recorrente neste sentido deve, pois, ser indeferido.

311    Porém, cabe ao Tribunal de Primeira Instância examinar se esta circunstância é susceptível de levar à violação do princípio da igualdade de tratamento e, portanto, de justificar a redução da coima.

2.     Quanto à violação do princípio da legalidade das penas, do dever de fundamentação e dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento no agravamento do montante da coima em função do efeito dissuasivo

a)     Quanto à violação do princípio da legalidade das penas e do dever de fundamentação

 Argumentos das partes

312    A recorrente sustenta que a Comissão não cumpriu, quando da determinação do agravamento do montante de base, o seu dever de fundamentação, a qual deve deixar transparecer os critérios de determinação da coima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Buchmann/Comissão, T‑295/94, Colect., p. II‑813, n.° 173). A recorrente contesta, além disso, a majoração de 100% do montante de base efectuado pela Comissão em função do efeito dissuasivo que a coima deve revestir, porquanto o referido agravamento se revela arbitrário e não pode ser objecto de nenhuma fiscalização de legalidade. Com efeito, este método acaba por deixar à Comissão uma liberdade total de decisão na determinação do montante coima, seja qual for o montante de base da coima inicialmente determinado.

313    A Comissão entende que esta argumentação é improcedente. Sustenta que a decisão explica claramente os motivos que a levaram a duplicar o montante de base da coima aplicada à recorrente, nos considerandos 303 a 305 da referida decisão.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

314    Antes de mais, no que toca à alegada violação, pela Comissão, do dever de fundamentação, não se pode deixar de observar que a decisão indica claramente, nos considerandos 303 a 305, que a majoração de 100%, relativamente à recorrente, do montante de base da coima determinado em função da gravidade da infracção tem fundamento na necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, atenta a dimensão e recursos globais da recorrente, e de levar em conta o facto de as grandes empresas disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicos que lhes permitem apreciar melhor a natureza e consequências do seu comportamento. De seguida, a decisão refere expressamente o volume de negócios realizado pela recorrente em 2000 para justificar o agravamento do montante inicial da coima.

315    Desta forma, a decisão deixa transparecer claramente o raciocínio da Comissão, permitindo desse modo à recorrente conhecer os elementos de apreciação tomados em conta para agravar o montante da coima e, assim, contestar o fundamento desses elementos, e ao Tribunal de Primeira Instância exercer a sua fiscalização. O argumento da recorrente relativo à violação do dever de fundamentação neste ponto deve, portanto, ser rejeitado.

316    Na medida em que a recorrente considera, além disso, que o método que consiste em duplicar o montante de base é arbitrário e constitui uma violação do princípio da legalidade das penas, recorde‑se que a necessidade de assegurar à coima produza efeito dissuasivo suficiente é um objectivo legítimo que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima e tem em vista assegurar que as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado. Não obstante, como se referiu no âmbito do primeiro fundamento, a Comissão está obrigada a respeitar os princípios gerais do direito, nomeadamente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, não só na determinação do montante de base, mas também quando do agravamento desse montante com o objectivo de assegurar à coima um efeito suficientemente dissuasivo.

317    Daqui se conclui que, embora a Comissão beneficie efectivamente de uma necessária margem de apreciação na fixação da taxa de agravamento em função do efeito dissuasivo, não é menos verdade que o seu poder é limitado pelo respeito dos referidos princípios, o qual é susceptível de fiscalização jurisdicional, no âmbito da qual o Tribunal de Primeira Instância dispõe, de resto, de competência de plena jurisdição. O argumento da recorrente deve, pois, ser afastado.

b)     Quanto à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

318    A recorrente sustenta que a majoração de 100%, pela Comissão, do montante da coima determinado em função da gravidade da infracção (35 milhões de EUR) para assegurar à referida coima um efeito dissuasivo suficiente constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

319    A recorrente afirma que, segundo as suas estimativas, em 2000 a dimensão da Degussa por muito pouco atingia metade da da Aventis. Ao impor o mesmo agravamento da coima às duas empresas, a Comissão violou assim o princípio da igualdade de tratamento, inclusivamente no caso de se ter em conta o montante erradamente considerado pela Comissão. Tendo em conta que o seu volume de negócios se situa entre o da Nippon Soda e o da Aventis, a recorrente sustenta que o agravamento que lhe deveria ter sido aplicado corresponde à metade do aplicado à Aventis, ou seja, um resultado de 27,5 milhões de EUR.

320    Além disso, a recorrente considera que a duplicação do montante de base constitui uma violação do princípio da proporcionalidade da pena, porquanto foi dada importância excessiva ao objectivo de dissuasão face ao comportamento infractor que lhe é censurado.

321    A Comissão sustenta que a duplicação do montante de base da coima da Aventis e da Degussa reflecte o facto de estas duas empresas, atenta a sua dimensão e os seus recursos globais, serem claramente mais importantes do que a Nippon Soda (considerando 304).

322    A Comissão recorda, a este propósito, que o agravamento do montante de base da coima responde à necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente e, eventualmente, de levar em conta que as grandes empresas dispõem de conhecimentos económicos e de infra‑estruturas mais importantes (considerando 303). Ora, no caso vertente importa, antes de mais, ter em conta a diferença de dimensão entre a recorrente a Aventis, por um lado, e a Nippon Soda, por outro (considerando 304). Com efeito, no caso de ser necessário tomar em consideração o montante indicado pela recorrente, o volume de negócios desta última corresponderia a 6,7 vezes o da Nippon Soda ao passo que o volume de negócios da Aventis representaria apenas o dobro do da recorrente. Por isso, a Comissão tinha, de qualquer modo, de dar o mesmo tratamento à recorrente e à Aventis. Além disso, a Comissão recorda que não é necessário aplicar uma fórmula aritmética que preveja um aumento do montante da coima proporcionalmente ao volume de negócios da empresa em causa, pois os objectivos prosseguidos pelo agravamento das coimas podem ser desde logo alcançados através da categorização das empresas segundo a sua dimensão (acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 464).

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

323    No que respeita ao argumento da recorrente relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, recorde‑se que, como observa a Comissão, a metodologia que consiste em repartir os membros de um acordo em várias categorias, o que implica a fixação de um montante inicial idêntico para as empresas que pertençam à mesma categoria, embora acabe por ignorar as diferenças de dimensão entre empresas de uma mesma categoria, não pode, em princípio, ser censurada (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, referido no n.° 284 supra, n.os 217 a 221). Com efeito, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de as coimas serem aplicadas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam qualquer diferenciação entre elas quanto ao seu volume de negócios global (v. acórdão CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 252 supra, n.° 385, e jurisprudência referida).

324    Não é menos verdade que, segundo a jurisprudência, essa repartição por categorias deve respeitar o princípio da igualdade de tratamento segundo o qual é proibido tratar situações comparáveis de modo diferente e situações diferentes de modo igual, a não ser que esse tratamento seja objectivamente justificado (acórdão CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 252 supra, n.° 406). Nesta mesma óptica, as orientações prevêem no seu ponto 1 A, sexto parágrafo, que uma disparidade «considerável» na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza é, designadamente, susceptível de justificar uma diferenciação para efeitos da apreciação da gravidade da infracção. Por outro lado, segundo a jurisprudência, o montante das coimas deve, pelo menos, ser proporcionado relativamente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção (acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 106).

325    Consequentemente, quando a Comissão reparte as empresas envolvidas em categorias para efeitos da fixação do montante das coimas, a determinação dos limiares para cada uma das categorias assim identificadas deve ser coerente e objectivamente justificada (acórdãos CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 252 supra, n.° 416, e LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 46 supra, n.° 298).

326    No caso vertente, há que sublinhar que a classificação das empresas por categorias consoante as suas quotas de mercado foi efectuada pela Comissão nos considerandos 294 a 301 da decisão. Esta classificação não é contestada pela recorrente e levou, no considerando 302, à fixação de um montante de base determinado em função da gravidade da infracção de 35 milhões de euros para a Degussa e a Aventis e de 8 milhões de EUR para a Nippon Soda.

327    Contudo, a recorrente contesta o facto de a Comissão ter aplicado a esse montante, para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, a mesma taxa de majoração para a Degussa e para a Aventis (100%) tendo em consideração os volumes de negócios globais destas empresas, quando, segundo afirma, esses valores são díspares.

328    Ora, há que sublinhar que, face ao objectivo que prossegue, ou seja, a adopção do montante da coima em função dos recursos globais da empresa e da capacidade para mobilizar os fundos necessários para pagar a referida coima, a fixação da importância da taxa de agravamento do montante de base para assegurar um efeito suficientemente dissuasivo à coima destina‑se mais a garantir a eficácia da coima do que a prestar contas da nocividade da infracção para o jogo normal da concorrência e portanto da gravidade da referida infracção.

329    Daqui resulta que a exigência relativa ao carácter objectivamente justificado do método que consiste em classificar as empresas por categorias deve interpretar‑se de forma mais estrita no caso de essa classificação ser efectuada não para efeitos da determinação do montante da coima em função da gravidade da infracção, mas para efeitos da determinação do agravamento do montante de base, com o objectivo de assegurar um efeito dissuasivo suficiente à coima aplicada.

330    Com efeito, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, no âmbito da determinação do montante da coima em função da gravidade, mesmo que, devido à repartição em grupos, seja aplicado a determinadas empresas um montante de base idêntico apesar de terem dimensões diferentes, esta diferença de tratamento é objectivamente justificada devido à preeminência acordada à natureza da infracção relativamente à dimensão das empresas quando da determinação da gravidade da infracção (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 50 a 53, e acórdão CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 252 supra, n.° 411).

331    Contudo, esta justificação não é susceptível de se aplicar à determinação da taxa de agravamento da coima com o objectivo de assegurar a esta um efeito dissuasivo suficiente, atendendo a que esse agravamento se baseia essencial e objectivamente na dimensão e nos recursos das empresas e não na natureza da infracção. De resto, sublinhe‑se que, a taxa de agravamento com a finalidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente foi fixada na decisão, ao passo que o montante de base em função da gravidade tinha sido previamente determinado (considerando 303).

332    Além disso, resulta do considerando 304 da decisão, que refere que «o ponto de partida adequado para uma coima resultante do critério da importância relativa no mercado relevante, necessita de um novo ajustamento no sentido da subida, por forma a tomar em consideração a dimensão e os recursos globais da Aventis e da Degussa», que a Comissão não menciona, por outro lado, nenhum elemento, para além da posse, pela recorrente, de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhe permitem avaliar a natureza anticoncorrencial e as consequências do seu comportamento, susceptível de justificar objectivamente que os montantes relativos à recorrente e à Aventis tinham sido objecto do mesmo agravamento.

333    Nestas circunstâncias e atendendo a que a Comissão se baseou expressamente, no considerando 304, nos volumes de negócios globais respectivos das empresas em causa, há que considerar que a taxa de agravamento do montante da coima determinada em função da gravidade da infracção deveria ter reflectido, pelo menos aproximativamente, a diferença significativa que se verifica entre esses volumes de negócios.

334    Ora, embora a Comissão tenha podido considerar que os volumes de negócios respectivos da Degussa (16,9 mil milhões de EUR) e da Aventis (22,3 mil milhões de EUR) em 2000 demonstravam que estas empresas eram «operadores de muito maiores dimensões do que a Nippon Soda» (1,6 mil milhões de EUR) e que, assim, a coima aplicada a esta última não tinha de ser agravada para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, não se pode deixar de observar que a Comissão aplicou a mesma taxa de agravamento à Degussa e à Aventis quando, de acordo com os seus próprios dados, o volume de negócios da Degussa era aproximadamente 25% inferior ao da Aventis. Esta proporção ascende mesmo a mais de 33%, se se tomar em conta o volume de negócios de 14,846 mil milhões de EUR, de acordo com o explicado nos n.os 302 a 305 supra.

335    Por conseguinte, a Comissão não podia, sem violar o princípio da igualdade de tratamento, agravar o montante da coima determinado em função da gravidade da infracção por aplicação da mesma taxa que a aplicada à Aventis.

336    Nenhum dos argumentos da Comissão é susceptível de pôr em causa esta conclusão.

337    Em primeiro lugar, embora seja certo que havia que tomar em conta a diferença importante de dimensão entre a Degussa e a Aventis, por um lado, e a Nippon Soda, por outro, diferença essa que justificava, relativamente a esta última, o não agravamento da coima em função do efeito dissuasivo, esta consideração não podia dispensar a Comissão de levar também em conta a diferença de dimensão entre a Degussa, por um lado, e a Aventis, por outro. Esta análise impõe‑se tanto mais que o volume de negócios errado tido em conta pela Comissão levou, na realidade, a subestimar esta diferença.

338    Em segundo lugar e como se observou anteriormente, embora seja certo que a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar, no caso de as coimas serem impostas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas traduzam qualquer diferencia entre as empresas em causa, quanto ao seu volume de negócios global (v. acórdão CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 252 supra, n.° 385, e jurisprudência citada), não é menos verdade que a classificação das empresas por categorias deve, de acordo com o princípio da igualdade de tratamento, ser objectivamente justificada, devendo esta exigência ser objecto de interpretação mais estrita no caso de a referida classificação visar não a determinação do peso específico do comportamento infractor de cada empresa, mas sim a fixação da taxa de agravamento do montante da coima determinado em função da gravidade da infracção para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, fixação esta que prossegue uma finalidade diferente e autónoma e se baseia numa apreciação objectiva da capacidade das empresas para mobilizar os fundos necessários para pagar a coima.

339    Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância considera que, no exercício da sua competência de plena jurisdição em matéria de coimas, há lugar à redução da taxa de agravamento do montante, determinado em função da gravidade da infracção, da coima aplicada à Degussa, de modo a que esse agravamento reflicta a significativa diferença de dimensão entre a Degussa e a Aventis (v., neste sentido, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, referido no n.° 284 supra, n.os 244 a 249).

340    Para este efeito, há que observar, contudo, que a Comissão, embora tenha baseado a determinação da taxa de agravamento da coima essencialmente na necessidade de assegurar a esta um efeito dissuasivo suficiente, como resulta quer da epígrafe da rubrica que abrange os considerandos 303 a 305 como dos próprios considerandos 304 e 305, a Comissão teve igualmente em conta, no considerando 303, o facto de as grandes empresas disporem de conhecimentos e de infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter infractor do seu comportamento e as consequências que dele decorriam. Ora, como observa a Comissão e foi referido anteriormente, não há que distinguir, a este respeito, entre duas empresas cujos volumes de negócios justificam, de qualquer modo, a qualificação das mesmas como grandes empresas que dispõem de tais infra‑estruturas.

341    Daqui se conclui que há que ter em conta este aspecto e considerar que o elemento comum à Aventis e à Degussa, a saber, como se viu anteriormente, a posse de uma infra‑estrutura jurídico‑económica em razão da sua grande dimensão, justifica que a taxa de agravamento não traduza todas as diferenças entre os volumes de negócios destas empresas.

342    Por todo o exposto, o Tribunal de Primeira Instância, no exercício da sua competência de plena jurisdição, entende que importa agravar o montante da coima determinado em função da gravidade da infracção fixado para a recorrente, ou seja, 30 milhões de EUR, conforme o n.° 254 supra, em 80%, para atingir 54 milhões de EUR.

343    Nestas circunstâncias, quanto ao segundo fundamento, invocado pela recorrente na réplica, relativo à violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Primeira Instância entende que a majoração de 80% do montante de base da coima, atendendo à dimensão global da recorrente, não deve ser considerada desproporcionada em relação à sua responsabilidade dentro do acordo e à sua capacidade para causar um prejuízo importante à concorrência, as quais resultam da quota substancial de mercado que ela detinha no mercado da metionina durante o período em que foi cometida a infracção (da ordem dos 25% do mercado no EEE em 1998), que a Comissão levou devidamente em conta (considerandos 297 a 301). Esse agravamento não pode, assim, levar a que se dê ao objectivo de dissuasão uma importância excessiva relativamente ao comportamento censurado à recorrente. O presente argumento deve, pois, ser afastado.

3.     Quanto ao erro de apreciação relativamente ao efeito dissuasivo da coima em relação ao comportamento da recorrente posteriormente à cessação da infracção

a)     Argumentos das partes

344    A recorrente sustenta que, ao considerar que o montante de base da coima devia ser duplicado, a Comissão apreciou de maneira exagerada o efeito dissuasivo da referida coima, ao não ter em conta o facto de a Degussa já ter posto termo à infracção antes da abertura do procedimento pela Comissão e de, a seguir, ter tomado imediatamente medidas destinadas a evitar qualquer infracção no futuro, ou seja, um «programa de cumprimento das normas em vigor». Em especial, a Comissão rejeitou sem razão, no considerando 330 da decisão, os referidos esforços da recorrente, afirmando que os mesmos não podem constituir circunstâncias atenuantes face às orientações. Com efeito, tal atitude não recompensa as empresas que querem assegurar‑se do respeito das disposições do direito da concorrência e que, por isso, não necessitam que sejam tomadas, em relação a elas, medidas tendo em vista um efeito dissuasivo suplementar.

345    A recorrente observa que, se as orientações forem interpretadas no sentido de que a atitude da recorrente não teve, no caso vertente, nenhuma incidência sobre o montante da coima, elas estariam nesta medida em contradição com o princípio da proporcionalidade dos delitos e das penas, que se aplica à ordem comunitária enquanto princípio do Estado de Direito geralmente reconhecido, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, UE.

346    Por último, a recorrente nota que o conceito de dissuasão inclui um aspecto preventivo relativamente ao autor da infracção (prevenção especial) e aos outros actores económicos susceptíveis, no futuro, de cometer uma infracção semelhante (prevenção geral). No caso vertente, a prevenção especial já é garantida pela adopção, pela recorrente, do programa de cumprimento das normas em vigor. Ora, a recorrente entende que, se considerar que o agravamento é unicamente guiado por considerações de prevenção geral, a Comissão entra em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1975, Rutili, 36/75, Colect., p. 415, n.os 51 a 53; de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, Colect., p. 715, n.os 27 a 30; e de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli e o., C‑340/97, Colect., p. I‑957, n.os 63).

347    A Comissão entende que este argumento não tem fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

348    No essencial, a recorrente acusa a Comissão de não ter tomado em conta, quando apreciou o efeito dissuasivo que a coima deve revestir, o facto, por um lado, de que a recorrente tinha posto termo à infracção antes da abertura do procedimento pela Comissão e, por outro, de que tinha adoptado um programa interno de cumprimento do direito comunitário da concorrência.

349    Quanto ao primeiro destes elementos, basta recordar que, embora, de acordo com a decisão, a infracção tenha realmente cessado em Fevereiro de 1999, ou seja, antes da abertura do procedimento em 1 de Outubro de 2001, essa cessação teve lugar por iniciativa da Rhône‑Poulenc, como o indica o considerando 185. Além disso, a recorrente, que não contesta verdadeiramente esta conclusão, limita‑se, de qualquer forma, a afirmar que a infracção cessou em 1997 na sequência da partida do Sr. H. da Rhône‑Poulenc e da política levada a cabo pelos seus sucessores. Assim, a recorrente não pode invocar esta circunstância para aspirar à redução do agravamento em função da necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo. Além do mais, o facto de a infracção já ter cessado no dia da abertura do procedimento não pode, em caso algum, constituir um elemento concludente que demonstre que a recorrente pretendia, no futuro, cumprir definitivamente as normas comunitárias da concorrência. Ora, o objectivo de prevenção especial prosseguido pela aplicação da coima, a que a recorrente alude, destina‑se não só a fazer cessar a infracção, mas também a evitar que os seus autores reincidam posteriormente no seu comportamento.

350    Quanto ao segundo destes elementos, resulta de jurisprudência assente que, embora seja importante que uma empresa tenha tomado medidas para impedir que novas infracções ao direito comunitário da concorrência sejam cometidas no futuro por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. Daí resulta que o simples facto de, em determinados casos, a Comissão ter tido em conta, na sua prática decisória, a aplicação de um programa de alinhamento enquanto circunstância atenuante não implica que tenha a obrigação de proceder da mesma forma num caso determinado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Hercules Chemicals/Comissão, referido no n.° 133 supra, n.° 357; de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.os 417 e 419; e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 280).

351    Segundo esta jurisprudência, a Comissão não tem, assim, que tomar em consideração esse elemento como circunstância atenuante na medida em que ela actue em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento, o que implica que não se proceda a uma apreciação diferente quanto a esse ponto entre as empresas destinatárias da mesma decisão (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 281).

352    Embora a recorrente invoque esta circunstância no âmbito do agravamento do montante de base da coima em função do efeito dissuasivo, e não a invoque formalmente enquanto circunstância atenuante, a mesma solução deve ser aplicada no caso vertente.

353    Ora, não resulta de ponto algum da decisão que a Comissão tenha procedido, quanto a este ponto, a uma apreciação diferente entre as três empresas destinatárias, o que de resto a recorrente não afirma.

354    Daqui se conclui que a Comissão não pode ser censurada por não ter levado em conta o facto de a recorrente ter adoptado um programa de cumprimento do direito comunitário da concorrência após a cessação da infracção.

355    Nenhum dos argumentos da recorrente põe em causa esta conclusão.

356    Em primeiro lugar, quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, há que sublinhar que, de acordo com a jurisprudência anteriormente evocada, a atitude da recorrente posterior à infracção em nada altera a existência e gravidade desta (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 82 supra, n.° 373), que constitui uma violação duradoura e manifesta do artigo 81.°, n.° 1, CE. Tendo em conta estas circunstâncias, o princípio da proporcionalidade, que implica que a coima aplicada não seja excessiva face às características da infracção, não obrigava a Comissão a levar em conta a atitude da recorrente posterior à cessação da referida infracção.

357    Daqui se conclui que não se pode, com este fundamento, considerar que nem a decisão nem as orientações que, de qualquer forma, não prevêem nem excluem a tomada em consideração destas circunstâncias violam o princípio da proporcionalidade.

358    Em segundo lugar, quanto ao argumento de que a Comissão, ao recusar‑se a levar em conta a adopção do programa de cumprimento da recorrente, se baseou, sem razão, exclusivamente num objectivo de prevenção geral, em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sublinhe‑se que a jurisprudência citada pela recorrente diz respeito às medidas de expulsão tomadas pelos Estados‑Membros contra nacionais de outros Estados‑Membros por motivos de ordem pública. Neste âmbito, o Tribunal de Justiça decidiu que, em conformidade com o artigo 3.° da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), para serem justificadas, tais medidas devem basear‑se exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo que delas é alvo (v., recentemente, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, Colect., p. I‑5257, n.° 66). O Tribunal de Justiça concluiu daqui, nomeadamente, que o direito comunitário se opõe à expulsão de um cidadão de um Estado‑Membro decidida por motivos de prevenção geral, ou seja, que foi decidida com um fim de dissuasão em relação a outros estrangeiros, em particular quando essa medida é proferida de forma automática na sequência de uma condenação penal, sem ter em conta o comportamento pessoal do autor da infracção nem o perigo que ele representa para a ordem pública (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1975, Bonsignore, 67/74, Colect., p. 125, n.° 7; Nazli e o., referido no n.° 346 supra, n.° 59; e Orfanopoulos e Oliveri, referido, n.° 68).

359    Daqui resulta que, longe de constituir um princípio geral, a proibição dos motivos de prevenção geral se aplica à situação especial das medidas derrogatórias do princípio da livre circulação dos cidadãos da União, consagrado no artigo 18.°, n.° 1, CE, tomadas pelos Estados‑Membros por motivos de ordem pública. É manifesto que esta proibição não pode, assim, ser pura e simplesmente transposta para o quadro das coimas aplicadas pela Comissão às empresas por infracção ao direito comunitário da concorrência.

360    Pelo contrário, resulta de jurisprudência assente que a Comissão pode ter em conta o facto de as práticas anticoncorrenciais como as do caso vertente, embora a sua ilegalidade tenha sido declarada desde o início da política comunitária da concorrência, ainda serem relativamente frequentes devido aos lucros que certas empresas interessadas podem extrair dessas práticas e, por isso, decidir que há lugar ao aumento do montante das coimas com vista a reforçar o seu efeito dissuasivo (v., por exemplo, acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 108), o que responde, pelo menos parcialmente, à necessidade de conferir às coimas um efeito dissuasivo em relação a outras empresas diferentes daquelas a que essas coimas são aplicadas.

361    Além disso, refira‑se que não há dúvidas que a mera adopção, por uma empresa, de um programa de cumprimento das normas de concorrência não pode constituir uma garantia válida e certa da observância futura e duradoura, por parte daquela, das referidas regras, pelo que tal programa não pode obrigar a Comissão a diminuir a coima pelo motivo de o objectivo de prevenção que esta última prossegue já ter sido atingido, pelo menos parcialmente. Por outro lado, ao contrário do alegado pela recorrente, não resulta de modo nenhum da decisão que a Comissão tenha baseado o agravamento do montante de base da coima exclusivamente na necessidade de assegurar um efeito dissuasivo face a outras empresas.

362    Com efeito, por um lado, a tomada em consideração da dimensão da recorrente, nos considerandos 303 a 305, e o agravamento do montante de base que daí resulta constituem precisamente um elemento destinado a adaptar a coima em função de factores próprios a esta última. Por outro lado, resulta do considerando 330 que a Comissão rejeitou como circunstância atenuante a adopção do programa de cumprimento pelo facto de que «esta iniciativa [chegava] demasiado tarde e não pode, enquanto instrumento de prevenção, dispensar a Comissão do seu dever de penalizar uma infracção das regras de concorrência cometida pela Degussa no passado». Isto deve ser entendido no sentido de que, justamente, como a recorrente sublinha no âmbito do fundamento relativo à excepção de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que a coima prossegue um objectivo não só de prevenção mas também de repressão. Por isso, não foi só para dissuadir empresas alheias à infracção que a Comissão rejeitou o argumento da recorrente quanto a este ponto, mas também porque considerou que o programa de cumprimento não justificava que a sanção da infracção cometida fosse reduzida.

363    O facto de a recorrente presentemente apresentar este argumento no âmbito da apreciação do efeito dissuasivo da coima e não no âmbito das circunstâncias atenuantes é, a este respeito, indiferente, atendendo a que a necessidade de assegurar esse efeito não corresponde unicamente ao objectivo de prevenção prosseguido pela coima, como a recorrente parece considerar, mas também ao de repressão.

364    Resulta do exposto que o fundamento da recorrente relativo ao erro manifesto de apreciação, pela Comissão, do efeito dissuasivo da coima face ao seu comportamento posterior à cessação da infracção deve ser julgado improcedente.

C –  Quanto à cooperação da recorrente

1.     Argumentos das partes

365    A recorrente contesta a recusa, por parte da Comissão, de lhe conceder uma redução da coima ao abrigo da secção D, ponto 2, segundo travessão, da comunicação sobre a cooperação, por ter contestado os factos relativos à duração do acordo, tal como apresentados na CA. A recorrente sustenta, com efeito, que reconheceu a prova documental produzida mas que emitiu simplesmente uma opinião divergente quanto à interpretação dada pela Comissão aos referidos documentos, o que levou a apreciações jurídicas e conclusões diferentes. Assim, a determinação da duração da infracção não constitui, no caso vertente, uma constatação de facto mas sim uma questão de qualificação jurídica, conceitos que a Comissão confundiu no título C da CA.

366    A Comissão entende que este fundamento é improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

367    Recorde‑se que, nos termos dos considerandos 353 e 354 da decisão, a recorrente beneficiou de uma redução do montante da coima de 25%, por aplicação do título D, ponto 2, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação.

368    O título D da comunicação sobre a cooperação tem a seguinte redacção:

«1.      A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2.      Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–        uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–        uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

369    Porém, a Comissão entendeu, no considerando 354, que a Degussa tinha contestado os factos expostos na CA no que respeita à duração do acordo. Concluiu daí que esta não preenchia as condições previstas na secção D, ponto 2, segundo travessão, da comunicação sobre a cooperação, pelo que não podia beneficiar de uma redução suplementar do montante da coima ao abrigo desta disposição.

370    Por conseguinte, há que determinar se a decisão enferma de um erro de facto quanto à questão de saber se a recorrente contestou, posteriormente à CA, a materialidade dos factos em que a Comissão baseou as suas alegações.

371    Para este efeito, há que examinar a resposta da recorrente à CA.

372    Em primeiro lugar, como observa a recorrente, este documento indica que a exposição dos factos apresentada na CA «no essencial, não é contestada» (pp. 3 e 9 da resposta à CA). Ora, ao contrário da interpretação que dela faz a recorrente, esta afirmação destinava‑se precisamente a demonstrar que os factos foram parcialmente contestados, além de que não permitia à Comissão determinar com certeza os factos que foram contestados e quais os que o não foram. De resto, esta consideração é reforçada pela indicação da recorrente (p. 9 da resposta à CA) de que a apresentação, pela Comissão, dos factos relativos à duração da infracção é parcialmente inexacta. A recorrente acrescentou mesmo, no ponto 12 da sua resposta (p. 14 da resposta à CA), que a exposição dos factos só estava exacta a partir de meados de 1992, data em que a Degussa participou na infracção por ocasião da reunião de Barcelona, precisando porém que a duração do acordo se limitava aos anos de 1992 a 1997 (p. 33 da resposta à CA).

373    Embora estes elementos formais não possam, por si só, levar a concluir que a recorrente contestou, no essencial, a materialidade dos factos apresentados pela Comissão na CA, em todo o caso, os mesmos bastam para provar que a recorrente não deixou claro que não contestava a totalidade da CA. Pelo contrário, a recorrente criou uma ambiguidade, no que diz respeito, em relação à Comissão, à questão de saber se contestava ou não a materialidade dos factos alegados e, em caso afirmativo, quais eram precisamente os factos que eram contestados.

374    Em segundo lugar, embora, sob a epígrafe «D. Os factos» (p. 9 da resposta à CA), a recorrente tenha efectivamente apresentado comentários que contestavam a posição da Comissão, há contudo que admitir que, na sua maioria, estes comentários se destinam, no essencial, não a refutar directamente a materialidade desses factos (nomeadamente a realização das reuniões e os temas nelas abordados), mas sim a contradizer a interpretação que a Comissão fez dos mesmos e a conclusão a que esta chegou quanto à existência de uma infracção antes de 1992 e após 1997.

375    Ora, é verdade que não se pode equiparar a contestação da apreciação jurídica feita pela Comissão de determinados factos a uma contestação da própria existência desses factos, mesmo que, no caso vertente, a distinção entre estes dois conceitos se revele ambígua.

376    No entanto, de qualquer forma, não se pode deixar de observar, como a Comissão refere, que no ponto 13 da sua resposta à CA a recorrente afirmou que, em seu entender, após a reunião «cimeira» de Copenhaga em 1997 não houvera mais reuniões nas quais tivessem sido fixados preços‑alvo. Ora resulta do n.° 61 da CA que a Comissão explicou claramente que a Degussa e a Rhône‑Poulenc se tinha encontrado em Heidelberg no fim do Verão ou princípio do Outono de 1998 e que, nessa ocasião, fora decidido um aumento dos preços. A Comissão acrescentou que uma reunião entre estas duas empresas se realizara de seguida em Nancy, em 4 de Fevereiro de 1999, que culminara na fixação de um preço‑alvo de 3,20 USD/kg (5,30 DEM/kg). Por conseguinte, verifica‑se que, pelo menos na medida atrás descrita, a recorrente contestou a materialidade dos factos expostos pela Comissão, posteriormente à CA.

377    Além disso, há que notar que, na sua resposta, sob a epígrafe «E. Apreciação jurídica», a recorrente afirmou, na parte dedicada à duração da infracção, que não dispunha de nenhuma informação sobre a existência de reuniões durante o período de 1989/1990 e, por isso, não podia explicitamente contestar a realização dessas reuniões (p. 29 da resposta à CA) nem confirmá‑la (p. 30 da resposta da CA). Ora, a Comissão descreveu em detalhe, nos n.os 22 a 29 da CA, três reuniões em que a Degussa participara durante aquele período (em Agosto de 1989 em local não determinado, a 10 de Junho de 1990 em Frankfurt e em Novembro de 1990 em Hong Kong e/ou Seul). Por isso, mais uma vez, embora a formulação ambígua da recorrente não permita concluir que esta negou a realização destas reuniões, não se pode, no entanto, deixar de observar que a mesma também não permitia à Comissão considerar que a recorrente reconhecia os factos quanto a este ponto.

378    Da mesma forma, embora na CA a Comissão tenha descrito o acordo como tendo tido início em Fevereiro de 1986 (v., nomeadamente, os n.os 18 a 21 e 97), não se pode deixar de observar que a recorrente não tomou explicitamente posição, na sua resposta à CA, sobre as afirmações da Comissão relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 1986 e o fim de 1988, embora precisasse que, em seu entender, o acordo só durara de 1992 a 1997.

379    Daqui decorre que a Comissão não cometeu nenhum erro de facto quando concluiu que a recorrente contestara parcialmente a materialidade dos factos expostos na CA.

380    Quanto à questão de saber se a Comissão podia considerar, com este fundamento, que a recorrente não podia beneficiar de uma redução suplementar do montante da coima por aplicação do título D, ponto 2, segundo travessão, da comunicação sobre a cooperação, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, a redução das coimas em caso de cooperação por parte das empresas que participaram em infracções ao direito comunitário da concorrência tem fundamento na consideração de que essa cooperação facilita a tarefa da Comissão (acórdãos BPB de Eendracht/Comissão, referido no n.° 80 supra, n.° 325, e Finnboard/Comissão, referido no n.° 233 supra, n.° 363, confirmado em sede de recurso por acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Metsä‑Serla Sales Oy/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, e acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, referido no n.° 222 supra, n.° 330).

381    A este respeito, já foi, porém, decidido que uma empresa que se limitou, ao longo do procedimento administrativo, a não tomar posição sobre as alegações de facto apresentadas pela Comissão, e, portanto, não reconheceu a sua veracidade, não contribui para facilitar efectivamente a tarefa desta última (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, SCA Holding/Comissão, C‑297/98 P, Colect., p. I‑10101, n.° 37).

382    Da mesma forma, não basta que uma empresa afirme genericamente que não contesta os factos alegados, em conformidade com a comunicação sobre a cooperação, se, no caso concreto, essa afirmação não apresentar a mínima utilidade para a Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colect., p. II‑0000, n.° 193).

383    Por último, uma redução com base na comunicação sobre a cooperação só pode ser justificada se for possível considerar que as informações prestadas e, mais genericamente, o comportamento da empresa em causa, a este propósito, demonstram uma verdadeira cooperação da parte desta. Tal como resulta do próprio conceito de cooperação, conforme utilizado no texto da comunicação sobre a cooperação, designadamente, na introdução e no capítulo D, ponto 1, desta comunicação, é, com efeito, unicamente quando o comportamento da empresa em causa é testemunho desse espírito de cooperação que uma redução com base nessa comunicação pode ser concedida (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 82 supra, n.os 395 e 396).

384    Resulta do exposto que, no caso vertente, o reconhecimento ambíguo, por parte da recorrente, de determinados factos alegados na CA, sendo certo que impugnou outros, não contribuiu para facilitar a tarefa da Comissão de forma suficientemente efectiva para que esse reconhecimento possa ser considerado no quadro da aplicação da comunicação sobre a cooperação. Assim, a Comissão pôde considerar, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, que esse reconhecimento não era susceptível de justificar uma minoração do montante da sua coima face à referida comunicação, tal como interpretada pela jurisprudência.

385    Daqui se conclui que o fundamento relativo, no essencial, a um erro de facto e/ou um erro manifesto de apreciação quanto à cooperação da recorrente no procedimento administrativo deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à violação do princípio da irretroactividade das penas

386    Na audiência, a recorrente sustentou que, ao aplicar os novos critérios de fixação das coimas constantes das orientações a infracções anteriores à adopção, em 1998, das referidas orientações, a Comissão violou o princípio da irretroactividade das penas.

387    Sem ser necessário indagar da admissibilidade desta argumentação desenvolvida na audiência, à luz do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente quanto à questão de saber se se trata de um fundamento novo ou da simples ampliação de um fundamento enunciado na petição que apresenta um nexo estreito com este, basta notar que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância já se pronunciaram sobre a procedência da referida argumentação.

388    Ora, nos termos dos n.os 224 a 231 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 82 supra, para controlar o respeito do princípio da irretroactividade, há que verificar se a modificação da política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas, resultante nomeadamente das orientações, era razoavelmente previsível quando foram cometidas as infracções em causa.

389    A este propósito, observe‑se que a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta essencialmente numa tarificação, ainda que relativa e flexível, das coimas.

390    Importa, pois, verificar se este novo método de cálculo das coimas, a admitir‑se que teve um efeito agravante no nível das coimas aplicadas, era razoavelmente previsível quando foram cometidas as infracções em causa.

391    Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, mas que, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (acórdãos do Tribunal de Justiça Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 109, e de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005).

392    Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente nem num método de cálculo destas últimas.

393    Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, em qualquer momento, a Comissão decidir, na observância das normas que se impõem à sua acção, aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado.

394    Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também quando este aumento é efectuado mediante a aplicação, a casos concretos, de regras de conduta de alcance geral como é o caso das orientações.

395    De resto, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias da causa, as consequências que podem resultar de um acto determinado. É, em especial, o que acontece com os profissionais, habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que estes avaliem com especial cuidado os riscos que a mesma implica (acórdão Cantoni c. França de 15 de Novembro de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões, 1996‑V, § 35).

396    Daqui deve concluir‑se que as orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas aplicadas, eram razoavelmente previsíveis para empresas como a recorrente na época em que a infracção em causa foi cometida.

397    Por isso, ao aplicar na decisão, no essencial, as orientações a infracções cometidas antes da adopção dessas orientações, a Comissão não violou o princípio da irretroactividade.

398    Daqui se conclui que o fundamento deduzido pela recorrente, relativo à violação do princípio da irretroactividade das penas, deve ser julgado improcedente.

IV –  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do segredo profissional, do princípio da boa administração e da presunção da inocência

A –  Argumentos das partes

399    A recorrente afirma que a Comissão, ainda antes de ter adoptado a decisão, forneceu informações confidenciais à imprensa, violando assim o segredo profissional protegido pelo artigo 287.° CE, o princípio da boa administração e da presunção de inocência.

400    A recorrente recorda que, com efeito, na terça‑feira, 2 de Julho de 2002, o jornal «Handelsblatt» publicou um artigo intitulado «A Degussa tem de pagar mais de 100 milhões». O artigo referia que o jornal fora informado por fonte próxima da Comissão em Bruxelas e precisava que «o Sr. Monti [tinha] reconhe[cido] que o grupo químico de Düsseldorf era a força motriz de um cartel nos aminoácidos que, durante uma década, [tinha] repart[ido] o mercado dos aditivos para animais através de acordos sistemáticos sobre os preços».

401    Ora as informações publicadas não podiam ter sido obtidas sem a colaboração de um funcionário da Comissão, o que constitui uma violação do dever de respeitar o segredo profissional, previsto no artigo 287.° CE. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que, em processos contraditórios susceptíveis de levar a uma condenação, a natureza e o quantum da sanção proposta estão, por natureza, cobertos pelo segredo profissional, enquanto a sanção não for definitivamente aprovada e proferida. Este princípio decorre, nomeadamente, da necessidade de respeitar a reputação e a dignidade do interessado enquanto não for condenado (acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 281).

402    A recorrente entende que a forma pela qual a Comissão informou a imprensa é indiferente, na medida em que só importa o facto de a Comissão ter estado na origem de uma situação em que a empresa foi informada através da imprensa do teor exacto da sanção que, com toda a probabilidade, lhe seria aplicada (acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 281). Ora a Comissão não contestou expressamente o facto de um dos seus funcionários ter divulgado as informações confidenciais em causa. De qualquer modo, só a Comissão pode ter estado na origem desta divulgação. Nestas circunstâncias, compete à Comissão provar o contrário, visto que o artigo em questão menciona que a informação provinha de «meios próximos da Comissão em Bruxelas».

403    A recorrente entende, além disso, que a Comissão violou o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.°, n.° 1, da Carta, por força do qual «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável». Com efeito, a divulgação na origem da qual está a Comissão deixa transparecer a sua parcialidade para com a recorrente.

404    Por último, a Comissão é culpada de violação do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, e no artigo 48.°, n.° 1, da Carta e que faz parte dos direitos fundamentais da ordem jurídica comunitária (acórdão Hüls/Comissão, referido no n.° 115 supra, n.° 149). Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, este princípio aplica‑se aos processos relativos a violações das regras de concorrência (acórdãos Öztürk e Alemanha, referido no n.° 38 supra, § 46; Hüls/Comissão, já referido no n.° 115 supra, n.° 150; e Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 281). Ao revelar à imprensa o conteúdo da decisão, antes da apresentação desta ao colégio de comissários para deliberação e antes, portanto, da condenação da empresa, a Comissão violou manifestamente o princípio da presunção de inocência.

405    A recorrente refuta a argumentação da Comissão de que a divulgação à imprensa das informações em causa não lhe é imputável. Segundo afirma, pouco importa que as informações tenham sido transmitidas de forma oficial. Com efeito, em conformidade com o artigo 288.° CE, a Comissão é responsável por uma infracção cometida por um dos seus funcionários se essa infracção estiver directamente ligada ao exercício das suas funções (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1969, Sayag e o., 9/69, Recueil, p. 329, Colect. 1969‑1970, p. 123), o que sucede no caso vertente. A questão de saber se a infracção foi autorizada ou não pela Comissão é, pois, desprovida de pertinência, por analogia com a imputação a uma empresa das infracções a concorrência cometidas pelos seus colaboradores (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 58 supra, n.os 37 a 70 e 112).

406    A recorrente conclui daqui que a efectividade da protecção dos direitos fundamentais exige que a Decisão seja anulada com este fundamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 19). Isso tornou‑se mais pelo facto de este tipo de violação por parte da Comissão ser corrente (acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 90; Dunlop Slazenger/Comissão, referido no n.° 114 supra, n.° 27; e Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra). Além disso, a jurisprudência segundo a qual essa irregularidade só justifica a anulação da decisão recorrida se se provar que, na falta dessa irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente, não tem manifestamente nenhum efeito dissuasivo e exige à empresa a apresentação de provas que esta não está em condições de produzir. Por isso, esta jurisprudência não preenche a exigência da protecção efectiva dos direitos em causa e coloca a empresa em causa numa situação prejudicial face aos seus clientes, colaboradores e accionistas e aos media, sem ter em conta o princípio da «igualdade de armas».

407    A recorrente entende, assim, que basta demonstrar que não se pode excluir que a decisão podia ter tido um conteúdo diferente sem a revelação prematura das informações em causa, tal como se decidiu em matéria de vícios processuais (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, 68/86, Colect., p. 855, n.° 49; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colect., p. II‑49, n.° 58). Tal sucede no caso vertente, atendendo a que a divulgação do conteúdo da decisão antes da sua adopção impossibilitou a adopção, pela Comissão, de uma decisão diversa da da anunciada à imprensa, decisão essa que constituiria uma desautorização, dificilmente concebível, do membro da Comissão responsável pela concorrência.

408    A Comissão entende que este fundamento é improcedente.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

409    Recorde‑se que o artigo 287.° CE impõe aos membros, funcionários e agentes das instituições da Comunidade a obrigação de «não divulgar as informações que, por sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional, designadamente as respeitantes às empresas e respectivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo». Embora esta disposição tenha sobretudo em vista as informações recolhidas nas empresas, o advérbio «designadamente» mostra que se trata de um princípio geral que se aplica também a outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539, n.° 34, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Postbank/Comissão, T‑353/94, Colect., p. II‑921, n.° 86).

410    Ora, sublinhe‑se que, em processos contraditórios susceptíveis de levar a uma condenação, a natureza e o quantum da sanção proposta estão, por natureza, cobertos pelo segredo profissional, enquanto a sanção não for definitivamente aprovada e proferida. Este princípio decorre, nomeadamente, da necessidade de respeitar a reputação e a dignidade do interessado enquanto este não for condenado (acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 281).

411    Assim, o dever da Comissão de não divulgar à imprensa informações sobre a sanção precisa que se previa aplicar não coincide apenas com a sua obrigação de respeitar o segredo profissional mas também com a sua obrigação de boa administração. Finalmente, é útil recordar que o princípio da presunção de inocência se aplica aos processos relativos a violações das regras da concorrência por empresas e que sejam susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (acórdãos Hüls/Comissão, referido no n.° 115 supra, n.° 150; Öztürk e Alemanha, referido no n.° 38 supra, e Lutz e Alemanha, referido no n.° 115 supra). É manifesto que esta presunção não é respeitada pela Comissão quando, antes de condenar formalmente a empresa que acusa, comunica à imprensa o veredicto submetido à deliberação do comité consultivo e do colégio dos comissários (acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 281).

412    Porém, no caso vertente, observe‑se que, ao contrário da situação que deu origem ao acórdão Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, não está provado que a Comissão esteja na origem da divulgação, pela imprensa, do teor da decisão. Com efeito, ao passo que, no processo referido, era pacífico que o membro da Comissão, responsável pela concorrência, à data dos factos anunciara à imprensa, ainda antes da decisão da Comissão, o montante da coima que seria aplicada à Volkswagen, no caso vertente, a recorrente indica ela própria que o artigo em causa se limita a mencionar que a informação provinha de meios próximos da Comissão («Kommissionskreisen»). Além disso, ao contrário do afirmado pela recorrente, observe‑se que a Comissão não admitiu a sua responsabilidade nesta questão. Embora seja provável que a Comissão possa estar na origem dessa fuga, essa eventualidade, só por si, não basta, como pretende a recorrente, para fazer recair sobre a Comissão o ónus de provar o contrário.

413    De qualquer forma, ainda que se possa admitir que os serviços da Comissão são efectivamente responsáveis pela divulgação relatada pelo artigo de imprensa ao qual a recorrente se refere, esta circunstância não tem qualquer incidência sobre a legalidade da decisão.

414    Com efeito, por um lado, quanto ao argumento da recorrente de que esta divulgação demonstra a parcialidade da Comissão em relação à recorrente, observe‑se que a materialidade de uma infracção efectivamente demonstrada no termo do procedimento administrativo não pode ser posta em causa pela prova da manifestação prematura, por parte da Comissão, da sua crença na existência da infracção e do montante da coima que, consequentemente, prevê impor a uma empresa. De resto, já se explicou, quando do exame dos diversos fundamentos aduzidos pela recorrente, que a decisão está correctamente fundamentada, de facto e de direito, no que toca à existência e aos elementos constitutivos da infracção.

415    Além disso, não se pode afirmar que a divulgação, pela Comissão, do conteúdo de uma decisão no termo do procedimento administrativo e na véspera da sua adopção formal é, por si só, susceptível de demonstrar que a Comissão tomou a decisão com base num juízo antecipado ou que conduziu o inquérito com ideias preconcebidas (v., neste sentido, Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.os 270 a 272).

416    Por outro lado, é jurisprudência assente que uma irregularidade como a que a recorrente alega pode provocar a anulação da decisão em causa se se provar que, na falta dessa irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente (acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, referido no n.° 101 supra, n.° 91; Dunlop Slazenger/Comissão, referido no n.° 114 supra, n.° 29; e Volkswagen/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 283).

417    Ora, no caso vertente há que observar que a recorrente não produziu tal prova. Com efeito, nada permite supor que, se as informações em causa não tivessem sido divulgadas, o colégio dos comissários teria alterado o montante da coima ou o conteúdo da decisão propostos. Além disso, ao contrário das alegações, puramente hipotéticas, da recorrente e tendo em conta o princípio da colegialidade a que as decisões da Comissão devem obedecer, não se pode presumir que os membros da Comissão foram condicionados por um sentimento de solidariedade para com o seu colega responsável pela concorrência ou que tenham sido efectivamente impedidos de aplicar uma coima de montante inferior.

418    Daqui se conclui que o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

419    Nenhum dos argumentos da recorrente pode pôr em causa esta conclusão.

420    A recorrente alega que a jurisprudência atrás referida não preenche as exigências decorrentes do princípio da protecção jurisdicional efectiva. A fim de respeitar este princípio haveria, para justificar a anulação da decisão, que considerar suficiente a prova de que não se pode excluir que a decisão podia ter um conteúdo diferente se não tivesse ocorrido a revelação em causa.

421    A este propósito, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, os particulares devem poder beneficiar de uma protecção jurisdicional efectiva dos direitos que lhes são conferidos pela ordem jurídica comunitária, uma vez que o direito a essa protecção parte dos princípios gerais de direito que decorrem das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros. Esse direito foi igualmente consagrado nos artigos 6.° e 13.° da CEDH (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça, Johnston, referido no n.° 406 supra, n.° 18; de 27 de Novembro de 2001, Comissão/Áustria, C‑424/99, Colect., p. I‑9285, n.° 45; e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 39).

422    Porém, este princípio deve ser conciliado com o princípio da segurança jurídica e com a presunção de legalidade de que gozam os actos das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.° 48), a qual implica que cabe a quem invoca a ilegalidade desse acto produzir a prova.

423    Ora, como se explicou anteriormente, a alegada divulgação, pela Comissão, do conteúdo de uma decisão antes da sua adopção formal não pode ter, por si só, ao contrário da inobservância das formalidades essenciais, nenhuma incidência sobre a legalidade da referida decisão.

424    Além disso, não se pode deixar de observar, por um lado, que a solução que emana da jurisprudência referida no n.° 416 supra não impede a recorrente de fazer a prova da ilegalidade da decisão devido à irregularidade constatada nem tão‑pouco torna essa prova excessivamente difícil e, por outro, que mesmo admitindo que a recorrente não logra demonstrar que a decisão teria sido diferente se não se tivesse verificado a referida irregularidade, a acção prevista no artigo 288.° CE permite‑lhe, se for caso disso, reclamar a reparação do prejuízo causado pela Comunidade devido a esse facto.

425    Por conseguinte, não é de considerar que o princípio da protecção jurisdicional efectiva se opõe à exigência de que, perante uma irregularidade do tipo da alegada no caso vertente, cabe à recorrente, para justificar a anulação da decisão, demonstrar, que se não tivesse havido essa irregularidade, o conteúdo desta teria sido diferente.

426    Pelo exposto, o fundamento relativo à violação do segredo profissional, do princípio da boa administração e da presunção de inocência deve ser julgado improcedente.

 Conclusão

427    Em conformidade com o n.° 254 supra, o Tribunal de Primeira Instância considera que há que reduzir, de 35 milhões de EUR para 30 milhões de EUR, o montante de base da coima calculado em função da gravidade da infracção da recorrente. Em conformidade com o n.° 343 supra, esse montante deve ser agravado, no que respeita à recorrente, em 80%, para assegurar à coima um efeito dissuasivo suficiente, ascendendo assim a 54 milhões de EUR.

428    Além disso, verificou‑se que a Comissão tinha determinado correctamente a duração da infracção, a qual justifica a majoração daquele montante em 125%. Por último, há que tomar em conta a redução de 25% da coima que a Comissão concedeu à recorrente, em aplicação do título D, ponto 2, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação.

429    Pelo exposto, há lugar à redução do montante da coima aplicada à recorrente fixando‑o em 91 125 000 EUR.

 Quanto às despesas

430    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode repartir as despesas ou determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento respectivamente em relação a um ou a vários fundamentos, entendendo‑se que, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, do referido regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo suportarão as respectivas despesas. Uma vez que o recurso só parcialmente foi julgado procedente, será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa ao decidir que a recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como 75% das despesas efectuadas pela Comissão, e que a Comissão suportará 25% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      O montante da coima aplicada à recorrente no artigo 3.° da Decisão 2003/674/CE da Comissão, de 2 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (processo C.37.519 – Metionina), é reduzido para 91 125 000 EUR.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A recorrente suportará as suas próprias despesas e 75% das despesas efectuadas pela Comissão.

4)      A Comissão suportará 25% das suas próprias despesas.

5)      O Conselho suportará as suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Abril de 2006.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger

Índice

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da legalidade das penas

A –  Quanto à excepção de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

B –  Quanto à interpretação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 à luz do princípio da legalidade das penas

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de apreciação quanto ao carácter único e continuado e à duração da infracção

A –  Quanto à interrupção da infracção entre 1988 e 1992

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

a)  Quanto à participação da recorrente num acordo e/ou numa prática concertada entre 1988 e 1992

Quanto ao período compreendido entre o fim de 1988 e o fim do Verão de 1990

Quanto ao período compreendido entre o Verão de 1990 e Março de 1992

b)  Quanto ao carácter único e continuado da infracção

B –  Quanto ao fim da infracção

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

C –  Quanto à suspensão do acordo

III –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de apreciação, a um erro de direito e de facto, a violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da não retroactividade das penas, bem como do dever de fundamentação na determinação do montante da coima

A –  Quanto à gravidade da infracção

1.  Quanto à fundamentação da gravidade da infracção

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à extensão do mercado geográfico em causa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto à apreciação do impacto da infracção no mercado

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

4.  Conclusão quanto à determinação do montante da coima em função da gravidade da infracção

B –  Quanto ao agravamento da coima para assegurar um efeito dissuasivo suficiente

1.  Quanto ao erro de direito e ao erro de facto relativamente ao volume de negócios da recorrente

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à tomada em consideração do volume de negócios da recorrente para o ano de 2000

Quanto ao erro de facto relativamente ao montante do volume de negócios da recorrente em 2000

2.  Quanto à violação do princípio da legalidade das penas, do dever de fundamentação e dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento no agravamento do montante da coima em função do efeito dissuasivo

a)  Quanto à violação do princípio da legalidade das penas e do dever de fundamentação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

b)  Quanto à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto ao erro de apreciação relativamente ao efeito dissuasivo da coima em relação ao comportamento da recorrente posteriormente à cessação da infracção

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

C –  Quanto à cooperação da recorrente

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

D –  Quanto à violação do princípio da irretroactividade das penas

IV –  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do segredo profissional, do princípio da boa administração e da presunção da inocência

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Conclusão

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.