Language of document : ECLI:EU:C:2014:2031

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 25 de junho de 2014 (1)

Processo C‑166/13

Sophie Mukarubega

contra

Préfet de police,

Préfet de la Seine‑Saint‑Denis

[pedido de decisão prejudicial apresentado tribunal administratif de Melun (França)]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2008/115/CE Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Processo de adoção de uma decisão de regresso — Princípio do respeito dos direitos de defesa — Recusa da Administração em conceder a um nacional de um país terceiro em situação irregular um título de residência a título de asilo, acompanhado de uma obrigação de abandonar o território — Direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso — Risco de fuga — Incidência da existência de um recurso suspensivo no direito nacional que permite ao estrangeiro ser ouvido a posteriori»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 3 de abril de 2013, pelo tribunal administratif de Melun (França), tem por objeto a natureza e o alcance do direito de ser ouvido, previsto no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), antes da adoção de uma decisão de regresso nos termos da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (2)

2.        Este pedido foi submetido no âmbito de um litígio que opõe S. Mukarubega ao préfet de police e ao préfet de la Seine Saint Denis. S. Mukarubega pede, designadamente, a anulação das decisões de 26 de outubro de 2012, nas quais o préfet de police lhe recusou o seu pedido de título de residência e acompanhou a sua recusa de uma obrigação de abandonar o território, bem como a anulação das decisões de 5 de março de 2013, nas quais o préfet de la Seine Saint Denis a obrigou a abandonar o território francês, recusou conceder‑lhe um prazo de partida voluntária, fixou o país de destino para o qual era suscetível de ser afastada e a colocou em detenção administrativa.

3.        Nestas conclusões, será necessário encontrar o justo equilíbrio entre o direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso e a necessidade de não prolongar inutilmente, ou seja, de forma abusiva, o processo de regresso, sob pena de pôr em causa o combate à imigração clandestina.

II – Quadro jurídico

A –    Diretiva 2008/115

4.        O artigo 3.° da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

4)      ‘Decisão de regresso’, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

[...]»

5.        O artigo 5.° da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Não‑repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde», dispõe:

«Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:

a)     O interesse superior da criança;

b)     A vida familiar;

c)     O estado de saúde do nacional de país terceiro em causa;

e respeitar o princípio da não‑repulsão.»

6.        O artigo 6.° desta diretiva, que tem por epígrafe «Direito de regresso», dispõe:

«1.      Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

[…]

4.      Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência.

[…]

6.      A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso, ordens de afastamento, e/ou proibições de entrada, por decisão ou ato administrativo ou judicial […]»

B –    Direito francês

7.        O artigo L.313‑1 do Código da Entrada e Residência dos Estrangeiros e do Direito de Asilo (code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile, a seguir «Ceseda») dispõe:

«Salvo se a sua presença constituir uma ameaça para a ordem pública, o título de residência temporária com a menção ‘vida privada e familiar’ é entregue de pleno direito:

[…]

7°      Ao estrangeiro que não viva em situação de poligamia, que não se inscreva nas categorias precedentes ou nas que dão direito ao reagrupamento familiar, cujos vínculos pessoais e familiares em França, apreciados designadamente à luz da sua intensidade, antiguidade e estabilidade, condições de subsistência do interessado, integração na sociedade francesa bem como a natureza dos seus vínculos com a família que ainda permaneça no país de origem, são de tal ordem que a recusa de autorização da sua permanência causaria ao seu direito ao respeito pela sua vida privada e familiar um prejuízo desproporcionado face aos motivos de recusa sem que seja necessário cumprir o requisito previsto no artigo L.311‑7. A integração do estrangeiro na sociedade francesa é avaliada tendo em conta designadamente o seu conhecimento dos valores da República;

[…]

11°      Ao estrangeiro que resida habitualmente em França cujo estado de saúde careça de cuidados médicos cuja omissão possa provocar‑lhe consequências de excecional gravidade, sem prejuízo da falta de tratamento adequado no país de onde é originário, salvo circunstâncias humanitárias excecionais apreciadas pela autoridade administrativa, após parecer do diretor geral da agência regional de saúde, sem que o requisito previsto no artigo 311‑7 tenha que ser preenchido. A decisão de entregar o título de residência é tomada pela autoridade administrativa, após parecer do médico da agência regional de saúde da região de residência do interessado, nomeado pelo diretor geral da agência ou, em Paris, do médico, chefe do serviço médico da prefeitura de polícia. O médico da agência regional de saúde ou, em Paris, o chefe do serviço médico da prefeitura de polícia, podem convocar o requerente para uma consulta médica perante uma junta médica regional cuja composição é fixada por decreto em Conseil d’État.»

8.        O artigo L.313.14 do Ceseda enuncia:

«O cartão de residência temporário referido no artigo L.313‑11 […] pode ser entregue, a não ser que a sua presença constitua uma ameaça para a ordem pública, ao estrangeiro que não viva em situação de poligamia cuja autorização de residência esteja ligada a considerações humanitárias ou se justifique à luz dos motivos excecionais que invoca, sem que lhe seja oponível o requisito previsto no artigo L.311‑7.

[…]»

9.        O artigo L.511‑1 do Ceseda prevê:

«I.      A autoridade administrativa pode obrigar a abandonar o território francês um estrangeiro que não seja nacional de um Estado‑Membro da União Europeia, de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), ou da Confederação Suíça, e que não seja membro da família desse nacional […], nos seguintes casos:

[…]

3°      Se a concessão ou a renovação da autorização de residência tiver sido recusada ao estrangeiro ou se a mesma lhe tiver sido retirada […]»

10.      O artigo L.742‑7 do Ceseda dispõe:

«O estrangeiro ao qual tenha sido definitivamente recusado o reconhecimento do estatuto de refugiado ou o benefício da proteção subsidiária e que não possa ser autorizado a ficar no território a outro título deve abandonar o território francês, sob pena de ser sujeito a uma medida de afastamento prevista no título I do livro V e, caso se justifique, às sanções previstas no capítulo I do título II do livro VI.»

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11.      S. Mukarubega, nacional ruandesa nascida em 12 de março de 1986, entrou em França, em 10 de setembro em 2009, munida do seu passaporte com visto.

12.      Em 4 de dezembro de 2009, solicitou ao préfet de police a sua autorização de residência em França, ao abrigo do direito de asilo. Durante o processo de concessão de asilo, S. Mukarubega beneficiou de uma autorização provisória para permanecer em França.

13.      Por decisão de 21 de março de 2011, o diretor do Office français de protection des réfugiés et apatrides (Gabinete francês de proteção aos refugiados e apátridas) (a seguir «OFPRA») recusou conceder o estatuto de refugiada a S. Mukarubega. Esta decisão foi confirmada por uma decisão da Cour nationale du droit d’asile (tribunal nacional em matéria de direito de asilo, a seguir «CNDA»), em 30 de agosto de 2012, que lhe foi notificada em 10 de setembro de 2012.

14.      Por decisão de 26 de outubro de 2012, o préfet de police recusou a autorização de residência ao abrigo do direito de asilo a S. Mukarubega e acompanhou a sua recusa de uma obrigação de abandonar o território francês (a seguir «primeira decisão de regresso»). O Ruanda foi fixado como país de destino e foi‑lhe concedido um prazo de partida voluntária de 30 dias.

15.      Apesar desta decisão de regresso, S. Mukarubega continuou irregularmente em França, até ao início do mês de março de 2013, quando tentou deslocar‑se ao Canadá com passaporte belga falso. Foi então detida pela polícia francesa e colocada sob custódia em 4 de março de 2013 por utilização fraudulenta de um documento administrativo.

16.      Enquanto estava sob custódia, S. Mukarubega foi inquirida e ouvida sobre a sua situação pessoal e familiar, o seu percurso, o seu pedido de permanência em França e o seu eventual regresso ao Ruanda.

17.      O préfet de la Seine‑Saint‑Denis, através de uma decisão de 5 de março de 2013, obrigou S. Mukarubega a abandonar a França, recusou conceder‑lhe um prazo de partida voluntária e fixou o Ruanda como país de destino (a seguir «segunda decisão de regresso»). Por outro lado, decidiu, por despacho do mesmo dia, manter S. Mukarubega em detenção.

18.      Em 6 de março de 2013, S. Mukarubega interpôs recurso de anulação da primeira decisão de regresso, para o tribunal administratif de Paris. Simultaneamente, interpôs recurso de anulação da segunda decisão de regresso, para o tribunal administratif de Melun. Por despacho de 7 de março de 2013, o tribunal administratif de Paris transferiu o pedido apresentado por S. Mukarubega para o tribunal administratif de Melun.

19.      Por decisão de 8 de março de 2013, o magistrado designado pelo presidente do tribunal administratif de Melun anulou a decisão que colocava S. Mukarubega em detenção com o fundamento de que a referida decisão foi notificada antes da segunda decisão de regresso e era, portanto, desprovida de base legal.

20.      S. Mukarubega invoca perante o tribunal administratif de Melun um fundamento relativo à violação do seu direito de ser ouvida em qualquer procedimento, uma vez que não teve a possibilidade de apresentar observações específicas sobre a sua situação pessoal, antes da adoção da primeira decisão de regresso de 26 de outubro de 2012, que foi tomada concomitantemente com a recusa do título de residência que lhe foi notificada. Alega que o mesmo princípio foi violado pela segunda decisão de regresso, ou seja, a decisão do préfet de la Seine‑Saint‑Denis de 5 de março de 2013.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em conformidade com o artigo L.511‑1 do Ceseda, o estrangeiro que apresentar um pedido de título de residência pode ficar sujeito, concomitantemente com a recusa do mesmo, a uma obrigação de abandonar o território francês. Segundo este órgão jurisdicional, o estrangeiro pode alegar qualquer elemento relativo à sua situação pessoal perante a Administração, a qual não está obrigada a tomar uma decisão de afastamento a seu respeito.

22.      Acrescenta que, no entanto, a decisão de recusa de autorização de residência pode ser tomada, como no caso em apreço, sem que o interessado seja informado e no termo de um longo período posterior à apresentação do pedido de autorização de residência, de modo que a situação pessoal do estrangeiro pode ter evoluído desde que esse pedido foi apresentado.

23.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a resposta aos fundamentos invocado por S. Mukarubega depende da questão de saber se o direito de ser ouvido num processo deve ser interpretado no sentido de que impõe à Administração — quando esta prevê tomar uma decisão de regresso de um estrangeiro em situação irregular — a obrigação de dar ao interessado a possibilidade de apresentar as suas observações quer essa decisão de regresso seja ou não posterior a uma recusa de autorização de residência, nomeadamente no caso de existir risco de fuga. Segundo este órgão jurisdicional, um estrangeiro em situação irregular, sujeito a uma obrigação de abandonar o território francês, pode interpor recurso para o tribunal administrativo por abuso de poder, recurso este que tem por objeto suspender o caráter executório da medida de afastamento. Considera que a resposta aos fundamentos acima referidos depende igualmente da questão de saber se o caráter suspensivo do procedimento contencioso no tribunal administrativo permite derrogar o caráter prévio da faculdade concedida a um estrangeiro em situação irregular de dar a conhecer o seu ponto de vista quanto à medida de afastamento desfavorável que se prevê adotar a seu respeito.

24.      Foi nestas circunstâncias que o tribunal administratif de Melun decidiu, a fim de se pronunciar sobre o presente litígio, suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)      O direito de ser ouvido num processo, que faz parte integrante do princípio fundamental do respeito dos direitos de defesa, e está, além disso, consagrado no artigo 41.° da [Carta], deve ser interpretado no sentido de que impõe à administração, quando prevê tomar uma decisão de regresso de um estrangeiro em situação irregular, a obrigação de dar ao interessado a possibilidade de apresentar as suas observações, quer esta decisão de regresso seja ou não posterior a uma recusa de autorização de residência, nomeadamente no caso de existir risco de fuga?

2)      O efeito suspensivo do processo contencioso perante o tribunal administrativo permite derrogar a faculdade conferida ao estrangeiro em situação irregular de dar a conhecer previamente o seu ponto de vista quanto à medida de afastamento desfavorável que se prevê adotar contra ele?»

IV – Processo no Tribunal de Justiça

25.      Foram apresentadas observações escritas por S. Mukarubega, pelos Governos francês, grego e neerlandês e pela Comissão Europeia. Na audiência, que se realizou em 8 de maio de 2014, S. Mukarubega, o Governo francês e a Comissão Europeia apresentaram observações orais.

V –    Análise

A –    Argumentação

26.      S. Mukarubega considera que o Tribunal de Justiça deve aplicar o artigo 41.° da Carta às decisões de regresso, uma vez que, na sequência do acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 19 à 21), os direitos fundamentais garantidos pela Carta devem ser respeitados quando uma legislação nacional entra no âmbito de aplicação do direito da União. Segundo S. Mukarubega, as decisões de regresso tomadas a respeito de estrangeiros em situação irregular constituem uma «execução» do direito da União por parte da administração prefeitural.

27.      S. Mukarubega considera que o direito de ser ouvido pressupõe, em primeiro lugar, uma informação prévia, clara e pertinente acerca das medidas previstas de modo a não tornar totalmente inesperada a decisão administrativa. Considera que, para além da obrigação de informação, o direito de ser ouvido devia igualmente impor à Administração verificar junto do estrangeiro todos os dados pertinentes da sua situação antes de emitir uma decisão de regresso.

28.      A este respeito, S. Mukarubega salienta que a primeira decisão de regresso foi tomada com base unicamente na declaração de recusa do seu pedido de asilo por parte da CNDA, mais de 33 meses após a apresentação do processo, sem que a sua situação pessoal, que se tinha alterado, fosse analisada na data em que a decisão foi tomada.

29.      Segundo a interessada, a decisão de recusa da autorização de residência foi tomada com base apenas nos elementos constantes do dossiê de pedido de residência e a decisão de regresso não teve ligação com este dossiê, uma vez que esta só podia ser tomada pelo préfet de police à luz de elementos que não foram solicitados pela Administração ou espontaneamente comunicados pelo estrangeiro. S. Mukarubega considera portanto que a decisão de regresso não é a consequência lógica, necessária e exclusiva da recusa de autorização de residência.

30.      A este respeito, salienta que, embora o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115 enuncie o princípio de que «os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território», esta regra aplica‑se «sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5». Ora, estas exceções deixam aos Estados‑Membros um grande poder de apreciação quanto à oportunidade da decisão de regresso.

31.      S. Mukarubega salienta ainda que a segunda decisão de regresso foi tomada após um interrogatório policial que durou 50 minutos e incidiu essencialmente sobre o seu «périplo», o crime de falsificação e uso de documento administrativo falso e, de forma mais geral, a sua situação administrativa. Refere que, em nenhum momento enquanto esteve sob custódia, foi informada de que podia estar sujeita a uma nova decisão de regresso. Também não foi, a fortiori, convidada e apresentar observações quanto a este ponto.

32.      S. Mukarubega considera enfim que o direito de ser ouvido deve ser exercido, mesmo quando exista risco de fuga. Só pode ser admitida uma derrogação a este princípio em caso de risco excecional que afete a segurança interna ou um interesse fundamental do Estado. O efeito suspensivo do processo contencioso perante o tribunal administrativo não permite derrogar a faculdade conferida ao estrangeiro em situação irregular de dar a conhecer previamente o seu ponto de vista quanto à medida de afastamento desfavorável que se prevê adotar contra ele.

33.      O Governo francês considera que resulta da própria redação do artigo 41.° da Carta que este não se dirige aos Estados‑Membros mas apenas às instituições, órgãos e organismos da União (3). No entanto, segundo jurisprudência constante, o direito de ser ouvido constitui um princípio geral do direito da União que se insere não só no direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta, mas também no respeito dos direitos de defesa e no direito a um processo equitativo, garantidos nos artigos 47.° e 48.° da Carta. Segundo o mesmo Governo, o respeito deste direito impõe‑se não apenas às instituições da União, por força do artigo 41.° da Carta, mas igualmente, por constituir um princípio geral do direito da União, às administrações de cada um dos Estados‑Membros quando adotam decisões abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, e isto mesmo quando a legislação aplicável não prevê expressamente essa formalidade (4).

34.      O Governo francês considera que, por força da Diretiva 2008/115, uma decisão de regresso decorre necessariamente da declaração do caráter irregular da permanência da pessoa em causa. Com efeito, uma vez demonstrado o caráter irregular da permanência, a adoção de uma decisão de regresso constitui uma obrigação para os Estados‑Membros. Segundo o mesmo governo, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, obriga os Estados‑Membros a tomar uma decisão de regresso a respeito de qualquer nacional de um país terceiro em situação irregular no seu território, salvo nos casos específicos previstos nos n.os 2 a 5 deste artigo. De onde resulta que, segundo o Governo francês, quando o nacional de país terceiro tenha sido ouvido no âmbito do procedimento de exame do seu direito de permanência, este não tem de ser ouvido de novo antes da adoção de uma decisão de regresso.

35.      O Governo francês acrescenta que, tendo em conta o número de pedidos de autorizações de residência analisados anualmente pela Administração, o encargo que resultaria de uma nova audição da pessoa em causa antes da emissão de uma decisão de regresso implicava um risco de colocar um entrave à preparação desta decisão com conhecimento de causa, sem que a proteção do estrangeiro em causa seja sensivelmente aumentada, bem como de fazer malograr o próprio procedimento de regresso ao colocar os Estados‑Membros perante a impossibilidade de evitar a fuga de uma pessoa em situação de permanência irregular.

36.      O Governo francês salienta que, no processo principal, S. Mukarubega, cujo pedido de asilo foi definitivamente indeferido, estava perfeitamente informada de que a sua permanência no território francês era irregular e que corria o risco de lhe ser aplicada uma medida de afastamento. Observa que resulta, além disso, da ata da sua audição sob custódia que esta tinha plena consciência deste risco.

37.      Sublinha, igualmente, que um nacional de um país terceiro a quem foi recusada a emissão de uma autorização de residência pode a qualquer momento apresentar‑se na prefeitura para aí ser de novo ouvido, para efeitos de apresentar novos elementos com vista a uma regularização da sua situação.

38.      No que diz respeito à segunda decisão de regresso, o Governo francês salienta que S. Mukarubega foi colocada sob custódia com base no artigo 62‑2 do Código de Processo Penal. Neste âmbito, foi ouvida pelos serviços de polícia sobre a sua situação, nomeadamente a respeito do direito de permanência. Segundo este Governo, o estrangeiro sob custódia beneficia de garantias processuais e designadamente do direito a ser assistido por um advogado, bem como por um intérprete.

39.      O Governo francês propõe, a título subsidiário, responder à segunda questão, que a Diretiva 2008/115 deve ser interpretada no sentido de que a possibilidade para o nacional de um país terceiro interpor num órgão jurisdicional recurso suspensivo da decisão de regresso que lhe foi aplicada e de invocar perante o tribunal todos os elementos pertinentes relativos à sua situação pessoal, permite compensar as eventuais limitações do direito de ser ouvido, declaradas antes de esta decisão ser tomada.

40.      O Governo neerlandês considera que o princípio do direito de defesa, conforme previsto atualmente no artigo 41.° da Carta, inclui nomeadamente o direito de cada um ser ouvido antes da adoção de uma decisão que lhe possa ser desfavorável. Segundo este Governo, a declaração de uma violação do princípio do direito de defesa só pode verificar‑se após a análise de todos os aspetos e elos do procedimento, não podendo, em princípio, uma violação semelhante resultar de vícios de forma quando são «sanados» durante o procedimento considerado na sua totalidade, sem que tenha havido prejuízo efetivo para o interessado.

41.      No que diz respeito à primeira decisão de regresso tomada contra S. Mukarubega, o Governo neerlandês considera que não houve violação do princípio do direito de defesa. Considera que o direito de ser ouvido só pode ser apreciado à luz dos elementos desfavoráveis de uma decisão de regresso. Ora, segundo o Governo neerlandês, tanto a constatação da permanência irregular, já demonstrada pela falta de uma autorização de residência válida, como a obrigação de regresso, que resulta do facto de o estrangeiro não dispor de uma autorização de residência válida, não têm caráter desfavorável. Em contrapartida, o facto de se fixar um prazo no qual o estrangeiro deve abandonar o território do Estado‑Membro é um elemento desfavorável que implica a obrigação de ouvir o interessado quanto a esse elemento da decisão de regresso, em particular quando o prazo máximo de 30 dias pode ser reduzido. Todavia, segundo o Governo neerlandês, existindo a possibilidade de o interessado interpor recurso suspensivo quanto à legalidade da decisão de regresso perante um tribunal administrativo, o facto de não ter sido ouvido previamente pela autoridade administrativa deixa de constituir uma desvantagem desproporcionada ou que cause prejuízo ao interessado. Por outro lado, considera que o princípio do direito de defesa não pode ser objeto de uma aplicação sem limites sob pena de prejudicar a finalidade da Diretiva 2008/115.

42.      Por fim, o referido Governo considera que a segunda decisão de regresso não deve ser considerada como tal na aceção da Diretiva 2008/115 e, por isso, não deve ser analisada à luz do princípio do direito de defesa, uma vez que a primeira decisão de regresso já tinha sido declarado que S. Mukarubega permanecia ilegalmente em França e impôs‑lhe um prazo para abandonar a França. Assim, o procedimento de regresso na aceção da Diretiva 2008/115 foi iniciado com a primeira decisão de regresso e eventuais medidas coercivas posteriores, como a segunda decisão de regresso, devem ser consideradas atos praticados no âmbito da execução de uma decisão de regresso já tomada.

43.      O Governo grego considera que o direito de ser ouvido previamente é um direito que não pode ser afetado pela existência de um recurso administrativo ou judicial. Salienta, todavia que em vários casos, como no presente processo, a decisão de regresso está indissociavelmente ligada a um processo já existente de pedido de um estatuto de proteção internacional, sendo a primeira decisão de regresso no presente processo a consequência direta do indeferimento do pedido de asilo, tanto em primeira como em segunda instância. Nestas circunstâncias, o direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso foi respeitado, uma vez que o interessado teve a faculdade de apresentar utilmente o seu ponto de vista no âmbito do procedimento de exame do seu pedido de asilo.

44.      Segundo o mesmo Governo, o facto de ter decorrido um determinado tempo entre a decisão que indeferiu o pedido de asilo e a decisão de regresso não muda nada, não podendo um intervalo de dois meses e dez dias alterar os elementos decisivos do processo. Considera igualmente que o interessado não se pode limitar a invocar a violação abstrata do seu direito de ser ouvido previamente; deve pelo contrário, demonstrar, de maneira específica e precisa, a existência de todos os elementos decisivos, que não puderam ser tidos em conta pela Administração e que poderiam ter conduzido a um resultado diferente.

45.      A Comissão observa que o direito de ser ouvido em qualquer procedimento está previsto no artigo 41.° da Carta. Segundo a Comissão, ainda que se especifique que este artigo da Carta só se aplica às instituições e aos órgãos da União, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão M. (EU:C:2012:744) que «há que referir que, como resulta da sua própria letra, esta disposição é de aplicação geral» (5). A Comissão considera que, ao adotarem decisões de regresso, os Estados‑Membros aplicam o direito da União e estão por isso vinculados pela obrigações que resultam da Carta (6).

46.      A Comissão considera que as autoridades competentes devem ouvir o interessado, tendo em conta a finalidade da Diretiva 2008/115 que visa implementar um procedimento eficaz que assegure o mais rapidamente possível o regresso ao seu país de origem de nacionais de países terceiros em situação irregular. Segundo a Comissão, o direito de ser ouvido deve permitir à Administração instruir o processo de maneira a tomar uma decisão com conhecimento de causa e a fundamentá‑la adequadamente, de modo a que, sendo o caso, o interessado possa validamente exercer o seu direito de recurso. Considera todavia que este direito não pode permitir «indefinidamente uma reabertura do procedimento administrativo».

47.      No que diz respeito à primeira decisão de regresso no presente processo, a Comissão considera que a possibilidade que existe em direito francês de tomar uma única decisão que simultaneamente recusa a permanência ao abrigo do direito de asilo e ordena ao estrangeiro que abandone o território é conforme com a Diretiva 2008/115. Esta economia processual justifica‑se porque a obrigação de abandonar o território é a consequência lógica de uma recusa de autorização de residência. A Comissão considera que, na medida em que os fundamentos com base nos quais o interessado requereu uma autorização de residência foram examinados no âmbito das observações formuladas a título do seu pedido de asilo e durante o processo de recurso interposto do indeferimento deste pedido, pode considerar‑se que o direito de ser ouvido, antes da decisão de regresso, foi respeitado e isso mais que no presente processo, a decisão de regresso parece ter sido comunicada à interessada menos de dois meses após o indeferimento do seu pedido de asilo.

48.      Segundo a Comissão, quando, entre a audição do interessado no âmbito do procedimento de exame do seu processo e a tomada de decisão, decorre um período de tempo importante, compete ao juiz nacional verificar se o interessado teve ocasião de comunicar todos os elementos factuais novos que não puderam ser tidos em conta durante o procedimento.

49.      No que diz respeito à segunda decisão de regresso, a Comissão considera que não pode haver derrogação ao direito de ser ouvido nem em razão da existência de uma decisão anterior nem de um risco de fuga, podendo o interessado, se for esse o caso, ser ouvido durante a sua detenção para verificação do direito de permanência.

50.      Por fim, considera que a existência de um recurso contencioso suspensivo para um órgão jurisdicional administrativo não permite derrogar o respeito pelo direito de um estrangeiro em situação irregular de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso.

B –    Apreciação

1.      Observações preliminares

51.      O âmbito de aplicação da Carta, no que diz respeito à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.°, n.° 1, nos termos do qual as disposições da Carta se dirigem Estados‑Membros apenas quando estes apliquem o direito da União.

52.      Como declarou o Tribunal de Justiça, o artigo 51.° «da Carta confirma, assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à medida em que a ação dos Estados‑Membros deve conformar se com as exigências decorrentes dos direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica da União» (7).

53.      Com efeito, acrescenta o Tribunal de Justiça, no n.° 19 do acórdão Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105) e no n.° 33 do acórdão Pfleger e o. (EU:C:2014:281), «resulta, no essencial, da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. É nesta medida que o Tribunal de Justiça já recordou que não pode apreciar, à luz da Carta, uma legislação nacional que não se enquadra no âmbito do direito da União. Em contrapartida, quando uma legislação nacional se enquadra no âmbito de aplicação desse direito, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários à apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade desta legislação com os direitos fundamentais cujo respeito assegura».

54.      O Tribunal de Justiça também declarou, no n.° 21 do acórdão Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105) e no n.° 34 do acórdão Pfleger e o. (EU:C:2014:281) que, «os direitos fundamentais garantidos pela Carta devem, por conseguinte, ser respeitados quando uma legislação nacional se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União, não podem existir situações que estejam abrangidas pelo direito da União sem que os referidos direitos fundamentais não sejam aplicados. A aplicabilidade do direito da União implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.»

55.      É verdade que, não obstante o artigo 51.° da Carta definir, tanto em relação à União como aos Estados‑Membros, o âmbito de aplicação da Carta sob a epígrafe «Disposições gerais que regem a interpretação e a aplicação da Carta», o artigo 41.° da Carta prevê o direito de ser ouvido apenas em relação às instituições, órgãos e organismos da União» (8), como salientou o Tribunal de Justiça no seu acórdão Cicala (EU:C:2011:868, n.° 28), referido pelo Governo francês nas suas observações escritas (9), sem que contudo o Tribunal de Justiça o considere um argumento determinante da solução que encontrou nesse acórdão.

56.      Não nos parece coerente nem conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça (10) que a redação do artigo 41.° da Carta possa assim introduzir uma exceção à regra prevista pelo artigo 51.° da mesma, o que permitiria aos Estados‑Membros não aplicar um artigo da Carta, mesmo quando estes aplicam o direito da União. Igualmente, é clara a nossa preferência pela aplicabilidade do artigo 41.° da Carta aos Estados‑Membros quando estes aplicam o direito da União mas de qualquer forma, como salienta o Governo francês, o direito de ser ouvido constitui, conforme jurisprudência constante, um princípio geral do direito da União que «resulta não apenas do direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta mas também do respeito dos direitos de defesa e do direito a um processo equitativo, garantidos nos artigos 47.° e 48.° da Carta» (11). O respeito deste direito impõe‑se portanto a esse título pelo menos às autoridades «de cada um dos Estados‑Membros quando adotam decisões abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União» (12).

57.      Como indicámos, no n.° 49 da nossa tomada de posição no processo G. e R. (C‑383/13 PPU, EU:C:2013:553), se «[a] obrigação das autoridades nacionais de respeitarem o direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os interesses de uma pessoa é amplamente consagrada por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça […] e o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta confirma esta obrigação, conferindo‑lhe valor constitucional».

58.      No caso em apreço, a adoção de uma decisão de regresso por parte de um Estado‑Membro constitui uma execução do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115 e, portanto, do direito da União, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do artigo 51.°, n.° 1, da Carta. De onde resulta que numa situação deste tipo, regida pelo direito da União, os Estados‑Membros devem aplicar os direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico da União e, entre estes, o direito de ser ouvido quando a autoridade nacional se propõe adotar em relação a uma pessoa uma decisão que lhe causa prejuízo (13).

59.      Uma decisão de regresso desta natureza, conforme definida no artigo 3.°, n.° 4, e referida no artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, constitui, contrariamente às observações do Governo neerlandês (14), uma decisão que causa prejuízo ao seu destinatário. Com esta decisão, um Estado‑Membro declara ilegal a permanência de um nacional de um país terceiro e impõe ou enuncia uma obrigação de regresso (15).

60.      O considerando 6 da Diretiva 2008/115 precisa que quando os Estados‑Membros adotam decisões de regresso, devem observar um processo equitativo e transparente.

61.      Todavia, a Diretiva 2008/115 não institui um procedimento específico de audição de um nacional de um país terceiro antes da adoção de uma decisão de regresso (16). As garantias processuais previstas no capítulo III da Diretiva 2008/115 apenas dizem respeito à forma da decisão de regresso (artigo 12.°) (17), às vias de recurso (artigo 13.°) e às garantias enquanto se aguarda o regresso (artigo 14.°).

62.      Assim sendo, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito pelo referido direito impõe‑se igualmente quando a regulamentação aplicável não prevê expressamente essa formalidade (18).

63.      De onde resulta que as condições nas quais deve ser assegurado o respeito pelos direitos da defesa dos nacionais de países terceiros em situação irregular e as consequências das violações destes direitos derivam do direito nacional na medida em que as medidas decretadas neste sentido não são mais desfavoráveis do que as de que beneficiam os particulares em situações de direito nacional comparáveis (princípio da equivalência) e não tornam na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (19).

64.      Ora, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão M. (EU:C:2012:744, n.° 87 e jurisprudência referida), «o direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses». O Tribunal de Justiça acrescenta neste acórdão que «[o] referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada» (20).

65.      Consequentemente, a autonomia processual dos Estados‑Membros ligada à inexistência de um procedimento específico na Diretiva 2008/115, apenas pode ter como efeito que um nacional de um país terceiro seja privado do direito de ser ouvido pela autoridade nacional competente para a adoção de uma decisão de regresso.

66.      Todavia, o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite limitações ao exercício dos direitos por ela consagrados, na medida em que essa limitação esteja prevista na lei, diga respeito ao conteúdo essencial do direito fundamental em causa e que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia (21). De onde resulta que os direitos de defesa não apareçam como prerrogativas absolutas mas podem incluir restrições em certas circunstâncias (22).

67.      Antes de examinar mais concretamente a aplicação destes princípios às circunstâncias do processo principal, consideramos que é útil recordar que o objetivo do direito de ser ouvido, previsto no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, é, por um lado, permitir a instrução do processo e um apuramento dos factos tão precisos quanto possível e, por outro, assegurar uma proteção efetiva do interessado (23). Por outras palavras, esta disposição visa assegurar que qualquer decisão que afete desfavoravelmente uma pessoa seja adotada com pleno conhecimento de causa.

2.      Quanto à primeira questão prejudicial

a)      Reflexões gerais quanto à decisão de regresso

68.      Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2008/115 apenas se aplica ao regresso de nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular, não tendo, portanto, por objeto harmonizar completamente as regras dos Estados‑Membros relativas à permanência de estrangeiros (24). Todavia, uma vez constatada a irregularidade da permanência, as autoridades nacionais competentes devem, por força do artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva e sem prejuízo das exceções previstas no artigo 6.°, n.os 2 a 5, adotar uma decisão de regresso (25). Por outro lado, o artigo 6.°, da Diretiva 2008/115 permite que os Estados‑Membros «tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso» (26).

69.      Como salienta corretamente o Governo francês (27), o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115 obriga os Estados‑Membros que recusem conceder autorização de residência a um nacional de um país terceiro a tomarem uma decisão de regresso a seu respeito. Consequentemente e sem prejuízo das exceções previstas no artigo 6.°, n.os 2 a 5, da referida diretiva, concordamos com a afirmação do Governo francês (28) e do Governo grego (29), bem como da Comissão (30), segundo a qual a adoção de uma decisão de regresso resulta necessariamente da decisão que declara o caráter irregular da permanência do interessado e é consequência lógica da mesma.

70.      Consideramos assim que, na falta de disposições de direito da União que estabeleçam um procedimento específico que garanta aos nacionais de países terceiros em situação irregular o direito de serem ouvidos antes da adoção de uma decisão de regresso, o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta não pode ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade nacional competente pretende adotar uma decisão que constata uma situação irregular ao mesmo tempo que uma decisão de regresso (31) esta autoridade deveria necessariamente (32) de tal informar previamente ou «avisar» (33) o interessado de maneira a permitir‑lhe fazer valer o seu ponto de vista quanto a esta (34).

71.      Todavia, para que o procedimento seja equitativo e transparente, é necessário, para respeitar a obrigação prevista no artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, que, por um lado, o direito nacional preveja explícita e inequivocamente, a obrigação de abandonar o território em caso de permanência irregular e, por outro, que as autoridades nacionais competentes garantam que o interessado seja validamente ouvido no âmbito do procedimento relativo ao seu pedido de residência ou, se for o caso, sobre a irregularidade da sua permanência. Neste caso, a obrigação de voltar a ouvir o interessado antes de adotar a decisão de regresso seria redundante e desproporcionada.

72.      A este respeito, partilhamos inteiramente da observação da Comissão, segundo a qual o direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso não pode ser instrumentalizado para «reabrir indefinidamente o procedimento administrativo» (35). Com efeito, é necessário evitar sobrecarregar o processo ou prolongá‑lo inutilmente, sem aumentar a proteção jurídica do interessado (36), e isto tendo em vista preservar o equilíbrio entre o direito fundamental do interessado de ser ouvido antes da adoção de uma decisão que lhe causa prejuízo e a obrigação dos Estados‑Membros combaterem a imigração ilegal.

b)      Aplicação da primeira decisão de regresso

73.      No caso em apreço, através de uma decisão de 26 de outubro de 2012, ou seja, menos de dois meses após a notificação a S. Mukarubega da decisão da CNDA (que confirma a da OFPRA) de lhe recusar o estatuto de refugiada, as autoridades francesas recusaram concomitantemente autorizar a permanência de S. Mukarubega ao abrigo do direito de asilo e obrigaram‑na a abandonar o território francês. Salientamos, a este respeito, que o artigo L.511‑1, I, 3.ª alínea, do Ceseda prevê expressamente que a autoridade francesa competente pode obrigar a abandonar o território francês um estrangeiro que não seja nacional de um Estado‑Membro da União Europeia, de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ou da Confederação Suíça e que não seja membro da família desse nacional, quando a emissão ou a renovação da autorização de residência tiver sido recusada ao estrangeiro ou quando a autorização lhe tiver sido retirada (37).

74.      Além disso, resulta do processo no Tribunal de Justiça que o artigo L.742‑7 do Ceseda precisa que o estrangeiro ao qual tenha sido definitivamente recusado o reconhecimento do estatuto de refugiado ou o benefício da proteção subsidiária e que não possa ser autorizado a ficar no território a outro título, deve abandonar o território francês, sob pena de ser sujeito a uma medida de afastamento.

75.      Importa concluir que a primeira decisão de regresso foi tomada na sequência do encerramento do procedimento de exame do direito de permanência de S. Mukarubega, ao abrigo do direito de asilo, num processo que lhe permitiu apresentar de forma exaustiva todos os fundamentos do seu pedido de asilo (38), e após o esgotamento por esta de todas as vias de recurso previstas no direito nacional em matéria de indeferimento deste pedido (39). De resto, S. Mukarubega, também não contesta que, quanto ao seu pedido de asilo, foi ouvida, por um lado, pela OFPRA e, por outro, pela CNDA, de maneira útil e efetiva e em condições que lhe permitiram expor todos os fundamentos do seu pedido.

76.      Todavia, S. Mukarubega acusa designadamente as autoridades nacionais competentes de não a terem ouvido sobre a evolução da sua situação pessoal entre a data do seu pedido de asilo e a data de adoção de primeira decisão de regresso, ou seja, um período de 33 meses. Este argumento não é pertinente uma vez que S. Mukarubega foi ouvida, uma segunda vez, sobre o seu pedido de asilo, em 17 de julho de 2012, pela CNDA, ou seja, seis semanas antes da decisão desta de lhe recusar asilo e pouco mais de três meses antes da primeira decisão de regresso, o que não pode ser considerado um período desrazoável.

77.      Em nossa opinião, em circunstâncias como as do processo principal, as autoridades nacionais adotaram a decisão de regresso em conformidade com o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta quanto ao direito de ser ouvido.

78.      Propomos, portanto, como resposta à primeira questão prejudicial que o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta seja interpretado no sentido de que não impõe a uma autoridade nacional que ouça de novo o nacional de um país terceiro quando essa autoridade pretenda tomar uma decisão de regresso após ter declarado o caráter irregular da sua situação na sequência de uma decisão que lhe recusa asilo no termo de um processo em que o seu direito de ser ouvido foi plenamente respeitado.

79.      Esta conclusão só abrange no presente processo o dossiê apresentado por S. Mukarubega com vista a obter a qualidade de refugiada, o processo que levou à recusa em conceder‑lhe este estatuto e demonstrar assim o caráter irregular da sua permanência, bem como a decisão de regresso tomada a seu respeito, que é o prolongamento lógico e necessário tendo em conta o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115.

80.      Portanto, esta conclusão impõe‑se sem prejuízo de que uma legislação nacional permita a um nacional de um país terceiro apresentar outro dossiê com outra base jurídica, que é precisamente o caso da legislação francesa.

81.      A este propósito, o Governo francês sublinha que, em França, um nacional de um país terceiro a quem foi recusada a entrega de uma autorização de residência pode a qualquer momento apresentar‑se na prefeitura para aí ser novamente ouvido, a fim de apresentar elementos novos com vista a uma regularização da situação.

82.      Em particular, o artigo L.313‑11, n.° 7 do Ceseda permite a entrega de uma autorização de residência a um nacional de um país terceiro por motivos respeitantes à sua vida privada e familiar, sem que lhe seja oponível o caráter irregular da sua residência. O mesmo é válido quanto ao artigo L.313‑11, n.° 11 do Ceseda, por motivos relacionados com o seu estado de saúde. Além disso, segundo o Governo francês, o artigo L.313‑14 do Ceseda permite a emissão de um título de residência a um nacional de um país terceiro quando essa emissão responda a preocupações humanitárias ou se justifique a por motivos excecionais por ele alegadas, sem que, de igual forma, seja oponível o caráter irregular da residência desse nacional.

83.      Estas disposições francesas parecem‑nos resultar do âmbito de aplicação do artigo 5.°, alíneas b) e c), da Diretiva 2008/115 e da exceção ao artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, prevista no n.° 4 do referido artigo (40). Com feito, por força do artigo 6.°, n.° 4, da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros podem conceder autorizações de residência por razões caritativas, humanitárias ou outras a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, nenhuma decisão de regresso é tomada. Nos casos em que já tiver sido tomada uma decisão de regresso, esta é anulada ou suspensa pelo período de vigência da autorização de residência.

84.      É evidente que quando, como em França, a legislação nacional prevê a possibilidade de entrega de um título de residência a um nacional de um país terceiro por motivos excecionais em conformidade com o artigo 6.°, n.° 4, da Diretiva 2008/115, não pode ser tomada uma decisão de regresso contra uma pessoa que apresentou um pedido de residência baseado num destes fundamentos sem a ouvir previamente a esse propósito. De outra forma, uma decisão de regresso, em vez de ser baseada em informações precisas e atualizadas, corre o risco de ser adotada com base em dados incompletos ou inválidos.

85.      Consideramos que, nesse caso, compete ao interessado apresentar um pedido baseado nos fundamentos previstos pela legislação nacional e completá‑lo com as informações e provas necessárias.

86.      Pode ser esse o caso, sem prejuízo de verificação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, do pedido que, com base no artigo L.313‑14 do Ceseda, foi apresentado por S. Mukarubega em 28 de setembro de 2012, ou seja, depois do indeferimento definitivo do seu pedido de asilo por parte da CNDA (ou seja, em 10 de setembro de 2012) e antes da notificação da primeira decisão de regresso (ou seja, em 26 de outubro do mesmo ano).

87.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a alteração da sua situação pessoal a partir da entrega do seu pedido de asilo, invocada no segundo processo por S. Mukarubega, constitui um fundamento de regularização da sua situação, em conformidade com o artigo L.313‑14 do Ceseda e, se for esse o caso, se tal alteração foi tida em conta pelas autoridades nacionais competentes antes da adoção da primeira decisão de regresso. Quando desta verificação, o órgão jurisdicional de reenvio deve assegurar que o pedido em questão foi apresentado de boa fé e não constitui uma manobra dilatória por parte de S. Mukarubega como único propósito de atrasar, ou mesmo comprometer o procedimento perante as autoridades nacionais competentes e a adoção eventual de uma decisão de regresso (41).

c)      Aplicação à segunda decisão de regresso

88.      Poder‑se‑ia eventualmente perguntar, como o Governo neerlandês (42), se a adoção de uma segunda decisão de regresso contra S. Mukarubega era, no caso em apreço, necessária tendo em conta que ela não impugnou (43) a primeira decisão de regresso antes de 6 de março de 2013 (44). No entanto, este aspeto não é pertinente para efeitos do litígio no processo principal. Com efeito, consideramos que as autoridades nacionais competentes, ao terem optado, seja por que razão for, pela adoção de uma segunda decisão de regresso, eram obrigadas, nos termos do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, a ouvir S. Mukarubega antes da adoção da mesma.

89.      Resulta do processo no Tribunal de Justiça que, antes da adoção da segunda decisão de regresso, S. Mukarubega foi colocada sob custódia policial com fundamento no artigo 62‑2 do Código de Processo Penal francês (45), em razão da utilização fraudulenta de um documento administrativo. Dado que a liberdade de S. Mukarubega se encontrava limitada durante a custódia policial, não havia risco de fuga que pudesse eventualmente justificar no interesse geral, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, da Carta, uma limitação do seu direito de ser ouvida, por força do seu artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta.

90.      A ata da audição salienta que S. Mukarubega foi designadamente ouvida sobre o direito de residência em França. Foi interrogada sobre a questão de saber se aceitaria regressar ao seu país de origem e se desejava permanecer em França. Resulta claramente dessa ata que S. Mukarubega sabia perfeitamente que não tinha o direito de residir legalmente em França, apesar das várias diligências que realizou a esse respeito, e que conhecia as consequências da sua situação irregular. S. Mukarubega indicou que, em razão do facto de estar «sem documentos» e não poder «trabalhar» nem «permanecer em França», obteve um passaporte belga falso para se deslocar ao Canadá. Salientamos que, embora a audição tenha sido realizada principalmente sob a forma de perguntas e respostas, S. Mukarubega foi convidada, durante a mesma, a acrescentar quaisquer outras observações que considerasse pertinentes.

91.      De onde resulta que S. Mukarubega beneficiou da possibilidade de ser ouvida sobre outros fatores para além do «simples facto da residência irregular» (46). Tendo em conta as modalidades de audição de S. Mukarubega e na condição de as garantias estabelecidas pela legislação (47) e a jurisprudência francesa (48) terem sido respeitadas (49) (designadamente quanto à assistência jurídica), o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, consideramos que o facto de esta audição ter durado 50 minutos não pode, só por si, levar à conclusão de que foi insuficiente.

92.      Em função do que precede, acrescentamos um elemento à nossa resposta à primeira questão prejudicial, ou seja, que o facto de uma autoridade nacional ter respeitado o direito de ser ouvido de um interessado, conforme previsto pelos princípios gerais de direito da União e consagrado pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, no âmbito de um determinado processo (por exemplo, um pedido de asilo) não dispensa essa autoridade de ouvir de novo esse interessado no âmbito de um processo apresentado com uma base jurídica diferente (por exemplo, um pedido de regularização da residência por razões humanitárias) e isto mesmo que o objetivo dos dois pedidos seja substancialmente idêntico (no caso vertente o reconhecimento da regularidade de uma residência).

3.      Quanto à segunda questão prejudicial

93.      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça quanto à questão de saber se o direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular de intentar, em conformidade com o direito nacional, um processo contencioso com caráter suspensivo perante um órgão jurisdicional nacional (50), permite às autoridades administrativas nacionais não ouvirem esse nacional antes da adoção de um ato que lhe causa prejuízo, no caso em apreço, uma decisão de regresso.

94.      Esta questão só faz evidentemente sentido se se considerar que, em circunstâncias como as do processo principal, o direito de ser ouvido não foi respeitado, opinião que não perfilhamos.

95.      De qualquer modo, consideramos que os direitos previstos nos artigos 41.° e 47.° da Carta são distintos e aplicam‑se em contextos diferentes, ou seja, o primeiro, num contexto administrativo pré‑contencioso e o segundo num contexto de contencioso judicial (51). De onde resulta que os direitos em questão não podem ser fundidos, sob pena de ser suprimido o direito de um particular de ser ouvido quando a Administração se propõe tomar a seu respeito um ato que lhe causa prejuízo e lhe é permitida uma ação judicial. A vontade do legislador da União de proteger os administrados ao longo de todo o processo resulta claramente da articulação dos artigos 41.° e 47.° da Carta. Nenhuma amálgama pode ser feita destes dois direitos bem distintos, sob pena de abrir uma brecha na continuidade do sistema dos direitos de defesa garantido pela Carta (52).

96.      Consequentemente e na condição porém de que as limitações permitidas pelo artigo 52.°, n.° 1, da Carta(53) não sejam aplicáveis, o facto de o interessado sujeito a uma decisão de regresso dispor, em conformidade com o direito nacional, de um direito a um processo contencioso com caráter suspensivo contra esta decisão de regresso não pode, em nossa opinião, abranger retroativamente a inobservância do artigo 41.° da Carta por parte das autoridades administrativas nacionais.

97.      Todavia, importa notar que no n.° 85 do acórdão Texdata Software (C‑418/11, EU:C:2013:588), o Tribunal de Justiça declarou que «a aplicação de uma sanção inicial de 700 euros, sem notificação prévia nem possibilidade de ser ouvido antes de a sanção ser aplicada, não parece suscetível de afetar o conteúdo essencial do direito fundamental em causa, uma vez que a interposição do recurso fundamentado da decisão de aplicação da sanção pecuniária a torna imediatamente inaplicável e inicia um processo comum em cujo âmbito o direito de ser ouvido pode ser respeitado».

98.      As conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou no seu acórdão Texdata Software (EU:C:2013:588) não são, em nossa opinião, transponíveis para o caso em apreço. Nesse processo, tratava‑se de uma sanção puramente monetária, ao passo que as decisões de regresso em causa no processo principal podem ter um impacto importante na própria vida de um ser humano. Consequentemente, não percebemos, sobretudo não havendo um risco de fuga, as razões que poderiam ser invocadas como objetivo de interesse geral que justifiquem a falta de audição prévia (54) no processo principal.

VI – Conclusão

99.      Face às considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo tribunal administratif de Melun, declarando que:

1)      Quando uma autoridade nacional tiver constatado o caráter irregular da residência de um nacional de um país terceiro na sequência de uma decisão que lhe recusa o direito de asilo no final de um procedimento em que tenha sido respeitado o seu direito de ser ouvido conforme previsto pelos princípios gerais de direito da União e consagrado pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito da União não obriga essa autoridade a ouvi‑lo de novo antes de tomar uma decisão de regresso a seu respeito.

O facto de uma autoridade nacional ter respeitado o direito de ser ouvido de um interessado, conforme previsto pelos princípios gerais de direito da União e consagrado pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no âmbito de um determinado processo (por exemplo, um pedido de asilo) não dispensa essa autoridade de o ouvir de novo no âmbito de um procedimento apresentado com uma base jurídica diferente (por exemplo, um pedido de regularização da residência por razões humanitárias) e isto mesmo que o objetivo dos dois pedidos seja substancialmente idêntico (no caso vertente, o reconhecimento da regularidade da residência).

2)      Na falta de aplicabilidade das limitações permitidas pelo artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito de um nacional de um país terceiro em situação irregular de intentar um processo contencioso com caráter suspensivo perante um órgão jurisdicional nacional, não dispensa as autoridades administrativas nacionais de o ouvirem antes da adoção de uma decisão de regresso a seu respeito.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 348, p. 98.


3 —      Acórdão Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.° 28).


4 —      Acórdão M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 82 a 86).


5 —      N.° 84.


6 —      Acórdão Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105, n.° 21).


7 —      Acórdãos Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105, n.° 18) e Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281, n.° 32).


8 —      O alcance atual do artigo 41.° da Carta foi debatido no praesidium da convenção que elaborou a Carta. Foram propostas, sem que tenha sido aceites, alterações com vista, por um lado, a alargar e, por outro, a clarificar o seu âmbito de aplicação. V. projeto de Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Síntese das alterações apresentadas pelo praesidium (Carta 4284/00 CONVENT 37).


9 —      V. n.° 33 das presentes conclusões.


10 —      V. acórdão N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.os 49 e 50).


11 —      V. observações do Governo francês no n.° 33 das presentes conclusões.


12 —      Idem.


13 —      Acórdão Sopropé (C‑349/07, EU:C:2008:746, n.° 36).


14 —      V. n.° 41 das presentes conclusões.


15 —      V. artigos 3.°, n.os 4 e 6, n.° 1, da Diretiva 2008/115.


16 —      Não podemos deixar de ficar surpreendidos pela inexistência deste procedimento específico na Diretiva 2008/115, tendo em conta o impacto importante que uma decisão de regresso pode ter na vida de um ser humano, ao mesmo tempo que tal processo foi instituído para assegurar o respeito pelo direito de ser ouvido em matéria de direito alfandegário e da concorrência! V., em relação aos direitos alfandegários, o artigo 22.°, n.° 6, do Regulamento (UE) n.° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (reformulação) (JO L 269 p. 1, e retificações JO 2013, L 287, p. 90) e as nossas conclusões no processo Kamino International Logistics e Datema Hellman Worldwide Logistics (C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:94, n.os 51 a 57). A respeito do direito da concorrência, o artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho de 16 de dezembro de 2002 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1) que dispõe «[a]ntes de tomar as decisões previstas nos artigos 7.°, 8.° e 23.° e no n.° 2 do artigo 24.°, a Comissão dá às empresas ou associações de empresas sujeitas ao processo instruído pela Comissão oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações por ela formuladas. A Comissão deve basear as suas decisões apenas em acusações sobre as quais as partes tenham tido oportunidade de apresentar as suas observações. Os autores das denúncias são estreitamente associados ao processo» (sublinhado nosso).


17 —      O artigo 12.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/115 prevê que «[a]s decisões de regresso […] são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis».


18 —      V. acórdão M. (EU:C:2012:744, n.° 86).


19 —      V. acórdão G. e R. (C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.° 35). A obrigação de os Estados‑Membros respeitarem o princípio da efetividade é reafirmado pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, segundo o qual estes «estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União».


20 —      Acórdão M. (EU:C:2012:744, n.° 88 e jurisprudência referida).


21 —      V., neste sentido, acórdãos Comissão/Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 101) e Schwarz (C‑291/12, EU:C:2013:670, n.° 34).


22 —      V. acórdão Dokter e o. (EU:C:2006:408, n.°75). V., igualmente, acórdão G. e R. (EU:C:2013:533, n.° 36), em que o Tribunal de Justiça declarou que se for lícito aos Estados‑Membros permitir o exercício dos direitos de defesa dos nacionais de países terceiros em situação irregular segundo as mesmas modalidades que as utilizadas para reagir às situações internas, estas modalidades devem ser conformes ao direito da União e, nomeadamente, não por em causa o efeito útil da Diretiva 2008/115.


23 —      V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo M. (EU:C:2012:253, n.os 35 e 36).


24 —      V. acórdãos Achughbabian (EU:C:2011:807, n.° 28) e Sagor (C‑430/11, EU:C:2012:777, n.° 31).


25 —      V., neste sentido, acórdãos El Dridi (C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.° 35) e Achughbabian (EU:C:2011:807, n.° 31).


26 —      V., igualmente, a própria definição de decisão de regresso conforme prevista pelo artigo 3.°, n.° 4, desta diretiva que associa a declaração de permanência ilegal e a imposição de uma obrigação de regresso.


27 —      V. n.° 34 das presentes conclusões.


28 —      Idem.


29 —      V. n.° 43 das presentes conclusões.


30 —      V. n.° 47 das presentes conclusões.


31 —      Permitido pelo artigo 6.°, n.° 6 da Diretiva 2008/115.


32 —      Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros podem aprovar ou manter disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na diretiva.


33 —      V. n.° 22 das presentes conclusões.


34 —      V., por analogia, M. (EU:C:2012:744, n.° 95).


35 —      V. n.° 46 das presentes conclusões.


36 —      V., neste sentido, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Sabou (C‑276/12, EU:C:2013:370, n.° 57).


37 —      V., também, n.os 9 a 21 das presentes conclusões.


38 —      Salientamos, a este respeito, que os artigos 12.° e 13.°, n.° 3, da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO L 304, p. 12, e retificativo JO 2005, L 204, p. 24), preveem, designadamente, uma audição pessoal do interessado relativa o seu pedido em condições que lhe permitam expor a totalidade dos fundamentos desta e isto previamente à adoção de uma decisão.


39 —      V. n.° 13 das presentes conclusões.


40 —      Não há nenhum indício no processo no Tribunal de Justiça de que as disposições do artigo 5.° da Diretiva 2008/115 não foram respeitadas quando da adoção da primeira decisão de regresso.


41 —      V. acórdão Arslan (C‑534/11, EU:C:2013:343, n.° 57).


42 —      V. n.° 42 das presentes conclusões.


43 —      V. artigo 13.° da Diretiva 2008/115


44 —      S. Mukarubega interpôs um recurso de anulação da primeira decisão de regresso tribunal administratif de Paris, em 6 de março de 2013, ou seja, após a adoção da segunda decisão de regresso.


45 —      Segundo esta disposição, «A custódia policial é uma medida coerciva decidida por um agente da polícia judiciária, sob a fiscalização da autoridade judiciária, pela qual uma pessoa de quem haja uma ou várias razões plausíveis para suspeitar que cometeu ou tentou cometer um crime ou um delito punido com uma pena de prisão é mantida à disposição dos investigadores».


46 —      V., neste sentido, considerando 6 da Diretiva 2008/115.


47 —      V. artigos 63‑3‑1, 63‑4, 63‑4‑1 e 63‑4‑2 do Código de Processo Penal francês relativo ao direito da pessoa sob custódia policial a ser assistida por advogado e as modalidades e limitações deste direito.


48 —      V., nomeadamente, secção criminal da Cour de cassation, recurso de 7 de fevereiro de 2012, n.° 11‑83676, relativo à anulação dos autos de audição de custódia policial em razão do facto de o advogado da pessoa sob custódia não se ter apresentado.


49 —      Quando da sua detenção, S. Mukarubega foi informada do seu direito de ser assistida por um advogado. Segundo o auto da notificação da sua detenção, S. Mukarubega exprimiu a sua vontade «de ser assistida por um advogado de permanência no foro de Seine Saint Denis» e o seu desejo de beneficiar da assistência do seu advogado nas suas audições e confrontos, vontade que foi transmitida ao advogado de permanência pelos serviços de polícia. Na audiência na Cour, o advogado de S. Mukarubega declarou, sem oposição por parte do representante do Governo francês, que «por razões logísticas» relacionadas com a falta de recursos humanos do foro de Seine Saint Denis, nenhum advogado se apresentou à audição de 4 de março de 2013.


50 —      V. artigo 13, n.° 1, da Diretiva 2008/115, que prevê várias vias de recurso.


51 —      V. nossa tomada de posição no processo G. et R. (EU:C:2013:553, n.° 47) e as nossas conclusões no processo Kamino International Logistics e Datema Hellman Worldwide Logistics (EU:C:2014:94, n.° 69).


52 —      V. nossa tomada de posição no processo G. e R. (EU:C:2013:553, n.os 47 e 48).


53 —      V. n.° 66 das presentes conclusões.


54 —      V., por analogia, a nossas conclusões no processo Kamino International Logistics e Datema Hellman Worldwide Logistics (EU:C:2014:94, n.° 72).