Language of document : ECLI:EU:T:2022:630

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

12 de outubro de 2022 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de extinção — Marca figurativa da União Europeia quis ut Deus — Inexistência de utilização séria da marca — Artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (UE) 2017/1001»

No processo T‑752/21,

Associação do Socorro e Amparo, com sede em Lisboa (Portugal), representada por J. Motta Veiga, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por I. Ribeiro da Cunha e D. Gája, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO

Duarte Pio de Bragança, residente em Sintra (Portugal),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto, na deliberação, por: A. Marcoulli, presidente, J. Schwarcz (relator) e R. Norkus, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

visto não terem as partes apresentado um pedido de audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, em aplicação do artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do recurso que interpôs ao abrigo do artigo 263.º TFUE, a recorrente, Associação do Socorro e Amparo, requer a anulação da Decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 21 de outubro de 2021 (processo R 581/2021‑4) (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 23 de outubro de 2019, a recorrente apresentou no EUIPO um pedido de declaração de caducidade da marca da União Europeia que tinha sido registada na sequência de um pedido apresentado em 26 de maio de 2010 por Duarte Pio de Bragança para o sinal figurativo seguinte:

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3        Os produtos e os serviços abrangidos pela marca impugnada relativamente aos quais foi pedida a declaração de caducidade pertenciam às classes 14, 16, 26, 35 e 41 na aceção do Acordo de Nice Relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondiam, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        classe 14: «Insígnias, condecorações, emblemas, medalhas em metais preciosos»;

–        classe 16: «Publicações, revistas e catálogos»;

–        classe 26: «Insígnias, condecorações, emblemas, medalhas em metal»;

–        classe 35: «Publicidade; gestão dos negócios comerciais; venda por grosso e a retalho, através de redes informáticas, de todo o tipo de artigos promocionais»;

–        classe 41: «Serviços de organização de acontecimentos de caráter cultural e religioso».

4        A causa invocada em apoio do pedido de extinção foi a prevista no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).

5        Em 29 de janeiro de 2021, a Divisão de Anulação deferiu integralmente este pedido e declarou a extinção da marca impugnada para todos os produtos e serviços acima referidos no n.º 3 com o fundamento de que os elementos de prova apresentados por Duarte Pio de Bragança não eram suficientes para demonstrar a respetiva utilização séria.

6        Em 29 de março de 2021, Duarte Pio de Bragança interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Anulação, na parte em que esta tinha declarado perdidos os seus direitos sobre a marca impugnada para os produtos pertencentes às classes 14 e 26.

7        Através da decisão impugnada, a Câmara de Recurso julgou o recurso parcialmente procedente. Anulou a decisão da Divisão de Anulação e indeferiu o pedido de extinção para os produtos «Insígnias, condecorações, medalhas em metais preciosos», pertencentes à classe 14, e «Insígnias, condecorações, medalhas em metal» da classe 26 (a seguir «produtos em causa»). Em contrapartida, a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso na parte respeitante aos «emblemas» pertencentes às classes 14 e 26.

8        Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso precisou que Duarte Pio de Bragança não contestou a extinção dos seus direitos sobre a marca impugnada para os produtos pertencentes à classe 16 nem para os serviços pertencentes às classes 35 e 41. Em segundo lugar, considerou que, no que respeita ao período de cinco anos anterior à apresentação do pedido de extinção, ou seja, o período entre 23 de outubro de 2014 e 22 de outubro de 2019 (a seguir «período pertinente»), os elementos de prova apresentados por Duarte Pio de Bragança permitiam provar o tempo e o lugar da utilização da marca impugnada. Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso considerou, baseando‑se nas faturas apresentadas e nas imagens obtidas num sítio Internet, que tinha sido feita prova da natureza e da importância da utilização. Por último, em quarto lugar, não obstante o reduzido volume de vendas comprovado pelas faturas, a Câmara de Recurso concluiu que, apreciados globalmente, os documentos apresentados eram suficientes para provar a utilização séria da marca impugnada, durante o período pertinente, para todos os produtos em causa, com exceção dos «emblemas» pertencentes às classes 14 e 26.

 Pedidos das partes

9        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada e substituí‑la por uma decisão de declaração de caducidade da marca impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

10      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

11      A recorrente invoca um fundamento único de recurso, relativo, em substância, à violação do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, por a Câmara de Recurso ter erradamente considerado que os elementos de prova apresentados no decurso do procedimento administrativo que correu no EUIPO permitiam provar a utilização séria da marca impugnada em relação aos produtos em causa.

12      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente e alega, em substância, que, embora determinados elementos que foram juntos aos autos não constituam, quando considerados individualmente, provas adequadas da utilização séria, representam, considerados no seu conjunto, uma utilização séria da marca impugnada.

13      Nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, é declarada a perda dos direitos do titular de uma marca da União Europeia, na sequência de pedido apresentado ao EUIPO ou de pedido reconvencional num processo de infração, quando, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não seja objeto de utilização séria na União Europeia em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para a sua não utilização.

14      Há que recordar que, nos termos do artigo 10.º, n.os 3 e 4, do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 da Comissão, de 5 de março de 2018, que complementa o Regulamento 2017/1001 e que revoga o Regulamento Delegado (UE) 2017/1430 (JO 2018, L 104, p. 1), os elementos de prova da utilização de uma marca devem indicar o local, o período, a extensão e a natureza da utilização da marca e limitam‑se, em princípio, a documentos justificativos, como embalagens, rótulos, tabelas de preços, catálogos, faturas, fotografias, anúncios de jornais, assim como às declarações escritas referidas no artigo 97.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001 [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2004, Sunrider/IHMI — Espadafor Caba (VITAFRUIT), T‑203/02, EU:T:2004:225, n.º 37, e de 10 de setembro de 2008, Boston Scientific/IHMI — Terumo (CAPIO), T‑325/06, não publicado, EU:T:2008:338, n.º 27].

15      Na interpretação do conceito de utilização séria, há que tomar em consideração o facto de que a ratio legis do requisito segundo o qual a marca anterior deve ter sido objeto de utilização séria não visa avaliar o êxito comercial nem controlar a estratégia económica de uma empresa, nem tão‑pouco reservar a proteção das marcas apenas às explorações comerciais quantitativamente importantes [v. Acórdãos de 8 de julho de 2004, MFE Marienfelde/IHMI — Vétoquinol (HIPOVITON), T‑334/01, EU:T:2004:223, n.º 32 e jurisprudência referida, e de 27 de setembro de 2007, La Mer Technology/IHMI — Laboratoires Goëmar (LA MER), T‑418/03, não publicado, EU:T:2007:299, n.º 53 e jurisprudência referida].

16      Como resulta da jurisprudência, uma marca é objeto de utilização séria quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial, que é garantir a identidade de origem dos produtos e dos serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou manter um escoamento para esses produtos e serviços, com exclusão de utilizações de caráter simbólico que tenham como único objetivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca (v. Acórdão de 27 de setembro de 2007, LA MER, T‑418/03, não publicado, EU:T:2007:299, n.º 54 e jurisprudência referida; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul, C‑40/01, EU:C:2003:145, n.º 43). Além disso, o requisito relativo à utilização séria da marca exige que esta, tal como é protegida no território pertinente, seja utilizada publicamente e para o exterior [Acórdão de 8 de julho de 2004, VITAFRUIT, T‑203/02, EU:T:2004:225, n.º 39; v., igualmente, Acórdão de 6 de outubro de 2004, Vitakraft‑Werke Wührmann/IHMI — Krafft (VITAKRAFT), T‑356/02, EU:T:2004:292, n.º 26 e jurisprudência referida].

17      Mais precisamente, a fim de examinar, num caso concreto, o caráter sério da utilização da marca em causa, cabe realizar uma apreciação global dos elementos juntos aos autos, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso concreto. Essa apreciação deve assentar em todos os factos e circunstâncias próprios para estabelecer a realidade da exploração comercial desta, em especial as utilizações consideradas justificadas no setor económico em causa para manter ou criar quotas de mercado em benefício dos produtos e dos serviços visados pela marca, a natureza desses produtos ou desses serviços, as características do mercado, bem como o alcance e a frequência da utilização da marca [v. Acórdãos de 10 de setembro de 2008, CAPIO, T‑325/06, não publicado, EU:T:2008:338, n.º 30 e jurisprudência referida, e de 15 de setembro de 2011, centrotherm Clean Solutions/IHMI — Centrotherm Systemtechnik (CENTROTHERM), T‑427/09, EU:T:2011:480, n.º 27 e jurisprudência referida]. Assim, um reduzido volume de produtos ou de serviços comercializados sob a referida marca pode ser compensado por uma forte intensidade ou uma certa constância no tempo da utilização dessa marca, e inversamente (v. Acórdão de 15 de setembro de 2011, CENTROTHERM, T‑427/09, EU:T:2011:480, n.º 28 e jurisprudência referida). Além disso, o volume de negócios realizado e a quantidade de vendas de produtos sob a marca anterior não podem ser apreciados de modo absoluto, mas sim em conexão com outros fatores pertinentes, como o volume da atividade comercial, as capacidades de produção ou de comercialização ou o grau de diversificação da empresa que explora a marca, bem como as características dos produtos ou dos serviços no mercado em causa. Por esse facto, o Tribunal de Justiça precisou que não era necessário que a utilização da marca anterior fosse sempre quantitativamente importante para ser qualificada de séria. Uma utilização, mesmo mínima, pode, pois, ser suficiente para ser qualificada de séria, desde que seja considerada justificada, no setor económico em causa, para manter ou criar quotas de mercado para os produtos ou os serviços protegidos pela marca (Acórdão de 8 de julho de 2004, VITAFRUIT, T‑203/02, EU:T:2004:225, n.º 42; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul, C‑40/01, EU:C:2003:145, n.º 39, e Despacho de 27 de janeiro de 2004, La Mer Technology, C‑259/02, EU:C:2004:50, n.º 21).

18      Além disso, a utilização séria de uma marca não pode ser demonstrada através de probabilidades ou de presunções, antes devendo assentar em elementos concretos e objetivos que provem uma utilização efetiva e suficiente da marca no mercado em causa [v. Acórdãos de 23 de setembro de 2009, Cohausz/IHMI — Izquierdo Faces (acopat), T‑409/07, não publicado, EU:T:2009:354, n.º 36 e jurisprudência referida; de 16 de junho de 2015, Polytetra/IHMI — EI du Pont de Nemours (POLYTETRAFLON), T‑660/11, EU:T:2015:387, n.º 47 e jurisprudência referida; e de 9 de setembro de 2015, Inditex/IHMI — Ansell (ZARA), T‑584/14, não publicado, EU:T:2015:604, n.º 19 e jurisprudência referida].

19      Há que acrescentar que quanto mais limitado for o volume comercial da exploração da marca, mais necessário será que o detentor da marca forneça indicações suplementares que permitam afastar eventuais dúvidas sobre o caráter sério da utilização da marca em causa [v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2011, Advance Magazine Publishers/IHMI — Capela & Irmãos (VOGUE), T‑382/08, não publicado, EU:T:2011:9, n.º 31].

20      Por outro lado, o artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001 não exige uma utilização contínua e ininterrupta da marca controvertida durante o período pertinente, mas unicamente uma utilização séria no decurso deste [v. Acórdão de 3 de outubro de 2019, 6Minutes Media/EUIPO — ad pepper media International (ADPepper), T‑668/18, não publicado, EU:T:2019:719, n.º 77 e jurisprudência referida].

21      É à luz destas considerações que há que examinar se foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu que a marca impugnada foi utilizada de forma séria durante o período pertinente.

22      A título preliminar, o Tribunal Geral salienta que o período pertinente, em relação ao qual cabia à recorrente provar que a marca impugnada tinha sido objeto de utilização séria, está compreendido entre 23 de outubro de 2014 e 22 de outubro de 2019, como a Câmara de Recurso considerou acertadamente.

23      Por outro lado, quanto aos produtos e aos serviços acima referidos no n.º 3, há que recordar que Duarte Pio de Bragança não contestou na Câmara de Recurso a perda dos seus direitos declarada pela Divisão de Anulação em relação à marca impugnada para a totalidade dos ditos produtos e serviços, tendo unicamente contestado essa perda para os produtos pertencentes às classes 14 e 26. Assim, a referida perda tornou‑se definitiva para os produtos pertencentes à classe 16 e para os serviços pertencentes às classes 35 e 41.

24      No que respeita à prova da utilização séria da marca impugnada, no decurso do período pertinente, em relação aos produtos das classes 14 e 26, resulta dos autos que Duarte Pio de Bragança, no âmbito do procedimento administrativo que correu no EUIPO, apresentou os seguintes elementos de prova:

–        uma declaração de A, datada à mão em 19 de novembro de 2019, relativa ao uso da marca impugnada em Itália (a seguir «declaração de A»);

–        uma declaração de B, datada à mão em 21 de novembro de 2019, relativa ao uso da marca impugnada em diversos países europeus (a seguir «declaração de B»);

–        uma declaração de C, datada à mão em 20 de novembro de 2019, relativa ao uso da marca impugnada (a seguir «declaração de C»);

–        uma declaração de D, não datada, na qualidade de capelão geral da Real Irmandade da Ordem de São Miguel da Ala, sendo esta Ordem titular de uma licença da marca impugnada, na qual D explica que regula o uso dessa marca pelos seus capelães, delegados e membros das Reais Irmandades da Ordem de São Miguel da Ala que existem nas dioceses de Espanha, Itália, França, Suíça, Suécia, Reino Unido, Rússia, Ucrânia e Alemanha (a seguir «declaração de D») e enumera as pessoas que são titulares de uma licença da marca impugnada, entre as quais figuram A, B, C e E, bem como a Orazio Scuro Consulting;

–        seis faturas enviadas a clientes na Alemanha, em 6 de março de 2015, 5 de abril e 15 de maio de 2016, 2 de maio de 2017, 5 de janeiro de 2018 e 1 de maio de 2019, contendo cada fatura a indicação de que foi aprovada por E (a seguir «faturas»);

–        um excerto de um sítio Internet, não datado, denominado «Ordine di San Silvestro Papa — Orafo Orazio Scuro», que, segundo Duarte Pio de Bragança, provém da Orazio Scuro Consulting, uma sociedade ourives italiana, e mostra imagens de insígnias postas à venda que reproduzem a forma da marca impugnada (a seguir «imagens do sítio Internet»).

25      A recorrente contesta, em substância, a autenticidade, a validade e o valor probatório dos elementos de prova apresentados.

26      Em primeiro lugar, no que respeita às declarações escritas, a recorrente alega que não foram autenticadas e que não se sabe a que título foram assinadas, uma vez que emanam de pessoas que não exercem uma atividade comercial. Por outro lado, as declarações escritas são vagas e não é de modo nenhum possível avaliar o volume de vendas de cada um dos produtos ou dos produtos na totalidade, nem apurar a intensidade, duração, frequência ou alcance geográfico das vendas. Em segundo lugar, no que respeita às faturas, a recorrente contesta a respetiva validade por, aparentemente, terem sido emitidas por duas entidades diferentes, uma das quais americana, por não estarem em conformidade com as normas legais aplicáveis a documentos contabilísticos, por terem sido redigidas manualmente e por terem as quantias em euros, embora a entidade emissora seja americana. No que se refere ao seu valor probatório, a recorrente alega, em substância, que a totalidade das vendas, a descrição vaga dos produtos, a impossibilidade de determinar se os produtos contêm a marca impugnada e o facto de não existir uma correspondência com as imagens do sítio Internet não permitem considerar que, com base nestas faturas, é feita prova de uma utilização séria da marca impugnada. Por último, em terceiro lugar, no que respeita às imagens do sítio Internet, a recorrente salienta que provêm de uma entidade desconhecida que não é titular de uma licença e que nenhum dos valores constantes dessas imagens corresponde àqueles que figuram nas faturas.

27      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente e alega, em substância, que a análise efetuada pela Câmara de Recurso não padece de erros. Em primeiro lugar, afirma que, contrariamente àquilo que a recorrente alega, as declarações escritas são conformes com a legislação nacional correspondente. Por conseguinte, embora estas declarações sejam provenientes da esfera de Duarte Pio de Bragança e o seu valor probatório seja assim reduzido, revestem, todavia, valor probatório. Em segundo lugar, no que respeita às faturas, o EUIPO considera que da sua leitura conjunta se permite claramente associar a marca impugnada com o seu uso para os produtos em causa. A referida marca aparece na parte inferior esquerda das faturas, as quais descrevem os produtos como sendo «medalhas» ou «conjuntos Grã‑Cruz» que se podem também referir a insígnias e condecorações pertencentes às classes 14 e 26. Além disso, o EUIPO considera que estas faturas são válidas porque foram emitidas por F, uma pessoa que é titular de uma licença da marca impugnada, conforme resulta da declaração de D. Por outro lado, o EUIPO considera que o reduzido volume total de vendas que as faturas demonstram não obsta de modo algum a que se considere que a marca impugnada foi objeto de utilização séria. Por conseguinte, o EUIPO entende que foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu, com base nas faturas e nas imagens do sítio Internet, que tinha sido provada a utilização séria da marca impugnada.

28      A título preliminar, há que constatar que não resulta do raciocínio da Câmara de Recurso que a sua conclusão relativa à demonstração de uma utilização séria em relação aos produtos em causa, em particular no que respeita à natureza e à importância desta utilização, se baseia nas declarações de A, de B e de C. Assim, o Tribunal Geral não tem de se pronunciar sobre os argumentos da recorrente relativos às declarações de A, de B e de C. Com efeito, como decorre dos n.os 19 a 26 da decisão impugnada, relativos à natureza e à importância da utilização, e como, aliás, o EUIPO reconhece, foi principalmente a interação entre o valor probatório das faturas e o valor probatório das imagens do sítio Internet que levou a Câmara de Recurso a concluir que tinha sido feita prova da utilização séria da marca impugnada. No que respeita à declaração de D, só foi evocada, no n.º 20 da decisão impugnada, para corroborar o valor probatório das faturas e, no n.º 26 da decisão impugnada, para que fosse tomado em consideração, no âmbito da apreciação global, o facto de que, segundo essa declaração, os produtos em causa se destinavam aos atuais membros de uma Irmandade, mas sobretudo aos seus novos membros. Por último, no n.º 29 da decisão impugnada, é feita uma mera referência às declarações em geral, não sendo visada nenhuma em particular, para indicar que são conformes com a legislação nacional correspondente e que, embora estas declarações provenham da esfera de Duarte Pio de Bragança e o seu valor probatório seja assim reduzido, revestem, todavia, valor probatório.

29      Daqui resulta que há que examinar se a apreciação global das faturas e das imagens do sítio Internet permitem concluir que a marca impugnada foi objeto de utilização séria em relação aos produtos em causa, em conformidade com os princípios desenvolvidos pela jurisprudência acima referida nos n.os 16 a 20.

30      Em primeiro lugar, no que respeita às faturas, que são seis, e não cinco conforme a Câmara de Recurso indicou, há que salientar que dizem respeito a 30 produtos vendidos a clientes estabelecidos na Alemanha, num montante total de 4 900 euros.

31      Daqui resulta que, no EUIPO, Duarte Pio de Bragança apresentou provas de vendas relativamente reduzidas dos seus produtos, durante o período pertinente. Ora, apesar de decorrer da jurisprudência acima referida no n.º 17 que, embora a utilização não tenha de ser quantitativamente importante para ser qualificada de séria, essa utilização deve, ainda assim, ser provada através de atos de utilização objetivamente adequados a criar ou a manter um escoamento para os produtos. No entanto, há que assinalar que, no caso em apreço, independentemente da questão da validade das faturas questionada pela recorrente (v. n.º 26, supra), os números das vendas comprovados por estas são muito reduzidos e insuficientes para excluir a possibilidade de uma utilização puramente simbólica.

32      Há que acrescentar que, como a recorrente alega com razão, as denominações dos produtos que figuram nas faturas são vagas, nomeadamente, «medal set» ou «conjuntos Grã‑Cruz», e não permitem, sem recurso a presunções, saber exatamente a que produtos correspondem. Aliás, no n.º 19 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso mais não fez do que pressupor que estas duas referências de produtos nas faturas se podiam referir a «medalhas», a «insígnias» e a «condecorações» pertencentes às classes 14 e 26. Sucede o mesmo com o EUIPO no n.º 16 da sua resposta. Além disso, há que constatar que as faturas não contêm um número de artigo que permita estabelecer uma ligação com os produtos que figuram nas imagens do sítio Internet. Por último, estas faturas indicam preços de produtos que não correspondem a nenhum dos que são mencionados nessas imagens.

33      Em segundo lugar, no que respeita às imagens do sítio Internet, há que começar por salientar que são muito pouco inteligíveis. Com efeito, não é minimamente possível distinguir com certeza a marca impugnada. Em seguida, há que salientar que nenhuma destas imagens está datada e que nenhuma contém um número de artigo que permita provar uma eventual ligação com as faturas, como a recorrente afirma com razão. Por último, embora seja certo que estas imagens do sítio Internet mencionam os preços dos produtos, esses preços não correspondem a nenhum daqueles que são mencionados nas faturas.

34      Daqui resulta que não é possível concluir, com base nas imagens do sítio Internet e nas faturas apresentadas, que os produtos em causa foram comercializados sob a marca impugnada durante o período pertinente. Assim, há que constatar que uma apreciação global dos elementos, conforme foram acima expostos nos n.os 30 a 33, não permite concluir, sem recurso a probabilidades ou a presunções, que a marca impugnada foi objeto de utilização séria, durante o período pertinente, em relação aos produtos em causa.

35      Daqui resulta que a Câmara de Recurso, ao ter‑se baseado principalmente nas faturas e nas imagens do sítio Internet, cometeu um erro quando considerou que tinha sido feita prova da utilização séria da marca impugnada em relação aos referidos produtos.

36      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos invocados pelo EUIPO segundo os quais os reduzidos montantes das vendas comprovados pelas faturas se explicam pelo facto de, por um lado, o titular de uma licença da marca impugnada ser uma associação sem fins lucrativos que não está obrigada a emitir faturas e cuja faturação das vendas não constitui um elemento essencial do seu objeto social e de, por outro, os produtos em causa se destinarem aos atuais 2 200 membros de uma Irmandade, mas sobretudo aos seus novos membros cujo número varia anualmente entre 50 e 150. Esta conclusão também não pode ser posta em causa pelo argumento do EUIPO segundo o qual as licenças de utilização da marca impugnada demonstram que um número considerável de potenciais utilizadores estão autorizados a utilizar a marca impugnada.

37      A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que, embora não se possa exigir ao titular de uma marca anterior que apresente a prova de cada uma das transações efetuadas sob essa marca durante o período pertinente de cinco anos referido no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, é necessário, no entanto, se o referido titular fornecer faturas como elementos de prova, que apresente exemplares numa quantidade que permita excluir qualquer possibilidade de utilização puramente simbólica da referida marca e, consequentemente, que baste para provar a sua utilização séria [v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2014, Aloe Vera of America/IHMI — Detimos (FOREVER), T‑528/11, EU:T:2014:10, n.º 43].

38      No caso em apreço, há que salientar que, embora o titular da licença da marca impugnada seja efetivamente uma associação sem fins lucrativos, esta última não apresentou exemplares de faturas numa quantidade que permita excluir qualquer possibilidade de utilização puramente simbólica da marca impugnada. Além disso, não apresentou outros elementos de prova que contenham outros fatores comerciais pertinentes, como o volume da atividade comercial, as capacidades de produção ou de comercialização. A não indicação de um volume de negócios ou de eventuais atividades publicitárias são fatores que reforçam as dúvidas existentes a respeito da utilização séria da marca impugnada.

39      Para justificar a circunstância de terem sido apresentadas poucas faturas, a Câmara de Recurso indicou, no n.º 23 da decisão impugnada, que a associação sem fins lucrativos não estava obrigada a emitir faturas, o que não a impedia de emitir simples talões de caixa. Ora, há que constatar que esta associação nunca apresentou esses talões e se limitou, no essencial, para demonstrar a importância da utilização da marca impugnada, a apresentar seis faturas para efeitos da prova da utilização séria da marca impugnada e um excerto de um sítio Internet de origem desconhecida e a partir do qual é difícil entender se se trata da marca impugnada (v. n.º 33, supra).

40      A este respeito, há que salientar que os elementos complementares que podiam ter permitido não apenas dar indicações suplementares sobre a importância da utilização da marca impugnada, mas igualmente corroborar a natureza da utilização, como brochuras, catálogos ou anúncios publicitários que mencionam produtos da marca impugnada, não revestem uma natureza tal, que teria sido difícil a Duarte Pio de Bragança obtê‑las, não tendo este, aliás, invocado a impossibilidade de apresentar tais elementos (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2011, VOGUE, T‑382/08, não publicado, EU:T:2011:9, n.º 51 e jurisprudência referida). Como a recorrente salienta com razão, Duarte Pio de Bragança podia, nomeadamente, ter apresentado documentos emitidos pelos diferentes titulares de uma licença.

41      Além disso, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.º 19, uma vez que o volume comercial da exploração da marca era limitado, era ainda mais necessário que Duarte Pio de Bragança fornecesse essas indicações suplementares. Por outro lado, embora seja verdade que um reduzido volume de produtos ou de serviços comercializados sob a marca impugnada pode ser compensado por uma forte intensidade ou por uma certa constância no tempo da utilização dessa marca, e inversamente (v. Acórdão de 15 de setembro de 2011, CENTROTHERM, T‑427/09, EU:T:2011:480, n.º 28 e jurisprudência referida), há que constatar que os números de vendas relativamente reduzidos, evocados no caso em apreço, não permitem de modo nenhum provar a forte intensidade da utilização da marca impugnada, durante o período pertinente.

42      Em segundo lugar, no que respeita à circunstância, invocada pelo EUIPO, de que o reduzido volume de vendas se justifica pelo facto de os produtos em causa se destinarem principalmente aos novos membros da Irmandade, não é suscetível de contrabalançar as lacunas das seis faturas e das imagens do sítio Internet enquanto prova da utilização séria das marcas anteriores.

43      Por um lado, tal circunstância só é referida na declaração de D e não é corroborada por outros elementos de prova. Ora, no caso em apreço, resulta do n.º 29 da decisão impugnada, e não foi contestado pelas partes, que esta declaração foi redigida por uma pessoa da esfera de Duarte Pio de Bragança e, por isso, não pode revestir o mesmo caráter fiável e credível que uma declaração proveniente de um terceiro ou de uma pessoa independente da sociedade em causa.

44      Por outro lado, e em todo o caso, admitindo que seja demonstrado que os produtos em causa se destinam aos membros atuais e aos novos membros de uma Irmandade, como o EUIPO afirma, não deixa de ser certo que, quanto mais não seja em relação aos potenciais adquirentes dos produtos da marca impugnada, a saber, 2 200 membros atuais e entre 250 a 750 novos membros durante o período pertinente, e independentemente do seu valor probatório, Duarte Pio de Bragança só apresentou putativos elementos de prova em relação a 30 produtos vendidos.

45      Em terceiro lugar, no que respeita às licenças concedidas por Duarte Pio de Bragança às pessoas mencionadas na declaração de D, como a recorrente alega, com exceção das faturas aprovadas por E e do excerto do sítio Internet da Orazio Scuro Consulting, cujo caráter probatório foi já acima afastado no n.º 35, a Câmara de Recurso, na decisão impugnada, não se baseou em nenhum outro elemento suscetível de demonstrar uma putativa utilização da marca impugnada por esses titulares de uma licença. Por conseguinte, a mera existência das referidas licenças, admitindo que se verifique durante o período pertinente, não faz prova, enquanto tal, de uma utilização séria da marca impugnada em relação aos produtos em causa.

46      Do que precede resulta que, no caso em apreço, não existe nenhum fator, na aceção da jurisprudência acima referida no n.º 17, que permita contrabalançar as lacunas das seis faturas e das imagens do sítio Internet enquanto prova da utilização séria das marcas anteriores.

47      Assim, resulta de tudo o que precede que, atendendo à diminuta força probatória das faturas e das imagens do sítio Internet, a Câmara de Recurso cometeu um erro quando considerou que, no caso em apreço, Duarte Pio de Bragança tinha feito prova da utilização séria da marca impugnada.

48      Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento único e anular a decisão impugnada.

49      Por último, no que respeita ao pedido da recorrente que tem por objeto a substituição da decisão impugnada por uma decisão que declare a extinção da marca impugnada, há que considerar que a recorrente pede ao Tribunal Geral, em substância, que adote a decisão que, em seu entender, o EUIPO devia ter tomado, ou seja, uma decisão que declare que o registo da marca impugnada não devia ser mantido para os produtos acima referidos no n.º 7 em relação aos quais o pedido de extinção foi indeferido. Assim, a recorrente pede a reforma da decisão impugnada.

50      A este respeito, há que recordar que o poder de reforma, reconhecido ao Tribunal Geral pelo artigo 72.º, n.º 3, do Regulamento 2017/1001, não tem por efeito conferir‑lhe o poder de substituir a apreciação da Câmara de Recurso pela sua própria apreciação ou de proceder a uma apreciação sobre a qual a referida Câmara ainda não tomou posição. Por conseguinte, o exercício do poder de reforma deve, em princípio, ser limitado às situações em que o Tribunal Geral, após ter fiscalizado a apreciação realizada pela Câmara de Recurso, está em condições de determinar, com base nos elementos de facto e de direito dados como provados, a decisão que a Câmara de Recurso devia ter tomado (Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.º 72).

51      No caso em apreço, atendendo às circunstâncias do presente processo, nomeadamente à circunstância segundo a qual a conclusão da Câmara de Recurso relativa à prova de uma utilização séria em relação aos produtos em causa não se baseia nas declarações de A, de B e de C (v. n.º 28, supra), o Tribunal Geral considera que o pedido de reforma da decisão impugnada não pode ser acolhido, porque tal implicaria, no essencial, o exercício de funções administrativas e de investigação próprias do EUIPO e seria, por isso, contrário ao equilíbrio institucional em que se inspira o princípio da repartição de competências entre o EUIPO e o Tribunal Geral [v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2009, Fiorucci/IHMI — Edwin (ELIO FIORUCCI), T‑165/06, EU:T:2009:157, n.º 67 e jurisprudência referida].

 Quanto às despesas

52      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO sido vencido, há que condená‑lo a suportar as despesas da recorrente, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      A Decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 21 de outubro de 2021 (processo R 581/20214) é anulada na parte em que anulou parcialmente a Decisão da Divisão de Anulação de 29 de janeiro de 2021.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O EUIPO suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Associação do Socorro e Amparo.

Marcoulli

Schwarcz

Norkus

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de outubro de 2022.

O Secretário

 

O Presidente

E. Coulon

 

S. Papasavvas


*      Língua do processo: português.