Language of document : ECLI:EU:C:2022:990

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 15 de dezembro de 2022 (1)

Processos apensos C181/21 e C269/21

G.

contra

M.S.,

sendo intervenientes:

Rzecznik Praw Obywatelskich,

Prokuratura Okręgowa w Katowicach

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice, Polónia)]

e

BC,

DC

contra

X,

sendo intervenientes:

Rzecznik Praw Obywatelskich,

Prokuratura Okręgowa w Krakowie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia)]

«Reenvios prejudiciais — Estado de direito — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Nomeação de juízes para os tribunais comuns — Papel dos órgãos de autorregulação da magistratura na nomeação de juízes — Falta de independência do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) — Competência da Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) — Questão de saber se essa secção cumpre os critérios de um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei»






Índice



I.      Introdução

1.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial convidam o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade com o direito da União de certos aspetos da recente reforma do sistema judiciário polaco tendo em conta o novo contexto dos processos de nomeação de juízes para os tribunais comuns na Polónia. Pretendem saber se uma formação de julgamento cumpre a exigência do estabelecimento prévio por lei, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), quando alguns dos seus membros foram nomeados segundo um procedimento que prescindiu da participação de órgãos de autorregulação da magistratura com base numa decisão do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura; a seguir «KRS») na sua composição pós‑2018 (2) e em que os candidatos não selecionados já não dispunham do direito de interpor recurso para um tribunal que cumpra a exigência do prévio estabelecimento por lei. Os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam se o direito da União se opõe à atribuição de competência exclusiva à Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (a seguir «Secção Extraordinária») para fiscalizar a legalidade da nomeação de juízes nos tribunais comuns, uma vez que esta secção é composta exclusivamente por juízes nomeados segundo um procedimento análogo ao da nomeação de juízes nos tribunais comuns. Segundo os órgãos jurisdicionais de reenvio, a Secção Extraordinária não pode, em caso algum, apreciar uma eventual objeção quanto à legalidade da nomeação de um juiz ou à sua legitimidade para exercer funções jurisdicionais. Tendo em conta a inexistência de vias de recurso no direito polaco para sanar a nomeação irregular de juízes, os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se ainda sobre a questão de saber se devem, a fim de assegurar o efeito útil do direito da União, aplicar oficiosamente e por analogia as disposições nacionais em matéria de recusa automática de juízes (iudex inhabilis), afastando assim da apreciação da causa os juízes nomeados para os tribunais comuns mediante um procedimento ilícito.

II.    Quadro jurídico — Direito polaco

A.      Constituição

2.        Nos termos do artigo 179.o da Constituição da República da Polónia, o presidente da República, sob proposta do KRS, nomeia juízes por um período indeterminado. Por força do artigo 180.o, n.o 1, os juízes são inamovíveis. Segundo o artigo 186.o, n.o 1, da mesma o KRS é o guardião da independência dos tribunais e dos juízes.

B.      Lei relativa ao KRS

3.        O artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS prevê que «[u]m participante no [processo de nomeação para os tribunais ordinários] pode interpor recurso para o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] com fundamento na ilegalidade da resolução do [KRS], salvo se disposições distintas dispuserem em sentido contrário. […]»

C.      Lei alterada do Supremo Tribunal

4.        A ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (3), instituiu, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a secção denominada «Izba Dyscyplinarna» (a seguir «Secção Disciplinar») e a Secção Extraordinária. Na parte que releva para os presentes processos, a ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, a Lei do Supremo Tribunal e algumas outras leis, a seguir «Lei de Alteração») (4) inseriu os §§ 2 e 3 no artigo 26.o da Lei do Supremo Tribunal, com efeitos a partir de 14 de fevereiro de 2020.

5.        O artigo 26.o, §§ 1 a 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal prevê o seguinte:

«1.      São da competência da [Secção Extraordinária] os recursos extraordinários, os litígios em matéria eleitoral e as impugnações da validade de um referendo nacional ou de um referendo constitucional, a declaração da validade das eleições e referendos, os outros processos de direito público, incluindo o contencioso da proteção da concorrência, da regulação da energia, das telecomunicações e do transporte ferroviário, bem como os recursos interpostos das decisões do Przewodniczy Krajowej Rady Radiofonii i Telewizji (presidente do Conselho Nacional de Radiodifusão, Polónia) ou em que se alega a duração excessiva dos processos nos tribunais comuns e militares e no [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].

2.      A [Secção Extraordinária] é competente para conhecer dos pedidos ou declarações relativos à exclusão de um juiz ou à designação do órgão jurisdicional competente para um determinado processo, incluindo as acusações relativas à falta de independência do órgão jurisdicional ou do juiz. O órgão jurisdicional a quem o processo foi atribuído deve enviar imediatamente um pedido ao presidente da [Secção Extraordinária] para que se proceda à respetiva tramitação em conformidade com as regras previstas pelas diferentes disposições. A apresentação de um pedido ao presidente da [Secção Extraordinária] não dá lugar à suspensão da instância.

3.      O pedido previsto no § 2 não deve ser analisado se disser respeito à declaração ou à apreciação da legalidade da nomeação de um juiz ou da sua legitimidade para exercer funções jurisdicionais.»

D.      Lei Orgânica dos Tribunais Comuns

6.        A Lei de Alteração revogou o § 2 do artigo 58.o da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (a seguir «Lei Orgânica dos Tribunais Comuns»), de 27 de julho de 2001 (5). Além disso, o § 1 do artigo 58.o passou a ter a seguinte redação:

«1.      Havendo mais do que uma candidatura a uma vaga para o cargo de juiz, todas as candidaturas deverão ser examinadas na mesma reunião da assembleia.

[…]»

7.        Antes da entrada em vigor da Lei de Alteração, ou seja, até 14 de fevereiro de 2020, o artigo 58.o da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns previa que:

«1.      Havendo mais do que uma candidatura a uma vaga para o cargo de juiz, todas as candidaturas deverão serão examinadas na mesma reunião da assembleia.

2.      A assembleia geral dos juízes de recurso ou a assembleia geral dos [sądy okręgowe (juízes regionais)] delibera, mediante votação, sobre as candidaturas apresentadas e, se for caso disso, transmite‑as ao presidente do [sąd apelacyjny (tribunal de recurso)] ou do [sąd okręgowy (tribunal regional)], com indicação do número de votos obtidos.

[…]

4.      O presidente do tribunal competente deve remeter ao [KRS], por via eletrónica, as candidaturas apreciadas segundo as modalidades previstas no § 2, acompanhadas da avaliação das qualificações e do parecer da formação de julgamento competente, bem como as informações obtidas junto do chefe da polícia da província ou do chefe da Polícia Metropolitana de Varsóvia, conforme referido no § 3, e outros documentos relativos ao processo em questão no que concerne à nomeação para o exercício de uma função jurisdicional, recolhidos no sistema eletrónico.

[…]»

E.      Código de Processo Civil

8.        Nos termos do artigo 48.o da ustawa— Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil) de 17 de novembro de 1964 (a seguir «Código de Processo Civil») (6):

«1.      Um juiz deve ser afastado de pleno direito:

1)      dos processos em que seja parte ou em que tenha um vínculo jurídico com uma das partes cujo desfecho afete os seus direitos e as suas obrigações;

[…]

5)      dos processos em que tenha intervindo, em instância inferior, na prolação do acórdão recorrido, bem como dos processos relativos à validade de um ato jurídico redigido com a sua participação ou por ele reapreciado, e dos processos em que tenha atuado na qualidade de procurador.

[…]»

9.        O artigo 367.o, n.o 3, do Código de Processo Civil dispõe que «um tribunal de segunda instância aprecia o processo numa formação de julgamento composta por três juízes. O tribunal decide à porta fechada em formação de julgamento composta por um juiz singular, salvo quando proferir um acórdão». Em conformidade com o artigo 379.o, n.o 4, o processo é nulo «se a composição do tribunal que se pronuncia for contrária às disposições legais ou se um juiz afastado de pleno direito tiver participado na apreciação do processo […]».

10.      Nos termos do artigo 401.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, é possível pedir a reabertura do processo com base em nulidade «se tiver tido assento na formação de julgamento uma pessoa não habilitada ou se um juiz afastado de pleno direito tiver proferido uma decisão e a parte não tiver podido invocar a exclusão antes de o acórdão adquirir força de caso julgado».

III. Matéria de facto nos processos principais e questões prejudiciais

A.      Processo C181/21

11.      O processo no Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice, Polónia) tem por objeto um litígio que opõe um consumidor a um comerciante e é relativo a um contrato de crédito regido pela legislação nacional de transposição da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (7). Na sequência da cessão dos direitos do comerciante, a demandante intentou uma ação contra o consumidor para o pagamento do montante de 16 000, 40 zlotis polacos (PLN), acrescido de juros e despesas. O Sąd Rejonowy w Dąbrowie Górniczej (Tribunal de Primeira Instância de Dąbrowa Górnicza, Polónia) condenou no pagamento das quantias reclamadas e negou provimento à impugnação do consumidor dessa decisão. O consumidor interpôs então recurso desta segunda decisão para o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice). Este recurso foi atribuído a uma formação de julgamento composta por três juízes.

12.      Em 18 de março de 2021, o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice), numa sessão à porta fechada e em formação de julgamento composta por um juiz singular na qualidade de juiz‑relator, manifestou dúvidas quanto à competência desse tribunal, em formação de três juízes, para conhecer do mérito da causa devido à presença do juiz A. Z. nessa formação. No exercício da sua competência nos termos do artigo 367.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice), composto por um juiz singular, decidiu submeter um pedido de decisão prejudicial.

13.      O juiz A. Z. vinha exercendo, desde 1996, funções de juiz de primeira instância, até se candidatar ao cargo de juiz no Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice). O Kolegium Sądu Apelacyjnego (Colégio do Tribunal de Recurso) deu o seu parecer sobre a candidatura do juiz A. Z. a esse cargo. A sua candidatura não foi objeto de análise pela Assembleia de Representantes dos Juízes de Recurso do Sąd Apelacyjny w Katowicach (Tribunal de Recurso, Katowice, Polónia) que se absteve de emitir parecer tendo em conta as dúvidas existentes quanto ao estatuto do KRS e ao seu funcionamento, na falta de uma decisão a esse respeito proferida pelo Tribunal de Justiça.

14.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, durante o concurso de nomeação de juízes para o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice), em que o juiz A. Z. participou, o direito polaco refletia o princípio constitucional da participação dos órgãos de autorregulação da magistratura no procedimento de nomeação. A respetiva assembleia de representantes dos juízes não participou no procedimento que levou à nomeação do juiz A. Z. As deliberações adotadas pela assembleia de representantes dos juízes mostram que esta se absteve de emitir parecer sobre os candidatos até que fosse resolvida a questão do estatuto do KRS pelas autoridades competentes para o efeito, entre as quais o Tribunal de Justiça. Apesar dessas deliberações, o presidente do Sąd Apelacyjny w Katowicach (Tribunal de Recurso, Katowice), que presidiu à assembleia dos representantes dos juízes, e que foi nomeado pelo atual Ministro da Justiça, deu seguimento ao procedimento perante o KRS para a nomeação do juiz A. Z (8). Com base numa decisão do KRS, o presidente da República nomeou o juiz A. Z. para o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice).

15.      O órgão jurisdicional de reenvio observa que, nos termos do direito polaco, um tribunal comum decide em formação composta por um juiz singular, salvo quando proferir um acórdão. Entende que as questões do seu pedido de decisão prejudicial são admissíveis, não obstante o facto de a sua formação composta por três juízes poder não ser considerada um órgão jurisdicional na aceção do direito da União. Considera, assim, que o órgão jurisdicional de reenvio, numa sessão à porta fechada e em formação de juiz singular, faz parte da ordem jurídica polaca e decide processos em «domínios abrangidos pelo direito da União» na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

B.      Processo C269/21

16.      Baseando‑se no Acórdão Dziubak (9), os demandantes pediram no Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia) a condenação do demandado no pagamento de 104 537, 48 PLN e 74 582,19 francos suíços (CHF) — acrescidos de juros e despesas — bem como a anulação de um contrato de crédito à habitação. Este pedido tem por base um contrato de crédito que os demandantes, na qualidade de consumidores, celebraram com um banco. O contrato de crédito rege‑se pela legislação nacional que transpôs a Diretiva 93/13. Os demandantes também pediram medidas cautelares, inter alia, para a suspensão do pagamento das prestações mensais nos montantes especificados no contrato de empréstimo. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a suspensão do contrato de crédito, que é abrangida por uma decisão interlocutória, é parte integrante do processo principal, uma vez que o despacho de suspensão de pagamento afeta o âmbito do pedido dos demandantes.

17.      Em 9 de outubro de 2020, o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia), em formação composta por um juiz singular, deferiu o pedido de medidas cautelares. Em 1 de dezembro de 2020, o banco demandado recorreu dessa decisão para o mesmo órgão jurisdicional, desta vez em formação de julgamento composta por três juízes. Esta formação do Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia), que incluía a juíza A. T. exercendo funções de juíza‑relatora e de presidente da formação, deu provimento ao recurso do demandado e indeferiu o pedido de medidas cautelares. Esta última decisão, que se tornou definitiva, foi remetida ao Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia). Este, em formação composta por um juiz singular, considera que a formação composta por três juízes do mesmo órgão jurisdicional que incluía a juíza A. T. pode ser incompatível com o direito nacional e da União, sendo que tal é suscetível de acarretar a nulidade da decisão de indeferimento do pedido de medidas cautelares.

18.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a juíza A. T. exercia este cargo no Sąd Rejonowy dla Krakowa — Krowodrzy w Krakowie (Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia — Krowodrza, Cracóvia, Polónia) desde 2009, até se candidatar ao cargo de juíza do Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia) (10), tendo sido a única candidata ao lugar. Em 1 de junho de 2020, recebeu avaliação positiva à sua candidatura por parte do Kolegium Sądu Okręgowego w Krakowie (Colégio do Tribunal Regional, Cracóvia) (11). A maior parte do Kolegium Sądu Okręgowego w Krakowie (Colégio do Tribunal Regional, Cracóvia) é constituída por presidentes de sądy rejonowe (tribunais de primeira instância) e sądy okręgowe (tribunais regionais) nomeados pelo Ministro da Justiça. A Zgromadzenie Sędziów Sądu Okręgowego (Assembleia de Representantes dos Juízes do Tribunal Regional) não examinou a candidatura da juíza A. T., uma vez que o seu parecer já não era necessário na sequência da alteração do artigo 58.o da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns pela Lei de Alteração. Em 4 de fevereiro de 2021, com base numa Decisão do KRS de 7 de julho de 2020, o presidente da República nomeou a juíza A. T. para o cargo de juíza do Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia).

19.      Os órgãos jurisdicionais de reenvio observam que as questões suscitadas nos processos C‑181/21 e C‑269/21 dizem respeito aos processos de nomeação dos juízes dos tribunais comuns na Polónia. Até à data, foram submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça questões sobre a legalidade dos procedimentos de nomeação de juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Assim, os órgãos jurisdicionais de reenvio suspenderam as respetivas instâncias e submeteram ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem os artigos 2.o, 19.o, n.o 1, e 6.o, n.os 1 a 3, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da [Carta] ser interpretados no sentido de que:

a)      não é um tribunal estabelecido por lei, na aceção do direito da União, um órgão jurisdicional composto por uma pessoa nomeada para o cargo de juiz nesse órgão jurisdicional mediante um procedimento que omite a participação dos órgãos de [autorregulação] da magistratura judicial, cuja composição é maioritariamente independente dos poderes executivo e legislativo, numa situação em que, à luz do acervo constitucional do Estado‑Membro, é necessária a participação de um órgão de [autorregulação] da magistratura judicial que cumpra esses requisitos no procedimento de nomeação de um juiz, tendo em conta o contexto institucional e estrutural, dado que:

–        a obrigação de emitir parecer sobre a candidatura ao cargo de juiz que incumbe às assembleias de juízes foi deliberadamente ignorada, contrariamente à regulamentação nacional e à posição desse órgão de [autorregulação] da magistratura judicial (12);

–        a obrigação de emitir parecer sobre a candidatura ao cargo de juiz incumbia ao Colégio do tribunal, que foi constituído de tal forma que a maior parte dos seus membros foi nomeada por um representante do poder executivo, o Minister Sprawiedliwości — Prokurator Generalny (Ministro da Justiça/Procurador‑Geral, Polónia) (13);

–        [o] atual [KRS], eleit[o] de modo contrário às disposições constitucionais e legislativas polacas, não é um órgão independente e não integram a sua composição representantes do poder judicial nomeados de modo independente dos poderes executivo e legislativo, pelo que não apresentou validamente uma proposta de nomeação para o cargo de juiz conforme com o direito nacional;

–        os participantes no concurso de nomeação não dispunham do direito à ação jurisdicional na aceção dos artigos 2.o, 19.o, n.o 1 e 6.o, n.os 1 a 3, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta.

b)      não cumpre os requisitos de tribunal independente estabelecido por lei um órgão jurisdicional de cuja composição faz parte uma pessoa nomeada para o cargo de juiz desse órgão jurisdicional mediante um procedimento sujeito a ingerências arbitrárias do poder executivo e que não prevê a participação dos órgãos de [autorregulação] da magistratura judicial, cuja composição é maioritariamente independente do poder executivo e legislativo, ou de outro órgão que garanta a avaliação objetiva do candidato, tendo em conta que a participação dos órgãos de [autorregulação] da magistratura judicial ou de outro órgão independente dos poderes executivo e legislativo e que garanta uma avaliação objetiva do candidato no processo de nomeação de juízes é necessária, no contexto da tradição jurídica europeia consagrada nas disposições acima referidas do TUE e da Carta e que constitui o fundamento da união de direito que é a União Europeia, para se considerar que determinado órgão jurisdicional nacional garante o nível exigido de tutela jurisdicional efetiva em matérias abrangidas pelo direito da União e, consequentemente, a observância do princípio da separação tripartida e de equilíbrio de poderes, bem como o princípio do Estado de direito?

2.      Devem os artigos 2.o e 19.o, n.o 1, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, ser interpretados no sentido de que, quando faz parte da composição de um órgão jurisdicional uma pessoa nomeada nas condições descritas [na primeira questão]:

a)      obstam à aplicação de disposições de direito nacional que atribuem competência exclusiva para apreciar a legalidade da nomeação dessa pessoa para a função de juiz a uma secção do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), composta exclusivamente por pessoas nomeadas para a função de juiz nas condições descritas [na primeira questão], e que impõem simultaneamente que não sejam apreciadas as alegações relativas à nomeação para a função de juiz, tendo em conta o contexto institucional e estrutural;

b)      a fim de assegurar o efeito útil do direito da União, exigem que as disposições de direito nacional sejam interpretadas de modo a permitir ao órgão jurisdicional afastar oficiosamente essa pessoa da apreciação do processo, com base nas disposições — aplicáveis por analogia — em matéria de destituição de um juiz que não seja idóneo para exercer a função judicial [iudex inhabilis]?»

IV.    Tramitação no Tribunal de Justiça

20.      Por Decisão de 5 de maio de 2021, o presidente apensou os processos C‑181/21 e C‑269/21 para efeitos da fase oral e escrita e do acórdão. Os órgãos jurisdicionais de reenvio pediram igualmente um tratamento célere dos pedidos de decisão prejudicial em ambos processos, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Por essa mesma Decisão de 5 de maio de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esses pedidos.

21.      O Rzecznik Praw Obywatelskich (Provedor de Justiça, Polónia, a seguir «Provedor de Justiça»), o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Na audiência de 29 de junho de 2022, as referidas partes, a Prokuratura Okręgowa w Katowicach (Procurador Regional, Katowice) e a Prokuratura Okręgowa w Krakowie (Procurador Regional, Cracóvia), representadas pelo Prokurator Generalny (Procurador‑Geral), os Governos da Dinamarca e dos Países Baixos apresentaram alegações orais e responderam às questões do Tribunal de Justiça.

V.      Admissibilidade

 A.      Observações apresentadas

22.      O Governo polaco invoca oito fundamentos para a inadmissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial.

23.      Em primeiro lugar, o Governo polaco considera que a reforma atualmente em curso do seu sistema judicial é da competência exclusiva desse Estado‑Membro. Sustenta que o Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (14) é semelhante a um ato legislativo. Esta posição está refletida em certa medida no Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) de 14 de julho de 2021 no processo P 7/20, em que considerou, nomeadamente, que o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 279.o TFUE, é incompatível com os artigos 2.o e 7.o, 8.o, n.o 1, e 90.o, n.o 1, da Constituição da República da Polónia, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, da mesma. O Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) considerou assim que o Tribunal de Justiça decidiu ultra vires quando adotou medidas cautelares contra a República da Polónia relativas à organização e à competência dos tribunais polacos e aos respetivos procedimentos.

24.      Em segundo lugar, na opinião do Governo polaco, as questões submetidas são desnecessárias, na aceção do artigo 267.o TFUE, uma vez que o direito da União não exige que os órgãos de autorregulação da magistratura judicial emitam um parecer sobre os candidatos a cargos judiciais nem prevê um direito geral de recurso contra decisões tomadas no âmbito de procedimentos de nomeação judicial.

25.      Em terceiro lugar, o Governo polaco observa que o artigo 19.o, n.o 1, TUE e o artigo 47.o da Carta exigem que os Estados‑Membros assegurem o acesso de um particular a um tribunal independente. Embora o direito individual à ação seja de fundamental importância nos termos quer da Constituição da República da Polónia quer do direito da União, a organização da justiça é da competência exclusiva dos Estados‑Membros. Neste contexto, o Tribunal de Justiça já abordou de forma inequívoca e exaustiva todos os aspetos suscitados pelas questões prejudiciais, pelo que os órgãos jurisdicionais de reenvio podem deduzir da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça os elementos necessários para proferir a sua decisão (15).

26.      Em quarto lugar, nos termos do artigo 365.o do Código de Processo Civil, o pedido de medidas cautelares no âmbito do processo C‑269/21 foi decidido por um despacho que adquiriu força de caso julgado e que vincula o órgão jurisdicional de reenvio. O órgão jurisdicional de reenvio não é competente para «recusar» um juiz que proferiu uma decisão transitada em julgado nem para impugnar a decisão de indeferimento do pedido de medidas cautelares. Uma parte pode, em todo o caso, apresentar um novo pedido de medidas cautelares, no âmbito do qual pode pedir a recusa de um juiz por falta de imparcialidade. As questões submetidas no processo C‑269/21 não resolvem um litígio efetivo e são, como tal, hipotéticas (16).

27.      Em quinto lugar, embora os pedidos de decisão prejudicial sejam muito detalhados, a fundamentação que levou os órgãos jurisdicionais de reenvio a procurar uma interpretação das disposições do direito da União cinge‑se a pedir ao Tribunal de Justiça que aprecie se determinados órgãos jurisdicionais são tribunais «previamente estabelecidos por lei». Na opinião do Governo polaco, tal não cumpre os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo. Os pedidos de decisão prejudicial consistem em questões de caráter geral sobre determinadas reformas do sistema judicial polaco, embora essas reformas não tenham alterado as qualificações exigidas aos candidatos a cargos judiciais. A data de nomeação dos juízes para os tribunais comuns é, pois, alheia às suas capacidades, às regras que regem o exercício das suas funções ou aos seus direitos e obrigações, incluindo a sua independência. O Governo polaco sublinha que os despachos de reenvio não dão exemplos concretos de falta de independência por parte de um juiz ou de pressão exercida sobre juízes nomeados ao abrigo do regime pós‑reforma. As questões são, portanto, de natureza hipotética.

28.      Em sexto lugar, os pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑181/21 e C‑269/21 são «excessivamente gerais». Não há qualquer relação entre o objeto das questões submetidas e os litígios nos processos principais, que dizem respeito ao direito nacional em matéria de defesa dos consumidores que transpõe a Diretiva 93/13. Os órgãos jurisdicionais de reenvio referem mesmo por diversas vezes que a «situação extravasa o quadro factual do processo».

29.      Em sétimo lugar, o Governo polaco considera que o objeto do processo principal não está diretamente relacionado com as questões relativas ao estatuto do KRS ou ao facto de saber se a Secção Extraordinária é um «tribunal» nos termos dos artigos 2.o, 19.o, n.o 1, e 6.o, n.os 1 a 3, TUE, em conjugação com o Artigo 47.o da Carta. Também não existe uma relação direta entre o objeto do litígio no processo principal e o direito à ação de que são titulares os participantes num processo de nomeação judicial. O âmbito dos pedidos de decisão prejudicial é, portanto, inaceitavelmente amplo.

30.      Em oitavo lugar, o Governo polaco considera que, no processo C‑269/21, apenas o órgão jurisdicional de reenvio em formação composta por três juízes, e não por um juiz singular, é competente para apresentar um pedido de decisão prejudicial. Isso é particularmente evidente porque o pedido foi apresentado depois de o despacho de indeferimento do pedido de medidas cautelares proferido em formação de três juízes se ter tornado definitivo. No âmbito do processo C‑181/21, sustenta que apenas o órgão jurisdicional de reenvio em formação composta por três juízes, ou o seu presidente (17), eram competentes para submeter questões prejudiciais. Os factos do pedido de decisão prejudicial são expostos de forma tão lacónica que é impossível saber se o juiz‑relator do processo, que apresentou o pedido, é também presidente da formação de três juízes. O órgão jurisdicional de reenvio invocou, assim, o artigo 367.o, n.o 3, do Código de Processo Civil com o único objetivo de submeter uma questão prejudicial.

31.      Na audiência, a Comissão contestou a admissibilidade das questões do processo C‑269/21. Considera que o órgão jurisdicional de reenvio não indicou a necessidade, para efeitos de decisão do litígio no processo principal, de uma decisão do Tribunal de Justiça sobre as questões relativas ao procedimento que conduziu à nomeação da juíza A.T.

 B.      Análise

32.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União Europeia submetidas por um órgão jurisdicional nacional beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (18).

33.      Resulta simultaneamente dos termos e da economia do artigo 267.o TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe que um litígio esteja efetivamente pendente perante os órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual são chamados a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial. O reenvio prejudicial deve justificar‑se pela necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio. Não se trata de facilitar a formulação de opiniões de natureza consultiva sobre questões gerais ou hipotéticas (19).

34.      Com a sua primeira exceção de admissibilidade, o Governo polaco contesta a competência do Tribunal de Justiça em questões relativas à nomeação de juízes nacionais. É jurisprudência constante que a organização da justiça nos Estados‑Membros é da sua competência. No exercício dessa competência, os Estados‑Membros são, no entanto, obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, nomeadamente no que respeita às regras nacionais relativas à nomeação de juízes e, sendo caso disso, à fiscalização jurisdicional aplicável no contexto desses processos de nomeação (20). Um corolário do direito a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei é que todos os sujeitos de direito têm a possibilidade de o invocar (21). Sempre que surja uma contestação sobre a existência de um tribunal independente e imparcial à primeira vista não manifestamente desprovida de fundamento (22), qualquer órgão jurisdicional (23) tem a obrigação de verificar se, pela sua composição, constitui um tal tribunal. Essa competência é necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos particulares. Neste sentido, essa fiscalização constitui uma formalidade substantiva essencial, cujo respeito é do interesse da ordem pública e é de conhecimento oficioso (24). O artigo 2.o TUE, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e os requisitos previstos no Acórdão Simpson têm caráter transversal e aplicam‑se sempre que um órgão jurisdicional possa ser chamado a pronunciar‑se sobre processos «em domínios abrangidos pelo direito da União» (25). O Tribunal de Justiça é, portanto, competente para interpretar o direito da União no âmbito de tais reenvios prejudiciais. Proponho, portanto, que o primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pelo Governo polaco seja julgado improcedente.

35.      A segunda e a terceira exceções de inadmissibilidade suscitadas pelo Governo polaco dizem respeito ao mérito das questões submetidas e à interpretação do direito da União que os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem. Tais exceções não podem, pela sua própria natureza, justificar a declaração de inadmissibilidade dessas questões (26). Se o Tribunal de Justiça decidir que pode responder às questões submetidas por referência à sua jurisprudência assente, dispõe da faculdade prevista no artigo 99.o do Regulamento de Processo, pelo que pode fazê‑lo por meio de despacho fundamentado.

36.      Com as suas quarta e oitava exceções de inadmissibilidade, o Governo polaco contesta a competência dos órgãos jurisdicionais de reenvio ao abrigo do direito interno para submeter pedidos de decisão prejudicial. Sustenta ainda que os pedidos são desprovidos de fundamento e que só podem ser apresentados pelos órgãos jurisdicionais de reenvio em formação composta por três juízes (27).

37.      No âmbito do processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o, é jurisprudência constante que não cabe ao Tribunal de Justiça, tendo em conta a repartição de funções entre este e o órgão jurisdicional nacional, verificar se a decisão de reenvio foi tomada em conformidade com as regras nacionais de organização e de processo judiciárias. O Tribunal de Justiça deve, portanto, ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional (28). O Tribunal de Justiça julgou assim admissível um pedido de decisão prejudicial do presidente de uma formação de julgamento relativo à regularidade da sua composição (29).

38.      Em todo o caso, embora no processo C‑181/21 o Governo polaco afirme que não é claro se o pedido de decisão prejudicial foi apresentado pelo presidente da formação composta por três juízes e que o órgão jurisdicional de reenvio — reunido à porta fechada e em formação composta por um juiz singular — invocou artificialmente o artigo 367.o, n.o 3, do Código de Processo Civil para submeter o seu pedido, o certo é que não demonstrou que o órgão jurisdicional de reenvio não tinha competência para o fazer.

39.      No processo C‑269/21, o órgão jurisdicional de reenvio, em formação composta por um juiz singular, indica as razões pelas quais considera que a decisão do órgão jurisdicional em formação composta por três juízes, chamado a pronunciar‑se sobre o recurso relativo a medidas cautelares, pode ter incidência nos processos principais submetidos à apreciação da formação composta por um juiz singular. Afirma que a decisão da formação composta por três juízes lhe foi devolvida e que tem dúvidas razoáveis quanto à conformidade dessa formação com os requisitos do direito nacional e da União. O órgão jurisdicional de reenvio observa que a validade da decisão de medidas cautelares é essencial para determinar a situação jurídica do consumidor. A certeza quanto à regularidade da composição da formação de julgamento que conheceu desse recurso é, pois, indispensável para a solução do litígio nos processos principais (30).

40.      Dada a relação direta que o órgão jurisdicional de reenvio descreve entre a decisão da formação de três juízes em sede de recurso de indeferir o pedido de concessão de medidas cautelares e os processos principais, considero que, contrariamente às objeções invocadas pelo Governo polaco e pela Comissão, a resposta do Tribunal de Justiça às questões de interpretação do direito da União que lhe foram submetidas no âmbito do processo C‑269/21 pode ser necessária para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio resolver questões de direito processual nacional antes de se pronunciar sobre o mérito do litígio nele pendente.

41.      Quanto à quinta e à sexta exceções de inadmissibilidade suscitadas pelo Governo polaco, que se sobrepõem em certa medida, considero que os órgãos jurisdicionais de reenvio descreveram, de forma adequada, os factos dos litígios nos processos principais, as disposições nacionais aplicáveis e as suas dúvidas manifestadas no sentido de saberem se os procedimentos que levaram à nomeação dos juízes A. Z. e A. T. estão em conformidade com o direito da União. É certo que as razões pelas quais os órgãos jurisdicionais de reenvio consideraram que é necessária uma resposta às questões submetidas ao Tribunal de Justiça, na perspetiva das decisões que devem proferir nos processos chamados a decidir, fazem pouca referência aos litígios em matéria de direito do consumo subjacentes. É, no entanto, claro que esses órgãos jurisdicionais pretendem verificar, antes de decidir sobre os referidos litígios, se a formação dos órgãos jurisdicionais de reenvio de que os juízes A. Z. e A. T. fizeram parte, cumpriu o requisito de ser um «tribunal estabelecido por lei» nos termos do direito da União e, caso não o faça, saber quais são as consequências decorrentes dessa constatação. Em especial, pretendem saber se os órgãos jurisdicionais de reenvio, em formação composta por um juiz singular, podem oficiosamente recusar os juízes A. Z. e A. T. O facto de o impacto da interpretação do direito da União que os órgãos jurisdicionais de reenvio visam obter poder extravasar a matéria de facto dos processos pendentes é, portanto, irrelevante para a admissibilidade das questões submetidas (31).

42.      Proponho, portanto, que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes todas as exceções de inadmissibilidade relativas às questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio.

VI.    Quanto ao mérito

A.      Observações preliminares

43.      O objeto da ação por incumprimento (32) no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (33) coincide em parte com os presentes pedidos de decisão prejudicial. Embora as ações por incumprimento e os pedidos de decisão prejudicial sejam processos distintos com efeitos jurídicos distintos (34), referir‑me‑ei, se for caso disso, às minhas conclusões nesses processos por incumprimento, a serem apresentadas na mesma data das presentes conclusões, nomeadamente os n.os 46 a 60 das mesmas, que enunciam proposições jurídicas assentes que considero importantes para a solução destes processos.

44.      Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem uma interpretação do princípio do estabelecimento prévio por lei de um órgão jurisdicional reconhecido pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 47.o da Carta. Assim, há que responder às questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio exclusivamente à luz deste princípio.

45.      Segundo a Comissão, o papel constitucional e a influência que os juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) exercem, em comparação com os juízes dos tribunais comuns, associados ao menor risco de ingerência por parte do poder legislativo e do poder executivo nas nomeações para esses tribunais, justificam uma apreciação diferente da legalidade da nomeação de um juiz nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Segundo a Comissão, essa apreciação da nomeação de um juiz de um tribunal comum deve ser efetuada caso a caso, diferentemente da abordagem sistémica no que diz respeito às nomeações para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). O Provedor de Justiça e a Comissão observam que, por Decisão de 23 de janeiro de 2020, as Secções Cível, Penal e do Trabalho e da Segurança Social do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) (35) distinguiram entre juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e juízes dos tribunais comuns para efeitos de apreciação da sua independência e imparcialidade. A decisão considerou que o processo de nomeação de juízes de tribunais comuns é ilegal quando conduz, «nas circunstâncias específicas», à violação do requisito de independência e imparcialidade nos termos do artigo 45.o, n.o 1, da Constituição da República da Polónia, do artigo 47.o da Carta e do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»). O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) considerou, por conseguinte, que entre as circunstâncias a examinar estavam as relativas à participação dos próprios juízes nos processos de nomeação perante o KRS e a natureza dos processos que esses juízes individuais apreciam ou apreciaram (36). Em contrapartida, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) não exigiu que tal exame individual fosse efetuado no que diz respeito à nomeação de juízes para esse órgão jurisdicional (37).

46.      As questões submetidas prendem‑se com a exigência de estabelecimento prévio por lei, e não com a independência e a imparcialidade dos tribunais de que trata a referida decisão. Dado que todos estes critérios estão intrinsecamente ligados e se sobrepõem em grande medida (38), importa sublinhar que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, não distingue entre os supremos tribunais dos Estados‑Membros e outros órgãos jurisdicionais nas respetivas ordens jurídicas. Os requisitos fundamentais de independência (39), imparcialidade e estabelecimento prévio por lei aplicam‑se indistintamente a todos os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, independentemente do âmbito da sua competência ou da sua posição na hierarquia judiciária desse Estado. Caso contrário, a proteção jurisdicional poderia variar consoante a classificação de um tribunal no sistema judicial do qual faz parte. Em primeiro lugar, esta proposição é manifestamente incorreta. Uma vez que a experiência direta da grande maioria dos cidadãos da União no que concerne aos seus sistemas jurídicos nacionais é limitada aos tribunais comuns, o dever correspondente dos tribunais comuns de preservar a confiança desses cidadãos na aplicação do Estado de direito é particularmente oneroso. A alegação é tanto mais absurda à luz da evolução da ordem jurídica da União Europeia, que foi muito facilitada pelo importante papel desempenhado pelos órgãos jurisdicionais ditos «inferiores» nos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros (40). O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, exige uma aplicação uniforme independentemente do nível de competência exercido no ordenamento jurídico nacional. A apreciação do cumprimento desses requisitos fundamentais requer, portanto, um exame de todos os elementos relevantes, sejam eles de natureza sistémica e/ou individual.

B.      Primeira questão

47.      A primeira questão visa saber se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um tribunal comum é um «tribunal estabelecido por lei» em que um juiz de uma formação na qual tenha sido instaurado um processo foi nomeado no âmbito de um procedimento em que: (a) O parecer da assembleia de juízes sobre a idoneidade do candidato foi desconsiderado, em violação da legislação ou, na sequência de uma alteração à mesma, foi emitido um parecer sobre a idoneidade do candidato pelo colégio do tribunal composto maioritariamente por pessoas nomeadas pelo Ministro da Justiça; (b) os candidatos foram nomeados para os cargos com base numa decisão do KRS; e (c) os participantes no concurso não dispunham de um direito de recurso para um órgão jurisdicional na aceção das disposições supramencionadas do direito da União (41).

48.      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, desenvolvida à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), que o procedimento de nomeação de juízes é um elemento inerente ao conceito de «tribunal estabelecido por lei», tendo em conta as consequências fundamentais que o referido procedimento acarreta para o bom funcionamento e a legitimidade do poder judicial num Estado democrático regido pela supremacia do direito (42). No acórdão Getin Noble Bank (43), o Tribunal de Justiça recordou que uma irregularidade cometida na nomeação dos juízes implica uma violação da exigência de que um tribunal seja estabelecido por lei, nomeadamente quando essa irregularidade seja de uma natureza e de uma gravidade tais que cria um risco real de que outros ramos do poder, em particular o executivo, possam exercer um poder discricionário indevido que ponha em perigo a integridade do resultado a que conduz o processo de nomeação e semeie, assim, uma dúvida legítima no espírito dos litigantes quanto à independência e à imparcialidade do ou dos juízes em questão. É o caso quando estão em causa regras fundamentais que fazem parte integrante do estabelecimento e do funcionamento desse sistema judicial. Nem todos os erros que possam ter ocorrido no decurso do procedimento de nomeação de um juiz são suscetíveis de criar dúvidas quanto à independência e à imparcialidade desse juiz e, por conseguinte, quanto à qualidade de «tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei», na aceção do direito da União, de uma formação de julgamento na qual esse juiz tem assento.

49.      Chegar à conclusão de que houve violação da exigência de um tribunal ser previamente estabelecido por lei e as consequências daí decorrentes requerem uma avaliação global de uma série de elementos que, em conjunto, suscitam dúvidas razoáveis quanto à independência e imparcialidade dos juízes desse tribunal (44). É necessário, portanto, examinar se as condições materiais e as modalidades processuais que regem os procedimentos de nomeação em questão sejam tais que possam criar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto no momento da sua nomeação. O Tribunal de Justiça considerou que as referidas condições e modalidades devem ser redigidas de modo que permitam excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também formas de influência indireta igualmente suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa (45).

50.      Os pedidos de decisão prejudicial e as questões prejudiciais suscitam preocupações de caráter geral ou sistémico (46). Referem‑se não apenas ao procedimento que conduziu à nomeação dos juízes A. Z e A. T. para o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice) e para o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia), respetivamente, mas também implicitamente aos procedimentos para a nomeação de muitos outros juízes para os tribunais comuns. Nada indica que os procedimentos que conduziram à nomeação dos juízes A. Z. e A. T. tenham sido marcadamente diferentes dos utilizados para proceder a outras nomeações recentes nos tribunais comuns (47) ou que estes juízes tenham atuado de maneira inadequada ou irregular. A este respeito, pode‑se observar que tanto o juiz A. Z. como a juíza A. T. exerceram funções de juiz dos tribunais comuns desde a sua nomeação em 1996 e 2009, respetivamente. O presente processo não põe em causa a legalidade dos procedimentos que conduziram às suas nomeações iniciais como juízes. Além disso, não estão em causa as suas qualificações e experiência profissionais e, por conseguinte, a sua aptidão para exercer as suas novas funções no Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice) e no Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia).

51.      É jurisprudência assente que os três elementos invocados pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, tal como expostos no n.o 47 das presentes conclusões, devem primeiro ser apreciados separadamente antes de se poder apreciar o seu efeito cumulativo ou global. Embora um ou outro dos elementos a que se referem os órgãos jurisdicionais de reenvio não sejam suscetíveis de, quando considerados separadamente, pôr em causa os requisitos que o Tribunal de Justiça identificou no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, quando considerados em conjunto e apreciados no âmbito desse procedimento de nomeação os referidos elementos podem lançar dúvidas sobre a legitimidade do procedimento e a sua conformidade com os requisitos em causa (48).

52.      Por uma questão de conveniência, analisarei primeiro o segundo elemento, relativo à participação do KRS nos procedimentos de nomeação.

1.      Segundo elemento

53.      Segundo os órgãos jurisdicionais de reenvio, o KRS na sua atual composição não cumpre a sua função constitucional de defesa da independência dos juízes e órgãos jurisdicionais (49). A este respeito, fazem ampla referência às alterações na composição do KRS e ao papel que desempenha desde 2018 no procedimento de nomeação(50).

54.      É jurisprudência assente que o artigo 19.o, n.o 1, TUE se opõe a disposições nacionais relativas à organização da justiça que constituam uma regressão, no Estado‑Membro em causa, da proteção do valor do Estado de direito, em especial das garantias de independência dos juízes. A esse respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que a influência reforçada desde 2018 dos poderes legislativo e executivo na seleção dos membros do KRS suscita dúvidas legítimas e sérias quanto à sua independência e ao seu papel na nomeação dos juízes e, por conseguinte, quanto à independência destes últimos assim nomeados e dos órgãos jurisdicionais nos quais têm assento (51). O Tribunal de Justiça também considerou que, à luz do artigo 179.o da Constituição da República da Polónia, o KRS desempenha um papel determinante no processo de nomeação de juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) (52). Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o KRS desempenha um papel igualmente determinante no processo de nomeação de juízes dos tribunais comuns.

55.      Apesar deste retrocesso na proteção do Estado de direito desde 2018, o Tribunal de Justiça afirmou que a participação de um órgão como o KRS (53) no processo de nomeação de juízes não suscita, por si só, qualquer dúvida quanto à independência dos juízes nomeados em conformidade com o referido processo. Esta situação pode ser diferente quando a participação de um órgão como o KRS, conjugada com outros elementos pertinentes e com as condições em que foi efetuada a seleção dos juízes, conduza a tais dúvidas (54). Esta apreciação aplica‑se igualmente à exigência do estabelecimento prévio por lei suscitada no presente processo, nomeadamente porque, nos termos do artigo 186.o da Constituição da República da Polónia, o KRS é o guardião da independência dos tribunais e dos juízes.

2.      Primeiro elemento

56.      As circunstâncias factuais nos processos C‑181/21 e C‑269/21 diferem no que respeita à aplicação do primeiro elemento, relativo à não participação de um órgão de autorregulação da magistratura judicial no processo de nomeação.

57.      O pedido de decisão prejudicial no processo C‑181/21 indica que, à data dos factos, o direito polaco previa expressamente a participação de uma assembleia de juízes no processo de nomeação (55). Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que a assembleia de juízes tinha competência exclusiva para dar início ao processo no KRS e que a sua participação no processo de nomeação de juízes era fundamental (56) à luz do princípio da separação de poderes consagrado na Constituição da República da Polónia (57). Considera que a exclusão da participação da assembleia de juízes torna assim o processo de nomeação incompatível com a ordem jurídica e constitucional nacional, resultando na composição ilegal do órgão jurisdicional competente à luz do direito polaco.

58.      Resulta do pedido de decisão prejudicial no processo C‑181/21 que a assembleia de juízes se absteve temporariamente de emitir um parecer sobre os candidatos devido às suas preocupações quanto ao estatuto do KRS. O processo de nomeação prosseguiu não obstante a referida abstenção e as razões que a justificaram. Embora a assembleia de juízes não tenha sido excluída do processo de nomeação, pois que apenas se absteve de emitir um parecer, afigura‑se, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, não obstante o caráter algo indeterminado dessa abstenção e qualquer consequente atraso nas nomeações judiciais, à data dos factos era contrário ao direito nacional proceder a uma nomeação sem ter apurado o ponto de vista da assembleia de juízes. Não há indicação nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça de que foi ou podia ter sido instaurada alguma ação judicial com vista a prescindir legalmente do parecer da assembleia ou que houvesse alguma urgência que exigisse a nomeação imediata de juízes sem esperar pela emissão desse parecer.

59.      É jurisprudência constante que a intervenção de um órgão, como uma assembleia de juízes, no processo de nomeação judicial pode, em princípio, contribuir para conferir objetividade a esse processo, desde que esse órgão seja, ele próprio, suficientemente independente dos poderes legislativo e executivo e da autoridade à qual deve submeter a proposta de nomeação (58). As circunstâncias em que a assembleia de juízes do processo C‑181/21 se absteve de emitir um parecer e as ações do presidente do Sąd Apelacyjny (Tribunal de Recurso), que preside a essa assembleia e foi nomeado pelo Ministro da Justiça, podem suscitar preocupações. A este respeito, considero que a atuação do presidente do Sąd Apelacyjny (Tribunal de Recurso), que contrariou a posição da respetiva assembleia, é insatisfatória na medida em que expõe potencialmente essa fase do processo de nomeação a críticas devido a uma eventual perceção por parte do público no sentido de existir uma ingerência executiva ilícita. No Acórdão Getin Noble Bank (59), o Tribunal de Justiça recordou que o conceito de «estabelecido por lei» traduz a necessidade de evitar que a organização do sistema judicial seja deixada à discricionariedade do executivo, e de assegurar que essa matéria seja regulada por um lei adotada pelo poder legislativo. No entanto, no decorrer do procedimento de nomeação no processo C‑181/21, o papel da assembleia de juízes parece ter sido marginalizado devido ao papel determinante do KRS no processo de nomeação (60). Por esta razão, não me parece que o primeiro fator, quando considerado isoladamente, seja suficientemente grave para pôr em causa a legalidade da nomeação judicial em causa no processo C‑181/21. No entanto, esta é, em última análise, uma questão que compete ao órgão jurisdicional de reenvio decidir.

60.      Resulta claramente do pedido de decisão prejudicial no âmbito do processo C‑269/21 que, na sequência de uma alteração da lei (61), já não era necessário um parecer por parte da assembleia de juízes competente sobre os candidatos no decorrer do procedimento de nomeação em causa. O órgão jurisdicional de reenvio indicou que a lei foi alterada devido à prática das assembleias de juízes de se absterem de emitir pareceres sobre os candidatos. O colégio do tribunal competente deu o seu parecer sobre o único candidato no processo — a juíza A. T. — conforme exigido pela Lei de Alteração, e esse aspeto do processo foi assim conforme com o direito polaco. O órgão jurisdicional de reenvio considera que o colégio, composto pelos presidentes dos tribunais em causa, metade dos quais são nomeados pelo Ministro da Justiça (62), deixou de ser um órgão de autorregulação da magistratura judicial. A Lei de Alteração veio, assim, afastar os órgãos de autorregulação da magistratura judicial do processo de nomeação (63). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tal afastamento é contrário à Constituição da República da Polónia e ao princípio da separação de poderes, pelo que um tribunal composto por um juiz nomeado sem a participação de tais órgãos é constituído de forma irregular. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que a não participação de órgãos de autorregulação da magistratura judicial é particularmente prejudicial, uma vez que o KRS, na sua composição pós‑2018, já não atua como órgão dessa qualidade.

61.      Quanto à participação do colégio do tribunal competente no processo de nomeação, decorre do Acórdão do Tribunal de Justiça Land Hessen (64) que o facto de o Ministro da Justiça selecionar metade dos membros desse órgão não acarreta, por si só, o incumprimento dos requisitos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

62.      Resulta do pedido de decisão prejudicial no âmbito do processo C‑269/21 que a diminuição do papel da assembleia de juízes e a participação do colégio do tribunal competente no processo de nomeação judicial estão estreitamente ligadas ao papel reforçado do KRS nesse processo desde 2018, constituindo assim mais um retrocesso na proteção do Estado de direito na Polónia (65). No entanto, segundo a Constituição da República da Polónia, o guardião da independência dos tribunais e dos juízes é o KRS, e não qualquer assembleia de juízes ou colégio judicial. Uma vez que resulta do pedido de decisão prejudicial que a diminuição do papel da assembleia de juízes no processo de nomeação e o papel do colégio do tribunal competente se insere numa estratégia legislativa em evolução operada em conjunto com a reestruturação do KRS e o seu papel aprimorado no processo de nomeação, especialmente desde 2018, estes elementos devem ser apreciados em conjunto. À luz do Acórdão Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (66) do Tribunal de Justiça sobre o KRS e o seu papel determinante no processo de nomeação desde 2018, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei de Alteração, considero que o primeiro elemento não invalida, enquanto tal, o procedimento de nomeação posto em causa no processo C‑269/21. Esta é, mais uma vez, uma questão que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir.

3.      Terceiro elemento 

63.      O terceiro elemento da primeira questão e a segunda questão estão relacionados na medida em que implicam o direito dos candidatos não selecionados de impugnarem um processo que conduz à nomeação de juízes para os tribunais comuns num órgão jurisdicional que cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 19.o, n.o 1, TUE, segundo parágrafo, em conjugação com o artigo 47.o da Carta (67).

64.      No que se refere ao terceiro elemento da primeira questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio esclarecem que os candidatos à nomeação judicial para os tribunais comuns não dispõem de um direito de recurso num órgão jurisdicional que preencha os requisitos previstos no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta. A este respeito, observam que a Secção Extraordinária, competente para examinar as decisões do KRS relativas às nomeações judiciais nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Lei alterada do Supremo Tribunal, não cumpre esses requisitos.

65.      Os órgãos jurisdicionais de reenvio salientam igualmente que a nomeação de novos juízes no Sąd Najwyższy (Tribunal Supremo), incluindo na sua Secção Extraordinária, está viciada porquanto (a) o primeiro‑ministro não assinou o ato que deu início ao processo de nomeação, conforme exigido pelo artigo 144.o, n.o 2, da Constituição da República da Polónia; (b) o KRS não analisou as candidaturas, tendo procedido a uma avaliação superficial dos candidatos com base num reduzido número de documentos, na sua maioria apresentados pelos próprios candidatos; (c) era evidente o interesse político e a influência do poder executivo no processo de seleção, pois o KRS propôs apenas os candidatos que contavam com o apoio do governo; (d) a decisão do KRS que propõe a nomeação de juízes para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) foi objeto de recurso para o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo; Polónia) interposto por alguns candidatos não selecionados e, portanto, não era juridicamente vinculativa. Apesar de este último tribunal ter suspenso várias decisões do KRS, o presidente da República procedeu à nomeação dos candidatos propostos pelo KRS. Estes, por sua vez, aceitaram a nomeação sabendo que o processo de nomeação tinha sido suspenso. Esses factos afetam tanto a competência profissional quanto a integridade moral das pessoas envolvidas; E, finalmente, o processo de nomeação de juízes para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) não foi objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva, nem antes nem depois da nomeação de juízes para o referido órgão jurisdicional pelo presidente da República (68).

66.      Apesar de o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) ter concluído, com base no Acórdão A.K (69), que as decisões desses juízes são inválidas, a Secção Extraordinária continua a pronunciar‑se sobre os processos que lhe são submetidos. Além disso, segundo os órgãos jurisdicionais de reenvio, desde a adoção da sua Decisão de 8 de janeiro de 2020 (70), a Secção Extraordinária deixou de verificar se a exigência do estabelecimento prévio por lei nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, foi respeitada  em processos que lhe são submetidos (71). Os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram, assim, que o processo de reexame das decisões do KRS pela Secção Extraordinária é ineficaz. Na falta de um direito à ação perante a Secção Extraordinária em caso de dúvida sobre a idoneidade do procedimento de nomeação de juízes para os tribunais comuns, estes não são estabelecidos nos termos da lei.

67.      Com a segunda questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de excluir da competência exclusiva da Secção Extraordinária, composta só por pessoas nomeadas na forma referida na primeira questão, a fiscalização da legalidade das nomeações judiciais para os tribunais comuns. Segundo os órgãos jurisdicionais de reenvio, nos termos do artigo 26.o, n.o 2, da Lei alterada do Supremo Tribunal, a Secção Extraordinária tem competência exclusiva para conhecer dos pedidos de «destituição» de juízes ou de designação dos tribunais nos quais o processo deve ser tramitado que digam respeito a pedidos alegando falta de independência de um órgão jurisdicional ou de um juiz. No entanto, o artigo 26.o, n.o 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal prevê que um pedido nos termos do artigo 26.o, n.o 2, não será examinado se disser respeito à determinação ou à avaliação da legalidade da nomeação de um juiz ou da sua legitimidade para exercer funções judiciais. Os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram, assim, que não só a própria Secção Extraordinária não cumpre o requisito do estabelecimento prévio por lei, como também não examina a questão de saber se outro tribunal cumpre esse requisito (72). Os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram, pois, que devem anular o artigo 26.o, n.os 2 e 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal, a fim de garantir o efeito útil do direito da União. A revogação desta disposição de direito nacional não resolve, porém, a questão das diligências processuais a que um órgão jurisdicional deve proceder na situação descrita na primeira questão para assegurar a efetividade do direito da União. Os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, portanto, se as disposições nacionais relativas à destituição automática de juízes (iudex inhabilis) (73) devem ser aplicadas por analogia, permitindo assim que um juiz afaste, oficiosamente, da apreciação do caso um outro juiz que foi nomeado nessas circunstâncias para um tribunal comum (74).

68.      Sem prejuízo de verificação por parte dos órgãos jurisdicionais de reenvio, afigura‑se que, antes da entrada em vigor da Lei de Alteração em 14 de fevereiro de 2020, as decisões do KRS relativas à nomeação de juízes para os tribunais comuns podiam ser impugnadas perante a Secção Extraordinária nos termos do artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS e do artigo 26.o, n.o 1, da Lei alterada do Supremo Tribunal.

69.      Conforme indicam os n.os 93 a 111 das minhas Conclusões no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), a atribuição de competência exclusiva à Secção Extraordinária para decidir sobre a questão da independência de um órgão jurisdicional, uma formação em julgamento ou um juiz nos termos do artigo 26.o, n.o 2, da Lei alterada do Supremo Tribunal, não viola, em princípio, inter alia, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 47.o da Carta, salvo se essa disposição de direito nacional e os procedimentos e regras em matéria de competência prejudicarem a plena eficácia dessas disposições do direito da União e o primado do direito da União. Na minha opinião, esta análise aplica‑se por analogia ao artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS e ao artigo 26.o, n.o 1, da Lei alterada do Supremo Tribunal. Considero, portanto, que a atribuição de competência exclusiva à Secção Extraordinária nos termos do artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS e do artigo 26.o, n.os 1 e 2, da Lei alterada do Supremo Tribunal não é, em princípio, contrária ao direito da União.

70.      Embora não se afigure que o artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS e o artigo 26.o, n.o 1, da Lei alterada do Supremo Tribunal continuam em vigor, a redação, inter alia, do artigo 26.o, n.o 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal, após a entrada em vigor da Lei de Alteração, proíbe explicitamente o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), incluindo a sua Secção Extraordinária, de determinar ou avaliar a «legalidade da nomeação de um juiz». Também proíbe que esse órgão jurisdicional determine ou avalie «o poder de exercer funções judiciais que decorre dessa nomeação» (75). A redação dessa disposição é, portanto, tão ampla que elimina a possibilidade de o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) examinar questões como, nomeadamente, o estabelecimento prévio por lei de um tribunal, conforme exige o Acórdão Simpson (76).

71.      Resulta tanto dos pedidos de decisão prejudicial como das questões submetidas no âmbito destes processos que os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram que a Secção Extraordinária não pode apreciar quaisquer objeções jurídicas à nomeação de um juiz pelo presidente da República ou a questão de saber se um tribunal é estabelecido por lei (77). Assim, embora a Secção Extraordinária continue ostensivamente (78) a dispor do poder de fiscalizar as decisões do KRS em relação a nomeações judiciais para os tribunais comuns, o âmbito desse poder foi amplamente e, a meu ver, ilegalmente, restringido(79).

72.      No que diz respeito ao Processo C‑269/21 (80), a juíza A. T. foi nomeada para o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia) com base numa Decisão do KRS datada de 7 de julho de 2020, portanto, após a entrada em vigor do artigo 26.o, n.o 3, da Lei do Supremo Tribunal. A questão, nesse processo, de saber se a Secção Extraordinária cumpre os requisitos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, é discutível, uma vez que esse órgão jurisdicional não tinha competência para proceder à fiscalização da decisão do KRS à luz do direito nacional a fim de determinar a «legalidade da nomeação de um juiz» ou «o poder de exercer funções judiciais decorrentes dessa nomeação».

73.      Portanto, é necessário averiguar se a inexistência de uma tutela jurisdicional efetiva no referente às decisões do KRS que conduziram à nomeação de juízes para os tribunais comuns, juntamente com o papel determinante que o KRS desempenha no processo de nomeação e o papel diminuído das assembleias de juízes é tal que suscite, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade de uma juíza como A. T. em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.

74.      Decorre do Acórdão A.B. (81) que, uma vez que o KRS não oferece garantias suficientes de independência, é necessário dar aos candidatos não selecionados a cargos judiciais a possibilidade de impugnar as decisões do KRS quando todos os elementos relevantes que caracterizam o processo de nomeação sejam tais que suscitem, no espírito dos litigantes, dúvidas sistémicas quanto à independência e imparcialidade dos juízes nomeados nesse processo (82).

75.      No processo C‑269/21, o órgão jurisdicional de reenvio não apresentou nenhuma prova específica, nem de natureza sistémica, além dos três elementos a que se refere, nem de natureza individual, para fundamentar a existência de dúvidas sérias e legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência e imparcialidade dos juízes nomeados para os tribunais comuns no âmbito do processo de nomeação em questão, entre os quais a juíza A. T. (83).

76.      Sem prejuízo da verificação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, não considero que os três elementos a que se refere sejam, por si só, suficientes para pôr em causa o procedimento que conduziu à nomeação de um juiz como a juíza A. T. para os tribunais comuns nos termos dos requisitos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta. Além dos elementos que o Tribunal de Justiça invocou nos n.os 128, 129 e 136 do Acórdão A.B., o único elemento novo no processo C‑269/21 é a não participação de órgãos de autorregulação da magistratura judicial no processo de nomeação. À luz do papel reconhecidamente determinante que o KRS desempenha no processo de nomeação, não considero que este elemento adicional seja, só por si, suficiente para pôr em causa o processo que conduziu à nomeação da juíza A. T. (84).

77.      No processo C‑181/21, o juiz A. Z. foi nomeado pelo presidente da República em 26 de novembro de 2020 com base numa Decisão do KRS de 7 de maio de 2019. Afigura‑se, portanto, novamente sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a decisão do KRS em questão poderia, em princípio, ter sido contestada perante a Secção Extraordinária (85), uma vez que é anterior à entrada em vigor da Lei de Alteração (86) e à Decisão da Secção Extraordinária de 8 de janeiro de 2020 (87).

78.      Tal como no processo C‑269/21, o órgão jurisdicional de reenvio não apresentou no âmbito do processo C‑181/21 nenhuma prova específica, nem de natureza sistémica, além dos três elementos descritos na primeira questão, n de natureza individual, de forma a demonstrar a existência de dúvidas legítimas e sérias, no espírito dos litigantes, quanto à independência e imparcialidade dos juízes nomeados para os tribunais comuns no âmbito do processo de nomeação em causa, entre as quais figura a juíza A. Z. Visto que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não considero que estes três elementos sejam, só por si, suficientes para pôr em causa o processo que conduziu à nomeação da juíza A. Z. para os tribunais comuns nos termos do disposto no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, proponho que a questão de saber se a Secção Extraordinária cumpre esses requisitos seja considerada irrelevante.

VII. Conclusão

79.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice, Polónia) e pelo Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia) da seguinte forma:

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que:

Um órgão jurisdicional não constitui um «tribunal estabelecido por lei» quando um juiz na formação foi nomeado na sequência de um processo em que (a) não foi ouvido o parecer de um órgão de autorregulação da magistratura judicial; (b) os candidatos foram nomeados com base numa decisão de um órgão como o Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) e (c) os candidatos do concurso não podiam impugnar o processo de nomeação num órgão jurisdicional que cumprisse o disposto nos requisitos do direito da União, sendo que estes elementos, juntamente com todos os outros elementos relevantes que caracterizam esse processo, são de molde a suscitar, no espírito dos litigantes, dúvidas sistémicas quanto à independência e imparcialidade dos juízes nomeados ao abrigo desse processo.


1      Língua original: inglês.


2      V. ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura) de 12 de maio de 2011 (Dz. U. n.o 126 de 2011, posição 714), conforme alterada pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis) de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3) que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2018, e pela ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei Orgânica dos Tribunais Comuns e algumas outras leis) de 20 de julho de 2018 (Dz. U. de 2018, posição 1443) (a seguir «Lei relativa ao KRS»).


3      Dz. U. de 2018, posição 5; entrou em vigor em 3 de abril de 2018.


4      Dz.U. de 2020, posição 190.


5      Dz. U. de 2001, n.o 98, posição 1070.


6      Dz. U. de 1964, n.o 43, posição 296.


7      JO 1993, L 95, p. 29.


8      V. artigo 58.o, § 4, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns.


9      Acórdão de 3 de outubro de 2019 (C‑260/18, EU:C:2019:819).


10      Na sequência da Comunicação do Ministro da Justiça de 6 de junho de 2019 sobre vagas para juízes, publicada no Monitor Polski (Jornal Oficial da República da Polónia).


11      12 votos «a favor», 6 votos «contra» e 2 abstenções.


12      Esta parte da questão refere‑se ao processo C‑181/21.


13      Esta parte da questão refere‑se ao processo C‑269/21.


14      Acórdão de 15 de julho de 2021 (C‑791/19, EU:C:2021:596).


15      V. Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586), de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535) e de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311).


16      Despachos de 24 de março de 2009, Nationale Loterij (C‑525/06, EU:C:2009:179, n.os 9 e 10) e de 23 de março de 2016, Overseas Financial e Oaktree Finance (C‑319/15, não publicado, EU:C:2016:268, n.o 33).


17      V. conclusões do advogado‑geral Bobek nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403, n.os 48 a 65).


18      Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 20).


19      Acórdãos de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.o 38), e de 27 de fevereiro de 2014, Pohotovosť (C‑470/12, EU:C:2014:101, n.os 28 e 29).


20      Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 36 e jurisprudência referida).


21      Acórdão de 26 de março de 2020, Review Simpson/Conselho e HG/Comissão(C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 55, a seguir «Acórdão Simpson»).


22      Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 46).


23      V. Acórdão Simpson (n.o 57) e Acórdão de 24 de março de 2022, Wagenknecht/Comissão(C‑130/21 P, EU:C:2022:226, n.o 15) no que diz respeito ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral. V. Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 126 a 131) no que diz respeito aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.


24      Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 46) e Acórdão (n.os 55 e 57).


25      Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 29, 36 e 37).


26      Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 33 e jurisprudência referida).


27      O Governo polaco não contesta que o Sąd Okręgowy w Katowicach (Tribunal Regional de Katowice) e o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia) constituem um «órgão jurisdicional» desse Estado‑Membro na aceção do artigo 267.o TFUE. Os órgãos jurisdicionais de reenvio fazem parte do sistema judicial polaco nos «domínios abrangidos pelo direito da União», nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e devem, por conseguinte, satisfazer as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva (Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 106 e jurisprudência referida).


28      Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 44 e jurisprudência referida).


29      Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 49 e jurisprudência referida).


30      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se as medidas cautelares forem válidas o consumidor deve continuar a pagar as prestações mensais do empréstimo. O facto de não o fazer pode ter consequências muito graves para o consumidor, incluindo a sua solvabilidade, a cobrança de juros punitivos ou a extinção do crédito. O órgão jurisdicional de reenvio também indicou que a validade do despacho de medidas cautelares tem incidência direta no montante reclamado no litígio que lhe foi submetido.


31      Os requisitos previstos pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE são transversais e aplicam‑se independentemente da natureza dos processos em causa. Basta que o órgão jurisdicional em causa possa ser chamado a pronunciar‑se sobre processos «nos domínios abrangidos pelo direito da União».


32      Nos termos do artigo 258.o TFUE.


33      JO 2021 C 252, p. 9.


34      Os diferentes efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça nos termos dos artigos 258.o e 267.o TFUE não devem ser sobrevalorizados. A título de exemplo, no seu Acórdão de 10 de março de 2022, Grossmania (C‑177/20, EU:C:2022:175) o Tribunal de Justiça descreveu recentemente a forma como os seus acórdãos em ambos os processos têm efeitos combinados.


35      Ref. BSA 1‑4110‑1/20.


36      V. § 47 da decisão.


37      Segundo o Provedor de Justiça, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) baseou esta distinção nas diferentes funções dos tribunais comuns e nas suas próprias, na grande variação da escala das irregularidades que afetam os processos de concurso para cargos nos tribunais comuns, em comparação com o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e na possibilidade de fiscalizar o cumprimento pelos juízes dos tribunais comuns dos princípios de independência e imparcialidade. O Provedor considera esta última possibilidade ilusória devido à Lei de Alteração que inibe a Secção Extraordinária de proceder a tal fiscalização. Também observa que a Decisão de 23 de janeiro de 2020 aborda a independência e a imparcialidade dos juízes, em vez do estabelecimento prévio de um tribunal por lei.


38      V. por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 124 e jurisprudência referida) a respeito do artigo 6.o, n.o 1, CEDH. V., igualmente, Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 115 a 120).


39      V., por analogia, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17) relativo ao conceito de órgão jurisdicional independente de um Estado‑Membro nos termos do artigo 267.o TFUE. Considero que esse conceito e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, é um conceito único, uniforme e autónomo do direito da União.


40      V., por exemplo, Acórdãos de 5 de fevereiro de 1963, van Gend & Loos (26/62, EU:C:1963:1) (Pedido de decisão prejudicial da Tariefcommissie, Países Baixos); de 15 de julho de 1964, Costa (6/64, EU:C:1964:66) (Pedido de decisão prejudicial do Giudice conciliatore di Milano, Itália) e de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49 (Pedido de decisão prejudicial do Pretura di Susa, Itália).


41      O Provedor de Justiça considera que os três elementos descritos pelos órgãos jurisdicionais de reenvio constituem uma grave erosão do Estado de direito na Polónia, uma vez que, em consequência disso, os juízes deixaram de ser nomeados para os tribunais comuns em conformidade com o direito polaco, o artigo 19.o, n.o 1, TUE ou o artigo 6.o, n.o 1, CEDH. Isso conduz à perceção que os tribunais não são independentes nem imparciais. Um tribunal pode assim, à luz do efeito direto do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do princípio do primado do direito da União, afastar um juiz nomeado ao abrigo de tal procedimento irregular da apreciação de processos em domínios abrangidos pelo direito da União.


42      Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100 n.os 57 e 74 e jurisprudência referida). No seu Acórdão de 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson/Islândia (CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 231 e 233), o TEDH considerou que o direito a um «tribunal estabelecido por lei» garantido no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH constitui um direito autónomo que está estreitamente relacionado com as garantias de «independência» e de «imparcialidade», na aceção desta disposição. Esse tribunal também considerou que o processo de nomeação de juízes constitui necessariamente um elemento inerente ao conceito de «tribunal estabelecido por lei» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (Acórdão de 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson/Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 227 e 232).


43      Acórdão de 29 de março de 2022 (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 122 e 123 e jurisprudência referida).


44      As garantias de independência e imparcialidade exigidas pelo direito da União pressupõem regras, designadamente quanto à composição do órgão e a nomeação, antiguidade e fundamentação da abstenção, rejeição e destituição dos seus membros, que dissipem qualquer dúvida legítima no espírito dos litigantes quanto à impermeabilidade desse órgão em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 53).


45      Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 55 e 57). V. igualmente Acórdão Simpson (n.os 57 e 71).


46      A Comissão observa que, desde 2018, aproximadamente 1360 dos 10 000 juízes dos tribunais comuns na Polónia foram nomeados com base em decisões do KRS na sua nova composição alterada.


47      Exceto talvez o comportamento do presidente do Sąd Apelacyjny w Katowicach (Tribunal de Recurso, Katowice), conforme descrito no n.o 14 das presentes conclusões.


48      V. Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.o 57).


49      V. artigos 179.o e 186.o da Constituição da República da Polónia.


50      O n.o 210 das minhas Conclusões no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência a vida privada dos juízes) contém uma visão geral da reestruturação do KRS.


51      V. Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 127 e, em especial, jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 104 a 108).


52      Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 126) (a seguir «Acórdão A.B.»).


53      Que é, na sua maioria, composto por membros escolhidos pelo poder legislativo.


54      Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100 n.o 75 e jurisprudência referida).


55      V. artigo 58.o, n.o 2, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns.


56      Ambos os órgãos jurisdicionais de reenvio descrevem o parecer da assembleia de juízes como condição «sine qua non» de um processo de nomeação válido ao abrigo do direito nacional.


57      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que este é particularmente o caso, uma vez que o KRS já não representa o poder judicial, como exigem os artigos 179.o e 186.o, n.o 1, da Constituição da República da Polónia.


58      Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 136 a 138 e jurisprudência referida) e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 149).


59      Acórdão de 29 de março de 2022 (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 121).


60      Acórdão A.B. (n.o 126). V. também Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100 n.o 75 e jurisprudência referida).


61      Com efeitos a partir de 14 de fevereiro de 2020, a Lei de Alteração revogou o n.o 2 do artigo 58.o da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns. O Governo polaco refere, designadamente, que esta reforma legislativa visava evitar que uma assembleia de juízes pudesse bloquear o processo de nomeação. Foi instituído um procedimento consultivo facultativo que assegura uma discussão mais ampla sobre o mérito dos candidatos a cargos judiciais.


62      O voto do presidente do Sąd Okręgowy (Tribunal Regional) prevalece em caso de empate.


63      A Comissão observa que o papel das assembleias de juízes não foi extinguido, mas fortemente reduzido.


64      Acórdão de 9 de julho de 2020 (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.os 55 e 56).


65      O Tribunal de Justiça afirmou que o respeito por um Estado‑Membro dos valores referidos no artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro. Um Estado‑Membro não pode alterar a sua legislação de modo a implicar uma regressão da proteção do valor do Estado de Direito, concretizado, nomeadamente, pelo artigo 19.o TUE. Os Estados‑Membros devem evitar qualquer regressão, à luz deste valor, da sua legislação em matéria de organização da justiça, abstendo‑se de adotar regras que venham a prejudicar a independência dos juízes (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 63 e 64).


66      Acórdão de 22 de fevereiro de 2022 (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100 n.o 75 e jurisprudência referida).


67      O Provedor também se debruça sobre esta matéria. Considera que o legislador polaco adotou várias medidas que permitem que as nomeações de juízes para os tribunais comuns escapem a uma fiscalização jurisdicional efetiva, mesmo em caso de violação manifesta da lei. O Provedor de Justiça refere‑se a três elementos: primeiro, os membros da Secção Extraordinária foram nomeados pelo KRS e o procedimento que levou à sua nomeação não foi sujeito a fiscalização jurisdicional; segundo, a legalidade da nomeação de um juiz ou da sua legitimidade para exercer funções judiciais não está sujeita a fiscalização jurisdicional desde a adoção da Lei de Alteração e terceiro, a Secção Extraordinária tem competência exclusiva para fiscalizar a independência dos juízes.


68      V. Acórdão A.B.


69      Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982).


70      V. Ref I NOZP 3/19, que tem força de «princípio de direito».


71      O Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 48) explica melhor esta decisão.


72      O n.o 84 do pedido de decisão prejudicial no processo C‑181/21 e o n.o 107 do pedido de decisão prejudicial no processo C‑269/21 afirmam, no que respeita ao artigo 26.o, n.os 2 e 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal que «as questões relativas à dissipação das dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio expostas nos fundamentos da primeira questão relevam da [competência da Secção Extraordinária que] não cumpre ela própria as exigências de um tribunal estabelecido por lei e dá azo a preocupações justificadas sobre a sua imparcialidade e independência. Além disso, o processo nesse órgão não pode ter por efeito dissipar essas dúvidas, uma vez que os pedidos que suscitam essas questões não são examinados».


73      V., por exemplo, artigo 48.o do Código de Processo Civil.


74      O Governo polaco alega que tal interpretação é contra legem.


75      Conforme indico nas minhas Conclusões no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), nos n.os 140 e 141, a redação dessa disposição não se limita, à primeira vista, a excluir a competência de um órgão jurisdicional para anular, erga omnes, o ato de nomeação de um juiz pelo presidente da República.


76      V. n.o 55. V., por analogia, n.os 138 a 147 das minhas Conclusões no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes).


77      Na audiência, o Governo polaco confirmou que não é possível, ao abrigo da lei polaca, que os órgãos jurisdicionais examinem a questão de saber se um tribunal é estabelecido por lei nem a legalidade de uma nomeação judicial.


78      Esta questão está sujeita a verificação pelos órgãos jurisdicionais de reenvio. No n.o 104 das suas observações escritas, o Governo polaco referiu‑se a várias estatísticas sobre a apreciação das decisões do KRS relativas à nomeação de juízes para os tribunais comuns.


79      Mesmo que se admitisse que o artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS e o artigo 26.o, n.o 1, da Lei alterada do Supremo Tribunal permitem que a Secção Extraordinária proceda à fiscalização das decisões do KRS, a coexistência das referidas disposições com o artigo 26.o, n.o 3, da Lei do Supremo Tribunal, na sequência da entrada em vigor da Lei de Alteração, cria uma considerável incerteza jurídica, nomeadamente quanto ao alcance dessa fiscalização. O artigo 26.o, n.o 3, da Lei do Supremo Tribunal põe assim em causa a eficácia das anteriores disposições do direito nacional, contrárias ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta. V. n.os 133 a 147 das minhas Conclusões no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes).


80      Que, por uma questão de conveniência, abordarei primeiro.


81      V. n.os 128 a 136).


82      O n.o 129 do Acórdão A.B. declara que «a eventual impossibilidade de interpor um recurso judicial no contexto de um processo de nomeação para lugares de juiz de um tribunal supremo nacional [pode], em certos casos, não ser problemática à luz das exigências decorrentes do direito da União, em particular do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE». O Tribunal de Justiça, no entanto, decidiu em várias ocasiões que a fiscalização jurisdicional efetiva das propostas do KRS para nomear juízes — incluindo, no mínimo, um exame para verificar a existência de ultra vires ou de um exercício impróprio de poder, erro de direito ou erro manifesto de avaliação — é necessário quando surgem dúvidas sistémicas no espírito dos litigantes quanto à independência e imparcialidade dos juízes nomeados ao abrigo de um tal processo (Acórdão A.B., n.os 128 a 136 e jurisprudência referida).


83      V., por analogia, Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 129 a 131). Em sentido contrário, v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 89 a 94 e 104 a 107) onde o Tribunal de Justiça descreveu vários elementos, incluindo, mas não se limitando ao mesmo, o papel determinante do KRS na nomeação dos membros da Secção Disciplinar, por suscitar dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência e imparcialidade daquele órgão. O Tribunal de Justiça referiu‑se, inter alia, ao facto de que a criação ex nihilo da Secção Disciplinar com competência exclusiva para conhecer de determinados processos disciplinares coincidiu com a adoção da legislação nacional que atentava contra a inamovibilidade e a independência dos juízes do Supremo Tribunal. Observou que a Secção Disciplinar gozava de um grau particularmente elevado de autonomia organizacional, funcional e financeira no Supremo Tribunal em comparação com outras secções desse órgão jurisdicional. A remuneração dos juízes da Secção Disciplinar excedia em cerca de 40 % a dos juízes afetados às outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) sem qualquer justificação objetiva para a concessão desse tratamento preferencial. Além disso, desde a sua criação, exigiu‑se que a Secção Disciplinar fosse composta exclusivamente por novos juízes nomeados pelo presidente da República sob proposta do KRS.


84      No seu Acórdão A.B:(n.os 133 a 135 e jurisprudência referida), o Tribunal de Justiça baseou‑se noutros elementos, incluindo, inter alia, o facto de que as nomeações para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) ocorreram no contexto de uma redução da idade de aposentadoria dos juízes e a correspondente expectativa de muitos novos cargos ficarem vagos, que prejudicaram a inamovibilidade e independência dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).


85      A fim de determinar a «legalidade da nomeação de um juiz» ou «o poder de exercício de funções jurisdicionais decorrente dessa nomeação» e, assim, avaliar se o processo de nomeação respeitou o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta.


86      E, assim, do artigo 26.o, n.o 3, da Lei alterada do Supremo Tribunal.


87      Não há informações constantes dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça no sentido de saber se se procedeu a uma tal impugnação. Nesta medida, as questões do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito são a priori hipotéticas. No entanto, em princípio, seria necessário examinar se a própria Secção Extraordinária cumpre os requisitos impostos pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conjugado com o artigo 47.o da Carta, caso contrário, dificilmente os candidatos poderiam ser responsabilizados por não terem impugnado antes as decisões do KRS.