Language of document : ECLI:EU:C:2023:738

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 5 de outubro de 2023 (1)

Processo C298/22

Banco BPN/BIC Português, S.A.,

Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., sucursal em Portugal,

Banco Português de Investimento, S.A. (BPI),

Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação,

Banco Santander Totta, S.A.,

Barclays Bank Plc,

Caixa Económica Montepio Geral — Caixa Económica Bancária, S.A,

Caixa Geral de Depósitos, S.A.,

Unión de Créditos Inmobiliários, S.A., Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal,

Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL,

Banco Comercial Português, S.A.,

contra

Autoridade da Concorrência,

sendo interveniente:

Ministério Público

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, Portugal)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o TFUE — Acordos entre empresas — Restrição da concorrência por objeto — Intercâmbio de informações entre instituições de crédito — Informações sobre as condições comerciais e os valores de produção»






I.      Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e as condições em que uma troca de informações entre empresas concorrentes pode ser qualificada de «restrição da concorrência por objeto».

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe várias instituições bancárias à Autoridade da Concorrência (Portugal) (a seguir «AdC»), a recorrida no processo principal, a respeito da decisão desta última de aplicar a essas instituições bancárias uma coima por violação das disposições nacionais do direito da concorrência e do artigo 101.o TFUE, que consiste na participação numa prática concertada sob a forma de coordenação informal entre concorrentes através do intercâmbio de informações sensíveis e estratégicas.

3.        A particularidade do presente processo prende‑se com o facto de a AdC ter qualificado de restrição da concorrência por objeto um intercâmbio de informações «standalone» sem ter constatado a existência de um cartel, uma qualificação jurídica contestada pelas referidas instituições bancárias que sustentam que esse intercâmbio de informações não apresentava o grau suficiente de nocividade exigido para essa qualificação e que, consequentemente, deveria ter em conta não só o seu objeto mas também os seus efeitos. Considerando que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não contém precedentes suscetíveis de fornecer orientações úteis para o caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio questionou o Tribunal de Justiça a este respeito.

4.        Este processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aprofundar a sua jurisprudência no que se refere à análise do intercâmbio de informações entre concorrentes à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. O Tribunal de Justiça terá assim a oportunidade de se debruçar, uma vez mais, sobre o conceito de restrição da concorrência por objeto que, embora longamente debatida, continua a apresentar ambiguidades conceptuais importantes e suscita questões de interpretação.

II.    Quadro jurídico

5.        O órgão jurisdicional de reenvio refere a Lei n.o 19/2012, que aprova o Novo Regime da Concorrência, de 8 de maio de 2012 (a seguir «Lei da Concorrência») (2), que substituiu a Lei n.o 18/2003, que aprova o Regime Jurídico da Concorrência, de 11 de junho de 2003 (3). O artigo 9.o da Lei da Concorrência, sob a epígrafe «Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas» (assim como o antigo artigo 4.o da Lei n.o 18/2003, sob a epígrafe «Práticas proibidas»), reproduz, em substância, o conteúdo do artigo 101.o TFUE.

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

6.        Em 9 de setembro de 2019, a AdC adotou uma decisão pela qual aplicou uma coima aos recorrentes no processo principal por terem participado numa troca de informações isolada («standalone») (4), em violação do artigo 101.o TFUE e das disposições nacionais equivalentes.

7.        Para chegar a esta conclusão, essa autoridade considerou que a troca de informações em causa constituía uma restrição da concorrência por objeto, o que a dispensava procurar os seus eventuais efeitos no mercado. Por outro lado, a referida autoridade não acusou as empresas em causa de terem participado noutra forma de prática restritiva da concorrência a que a troca de informações pudesse estar ligada como, por exemplo, um acordo sobre os preços ou sobre a repartição dos mercados.

8.        Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, com o fundamento de que a troca de informações em causa não pode ser considerada, em si mesma, suficientemente nociva para que o exame dos seus efeitos não seja necessário. A este respeito, afirmam que a AdC não tomou em consideração, nomeadamente, o contexto económico, jurídico e regulamentar em que se realizou essa troca, que deveria ter sido tido em conta antes de concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objeto.

9.        Em 28 de abril de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio proferiu uma sentença interlocutória de cerca de 2 000 páginas na qual indicou quais, entre os factos contidos na decisão da AdC, deviam ser considerados provados. No seu pedido de decisão prejudicial, o referido órgão jurisdicional resumiu essa sentença dividindo a descrição da mesma em cinco subtítulos que tratam, respetivamente, da natureza da informação trocada, da forma de coordenação, do objetivo prosseguido, do contexto jurídico e económico, bem como da alegada existência de efeitos pró‑competitivos.

10.      Primeiro, no que respeita à natureza da informação trocada, essa informação dizia respeito ao mercado dos créditos à habitação, ao mercado do crédito ao consumo e ao mercado do crédito às empresas. Foram trocados dois tipos de informações sobre estes mercados, a saber:

–        as «condições» comerciais atuais e futuras, ou seja, grelhas de spread, poderes de crédito dos clientes e parâmetros de risco, que não se encontravam, com o grau de completude e sistematização trocado, no domínio público no momento do intercâmbio.

–        os «volumes de produção», ou seja, os valores, individualizados pelas entidades em causa, do montante dos créditos concedidos durante o mês anterior. Esses dados foram comunicados de modo desagregado e não se encontravam disponíveis sob esta forma nem com origem noutra fonte no momento da troca nem em momento subsequente.

11.      Segundo, quanto à duração e à forma do intercâmbio de informações, o órgão jurisdicional de reenvio indica que esta última ocorreu entre maio de 2002 e março de 2013. Manifestou‑se através de contactos institucionalizados com caráter bilateral ou multilateral, utilizando comunicações por telefone ou mail, com pleno conhecimento da hierarquia.

12.      Terceiro, no que respeita ao objetivo prosseguido por essa troca de informações, uma vez que o intercâmbio de informações atribuiu aos bancos em causa informação detalhada, sistematizada, atualizada e rigorosa sobre a oferta das concorrentes, este órgão jurisdicional conclui que o referido intercâmbio tinha por objetivo reduzir a incerteza associada ao comportamento estratégico de uns e de outros, reduzindo o risco de pressão comercial.

13.      Quarto, no que respeita ao contexto jurídico e económico do referido intercâmbio, as seis maiores instituições de crédito em Portugal, que participaram todas no intercâmbio de informações, geriam, em 2013, 83 % de todos os ativos bancários de todo esse setor a nível nacional. Por outro lado, a partir de meados de 2008, em sentido contrário à evolução da Euribor, índice que reflete as taxas de juro interbancárias na Zona Euro, que nessa altura registou uma descida abrupta, os spreads de crédito aplicados pelas instituições financeiras aos novos créditos à habitação registaram uma subida acentuada, atenuando a descida das taxas de juro para os clientes finais (5). O resumo da sentença interlocutória especifica, também sob o título «contexto jurídico e económico», que as trocas de informações controvertidas eram regulares e organizadas em circuito fechado. Além disso, incidiram sobre informações estratégicas não públicas ou de difícil acesso ou sistematização. Com efeito, essas informações eram distintas das prestadas pelas instituições de crédito no cumprimento dos seus deveres de informação dos consumidores.

14.      Quinto, no que respeita à existência de efeitos potencialmente pró‑concorrenciais ou, pelo menos, ambivalentes, o resumo refere que os bancos em causa não conseguiram demonstrar ou identificar: i) eficiências geradas pelo acordo; ii) a repartição de putativas eficiências no bem‑estar dos consumidores; iii) nem a demonstração da indispensabilidade das restrições na concorrência.

15.      Por último, embora o próprio órgão jurisdicional de reenvio constate que o intercâmbio em questão é suscetível de concorrer para reduzir a pressão comercial e a incerteza associada ao comportamento estratégico de um concorrente, podendo redundar numa coordenação informal, restritiva da concorrência, considera que o presente reenvio prejudicial se justifica pela ausência de precedentes na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao caso em apreço.

16.      Nestas condições, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo [101.o TFUE] […] opõe‑se à qualificação como restrição da concorrência por objeto de uma troca, entre concorrentes, de informação sobre condições comerciais (v.g. spreads e variáveis de risco, atuais e futuras) e valores de produção (mensais, individualizados e desagregados) com cobertura abrangente e frequência mensal, no quadro da oferta de crédito à habitação, a empresas e ao consumo, trocados de modo regular e com reciprocidade, no setor da banca de retalho, no âmbito de um mercado concentrado e com barreiras à entrada, que por esta via aumentou artificialmente a transparência e reduziu a incerteza associada ao comportamento estratégico dos concorrentes?

2)      Em caso afirmativo, a mesma normação opõe‑se àquela qualificação quando não se apuraram, nem se lograram identificar eficiências, efeitos ambivalentes ou pró‑competitivos resultantes daquele intercâmbio de informações?»

17.      Os recorrentes, a AdC e o Ministério Público apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. Os Governos Português, Grego, Italiano e Húngaro, a Comissão Europeia e o Órgão de Fiscalização da EFTA também apresentaram observações escritas. Na audiência de alegações realizada em 22 de junho de 2023, os recorrentes, a AdC, os Governos Português e Grego, bem como o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Comissão apresentaram observações orais.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

18.      A título preliminar, importa observar que, quase por unanimidade, os recorrentes dedicam uma parte importante das suas observações escritas a contestar a descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio dos factos em causa no processo principal, chegando mesmo a defender que o Tribunal de Justiça tem a obrigação de alterar a hipótese factual descrita por esse órgão jurisdicional a fim de dar uma resposta útil ao referido órgão jurisdicional (6).

19.      A este respeito, há que recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional nacional, estabelecer os factos que deram origem ao litígio (7). Daqui resulta que, sendo o Tribunal de Justiça competente apenas para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um texto da União, não pode verificar a exatidão do quadro factual apresentado por esse órgão jurisdicional nem pronunciar‑se sobre o mérito das alegações de determinadas partes que contestam a pertinência da hipótese factual descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido.

20.      Todavia, a interpretação que o Tribunal de Justiça é chamado a dar a uma disposição do direito da União no contexto factual descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio não implica nenhuma presunção de essa hipótese ser efetivamente a que está em causa no processo principal. Assim, cabe sempre, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os elementos factuais que transmitiu ao Tribunal de Justiça correspondem efetivamente à situação em causa no processo principal.

21.      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela obrigação, que impende sobre os órgãos jurisdicionais nacionais e à qual os recorrentes se referem, de descrever de forma precisa o contexto factual em que se inserem as questões prejudiciais. Com efeito, embora essa obrigação vise permitir ao Tribunal de Justiça assegurar‑se de que o pedido prejudicial não é inadmissível, não é menos verdade que, segundo jurisprudência constante, para que um pedido seja inadmissível, a interpretação solicitada do direito da União não deve ter nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, o problema deve ser de natureza hipotética ou o Tribunal de Justiça não deve dispor dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (8), o que não é o caso no presente processo.

22.      Por conseguinte, não há que decidir sobre as críticas formuladas pelos recorrentes quanto à pertinência da hipótese factual prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio. O mesmo se aplica aos pedidos de reformulação das questões prejudiciais apresentados por essas partes, através dos quais pedem ao Tribunal de Justiça que (re)examine a descrição dos factos efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio e que os requalifique, um papel que compete exclusivamente a esse órgão.

23.      Por último, importa salientar que a redação das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio parece sugerir que só há que responder à segunda questão prejudicial em caso de resposta afirmativa à primeira questão. Considero que, num processo como o que está em causa no processo principal, em que a questão essencial é a de determinar se um intercâmbio de informações com as características do caso em apreço constitui uma restrição da concorrência por objeto, há que tratar conjuntamente os aspetos abordados por estas duas questões prejudiciais. Assim, as eficiências ou os efeitos pró‑concorrenciais alegados e referidos na segunda questão prejudicial serão pertinentes no âmbito da análise do contexto jurídico e económico no qual o intercâmbio de informações deve ser apreciado para se determinar se constitui uma restrição da concorrência por objeto.

B.      Quanto às questões prejudiciais primeira e segunda

24.      As duas questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm por objeto a qualificação jurídica de restrição da concorrência por objeto de um intercâmbio de informações com as características descritas nos n.os 10 a 14 das presentes conclusões.

25.      A este respeito, importa recordar que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, o papel do Tribunal de Justiça se limita à interpretação das disposições do direito da União sobre as quais é questionado, no caso em apreço o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Assim, não cabe ao Tribunal de Justiça mas sim ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em definitivo se, tendo em conta todos os elementos relevantes que caracterizam a situação no processo principal e o contexto económico e jurídico em que esta se insere, o acordo em causa tem por objeto restringir a concorrência (9). Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, com base nos elementos dos autos de que dispõe, fornecer precisões destinadas a orientar o tribunal de reenvio na sua interpretação, a fim de que este último possa decidir o litígio (10).

26.      Assim, antes de proceder ao exame destas questões, parece‑me útil recordar os contornos do conceito de «restrição por objeto» e prestar alguns esclarecimentos sobre a sua aplicação aos intercâmbios de informações.

1.      Quanto ao conceito de restrição da concorrência por objeto

a)      Quanto aos princípios gerais enunciados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça

27.      Para ser abrangido pela proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, um acordo, uma decisão de uma associação de empresas ou uma prática concertada devem ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear de modo sensível a concorrência no mercado interno (11). A este respeito, importa recordar que o objetivo ou o efeito anticoncorrencial de um acordo não são requisitos cumulativos, mas sim alternativos para se apreciar se o acordo é abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Assim, o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objetivo do acordo (12).

28.      De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, determinados tipos de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que não seja necessário examinar os seus efeitos. Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao normal funcionamento da concorrência (13).

29.      A fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma decisão de associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência por objeto na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa alcançar, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere (14).

30.      Todavia, importa sublinhar que o conceito de restrição da concorrência por objeto deve ser interpretado de forma restritiva. Daqui decorre que, no caso de a análise de uma coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar os seus efeitos e, para que a mesma possa ser objeto da proibição, exigir que estejam reunidos os elementos que demonstram a restrição da concorrência (15).

31.      Por último, importa recordar que, de um ponto de vista material, não há diferença entre os comportamentos das empresas que são qualificados de restritivos da concorrência na sequência de um exame dos seus efeitos ou do seu objeto, uma vez que ambos são proibidos por força do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, a dicotomia entre restrição da concorrência por objeto e restrição da concorrência por efeito representa, antes de mais, um dispositivo processual destinado a orientar a Autoridade da Concorrência quanto à análise a efetuar nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e aos recursos que deve utilizar consoante as circunstâncias próprias do caso concreto (16).

b)      Quanto à necessidade de dispor de uma «experiência sólida e fiável» para que uma prática seja qualificada de restrição da concorrência por objeto

32.      Entre as problemáticas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito da sua primeira questão prejudicial, figura a necessidade de dispor de uma experiência sólida e fiável, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que uma troca de informações «isolada», como a que está em causa no processo principal, possa ser qualificada de restrição da concorrência por objeto. Por outras palavras, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se tem necessariamente que existir um precedente para se declarar que um certo tipo de comportamento constitui uma restrição da concorrência por objeto.

33.      A resposta a esta questão deve ser negativa.

34.      Há que recordar, em primeiro lugar, que resulta da própria redação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, em especial, do conceito de «designadamente» que esta disposição não contém uma lista taxativa de acordos que tenham por «objetivo» ou por «efeito» restringir a concorrência. Assim, pode ser reconhecida a classificação de restrições «por objetivo» a outros acordos sempre que tal classificação possa ser feita de acordo com os requisitos decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça (17).

35.      Em segundo lugar, há que observar que, embora em vários dos seus acórdãos — nomeadamente os Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, a seguir «Acórdão CB/Comissão», EU:C:2014:2204), e de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o. (C‑228/18, a seguir «Acórdão Budapest Bank», EU:C:2020:265) — o Tribunal de Justiça tenha sublinhado, com efeito, a necessidade de dispor de uma experiência suficientemente sólida e fiável para que um acordo possa ser considerado, pela sua própria natureza, prejudicial para o normal funcionamento da concorrência e, consequentemente, possa ser qualificado de restrição da concorrência por objeto (18), reconheceu, todavia, claramente que o facto de a Comissão não ter considerado que um acordo de um determinado tipo era, pelo seu próprio objeto, restritivo da concorrência, não é, por si só, suscetível de a impedir de o fazer no futuro, na sequência de um exame individual e circunstanciado das práticas em causa (19). Qualquer outra interpretação equivaleria a impedir a aplicação de uma disposição do Tratado que está redigida de modo que abranja novas categorias de restrições à concorrência que possam surgir no futuro.

36.      Por conseguinte, há que rejeitar o argumento de alguns dos recorrentes segundo o qual a existência de uma experiência sólida e fiável é uma condição prévia para que uma prática possa ser considerada uma restrição por objeto e que, por isso, os órgãos jurisdicionais ou as autoridades nacionais da concorrência devem necessariamente demonstrar a existência de um precedente para qualificar um comportamento no mercado de restrição da concorrência por objeto (20).

37.      Importa recordar, em terceiro lugar, que o critério jurídico essencial para determinar se um acordo ou uma prática concertada implica uma restrição da concorrência por objeto, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, reside na constatação de que tal acordo ou prática apresenta, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para se considerar que não há que apreciar os seus efeitos (21).

38.      Em princípio, este critério será mais facilmente preenchido se os acordos ou práticas puderem ser comparados a comportamentos ou categorias de comportamentos cujo prejuízo para a concorrência seja incontestável à luz da experiência.  Com efeito, a existência de uma experiência sólida e fiável quanto à nocividade de uma prática anticoncorrencial «reforça» a probabilidade de uma prática com as mesmas características de outra, que tenha sido anteriormente qualificada de restrição da concorrência por objeto, vir também a ser qualificada como tal (22). No entanto, como referi no n.o 34 das presentes conclusões, a ausência de precedentes não impede as autoridades da concorrência de classificarem como restrição da concorrência por objeto os acordos que se revelem, na sequência de um exame individual e circunstanciado, prejudiciais para a concorrência.

39.      Por outro lado, o facto de nem todas as características de um acordo prosseguido por uma autoridade da concorrência serem idênticas a uma prática que foi anteriormente qualificada de restrição da concorrência por objeto não significa que não exista uma experiência suficientemente sólida e fiável a seu respeito. Com efeito, exigir uma concordância absoluta de todas as características de tais acordos (incluindo no que respeita aos mercados em causa), como parecem pretender alguns dos recorrentes, limitaria injustificadamente o âmbito de aplicação do conceito de restrição por objeto e tornaria a sua aplicação particularmente difícil para as autoridades da concorrência.

40.      No entanto, dada a necessidade de interpretar o conceito de restrição da concorrência por objeto de forma restritiva, se as práticas para as quais não existe nenhum precedente puderem ser consideradas restrições por objeto, esta qualificação deve ser limitada aos casos em que a natureza anticoncorrencial de um acordo ou prática é manifesta ou em que as práticas em questão não têm outra explicação credível para além da restrição da concorrência no mercado (23).

c)      Quanto à consideração do contexto jurídico e económico no âmbito da apreciação de uma restrição da concorrência por objeto e à sua demarcação da análise dos efeitos restritivos da concorrência

41.      Uma segunda questão essencial no presente caso é a consideração do contexto jurídico e económico na apreciação de uma restrição da concorrência por objeto e a distinção entre a consideração do contexto e o exame dos efeitos na apreciação de uma restrição da concorrência.

42.      Importa recordar, primeiro, que a consideração do contexto jurídico e económico na análise de uma restrição da concorrência por objeto visa principalmente confirmar ou desmentir a constatação inicial do objeto anticoncorrencial de uma determinada prática que foi efetuada com base noutros elementos específicos dessa prática.

43.      Refira‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça remeteu, no seu Acórdão Budapest Bank, para as Conclusões do advogado‑geral M. Bobek, segundo as quais a declaração de uma restrição da concorrência por objeto exige uma análise em duas fases (24). Cabe, assim, às autoridades da concorrência determinar, em primeiro lugar, se, tendo em conta o conteúdo e os objetivos do acordo, este se insere numa categoria de acordos prejudiciais para a concorrência à luz de uma experiência sólida e fiável adquirida (ou, na sua falta, se for manifesto que o são) (25). Em segundo lugar, essas autoridades devem proceder a uma «verificação básica da realidade» para verificar se as circunstâncias específicas do contexto jurídico e económico do acordo em questão não são suscetíveis de gerar dúvidas sobre a sua presumível natureza prejudicial (26).

44.      O exame do contexto jurídico e económico visa evitar o risco de «falsos positivos» que podem resultar de uma apreciação formal de um acordo, desligada da «realidade económica» e do panorama jurídico e regulamentar em que este se insere. Com efeito, o objeto de um acordo não deve ser avaliado em abstrato, mas sim em termos concretos, à luz das condições reais de funcionamento do mercado, tendo em conta todos os elementos relevantes (27). Mais concretamente, esta abordagem reflete a evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça e a passagem de uma interpretação ampla e formalista do conceito de restrição da concorrência por objeto para uma interpretação mais restritiva desse conceito, baseada na economia e na experiência (28).

45.      Segundo, a análise do contexto económico em que a prática se insere não deve ser confundida com uma análise de efeitos, uma vez que esta última comporta um ónus de prova adicional e um exame mais detalhado dos efeitos do acordo no mercado para demonstrar a existência de uma restrição da concorrência. Se assim não fosse, a dicotomia entre restrição «por objetivo» e restrição «por efeito» deixaria de ter qualquer sentido.

46.      Embora esta distinção possa parecer relativamente simples em teoria, a sua aplicação prática revela‑se mais complexa. Com efeito, a consideração do contexto económico e jurídico em que um acordo se insere pode, em certos casos, tornar particularmente obscura a questão de saber onde termina o exame do acordo sob o ângulo do seu objeto e onde começa o exame do acordo sob o ângulo dos seus efeitos. Por outro lado, o facto de, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça considerar que a apreciação dos efeitos dos acordos ou das práticas à luz do artigo 101.o TFUE implica, como para a declaração de uma restrição por objeto, a necessidade de tomar em consideração o quadro concreto em que se inserem e nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado (29) pode igualmente gerar confusão.

47.      Em substância, a diferença entre as duas categorias de restrição da concorrência prende‑se com a intensidade do seu exame. Assim, nos casos em que o objeto anticoncorrencial é facilmente percetível, a análise do contexto económico e jurídico no qual a prática se insere pode limitar‑se ao que se revele estritamente necessário para confirmar ou desmentir a nocividade e o objeto anticoncorrencial que resultam da análise do conteúdo e dos objetivos da prática em causa (30). Daqui decorre que essa análise, em princípio, de forma nenhuma pode colmatar a falta de identificação efetiva de um objeto anticoncorrencial através da demonstração dos efeitos potenciais das medidas em causa (31).

48.      Como recordei no n.o 28 das presentes conclusões, para se poder concluir que um acordo tem um objeto anticoncorrencial, deve ser possível determinar que esse acordo é efetivamente apto a restringir a concorrência, sem que seja necessário analisar os seus efeitos. Por conseguinte, a análise do objeto anticoncorrencial de um acordo só deve «reorientar‑se» para uma análise dos efeitos anticoncorrenciais do referido acordo quando se revele impossível determinar, apesar da análise de todos os elementos intrínsecos e contextuais relevantes, que esse acordo é apto a restringir a concorrência (32). Tal seria o caso, por exemplo, se a análise do contexto jurídico e económico suscitasse dúvidas quanto ao caráter particularmente nocivo de um acordo identificado (durante a primeira fase do teste) ou, pelo menos, revelasse efeitos ambíguos.

49.      Terceiro, como o Tribunal de Justiça declarou recentemente no Acórdão HSBC (33), sempre que as partes num acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhes estão associados, tais efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tidos em conta para efeitos da sua qualificação de restrição por objeto, na medida em que sejam suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficientemente nocivo da prática colusória em causa relativamente à concorrência e, consequentemente, a sua qualificação de restrição por objeto (34). No entanto, a simples alegação não fundamentada de efeitos pró‑concorrenciais dos acordos controvertidos não pode ser suficiente para excluir a classificação de «restrição por objeto» destes (35). Assim, mesmo admitindo que são comprovados, relevantes e específicos do acordo em causa, esses efeitos pró‑concorrenciais devem ser suficientemente significativos, de modo que permitam razoavelmente duvidar do caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo em causa e, por conseguinte, do seu objeto anticoncorrencial (36).

50.      Quarto, embora a consideração de alegadas eficiências ou efeitos pró‑concorrenciais faça parte do contexto jurídico e económico em que o intercâmbio de informações deve ser apreciado, importa esclarecer que esta fase da análise é diferente da realizada nos termos do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, que visa examinar, uma vez demonstrada uma restrição da concorrência, se os critérios de isenção estão preenchidos (37). Com efeito, a consideração dos efeitos pró‑concorrenciais não tem como objetivo afastar a qualificação de restrição da concorrência, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas sim apreender a gravidade objetiva da prática em causa e, consequentemente, definir as suas modalidades de prova (38).

2.      Quanto à aplicação do conceito de restrição da concorrência por objeto aos intercâmbios de informações

51.      A título preliminar, refira‑se que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os conceitos de «acordo», de «decisão de associação de empresas» e de «prática concertada» previstos no artigo 101.o, n.o 1, TFUE incluem, do ponto de vista subjetivo, formas de conluio que são da mesma natureza e que só se distinguem umas das outras pela respetiva intensidade e pelas formas como se manifestam (39). Daqui resulta que os critérios consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para apreciar se um comportamento tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência são aplicáveis quer se trate de um acordo, de uma decisão ou de uma prática concertada (40).

52.      Por outro lado, quanto à definição de prática concertada, o Tribunal de Justiça declarou que consiste numa forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até à celebração de uma convenção propriamente dita, substitui cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas (41). Por outro lado, é claro, desde o Acórdão de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1975:174, n.o 288), que as trocas de informações podem constituir uma infração autónoma nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

53.      Resulta do artigo 101.o, n.o 1, TFUE que o conceito de prática concertada implica, além da concertação entre empresas, um comportamento no mercado que dê seguimento a essa concertação e um nexo de causalidade entre esses dois elementos. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que havia que presumir, sem prejuízo da prova em contrário que cabe aos operadores interessados, que as empresas que participam na concertação e que têm atividade no mercado tomam em consideração as informações trocadas com os seus concorrentes para determinarem o seu comportamento nesse mercado (42).

54.      As trocas de informações que atenuam ou suprimem o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo por consequência a restrição da concorrência entre empresas, são assim consideradas contrárias ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE (43). Com efeito, as disposições do Tratado FUE relativas à concorrência implicam uma exigência de autonomia dos operadores económicos. Ora, embora esta exigência não prive as empresas do direito de se adaptarem inteligentemente ao comportamento efetivo ou previsível dos seus concorrentes, opõe‑se, porém, rigorosamente a qualquer contacto direto ou indireto entre elas com o objetivo ou com o efeito de influenciarem o comportamento no mercado de um concorrente efetivo ou potencial ou de revelarem a esse concorrente o comportamento que elas próprias tenham decidido ou tencionem adotar no mercado (44).

55.      No entanto, embora o Tribunal de Justiça tenha tido de examinar, em várias ocasiões, a compatibilidade das trocas de informações com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nem sempre esclareceu, de forma clara, se os critérios a que se refere, nomeadamente o da redução ou da eliminação da incerteza quanto ao funcionamento do mercado, dizem respeito ao conceito de restrição em geral, se se referem unicamente às restrições por efeito ou se permitem igualmente determinar um objeto anticoncorrencial (45). No entanto, o facto de o critério acima referido ser utilizado tanto para identificar uma restrição da concorrência por objeto como por efeito não é surpreendente. Como referido no n.o 31 das presentes conclusões, o interesse da distinção entre restrição da concorrência por objeto e por efeito é, antes de mais, probatório.

56.      Todavia, há que precisar que, nalguns dos acórdãos em que foi evocado o conceito de restrição por objeto no contexto de uma troca de informações, o Tribunal de Justiça procurou clarificar melhor as circunstâncias em que deve ser adotada a qualificação de restrição da concorrência por objeto. Em particular, o Tribunal de Justiça declarou que se deve considerar que tem um objeto anticoncorrencial uma troca de informações suscetível de eliminar incertezas no espírito dos interessados quanto à data, à dimensão e às modalidades da adaptação do comportamento no mercado que as empresas em causa vão pôr em prática (46) — e, por conseguinte, suscetível de influenciar diretamente a estratégia comercial dos concorrentes ou de afetar a concorrência normal no mercado (47). É o que acontece, nomeadamente, quando a troca de informações diz respeito a elementos particularmente sensíveis do ponto de vista da concorrência, como os preços futuros ou uma das componentes destes preços, como foi o caso nos Acórdãos T‑Mobile e Dole ou, mais recentemente, no Acórdão HSBC.

57.      No entanto, quando a troca de informações incide sobre elementos menos sensíveis do ponto de vista do direito da concorrência ou quando o objeto anticoncorrencial não resulta claramente da análise do conteúdo, dos objetivos e do contexto jurídico e económico em que se inserem essas trocas, o Tribunal de Justiça considerou que há que proceder a uma análise dos efeitos. Esta foi a solução adotada, por exemplo, no processo ASNEF, no qual o Tribunal de Justiça entendeu que, tendo em conta as suas características, a troca de certos dados entre instituições bancárias que visava a criação de um registo bancário não tinha por objeto restringir a concorrência e que, consequentemente, havia que analisar os seus efeitos (48). Por outro lado, nesse mesmo processo, o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta certas medidas de não divulgação de dados sensíveis tomadas pelos bancos em questão, os ficheiros trocados entre eles não eram suscetíveis de revelar nem a posição respetiva no mercado das empresas concorrentes nem a sua estratégia comercial (49).

58.      À luz do exposto, impõem‑se as seguintes observações.

59.      Importa sublinhar, em primeiro lugar, que não é qualquer troca de informações entre concorrentes que pode ser considerada restritiva da concorrência. Os intercâmbios de informações constituem, com efeito, uma característica comum de vários mercados concorrenciais. Por outro lado, resulta da teoria económica que a transparência entre operadores económicos pode contribuir para a intensificação da concorrência e permitir resolver o problema das assimetrias de informação e gerar diversos tipos de eficiências, tornando assim os mercados mais eficazes (50).

60.      Em segundo lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 54 das presentes conclusões que, no que respeita às trocas de informações entre concorrentes, a redução ou eliminação da incerteza quanto à atuação estratégica de um concorrente no mercado é o critério decisivo de apreciação da existência de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

61.      Ora, a apreciação à luz do critério acima referido depende estreitamente da natureza das informações trocadas entre concorrentes. Com efeito, só o intercâmbio de informações estratégicas (ou comercialmente sensíveis) pode reduzir a incerteza no mercado e ter impacto na autonomia decisória das partes, reduzindo assim a concorrência. Embora não exista uma definição específica do conceito de informações estratégicas (ou comerciais sensíveis), admite‑se, em princípio, que as informações relativas aos preços relacionadas com os preços e as quantidades são as que têm maior valor estratégico, seguindo‑se as informações sobre os custos e a procura (51). Por outro lado, a relevância estratégica dos dados trocados pode depender igualmente de uma série de outros fatores como o nível de concentração do mercado em causa, da agregação ou desagregação das informações, a sua antiguidade, bem como a frequência do intercâmbio em causa (52).

62.      Em terceiro lugar, embora um intercâmbio de informações possa estar abrangido pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o facto de esse intercâmbio incidir sobre dados estratégicos dotados de aptidão para reduzir a incerteza no mercado não implica automaticamente uma qualificação de restrição da concorrência por objeto.

63.      Tendo em conta o imperativo de uma interpretação restritiva do conceito de restrição da concorrência por objeto, esta qualificação só pode ser aplicada aos intercâmbios de informações relativamente aos quais seja claro e inequívoco que, atendendo às suas características e sem que seja necessário examinar os seus efeitos, se encontra preenchido o critério relativo à redução ou eliminação da incerteza no mercado, de forma que essas trocas possam influenciar diretamente a estratégia comercial dos concorrentes, permitindo‑lhes adaptar o seu comportamento no mercado. Como referi no n.o 56 das presentes conclusões, este critério será considerado preenchido quando o intercâmbio de informações se referir a elementos cruciais para a concorrência, como as capacidades e os preços futuros.

64.      Atendendo ao exposto, há que concluir que uma troca de informações pode constituir uma prática restritiva da concorrência por objeto quando resultar da análise do seu conteúdo, dos seus objetivos e do contexto jurídico e económico em que se insere que essa troca revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Por outro lado, o facto de essa troca ser «isolada», no sentido de que não está associada à declaração de um cartel, não é suscetível de pôr em causa a declaração de uma restrição da concorrência por objeto, desde que a referida troca apresente suficiente grau de nocividade (53).

3.      Quanto à apreciação da qualificação da restrição da concorrência por objeto no caso presente

a)      Observações preliminares

65.      Importa recordar, a título preliminar, que resulta da decisão de reenvio que, tendo em conta as suas características descritas nos n.os 10 a 14 das presentes conclusões, as trocas em questão incidiam sobre dados atuais e futuros que eram estratégicos do ponto de vista do direito da concorrência e teriam permitido aos recorrentes obter informações específicas sobre a oferta dos concorrentes, reduzindo a incerteza associada ao comportamento estratégico e facilitando o alinhamento através de uma coordenação informal.

66.      Esta descrição é, todavia, impugnada pelos recorrentes que consideram que, contrariamente às considerações da AdC e do órgão jurisdicional de reenvio, as características das informações trocadas não permitiam tal coordenação no mercado (54).

67.      Importa, contudo, recordar, por um lado, que não cabe ao Tribunal de Justiça verificar a exatidão do quadro factual exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio (55) e que, por outro, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, em definitivo, atendendo a todos os elementos relevantes que caracterizam a situação no processo principal e o contexto económico e jurídico em que esta se insere, se a troca de informações em questão tinha por objeto restringir a concorrência (56).

68.      Feitos estes esclarecimentos, proponho examinar, em primeiro lugar, a parte da troca de informações relativa às condições comerciais dos empréstimos subscritos (nomeadamente as relativas aos spreads) antes de examinar, em segundo lugar, as trocas relativas aos volumes de produção e, em terceiro e último lugar, em que condições se pode considerar que uma única troca relativa a esses dois tipos de informações, analisadas em conjunto, tem um objeto anticoncorrencial.

b)      Quanto às informações relativas às «condições comerciais»

1)      Quanto ao conteúdo das informações trocadas

69.      A título preliminar, há que recordar que resulta da decisão de reenvio que o «spread» sobre o qual os bancos trocaram informações constitui um elemento essencial do preço (57). Por outro lado, resulta desta mesma decisão que, ao comunicarem entre concorrentes uma das componentes do preço que iriam adotar, os recorrentes contribuíram para aumentar a transparência no mercado, reduzindo a incerteza ligada à sua estratégia atual ou futura, o que permitiu a cada um dos bancos participantes utilizar essa informação na definição da sua estratégia comercial e facilitar o alinhamento através de uma coordenação informal.

70.      Ora, há que observar, antes de mais, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 56 das presentes conclusões que uma troca com tais características pode ser qualificada de restrição da concorrência por objeto. Assim, ao contrário da posição defendida por alguns dos recorrentes, há que concluir que existe uma experiência suficientemente fiável e sólida que permite considerar que essas trocas relativas a preços futuros (ou alguns dos seus fatores) são intrinsecamente anticoncorrenciais, tendo em conta, nomeadamente, o risco colusivo particularmente elevado que comportam, de modo que podem ser qualificadas de restrição da concorrência por objeto.

71.      Há ainda que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a apreciação de uma troca de informações entre concorrentes deve ser feita à luz da conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado (58). Ora, a troca de informações entre concorrentes sobre os fatores determinantes dos preços é manifestamente contrária a esta exigência de autonomia, nomeadamente quando estas informações dizem respeito às intenções futuras em matéria de preços, o que permite às empresas anteciparem a ação comercial estratégica de um concorrente e adaptarem‑se a ela, reduzindo a pressão concorrencial no mercado.

72.      Por outro lado, não pode deixar de se observar que, além do seu caráter confidencial no momento da troca, as informações relativas ao spread são particularmente relevantes para a determinação das propostas de empréstimos que os bancos propõem aos seus clientes. Assim, embora o mercado bancário seja fortemente regulamentado, as instituições bancárias dispõem de uma margem de liberdade decisória no que respeita à determinação do spread que assegura uma diferenciação estratégica de cada banco e que constitui, por isso, um fator chave da concorrência entre essas instituições (59).

73.      Por conseguinte, o conteúdo dessa troca apresenta, em si mesmo, suficiente grau de nocividade para a concorrência e pode ser considerado, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal funcionamento da concorrência o que basta para concluir pela existência de um comportamento pertencente à própria alteração do processo concorrencial nos mercados relevantes (60).

74.      Por outro lado, ao contrário da opinião manifestada por alguns dos recorrentes, não é necessário que uma prática concertada abranja todos os fatores da concorrência. Essa prática pode ter objeto anticoncorrencial mesmo que apenas diga respeito a fatores isolados, como o spread (61). O facto de o preço final incluir outros elementos que podem não ter sido (todos) objeto de uma troca de informações não é suscetível de pôr em causa a constatação de que existe uma restrição da concorrência por objeto.

75.      De resto, o caráter estratégico e comercialmente sensível dos dados trocados não seria posto em causa, mesmo que se verificasse, como alegam vários recorrentes, que alguns dos intercâmbios em causa não diziam respeito aos preços finais praticados pelos bancos nem ao spread efetivamente concedido aos clientes, mas sim a um intervalo de taxas indicativas que eram utilizadas como pontos de partidas das negociações individuais com cada cliente em função do seu perfil de risco específico. Com efeito, a divulgação desses dados pode ser suficiente para revelar as intenções estratégicas sobre um comportamento futuro em matéria de preços e facilitar comportamentos colusivos entre as empresas concorrentes (62).

2)      Quanto ao objetivo prosseguido pelo intercâmbio de informações

76.      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para determinar se um acordo ou um intercâmbio de informações é abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, há que atender nomeadamente aos intuitos que objetivamente pretende atingir (63). Por outro lado, estes intuitos objetivos, que têm de resultar claramente das práticas em causa, de modo nenhum se confundem com as intenções subjetivas de restringir ou não a concorrência ou ainda com os objetivos legítimos eventualmente prosseguidos pelas empresas em causa. É ainda dado assente que se pode considerar que um acordo tem um objeto restritivo da concorrência mesmo que prossiga outros objetivos legítimos (64).

77.      A este respeito, há que recordar que a AdC considerou que, atendendo à natureza das informações objeto de troca, esta não podia ter nenhum outro objetivo além da restrição da concorrência. Esta consideração é impugnada pelos recorrentes que sustentam que a partilha de informação era um meio informal para facilitar a atividade de benchmarking dos bancos que lhes permitia comparar entre si as respetivas ofertas (65), reduzindo simultaneamente os custos associados a esse exercício de comparação, o que era propenso a ter efeitos pró‑competitivos (66), pelo que o objetivo da partilha não era inerentemente anticompetitivo.

78.      Este argumento parece pouco credível e deve, por conseguinte, ser rejeitado.

79.      Com efeito, embora uma troca de informações possa gerar eficiências e tornar as empresas mais eficientes, permitindo‑lhes, nomeadamente, comparar as suas práticas respetivas e melhorar, assim, tanto a sua eficiência interna como a sua posição no mercado, é evidente que iniciativas como o benchmarking não justificam o recurso a práticas anticoncorrenciais em si mesmas, tais como a troca de informações confidenciais e estratégicas do ponto de vista do direito da concorrência, como as relativas às ações previstas por empresas em matéria de preços.

80.      Por outro lado, tenho dificuldade em seguir o raciocínio dos bancos quanto aos objetivos prosseguidos pela troca de informações em questão. Com efeito, há que questionar a utilidade dessa troca, uma vez que, segundo os recorrentes, as informações trocadas, por um lado, iam ser tornadas públicas pelos bancos ao mesmo tempo (ou imediatamente depois) que a troca em causa e, por outro, tendo em conta os procedimentos internos aplicáveis nos bancos, não poderiam ser tidas em conta para a alteração do spread. Para além de esta constatação ser impugnada pela AdC e de não resultar da decisão de reenvio, essa troca de informações seria desprovida de qualquer lógica comercial. Por conseguinte, importa interrogarmo‑nos sobre as motivações que poderiam ter levado os recorrentes a expor‑se a um risco não negligenciável do ponto de vista do direito da concorrência para obterem informações que, em seu entender, não teriam nenhum verdadeiro interesse comercial.

3)      Quanto ao contexto jurídico e económico

81.      A título preliminar, há que observar que os recorrentes acusam a AdC de não ter tomado em consideração o contexto económico, jurídico e regulamentar do setor bancário durante o período da infração. Avaliadas no contexto jurídico e económico relevante, as trocas em questão seriam, segundo estas partes, efetivamente pró‑concorrenciais ou, pelo menos, uma tal avaliação deveria ter suscitado dúvidas quanto ao seu caráter nocivo, o que teria posto em causa a declaração de uma restrição da concorrência por objeto (67).

82.      Por outro lado, há que recordar, como especifiquei no n.o 47 das presentes conclusões, que, quando o objeto anticoncorrencial é facilmente percetível, como parece ser o caso das trocas relativas ao spread, a análise do contexto económico e jurídico em que a prática se insere deve limitar‑se ao estritamente necessário para verificar se há circunstâncias específicas que possam pôr em causa a nocividade verificada dessa prática. Daqui decorre que só os elementos verdadeiramente relevantes para a análise do contexto jurídico e económico devem ser examinados por uma autoridade da concorrência e que esta última não é obrigada a examinar argumentos puramente hipotéticos ou alheios ao contexto jurídico e económico em que se insere a troca de informações ou o comportamento em causa (68).

83.      Os recorrentes impugnam, em primeiro lugar, as apreciações feitas pela AdC e pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o grau de concentração (e as quotas de mercado) dos diferentes participantes durante o período abrangido pela referida troca e o facto de esta última ter tido lugar num «circuito fechado».

84.      Embora não caiba ao Tribunal de Justiça substituir‑se ao órgão jurisdicional de reenvio para apreciar o método seguido pela AdC e o mérito da análise que esta efetuou, refira‑se, antes de mais, que o grau de concentração é um dos elementos que se podem revelar relevantes no âmbito da análise de uma restrição da concorrência (69). Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que, num mercado muito concentrado, o intercâmbio de determinadas informações pode, segundo o tipo de informações trocadas, permitir que as empresas conheçam a posição e a estratégia comercial dos seus concorrentes no mercado, falseando deste modo a rivalidade nesse mercado e aumentando a possibilidade de uma colusão, ou mesmo facilitando‑a (70).

85.      Além do potencial colusivo desse intercâmbio, o facto de este ter ocorrido num circuito fechado apresenta igualmente um risco de exclusão dos bancos que não participam no referido intercâmbio e que, por conseguinte, não dispõem dos mesmos dados para apreciar as condições existentes e futuras no mercado relevante. Esse intercâmbio de informações entre um grupo limitado de participantes é suscetível de tornar mais difícil a entrada de novos operadores no mercado (71), nomeadamente quando este apresenta as características referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio (72).

86.      Por outro lado, o facto de, ao contrário das informações sobre os volumes de produção, que eram regulares, as trocas de informações relativas às tabelas de spread serem esporádicas, como afirmam os recorrentes, não exclui, por si só, o objeto anticoncorrencial de uma troca de informações. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta a estrutura de um mercado, um único contacto pode bastar para que as empresas concertem a sua atuação (73).

87.      Em segundo lugar, os recorrentes sustentam que, dadas as características do mercado bancário português, o comportamento em causa não poderia ter tido qualquer efeito sobre a concorrência e, por conseguinte, não poderia ter conduzido a um comportamento colusivo (74). Mais concretamente, tendo em conta os procedimentos internos que as instituições de crédito tinham de seguir para alterar a sua oferta, não podiam reagir imediatamente a essas informações.

88.      Importa observar, a esse respeito, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, sem prejuízo da prova em contrário que cabe às partes (75), há que presumir que as empresas têm em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento no mercado quando aí continuam ativas (76) e que, por maioria de razão, isto se verifica quando a concertação ocorrer regularmente durante um longo período (77).

89.      Ora, parece‑me que os recorrentes tentam ilidir esta presunção invocando uma «impossibilidade factual» de ter em consideração estas informações a fim de ajustar e alterar o seu comportamento no mercado. No entanto, mesmo que assim fosse (o que não resulta da decisão de reenvio), tal argumento não seria, por si só, suficiente para afastar a declaração de uma restrição da concorrência por objeto.

90.      Com efeito, importa recordar, primeiro, que o artigo 101.o TFUE, à semelhança das outras normas da concorrência enunciadas no Tratado, não se destina apenas a proteger os interesses diretos dos concorrentes ou dos consumidores, mas também a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal. Por conseguinte, a verificação da existência do objeto anticoncorrencial de uma prática concertada não pode estar sujeita à da sua relação direta com os preços pagos pelos consumidores finais (78). Assim, mesmo um comportamento suscetível de conduzir a uma certa redução do preço dos produtos ou serviços em causa (ou de ter um impacto neutro na concorrência) pode, em determinadas circunstâncias, ser considerado intrinsecamente anticoncorrencial (79).

91.      Segundo, o facto de os spreads serem tornados públicos pouco tempo depois das trocas em questão em nada altera o facto de essas informações serem confidenciais sem serem acessíveis ao público no momento em que foram efetivamente trocadas. Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que essas informações diziam respeito às intenções futuras dos bancos em causa em matéria de preços e eram, por conseguinte, estratégicas e particularmente sensíveis do ponto de vista do direito da concorrência.

92.      Ainda que se admita que o argumento invocado pelos recorrentes tivesse sido provado, considero que não bastaria para pôr em causa a declaração da existência da infração que consiste numa restrição por objeto, mas poderia ser tido em conta no cálculo da coima e, sendo caso disso, levar a uma redução da coima aplicada.

93.      No que respeita, em terceiro lugar, aos argumentos relativos à especificidade do setor bancário, os recorrentes sustentam que, ao reduzir a incerteza no mercado, a troca de informações em causa podia conduzir a eficiências e ter efeitos pró‑concorrenciais benéficos para os consumidores.

94.      Importa observar, a este respeito, como recordei no n.o 49 das presentes conclusões, que a eventual existência de efeitos pró‑concorrenciais invocados pelos recorrentes não põe em causa a conclusão de que um determinado acordo constitui uma restrição da concorrência por objeto, a menos que os efeitos em questão sejam provados, relevantes, específicos e de tal forma significativos que sejam suscetíveis de pôr em causa a conclusão de que a troca de informações é intrinsecamente nociva para a concorrência.

95.      Ora, embora os recorrentes identifiquem de forma geral e bastante teórica certos aspetos alegadamente pró‑concorrenciais que entendem resultar das trocas controvertidas, não parecem conseguir fazer essa prova. Com efeito, não resulta de nenhum elemento dos autos que as referidas trocas teriam permitido melhorar o funcionamento do mercado ou corrigir as suas falhas (80). No entanto, mesmo supondo que os bancos em causa tivessem transferido certas vantagens para os seus clientes, o que aliás não resulta da decisão de reenvio, tal não excluiria a natureza anticoncorrencial do comportamento em questão (81).

96.      Por outro lado, tendo em conta o caráter particularmente sensível das informações relativas aos spreads descritas nos n.os 71 a 74 das presentes conclusões, é pouco provável que os aspetos pró‑concorrenciais invocados pelos recorrentes permitam razoavelmente duvidar do caráter nocivo das trocas em causa para a concorrência (82).

97.      Os recorrentes alegam, em quarto lugar, que, ao contrário das conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, o aumento das taxas de juro não se deveu à troca de informações em causa, tendo antes por explicação outros fatores ligados à crise financeira mundial de 2008 e às medidas de consolidação orçamental implementadas por Portugal na sequência dessa crise.

98.      Por razões análogas às já expostas no n.o 90 das presentes conclusões, considero que esse argumento também deve ser rejeitado (83). Por outro lado, não pode deixar de se observar que, embora resulte da decisão de reenvio que a troca em questão se intensificou durante o período correspondente à crise económica, não é menos verdade que a referida troca começou em 2002, isto é, muito antes do início da crise financeira e das subsequentes intervenções das autoridades reguladoras associadas a essa crise.

99.      No que respeita, em quinto lugar, ao quadro regulamentar em que teve lugar a troca de informações, os recorrentes acusam o órgão jurisdicional de reenvio de não ter tido em conta o facto de o quadro legislativo aplicável ao setor bancário em Portugal conter uma série de normas destinadas a garantir um certo nível de transparência no mercado para evitar crises sistémicas. Além disso, estas normas foram, segundo os recorrentes, introduzidas pelo direito da União relativo à proteção dos consumidores.

100. Na minha opinião, este argumento também não pode ser acolhido, uma vez que resulta claramente da decisão de reenvio que as informações trocadas pelos recorrentes eram distintas e iam além das informações por eles comunicadas no âmbito das suas obrigações regulamentares. Deve notar‑se, por outro lado, que, ao contrário do que alguns dos recorrentes sustentam, nenhuma das normas do direito da União pode exigir a troca entre bancos de informações como os spreads (84).

c)      Quanto às informações relativas aos «volumes de produção»

101. Sem que seja necessário reproduzir a «grelha de análise clássica» de uma restrição da concorrência por objeto, que compreende o exame do conteúdo, dos objetivos e do contexto jurídico e económico em que um acordo se insere, parece‑me importante fazer algumas precisões sobre as trocas relativas aos volumes de produção, uma vez que algumas das partes no processo principal parecem considerar que as referidas trocas poderiam, por si só (e independentemente da análise relativa às trocas sobre os spreads) ter um objeto anticoncorrencial.

102. Há que observar, primeiro, que os dados relativos aos volumes de produção podem, em princípio, constituir informações estratégicas e sensíveis do ponto de vista do direito da concorrência, desde que as características das informações trocadas e o contexto que rodeia essa troca permitam reduzir a incerteza ligada ao comportamento estratégico de um concorrente no mercado (85).

103. Segundo, não pode deixar de se observar que, ao contrário das trocas de informações relativas aos spreads, a troca em questão não diz respeito a práticas futuras, mas sim a dados do mês anterior. Embora a apreciação final dos atributos temporais dessas informações caiba ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as circunstâncias específicas do mercado bancário em causa, há que recordar que, em princípio, o intercâmbio de dados passados (ou históricos) é pouco suscetível de levar a uma colusão e é menos nocivo do ponto de vista do direito da concorrência, visto é pouco provável que forneça uma indicação sobre o comportamento futuro dos concorrentes ou permita um entendimento comum sobre o mercado (86).

104. Refira‑se, a este respeito, que não existe um limiar predefinido a partir do qual os dados passam a ser históricos, ou seja, suficientemente antigos para não suscitarem riscos de concorrência. Com efeito, o facto de os dados serem verdadeiramente históricos depende das características específicas do mercado relevante e, em especial, da frequência das renegociações de preços no setor (87). Daqui decorre que, embora pouco provável, não se pode excluir a possibilidade de as trocas relativas a acontecimentos passados também constituírem restrições por objeto na aceção do artigo 101.o TFUE. Tal seria o caso na hipótese em que a troca de informações recentes e individualizadas sobre variáveis estratégicas revelasse tendências cujo conhecimento fosse suscetível de reduzir ou eliminar a incerteza das partes quanto às suas intenções futuras no mercado, caso em que essa troca poderia ser equivalente à troca de informações relativas a dados futuros.

105. Terceiro, admite‑se que os intercâmbios de dados verdadeiramente agregados, ou seja, dados em que seja suficientemente difícil reconhecer as informações de cada empresa, têm muito menos probabilidades de originar efeitos restritivos da concorrência do que os intercâmbios de dados ao nível das empresas. Assim, o risco de a troca de informação estratégica reduzir a incerteza no mercado e, por conseguinte, restringir a concorrência é maior quando essa informação é desagregada (88).

106. Quarto, o facto de as informações trocadas irem além das obrigações regulamentares dos bancos em causa e serem relativas a dados que não estavam disponíveis ao público não basta, por si só, para lhes atribuir uma natureza anticoncorrencial. É ainda necessário demonstrar que as informações trocadas permitiram atenuar ou eliminar a incerteza no mercado (e isto de forma clara e inequívoca para se poder concluir pela restrição da concorrência por objeto).

107. Daqui resulta que, embora não se exclua a possibilidade de o intercâmbio de dados recentes e desagregados sobre os volumes de produção ter caráter estratégico e ser sensível do ponto de vista do direito da concorrência, nomeadamente quando esse intercâmbio se efetua num mercado muito concentrado e quando a frequência dos intercâmbios é elevada, a decisão de reenvio não contém nenhum elemento que permita demonstrar claramente, como exige a interpretação restritiva do conceito de restrição por objeto, que esse intercâmbio tinha um caráter particularmente nocivo para a concorrência e que teria permitido (por si só) atenuar a incerteza estratégica quanto ao comportamento futuro dos participantes no mercado (89).

d)      Quanto à análise conjunta das informações trocadas

108. Resulta desta análise que, embora a parte da troca de informações descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio relativa aos spreads possa integrar uma das categorias de acordos ou de práticas concertadas abrangidas pelo conceito de restrição por objeto, isso não se impõe de modo tão evidente no que respeita aos dados relativos à produção, se essas trocas tiverem sido analisadas separada e distintamente.

109. Resulta, todavia, tanto da decisão inicial da AdC como da decisão de reenvio que, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha feito uma distinção entre os dois tipos de informações trocadas, não considerou que cada uma dessas trocas era, em si mesma, restritiva por objeto, mas que faziam parte de uma única troca para a qual foi adotada a qualificação de restrição da concorrência por objeto. Além disso, convém notar que, com base nas constatações do próprio órgão jurisdicional de reenvio quanto à sua nocividade intrínseca para a concorrência (90), essa troca é suscetível de constituir uma restrição da concorrência por objeto. No entanto, para que esta qualificação jurídica seja adotada, devem também estar preenchidas duas outras condições, que não resultam claramente dos presentes autos.

110. Com efeito, por um lado, é importante, do ponto de vista da segurança jurídica, garantir que a teoria do prejuízo, com base na qual uma prática anticoncorrencial é condenada por uma autoridade da concorrência, seja clara, nomeadamente quando se trata de determinar o objeto anticoncorrencial dessa prática (91).

111. Por outro lado, a interação entre as trocas relativas a esses dois tipos de informações, que permite sustentar a teoria do prejuízo adotada por uma autoridade da concorrência, deve resultar inequivocamente da análise efetuada por esta autoridade. Esta última deve, por conseguinte, demonstrar uma relação suficientemente clara entre as trocas relativas a estes dois tipos de informações e explicar de que forma as trocas com estas características são suficientemente nocivas para a concorrência para justificar a classificação como restrição da concorrência por objeto. Por outras palavras, a Autoridade da Concorrência terá de demonstrar de que modo estas trocas, no seu conjunto, fazem parte de um «plano» manifestamente anticoncorrencial e são suscetíveis de fazer convergir o comportamento dos bancos em causa (92).

V.      Conclusão

112. Atendendo a estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (Portugal) do seguinte modo:

1)      O artigo 101.o TFUE não se opõe à qualificação de restrição por objeto de uma troca de informações entre concorrentes sobre condições comerciais aplicáveis às operações (nomeadamente spreads e variáveis de risco atuais e futuras) e números de produção, no quadro da oferta de crédito à habitação, a empresas e ao consumo, no setor bancário, quando essa prática tenha aumentado artificialmente a transparência e reduzido a incerteza sobre o funcionamento do mercado.

2)      O artigo 101.o TFUE não se opõe a essa qualificação quando não tenha sido apurado nem tenha sido possível identificar quaisquer ganhos de eficiência, efeitos ambivalentes ou pró‑competitivos resultantes desse intercâmbio de informações.


1      Língua original: francês.


2      Diário da República, 1.a série, n.o 89, de 8 de maio de 2012, pp. 2404 a 2427.


3      Diário da República, série I‑A, n.o 134, de 11 de junho de 2003, pp. 3450 a 3461.


4      O termo «isolada» é utilizado pela AdC para indicar que a troca em causa constitui o objeto da investigação e que não é acessória a qualquer outro comportamento alegadamente problemático, como um cartel.


5      O spread regressou contudo a níveis mais elevados do que nos períodos anteriores a 2012.


6      Estas partes alegam, mais precisamente, que as trocas relativas ao spread não abrangiam informação que pudesse ser qualificada de futura, uma vez que: i) as decisões de preços em causa estavam já tomadas e em implementação; ii) as informações eram comunicadas um dia útil antes da sua entrada em vigor; iii) essa antecedência relativamente à data de entrada em vigor impossibilitava, dados os procedimentos internos dos bancos de alteração do spread, qualquer forma de adaptação à informação recebida. As referidas partes contestam, por outro lado, a qualificação das informações relativas aos volumes de produção de «atuais», uma vez que, em seu entender, essas informações devem ser consideradas «passadas» ou «históricas».


7      V. Acórdãos de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o. (C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 35), e de 12 de fevereiro de 2009, Cobelfret (C‑138/07, EU:C:2009:82, n.o 23).


8      Acórdão de 19 de abril de 2007, Asemfo (C‑295/05, EU:C:2007:227, n.o 31).


9      V. Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, a seguir «Acórdão Visma», EU:C:2021:935, n.o 51 e jurisprudência referida).


10      V. Acórdão Visma (n.o 52 e jurisprudência referida).


11      V. Acórdão Visma (n.o 54 e jurisprudência referida).


12      V. Acórdão Visma (n.o 55 e jurisprudência referida).


13      V. Acórdão Visma (n.o 57 e jurisprudência referida).


14      Acórdão de 16 de julho de 2015, ING Pensii (C‑172/14, EU:C:2015:484, n.o 33 e jurisprudência referida).


15      V., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 66 e jurisprudência referida).


16      V. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.o 30).


17      Acórdão Budapest Bank (n.o 63).


18      V. Acórdão Budapest Bank (n.o 76 e jurisprudência referida) e Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.os 63 a 73).


19      V. Acórdãos de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, EU:C:2021:241, n.o 86), e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 130).


20      A este respeito, deve notar‑se que, no n.o 86 do Acórdão de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, EU:C:2021:241), o Tribunal de Justiça rejeitou expressamente o argumento apresentado por alguns dos recorrentes no presente processo de que o n.o 51 do Acórdão CB/Comissão exigia que os tribunais ou autoridades demonstrassem «experiência» específica relativa a práticas particulares proibidas como restrições «por objeto». V., neste sentido, igualmente o n.o 66 do Acórdão de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, EU:C:2021:241).


21      V. n.os 28 e 30 das presentes conclusões.


22      Desde que nenhum outro elemento específico dessa prática, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que se insere, possa pôr em causa esta conclusão. V., neste sentido, n.os 43 e 44 das presentes conclusões.


23      V. Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 131).


24      Acórdão Budapest Bank (n.o 76) e Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.os 41 a 43). Esta abordagem foi também seguida pelo advogado‑geral N. Emiliou, no que respeita à qualificação de uma troca de informações comerciais sensíveis de restrição da concorrência por objeto [v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Emiliou no processo HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2022:384, n.os 83 e 84)].


25      V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.o 42).


26      V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.os 43, 48 e 49).


27      V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 158), Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.o 41) e Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Budapest Bank e o. (C‑228/18, EU:C:2019:678, n.o 46).


28      Jurisprudência consagrada no processo CB/Comissão, confirmada e aperfeiçoada posteriormente numa série de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija (C‑345/14, EU:C:2015:784), Budapest Bank, de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52).


29      V. Acórdão Visma (n.o 72 e jurisprudência referida).


30      V. Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 29).


31      Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.o 44).


32      V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.o 164).


33      Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, a seguir «Acórdão HSBC», EU:C:2023:11).


34      Acórdão HSBC (n.o 139 e jurisprudência referida).


35      Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 137).


36      Acórdão HSBC (n.o 197 e jurisprudência referida).


37      V. as minhas Conclusões no processo International Skating Union/Comissão (C‑124/21 P, EU:C:2022:988, n.o 93).


38      V. Acórdão HSBC (n.o 140 e jurisprudência referida).


39      Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, a seguir «Acórdão T‑Mobile», EU:C:2009:343, n.o 23 e jurisprudência referida).


40      Acórdão T‑Mobile (n.o 24).


41      V. Acórdão T‑Mobile (n.o 26 e jurisprudência referida).


42      Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (C‑286/13 P, a seguir «Acórdão Dole», EU:C:2015:184, n.os 126 e 127).


43      Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 90), de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, a seguir «Acórdão ASNEF», EU:C:2006:734, n.o 51), T‑Mobile (n.o 35) e Dole (n.o 121).


44      Acórdão Dole (n.o 120 e jurisprudência referida).


45      Este ponto é, além disso, invocado pelos recorrentes para contestar a qualificação pela AdC da troca de informações controvertida de restrição da concorrência por objeto, sustentando estas partes que este critério só pode ser utilizado para a constatação de uma restrição por efeito.


46      Acórdãos T‑Mobile (n.o 41), Dole (n.o 122) e HSBC (n.o 116).


47      Acórdão de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão (C‑98/17 P, EU:C:2018:774, n.o 37).


48      Acórdão ASNEF (n.o 48).


49      Acórdão ASNEF (n.o 59).


50      V. n.o 57 das Orientações da Comissão sobre a aplicação do artigo 101.o TFUE aos acordos de cooperação horizontal (JO 2011, C 11, p. 1) (a seguir «Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal»).


51      V. ponto 86 das Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal.


52      V. pontos 86 e 91 das Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal.


53      Com efeito, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça tenha qualificado de restrição da concorrência por objeto principalmente as trocas de informações que tiveram lugar no âmbito de um cartel, essa jurisprudência de modo nenhum implica que só essas trocas possam ser qualificadas de restrição da concorrência por objeto.


54      V. n.o 18 das presentes conclusões.


55      V. n.os 19 a 21 das presentes conclusões.


56      V. n.o 25 das presentes conclusões.


57      O spread representa, com efeito, uma componente do preço que um cliente pagará ao banco pelo financiamento e a margem que o banco ganhará com a concessão de crédito.


58      V. n.o 54 das presentes conclusões.


59      Com efeito, um banco que tem conhecimento do spread dos seus concorrentes está numa posição mais favorável para determinar mais precisamente os preços da proposta final ou dos preços de oferta desses concorrentes.


60      O mesmo se aplica, na minha opinião, às trocas de informações relativas a outras condições comerciais, como a capacidade de crédito dos clientes e os parâmetros de risco, na medida em que estes se refiram a elementos essenciais do contrato e desempenhem um papel decisivo na determinação do preço. A troca dessas informações pode facilitar e incentivar um comportamento colusivo entre as empresas em causa.


61      V. Acórdão HSBC (n.o 204).


62      V., também, n.o 90 das presentes conclusões sobre o objeto de proteção da estrutura do mercado prosseguido pelo direito da concorrência da União.


63      Acórdão T‑Mobile (n.o 27).


64      V. Conclusões do advogado‑geral de N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.o 117).


65      A este respeito, essas partes afirmam que as informações obtidas tinham por objetivo comparar as ofertas e apoiar as redes comerciais de cada um dos bancos na comercialização dos produtos, cada banco salientando as vantagens dos seus produtos e as desvantagens dos produtos dos seus concorrentes.


66      Este argumento será analisado nos n.os 93 a 96 das presentes conclusões, dedicados à análise do contexto jurídico e económico.


67      V., a este respeito, n.o 25 das presentes conclusões.


68      Por conseguinte, não se pode criticar uma autoridade da concorrência por não ter examinado elementos que não têm nenhuma utilidade para a análise do referido contexto.


69      Importa especificar que o grau de concentração constitui apenas um dos elementos a ter em conta para verificar a existência de uma restrição da concorrência e não permite, por si só, declarar o objeto anticoncorrencial de um intercâmbio de informações. Esclarecido este ponto, não resulta de nenhum elemento dos autos que a AdC ou o órgão jurisdicional de reenvio se tenham baseado exclusivamente nesse elemento para decidirem a qualificação de restrição da concorrência por objeto no que respeita ao intercâmbio em questão.


70      Na consideração do grau de concentração, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não parece distinguir as trocas de informações que foram qualificadas de restrição por objeto ou por efeito. O grau de concentração é, assim, tido em consideração como um dos elementos adicionais que permitem demonstrar uma restrição da concorrência da mesma forma, independentemente da qualificação da restrição da concorrência. V., neste sentido, Acórdãos ASNEF (n.o 58) e T‑Mobile (n.o 34).


71      Acórdão ASNEF (n.o 60).


72      Com efeito, este mercado é apresentado como «concentrado e com barreiras à entrada» pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua primeira questão prejudicial.


73      V. Acórdão T‑Mobile (n.os 59 e 62).


74      V. nota de pé de página 6 das presentes conclusões.


75      Seria o caso, por exemplo, de uma declaração clara de uma empresa que se recusasse a receber tais informações. V., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão (C‑199/92 P, EU:C:1999:358, n.o 162 e jurisprudência referida).


76      V. Acórdão Dole (n.o 127 e jurisprudência referida).


77      V. Acórdão T‑Mobile (n.o 51).


78      V. Acórdãos Dole (n.os 123 a 125) e HSBC (n.os 120 e 121).


79      V. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 109 e 110).


80      Na sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que «não se apuraram, nem se lograram identificar eficiências, efeitos ambivalentes ou pró‑competitivos resultantes daquele intercâmbio de informações».


81      Com efeito, resulta da jurisprudência referida no n.o 90 das presentes conclusões que o direito da concorrência da União é concebido para proteger não só os interesses diretos dos consumidores, mas também a estrutura do mercado.


82      V., neste sentido, Acórdão HSBC (n.os 199 a 205).


83      Com efeito, mesmo admitindo que o aumento das taxas de juro não se deveu à troca de informações em causa, mas sim a fatores exógenos (como a crise financeira), resulta da jurisprudência constante recordada no n.o 90 das presentes conclusões que, para concluir que um determinado comportamento tem um objeto anticoncorrencial, não é necessário que exista uma relação imediata e direta entre esse comportamento e um aumento dos preços finais.


84      Qualquer outra interpretação equivaleria a aceitar que, por uma questão de princípio, as normas do direito da concorrência se aplicam ao setor bancário de forma diferente à aplicável a outros setores, o que evidentemente não é o caso, como demonstram os numerosos processos recentemente seguidos pelas autoridades nacionais da concorrência e pela Comissão.


85      Mesmo supondo que assim fosse, este elemento não implicaria automaticamente a qualificação de restrição da concorrência por objeto, como foi explicado no n.o 62 das presentes conclusões.


86      V. ponto 90 das Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal.


87      V. ponto 90 das Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal.


88      V. ponto 89 das Orientações sobre os Acordos de Cooperação Horizontal.


89      V. n.o 56 das presentes conclusões.


90      V. n.o 15 das presentes conclusões.


91      V. Acórdão Budapest Bank (n.o 80 e jurisprudência referida).


92      Sob reserva das constatações que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar a este respeito, parece que essa relação está demonstrada no presente processo, uma vez que parece resultar dos elementos tidos em conta pela AdC na sua decisão que as trocas de informações sobre os volumes de produção se destinavam a facilitar a deteção de desvios e a reforçar a colusão entre os recorrentes.