Language of document : ECLI:EU:C:2024:528

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

20 de junho de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Pedido de marca figurativa da União Europeia Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice — Marca nominativa anterior não registada no Reino Unido BASMATI — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 8.o, n.o 4 — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigo 72.o — Motivo relativo de recusa — Oposição — Recurso para a Câmara de Recurso — Negação de provimento — Recurso para o Tribunal Geral — Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica — Artigos 126.o e 127.o — Período de transição — Consequências do fim do período de transição para a proteção da marca anterior — Circunstâncias posteriores à adoção da decisão controvertida — Manutenção do objeto do recurso e do interesse em agir»

No processo C‑801/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 17 de dezembro de 2021,

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gaja, D. Hanf, E. Markakis e V. Ruzek, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Heitz, M. Hellmann, D. Klebs e J. Möller, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo a outra parte no processo:

Indo European Foods Ltd, com sede em Harrow (Reino Unido), representada por A. Norris, barrister, e N. Welch, solicitor,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, Z. Csehi, M. Ilešič, I. Jarukaitis e D. Gratsias (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de setembro de 2023,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 6 de outubro de 2021, Indo European Foods/EUIPO. — Chakari (Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice) (T‑342/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:651), pelo qual este, por um lado, anulou a Decisão da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO, de 2 de abril de 2020 (processo R 1079/2019‑4) (a seguir «decisão controvertida»), relativa a um processo de oposição entre a Indo European Foods Ltd e Hamid Ahmad Chakari, e, por outro, negou provimento ao recurso da Indo European Foods quanto ao restante.

 Quadro jurídico

 Acordo de Saída

2        O primeiro, quarto e oitavo parágrafos do preâmbulo do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7, a seguir «Acordo de Saída»), adotado em 30 de janeiro de 2020 e entrado em vigor em 1 de fevereiro de 2020, enunciam:

«Considerando que, em 29 de março de 2017, o [Reino Unido], na sequência do referendo realizado no Reino Unido e da decisão soberana deste país de saída da União Europeia, notificou a intenção de se retirar da [União] […], em conformidade com o artigo [50.o TUE] […],

[…]

Recordando que, nos termos do artigo [50.o TUE] […] e sob reserva das disposições estabelecidas no presente Acordo, o direito da União […] deixa de ser aplicável na íntegra ao Reino Unido a partir da data de entrada em vigor do presente Acordo,

[…]

Considerando que é do interesse da União e do Reino Unido determinar o período de transição ou de execução, durante o qual […] o direito da União […] é aplicável ao Reino Unido e no seu território, e, como regra geral, produz os mesmos efeitos em relação aos Estados‑Membros, a fim de evitar perturbações durante o período de negociação do(s) acordo(s) sobre as futuras relações.»

3        O artigo 1.o do Acordo de Saída, sob a epígrafe «Objetivo», dispõe:

«O presente Acordo estabelece as disposições para a saída do [Reino Unido] da União […].»

4        Nos termos do artigo 126.o do referido acordo, sob a epígrafe «Período de transição»:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

5        O artigo 127.o do mesmo acordo, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da transição», dispõe, nos n.os 1, 3 e 6:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

[…]

3.      Durante o período de transição, o direito da União aplicável nos termos do n.o 1 produz, no que respeita ao Reino Unido e no seu território, os mesmos efeitos jurídicos que produz na União e nos seus Estados‑Membros, e deve ser interpretado e aplicado em conformidade com os mesmos métodos e princípios gerais que são aplicáveis na União.

[…]

6.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, durante o período de transição, as referências a Estados‑Membros no direito da União aplicável nos termos do n.o 1, incluindo as disposições transpostas e aplicadas pelos Estados‑Membros, entendem‑se como incluindo o Reino Unido.»

 Regulamento n.o 207/2009

6        Os considerandos 3, 4 e 7 do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21) (a seguir «Regulamento n.o 207/2009»), dispõem:

«(3) […] [P]arece adequado prever um regime comunitário de marcas que confira às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas comunitárias que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da Comunidade. O princípio do caráter unitário da marca comunitária assim definido deverá ser aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.

(4)      A aproximação das legislações nacionais é ineficaz no tocante à supressão do obstáculo da territorialidade dos direitos conferidos aos titulares de marcas pelas legislações dos Estados‑Membros. Para permitir às empresas exercerem sem entraves uma atividade económica em todo o mercado interno é necessário que existam marcas reguladas por um direito comunitário único, diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.

[…]

(7)      O direito à marca comunitária só poderá ser adquirido por registo e este deverá ser recusado nomeadamente […] se lhe forem oponíveis direitos anteriores.»

7        O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 determina:

«A marca da UE tem caráter unitário. A marca da UE produz os mesmos efeitos em toda a União: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

8        O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Motivos relativos de recusa», prevê, no n.o 4:

«Após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, é recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo a legislação da União ou o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal:

a)      Tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca da UE ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca da UE;

b)      Esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.»

 Regulamento (UE) 2017/1001

9        O Regulamento n.o 207/2009 foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 1 de outubro de 2017, pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).

10      O artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 8.o, n.o 4, deste último regulamento estão redigidos nos mesmo termos que, respetivamente, o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009.

11      O artigo 72.o do Regulamento 2017/1001, sob a epígrafe «Recurso para o Tribunal de Justiça», prevê:

«1.      As decisões das Câmaras de Recurso que deliberem sobre um recurso são passíveis de recurso para o Tribunal Geral.

2.      O recurso tem por fundamento incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação do TFUE, violação do presente regulamento ou de qualquer norma jurídica sobre a sua aplicação, ou desvio de poder.

3.      O Tribunal Geral é competente para anular e para reformar a decisão impugnada.

[…]

6.      O [EUIPO] toma as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral ou, em caso de recurso contra este acórdão, do acórdão do Tribunal de Justiça.»

12      O artigo 139.o deste regulamento, sob a epígrafe «Requerimento destinado a encetar o processo nacional», enuncia, nos n.os 1 a 3:

«1.      O requerente ou o titular de uma marca da UE pode requerer a transformação do seu pedido ou da sua marca da UE em pedido de marca nacional:

a)      Na medida em que o pedido de marca da UE seja recusado, retirado ou considerado retirado;

[…]

2.      A transformação não ocorre:

[…]

b)      Tendo em vista a proteção num Estado‑Membro onde, de acordo com a decisão do Instituto ou do órgão jurisdicional nacional, o pedido ou a marca da UE estejam feridos de um motivo de recusa de registo, de revogação ou de nulidade.

3.      O pedido de marca nacional com origem na transformação de um pedido ou de uma marca da UE beneficia, no Estado‑Membro em causa, da data de depósito ou da data de prioridade desse pedido ou dessa marca […]»

 Antecedentes do litígio

13      Os factos na origem do litígio, como foram expostos nos n.os 1 a 12 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

14      Em 14 de junho de 2017, H. A. Chakari apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no EUIPO, o qual foi publicado no Boletim de Marcas da União Europeia n.o 169/2017, de 6 de setembro de 2017.

15      A marca pedida é o seguinte sinal figurativo:

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16      O registo foi pedido para produtos à base de arroz pertencentes às classes 30 e 31, na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado.

17      Em 13 de outubro de 2017, a Indo European Foods deduziu oposição ao registo da marca pedida para os produtos referidos no número anterior. A oposição baseava‑se na marca nominativa anterior não registada no Reino Unido BASMATI, que designa arroz. O motivo invocado em apoio da oposição era o previsto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001. A Indo European Foods alegava, em substância, que podia, ao abrigo do direito aplicável no Reino Unido, impedir a utilização da marca cujo registo era pedido, com fundamento na forma denominada «extensiva» da ação por usurpação de denominação («action for passing off»).

18      Por Decisão de 5 de abril de 2019, a Divisão de Oposição indeferiu integralmente a oposição, com o fundamento de que os elementos de prova apresentados pela Indo European Foods não eram suficientes para demonstrar, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 4 do Regulamento 2017/1001, que a marca anterior tinha sido utilizada na vida comercial cujo alcance não era apenas local antes da data relevante e no território em causa.

19      Em 16 de maio de 2019, a Indo European Foods interpôs recurso no EUIPO da referida decisão da Divisão de Oposição.

20      Com a decisão controvertida, a Quarta Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso, por considerar que a Indo European Foods não tinha demonstrado que o nome «basmati» lhe permitia proibir a utilização da marca pedida no Reino Unido com base na forma denominada «extensiva» da usurpação de denominação.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de junho de 2020, a Indo European Foods interpôs um recurso destinado a obter a anulação e a reforma da decisão controvertida.

22      Em apoio do seu recurso, a recorrente invocou um fundamento único, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009.

23      Na sua contestação, o EUIPO sustentou, nomeadamente, que, visto que a oposição ao registo da marca pedida se baseava numa marca anterior não registada do Reino Unido, a proteção conferida a esta pelo direito do Reino Unido continuava a ser pertinente durante o período de transição previsto nos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída (a seguir «período de transição»), mas que, no termo desse período, o processo de oposição e o recurso no Tribunal Geral ficariam privados do seu objeto. Por outro lado, o EUIPO sustentou que, uma vez que a anulação da decisão controvertida já não podia conferir nenhum benefício à recorrente, esta já não tinha interesse em agir no processo perante o Tribunal Geral.

24      Em primeiro lugar, nos n.os 15 a 23 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a argumentação do EUIPO relativa ao objeto do processo de oposição e do recurso.

25      Após ter recordado, no n.o 16 do referido acórdão, que o período de transição decorria entre 1 de fevereiro e 31 de dezembro de 2020, o Tribunal Geral salientou, no n.o 17, que o objeto do litígio era, no caso em apreço, a decisão controvertida, na qual a Câmara de Recurso se tinha pronunciado sobre a existência do motivo de oposição invocado pela recorrente em primeira instância. Por outro lado, nesse mesmo n.o 17, o Tribunal Geral, à luz da sua jurisprudência, considerou que a existência de um motivo relativo de oposição devia ser apreciada, o mais tardar, no momento em que o EUIPO se pronuncia sobre a oposição. Com efeito, salientou que, embora num acórdão recente tenha declarado que a marca anterior que serve de base à oposição devia ser válida não só no momento da publicação do pedido de registo da marca pedida mas também no momento em que o EUIPO se pronuncia sobre a oposição, existia uma certa linha de jurisprudência contrária segundo a qual, para apreciar a existência de um motivo relativo de oposição, devia ser tomado em consideração o momento do depósito do pedido de registo de marca da União Europeia contra o qual tinha sido deduzida oposição ao abrigo de uma marca anterior.

26      Assim, considerou, no n.o 18 do acórdão recorrido, que não tinha que se pronunciar sobre esta questão no caso em apreço, uma vez que a decisão controvertida tinha sido adotada durante o período de transição, ou seja, numa data em que, não havendo disposição em contrário no Acordo de Saída, o Regulamento 2017/1001 continuava a aplicar‑se às marcas anteriores não registadas no Reino Unido utilizadas na vida comercial, e que, por conseguinte, a marca anterior em causa continuava a beneficiar de proteção idêntica àquela de que teria beneficiado se o Reino Unido não se tivesse retirado da União.

27      Em seguida, no n.o 19 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que, em todo o caso, considerar que o litígio fica desprovido de objeto quando, no decurso da instância, ocorre um acontecimento, como a eventual retirada do Estado‑Membro em causa da União, na sequência do qual uma marca anterior pode perder o estatuto de marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não é apenas local, equivaleria a tomar em consideração motivos que surgiram após a adoção da decisão controvertida e que não são suscetíveis de afetar o seu mérito. Ora, o Tribunal Geral precisou que, em princípio, para apreciar a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do EUIPO, devia atender à data em que foram adotadas essas decisões.

28      Por último, no n.o 20 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu das considerações recordadas nos n.os 25 a 27 do presente acórdão que, independentemente de qual fosse o momento decisivo escolhido como momento de referência, a saber, o momento do depósito do pedido de marca ou o momento da decisão da Câmara de Recurso, a marca anterior invocada em apoio da oposição era suscetível de servir de base à oposição. Nos n.os 21 e 22 do acórdão recorrido, considerou, além disso, que esta conclusão não era posta em causa pelos Acórdãos de 14 de fevereiro de 2019, Beko/EUIPO — Acer (ALTUS) (T‑162/18, EU:T:2019:87), e de 2 de junho de 2021, Style & Taste/EUIPO — The Polo/Lauren Company (Representação de um jogador de polo) (T‑169/19, EU:T:2021:318). No n.o 23 do acórdão recorrido, concluiu que da retirada do Reino Unido da União não tinha resultado que o litígio tivesse ficado desprovido de objeto.

29      Em segundo lugar, nos n.os 24 a 28 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação do EUIPO relativa à alegada perda do interesse em agir da Indo European Foods.

30      A este respeito, antes de mais, no n.o 25 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou a jurisprudência constante segundo a qual o interesse em agir deve existir, atendendo ao objeto do recurso, no momento em que este é interposto e perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de ser declarado que já não há que conhecer do recurso, o que pressupõe que o recurso possa, através do seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs, e indicou que se esse interesse em agir desaparecer no decurso do processo, uma decisão do Tribunal Geral quanto ao mérito não poderá conferir nenhum benefício ao recorrente em causa.

31      Em seguida, no n.o 26 deste acórdão, o Tribunal Geral rejeitou o argumento do EUIPO segundo o qual a falta de interesse em agir da recorrente em primeira instância resultava do facto de o requerente da marca da União Europeia em causa poder transformar o seu pedido em pedidos de marcas nacionais em todos os Estados‑Membros da União, com o fundamento de que estas considerações eram válidas, em princípio, para todos os processos de oposição.

32      Por último, no n.o 27 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que o argumento do EUIPO, segundo o qual a Câmara de Recurso para a qual o litígio seria remetido se o Tribunal Geral anulasse a decisão controvertida seria obrigada a negar provimento ao recurso por inexistência de uma marca anterior protegida pelo direito de um Estado‑Membro, partia da premissa errada de que a Câmara de Recurso, para apreciar os factos, devia tomar em consideração o momento da sua nova decisão. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, nesta situação, cabe à Câmara de Recurso pronunciar‑se sobre o mesmo recurso em função da situação existente no momento em que foi interposto, voltando o recurso a estar pendente na mesma fase em que se encontrava antes de ser adotada a decisão controvertida. Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou que a jurisprudência referida pelo EUIPO para fundamentar a sua argumentação não era pertinente e mais não fazia do que confirmar que, em todo o caso, não se podia exigir que a marca em que se baseia a oposição continuasse a existir posteriormente à decisão da Câmara de Recurso.

33      No n.o 28 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral concluiu que o processo não tinha ficado desprovido de objeto e que o interesse em agir da Indo European Foods perdurava. Consequentemente, examinou, nos n.os 31 a 72 do acórdão recorrido, o pedido de anulação da decisão controvertida e o fundamento único em apoio desse pedido. Considerou que este fundamento era procedente e que, por conseguinte, havia que anular essa decisão. Em contrapartida, após ter examinado, nos n.os 73 a 79 deste acórdão, o seu pedido de procedência da oposição, o Tribunal Geral concluiu que não estavam preenchidos os requisitos para o exercício do seu poder de reforma e julgou improcedente esse pedido.

34      Com base nestas considerações, o Tribunal Geral, por um lado, anulou a decisão controvertida e, por outro, negou provimento ao recurso quanto ao restante.

 Tramitação processual e pedidos das partes no Tribunal de Justiça

35      Por requerimento apresentado na mesma data que o presente recurso, o EUIPO pediu, ao abrigo do artigo 170.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o recebimento do seu recurso, em conformidade com o artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

36      Por Despacho de 7 de abril de 2022, EUIPO/Indo European Foods (C‑801/21 P, EU:C:2022:295), o recurso foi recebido.

37      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2022, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio dos pedidos do EUIPO

38      Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2022, EUIPO/Indo European Foods (C‑801/21 P, EU:C:2022:1049), o pedido de intervenção da Walsall Conduits Ltd em apoio dos pedidos da recorrente em primeira instância foi indeferido.

39      Com o presente recurso, o EUIPO, apoiado pela República Federal da Alemanha, conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

—        anular o acórdão recorrido;

—        declarar que não há que conhecer do mérito do recurso interposto pela recorrente em primeira instância contra a decisão controvertida;

—        condenar a recorrente em primeira instância nas despesas do presente processo e do processo no Tribunal Geral.

40      A Indo European Foods conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

—        negar provimento ao recurso e

—        condenar o EUIPO nas despesas do presente processo.

 Quanto ao recurso

41      Em apoio do seu recurso, o EUIPO invoca um único fundamento, relativo à violação do requisito da manutenção do interesse em agir da recorrente. Este fundamento divide‑se em três partes, a primeira relativa a um erro de direito, uma vez que o Tribunal Geral confundiu a apreciação da manutenção do interesse em agir com a fiscalização da legalidade do ato controvertido; a segunda, relativa a um erro de direito e a uma insuficiência de fundamentação, visto que o Tribunal Geral não apreciou, in concreto, a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods à luz das especificidades do direito das marcas da União Europeia, e, a terceira, relativa a uma violação do artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001, atendendo a que o Tribunal Geral impôs ao EUIPO que não tomasse em consideração os efeitos jurídicos do termo do período de transição previsto no acordo de retirada.

 Quanto à admissibilidade

42      A Indo European Foods contesta a admissibilidade do recurso com base em dois fundamentos. Por um lado, considera que o EUIPO formula, no seu recurso, uma argumentação nova que não tinha apresentado perante o Tribunal Geral. Na sua opinião, o EUIPO alterou a argumentação que tinha inicialmente apresentado no Tribunal Geral ao alegar, pela primeira vez no Tribunal de Justiça, que existiam, no que respeita a questão da manutenção do objeto do litígio, correntes jurisprudenciais divergentes no Tribunal Geral. Por outro lado, a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual o recurso que lhe foi submetido não ficou desprovido de objeto diz respeito a elementos de facto.

43      Em primeiro lugar, importa recordar que, embora seja certo que a competência do Tribunal de Justiça, em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, está limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos e argumentos debatidos em primeira instância, um recorrente pode, todavia, interpor recurso de uma decisão do Tribunal Geral invocando, no Tribunal de Justiça, fundamentos e argumentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a contestar juridicamente a sua procedência (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Espanha e o./Comissão, C‑649/20 P, C‑658/20 P e C‑662/20 P, EU:C:2023:60, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida).

44      Ora, no caso em apreço, o EUIPO alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao declarar, no acórdão recorrido, que o recurso da Indo European Foods não tinha ficado desprovido de objeto e que esta parte tinha conservado o interesse em obter a anulação da decisão controvertida, não obstante o termo do período de transição ocorrido no decurso do processo no Tribunal Geral, o qual, a este respeito, se baseou numa corrente jurisprudencial que não é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à exigência de uma apreciação in concreto da manutenção do interesse em agir.

45      Por conseguinte, este recurso põe em causa a procedência jurídica da apreciação da manutenção do objeto do litígio submetido ao Tribunal Geral e do interesse em agir do recorrente em primeira instância que foi efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, devendo, em qualquer caso, a questão do não conhecimento do mérito resultante dessa não manutenção ser examinada oficiosamente pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho, C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.o 49 e jurisprudência referida).

46      O primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pelo EUIPO deve, portanto, ser julgado improcedente.

47      Em segundo lugar, basta recordar que, embora a apreciação dos factos não constitua, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, este é, em contrapartida, competente, por força do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de março de 2022, PJ e PC/EUIPO, C-529/18 P e C‑531/18 P, EU:C:2022:218, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 22 de junho de 2023, Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia‑Kosakowo/Comissão, C‑163/22 P, EU:C:2023:515, n.os 79 e 99).

48      Ora, no caso em apreço, o EUIPO não contesta a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 17 a 28 do acórdão recorrido, mas a qualificação jurídica desses factos por este último, bem como as consequências jurídicas que daí retirou, a saber, que o objeto do recurso e o interesse em agir da Indo European Foods tinham perdurado. Por conseguinte, o segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pelo EUIPO também deve ser julgado improcedente.

49      Daqui resulta que o recurso é admissível.

 Quanto ao mérito

50      A título preliminar, importa recordar que o pedido de registo da marca em causa foi apresentado em 14 de junho de 2017, mas que a oposição ao registo desta marca foi deduzida em 13 de outubro de 2017. Por conseguinte, o presente litígio rege‑se, por um lado, pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009, em vigor em 14 de junho de 2017, e, por outro, pelas disposições processuais do Regulamento 2017/1001 (v., por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2014, Bimbo/IHMI, C‑591/12 P, EU:C:2014:305, n.o 12 e jurisprudência referida).

 Quanto à primeira parte, relativa a uma alegada confusão entre a apreciação, por um lado, da manutenção do interesse em agir e, por outro, a fiscalização da legalidade do ato controvertido

–       Argumentos das partes

51      O EUIPO, apoiado pela República Federal da Alemanha, alega que, nos n.os 17 a 23 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral incorreu em erro ao declarar que o objeto do recurso perdurava pelo simples facto de o termo do período de transição não ser suscetível de afetar a legalidade da decisão controvertida na data em que esta tinha sido adotada.

52      Por um lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a apreciação da exigência da manutenção do objeto do recurso e do interesse em agir é prévia e distinta da que deve ser efetuada no âmbito da fiscalização da legalidade do ato controvertido. Com efeito, a apreciação deste requisito implica a tomada em consideração das eventuais consequências da anulação do referido ato para a situação jurídica da recorrente, ao passo que a fiscalização da legalidade exige a tomada em consideração do contexto factual e jurídico do litígio como este se apresentava no momento da adoção do referido ato.

53      Assim, o EUIPO sustenta, em substância, que, ao tirar conclusões definitivas sobre a manutenção do objeto do litígio pelo simples facto de um acontecimento não ser suscetível de afetar a legalidade do ato impugnado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

54      O EUIPO acrescenta que o facto de considerar que um recurso mantém necessariamente um objeto em caso de extinção do direito anterior após a adoção da decisão controvertida priva o requisito da manutenção de um interesse em agir de grande parte da sua efetividade, uma vez que, nessa hipótese, esta exigência só seria pertinente nas situações em que a decisão impugnada caducasse devido à extinção do referido direito anterior antes da adoção desta decisão. Tal entendimento é igualmente contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual é necessária a apreciação in concreto do interesse pessoal efetivo das partes em agir.

55      Por outro lado, o EUIPO afirma que a conclusão enunciada no n.o 19 do acórdão recorrido assenta numa interpretação errada do Acórdão de 8 de outubro de 2014, Fuchs/IHMI — Les Complices (Estrela dentro de um círculo) (T‑342/12, EU:T:2014:858). Neste último acórdão, o Tribunal Geral examinou o interesse efetivo e atual do recorrente, pronunciando‑se sobre o benefício que este poderia ter obtido com a anulação da decisão em causa no processo que deu origem a esse acórdão, relativamente a uma decisão de não conhecimento do mérito, num contexto em que a oposição tinha sido acolhida. Assim, segundo o EUIPO, o referido acórdão confirma antes a obrigação do Tribunal Geral de proceder a uma apreciação in concreto do benefício que a anulação da decisão impugnada é suscetível de conferir ao recorrente.

56      A Indo European Foods contesta a procedência desta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

57      Em primeiro lugar, importa salientar que, com a primeira parte do seu fundamento único, o EUIPO alega, em substância, que, nos n.os 17 a 23 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral confundiu a questão da manutenção do interesse em agir com a data em que a legalidade de uma decisão impugnada deve ser apreciada. Ora, esta argumentação assenta numa leitura errada do referido acórdão. Com efeito, como resulta dos n.os 24 a 28 do presente acórdão, o Tribunal Geral, nesses números, limitou‑se a apreciar a questão da manutenção do objeto do litígio à luz do termo do período de transição que ocorreu na pendência da instância neste órgão jurisdicional. Por conseguinte, não pode, nestes números, ter incorrido na confusão que lhe é imputada pelo EUIPO. Esta argumentação deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

58      Em segundo lugar, uma vez que, com esta primeira parte do fundamento único, o EUIPO pretende acusar o Tribunal Geral de ter considerado, erradamente, nos n.os 17 a 23 do acórdão recorrido, que um recurso conserva necessariamente um objeto em caso de extinção do direito anterior após a adoção da decisão impugnada, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, o objeto do litígio deve perdurar, da mesma maneira que o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 43 e jurisprudência referida, e Despacho de 30 de abril de 2020, Chipre/EUIPO, C‑608/18 P, C‑609/18 P e C‑767/18 P, EU:C:2020:347, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

59      Além disso, há que salientar que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que, quando uma decisão objeto de um recurso de anulação no Tribunal Geral não tenha sido formalmente revogada, este último tinha fundamento para declarar que o litígio mantinha o seu objeto (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.os 48 e 49; de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 45, e de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento, C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 33). Por último, ainda segundo a jurisprudência, tal constatação não é posta em causa pela caducidade da decisão impugnada, ocorrida depois da interposição do recurso (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 47).

60      No caso em apreço, resulta dos n.os 17 a 23 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou que o recurso da Indo European Foods não tinha ficado desprovido de objeto baseando‑se, nomeadamente, na constatação de que o objeto do litígio era a decisão recorrida, adotada em 2 de abril de 2020, na qual a Câmara de Recurso se pronunciou sobre a existência do motivo de oposição invocado pela Indo European Foods, e que essa decisão tinha sido adotada antes do termo do período de transição.

61      Ora, o EUIPO não contesta que, como se deduz dos n.os 17 a 23 do acórdão recorrido, na data em que o Tribunal Geral se pronunciou, a decisão controvertida não tinha sido formalmente revogada. Além disso, o EUIPO não sustenta de modo nenhum que o termo do período de transição teve por efeito o desaparecimento retroativo dessa decisão.

62      Daqui resulta que, porquanto visa a apreciação, pelo Tribunal Geral, da manutenção do objeto do litígio, a argumentação do EUIPO é igualmente desprovida de fundamento, pelo que a primeira parte do fundamento único deve, na sua totalidade, ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa a uma alegada falta de apreciação in concreto da manutenção do interesse em agir da recorrente em primeira instância

–       Argumentos das partes

63      Com a segunda parte do seu fundamento único, o EUIPO, apoiado, em substância, pela República Federal da Alemanha, acusa o Tribunal Geral de não ter apreciado in concreto a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods.

64      A este respeito, o EUIPO acusa o Tribunal Geral de ter considerado que a questão decisiva no caso em apreço era a de saber se, no momento da apresentação do pedido de marca controvertida ou da decisão da Câmara de Recurso, a marca anterior era suscetível de fundamentar a oposição, quando esta consideração não permitia responder à questão de saber se, apesar das consequências jurídicas associadas ao termo do período de transição, o registo da marca pedida era ainda suscetível de prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods conforme protegidos pelo Regulamento 2017/1001, e se, por conseguinte, o seu interesse em agir perdurava.

65      Assim, por um lado, alega que o Tribunal Geral não teve em conta, no âmbito da apreciação da manutenção do interesse em agir da recorrente em primeira instância, a natureza específica do processo de oposição e a função essencial da marca.

66      Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal Geral que um processo de oposição tem essencialmente por objetivo assegurar que uma marca anterior possa conservar a sua função de identificação de origem, ao prever a possibilidade de recusar o registo de uma nova marca que entre em conflito com essa marca anterior devido a risco de confusão. Ora, não pode surgir nenhum conflito entre um pedido de marca da União Europeia e uma marca anterior que tenha desaparecido durante o processo de oposição, uma vez que a marca pedida só pode ser registada após o termo do processo de oposição.

67      Por outro lado, entende que o Tribunal Geral não teve em conta o princípio da territorialidade da marca da União Europeia nem o seu caráter unitário.

68      A este respeito, o EUIPO alega que, devido ao efeito suspensivo do recurso interposto no Tribunal Geral, a decisão controvertida não pôde ser executada antes do termo do período de transição, pelo que a marca pedida não será protegida no território do Reino Unido, mesmo que tenha sido finalmente registada. Quanto à marca anterior em causa, entende que continua a beneficiar de uma proteção total no Reino Unido, sem correr o risco de violação devido ao registo ou ao uso da marca pedida no território da União.

69      O recurso em primeira instância já tinha proporcionado à Indo European Foods um benefício concreto ao impedir a execução da decisão controvertida antes do termo do período de transição, pelo que o objetivo do processo de oposição em causa, a saber, impedir um conflito com a marca pedida no território do Reino Unido, já tinha sido alcançado. Os interesses jurídicos desta parte, conforme protegidos pelo Regulamento 2017/1001, já não podem, portanto, ser afetados por uma decisão de mérito, independentemente do seu resultado.

70      Acrescenta que esta posição é confirmada pela economia geral do Regulamento 2017/1001. Com efeito, segundo o EUIPO, mesmo na hipótese de ser dado provimento ao recurso, a outra parte poderia, em qualquer caso, tendo em conta o artigo 139.o do Regulamento 2017/1001, transformar o seu pedido em pedidos de marcas nacionais em todos os Estados‑Membros da União a partir de 1 de janeiro de 2021, conservando a prioridade do pedido inicial, e assim obter a proteção da marca pedida no mesmo território como se a oposição deduzida contra o referido pedido tivesse sido rejeitada. Ora, no n.o 26 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não teve em conta este aspeto específico do processo ao rejeitar estas considerações pela simples razão de as mesmas serem aplicáveis, em princípio, a qualquer processo de oposição.

71      À luz destes elementos, o EUIPO sustenta que os n.os 24 a 26 do acórdão recorrido enfermam de três erros de direito. Primeiro, alega que o Tribunal Geral violou as regras que regulam a repartição do ónus da prova no que respeita ao requisito da manutenção de um interesse em agir. Com efeito, segundo o EUIPO, o Tribunal Geral limitou‑se a rejeitar a sua argumentação, em vez de examinar os argumentos da Indo European Foods segundo os quais esta mantinha um interesse em agir.

72      Segundo, ao basear a sua apreciação na questão de saber se, em abstrato, o direito anterior era, num dado momento, suscetível de constituir o fundamento da oposição, o Tribunal Geral não procedeu a uma apreciação in concreto da manutenção do interesse em agir à luz dos elementos recordados nos n.os 65 a 70 do presente acórdão.

73      Terceiro, o acórdão recorrido, em especial o seu n.o 26, não permite compreender por que razão o Tribunal Geral rejeitou a argumentação do EUIPO relativa à não manutenção de um interesse em agir da Indo European Foods, o que constitui uma violação do dever de fundamentação.

74      A Indo European Foods contesta a procedência desta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

75      No que respeita, em primeiro lugar, à alegada violação das regras que regulam a repartição do ónus da prova relativa à manutenção do interesse em agir, basta salientar que é certo que o Tribunal Geral ligou formalmente o seu raciocínio relativo à manutenção do interesse em agir da Indo European Foods à apreciação dos argumentos expostos pelo EUIPO. Todavia, pode deduzir‑se do raciocínio apresentado pelo Tribunal Geral nos n.os 24 a 28 do acórdão recorrido que, independentemente da pertinência dos argumentos aduzidos pelo EUIPO, o Tribunal Geral verificou devidamente que a Indo European Foods tinha efetivamente interesse em agir e concluiu que assim era.

76      Além disso, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o Tribunal Geral pode suscitar oficiosamente e a qualquer momento a falta de interesse de uma parte em manter o seu pedido, em virtude de um facto que tenha ocorrido após a data do ato introdutório da instância (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho, C‑100/17 P, EU:C:2018:842, n.o 38 e jurisprudência referida), sendo o não respeito desta condição de admissibilidade uma questão prévia de inadmissibilidade de ordem pública (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho, C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.o 49 e jurisprudência referida). Além disso, embora deva conhecer apenas dos pedidos das partes, às quais cabe delimitar o quadro do litígio, o juiz da União não pode estar limitado aos argumentos por estas invocados em apoio das suas pretensões, sob pena de se ver obrigado, sendo caso disso, a basear a sua decisão em considerações jurídicas erradas (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 58 e jurisprudência referida).

77      À luz destes elementos, este primeiro aspeto da parte em análise deve ser julgado improcedente.

78      No que respeita, em segundo lugar, à argumentação segundo a qual o Tribunal Geral, nos n.os 24 a 27 do acórdão recorrido, não teve em conta — no âmbito da apreciação da manutenção do interesse em agir da Indo European Foods — a natureza específica do processo de oposição, a função essencial da marca, o princípio da territorialidade e o caráter unitário da marca da União Europeia, importa salientar que esta argumentação se baseia na premissa de que, dado tratar‑se de um recurso de uma decisão de uma Câmara de Recurso que rejeita uma oposição, a manutenção de um interesse em agir no Tribunal Geral deve ser apreciada unicamente à luz dos interesses jurídicos protegidos pelo Regulamento sobre a marca da União Europeia aplicável e, por conseguinte, depende apenas da questão de saber se ainda pode surgir um risco de conflito aquando da decisão do Tribunal Geral.

79      Ora, esta premissa, que implicaria limitar desde logo os elementos que o Tribunal Geral pode tomar em consideração para apreciar a manutenção do interesse em agir de um recorrente que interponha um recurso ao abrigo do artigo 72.o do Regulamento 2017/1001, em relação a um recorrente que interponha um recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, não encontra apoio nos textos aplicáveis nem na jurisprudência.

80      A este respeito, resulta apenas da jurisprudência que a existência de um interesse em agir num recurso de anulação pressupõe que, pelo seu resultado, o recurso seja suscetível de conferir um benefício à pessoa que o interpôs (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55, e de 13 de julho de 2023, D&A Pharma/EMA, C‑136/22 P, EU:C:2023:572, n.o 43).

81      Assim, a questão de saber se, tratando‑se de uma decisão que indefere uma oposição ao registo de uma marca da União Europeia, a pessoa que deduziu a oposição pode retirar um benefício de um recurso interposto no Tribunal Geral e destinado a obter a anulação dessa decisão deve ser apreciada de maneira concreta, tendo em conta todas as consequências suscetíveis de decorrer da declaração de uma eventual ilegalidade que tenha afetado essa decisão e da natureza do prejuízo alegadamente sofrido (v., neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65).

82      Ora, no caso em apreço, por um lado, decorre da análise da primeira parte do fundamento único do presente recurso que o Tribunal Geral podia concluir que o objeto do recurso interposto pela Indo European Foods não tinha desaparecido. Por outro lado, resulta, em substância, dos n.os 10 a 12 do acórdão recorrido que a decisão controvertida confirmou a rejeição da oposição deduzida por esta parte com base na constatação de que as condições de aplicação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001 não estavam preenchidas, pelo que a Indo European Foods não podia, segundo essa decisão, beneficiar, em relação à marca anterior em causa, da proteção prevista por esta disposição. Por conseguinte, uma vez que a Indo European Foods, em apoio do seu recurso no Tribunal Geral, invocou precisamente a violação dessa disposição pela Câmara de Recurso e que a referida decisão prejudica, em especial, os interesses económicos da Indo European Foods, a anulação da mesma é suscetível de lhe conferir um benefício.

83      Por último, quanto ao argumento segundo o qual, no n.o 26 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não teve em conta que, em conformidade com o artigo 139.o do Regulamento 2017/1001, a outra parte no processo na Câmara de Recurso poderia, se o recurso para esta instância fosse acolhido, transformar o seu pedido de marca em pedidos de marcas nacionais em todos os Estados‑Membros a partir do termo do período de transição, basta salientar que, tendo em conta o que foi anteriormente declarado, esta circunstância não tem influência no interesse em agir da Indo European Foods contra a decisão controvertida.

84      Daqui resulta que o segundo aspeto da presente parte, que assenta numa premissa errada, deve igualmente ser julgado improcedente.

85      No que respeita, em terceiro lugar, à alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido no que respeita às razões que levaram o Tribunal Geral a rejeitar os argumentos do EUIPO a respeito da não manutenção de um interesse em agir da Indo European Foods, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentação não obriga o Tribunal Geral a apresentar uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo a fundamentação ser implícita desde que permita aos interessados conhecerem os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseia e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso (Acórdão de 9 de março de 2023, PlasticsEurope/ECHA, C‑119/21 P, EU:C:2023:180, n.o 144 e jurisprudência referida).

86      Ora, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 60 das suas conclusões, resulta claramente, ainda que de forma implícita, dos n.os 25 a 27 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou que os argumentos expostos pelo EUIPO a respeito do interesse em agir da Indo European Foods não tinham fundamento, visto que esse interesse em agir existia no momento da interposição do recurso e não tinha desaparecido no decurso da instância.

87      Este terceiro aspeto da parte em análise é, por conseguinte, improcedente, pelo que a segunda parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte, relativa à violação do artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001

–       Argumentos das partes

88      O EUIPO, apoiado, em substância, pela República Federal da Alemanha, alega que o n.o 27 do acórdão recorrido lhe impõe, em violação do artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001, que não examine se a recorrente em primeira instância mantém interesse em obter a anulação da decisão da Divisão de Oposição e que não tenha em consideração os efeitos do artigo 50.o, n.o 3, TUE e dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída. Assim, a adoção das medidas necessárias para dar cumprimento à obrigação estabelecida no referido n.o 27 implica que o EUIPO examine, ou mesmo indefira, o pedido de registo em causa, infringindo estas disposições.

89      Em especial, o EUIPO sustenta que a obrigação mencionada no referido n.o 27 lhe impõe que examine o motivo relativo de recusa em causa relativamente a um território no qual a marca pedida não pode beneficiar de nenhuma proteção, o que está em contradição flagrante com a lógica e a economia geral do sistema de marcas da União Europeia. Alega que o Regulamento 2017/1001 não fornece nenhuma base jurídica que autorize essa desconexão entre o território pertinente para o exame do referido motivo relativo de recusa e o território onde a proteção será concedida. Por conseguinte, esta obrigação viola igualmente o requisito da manutenção de um interesse em agir, bem como o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001.

90      A Indo European Foods contesta a procedência desta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

91      Nos termos do artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001, o EUIPO toma as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral ou, em caso de recurso contra este acórdão, do acórdão do Tribunal de Justiça.

92      Segundo jurisprudência constante relativa ao artigo 266.o TFUE, que vale mutatis mutandis para este artigo 72.o, n.o 6, cuja redação é análoga, a instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado tem a obrigação, para dar cumprimento a um acórdão de anulação e executá‑lo plenamente, de respeitar não apenas a sua parte decisória mas também a fundamentação que constitui a sua base necessária, uma vez que é indispensável para determinar o sentido exato do que foi estabelecido nessa parte decisória (Acórdão de 22 de setembro de 2022, IMG/Comissão, C‑619/20 P e C‑620/20 P, EU:C:2022:722, n.o 101 e jurisprudência referida).

93      Resulta, no entanto, do referido artigo 72.o, n.o 6, que não cabe ao Tribunal Geral dar ordens ao EUIPO (v., neste sentido, Despacho de 29 de junho de 2006, Creative Technology/IHMI, C‑314/05 P, EU:C:2006:441, n.os 40 a 42, e, por analogia, Acórdão de 2 de outubro de 2014, Strack/Comissão, C‑127/13 P, EU:C:2014:2250, n.o 145 e jurisprudência referida).

94      Ora, no caso em apreço, basta salientar que o n.o 27 do acórdão recorrido constitui unicamente uma resposta do Tribunal Geral ao argumento do EUIPO, segundo o qual a Indo European Foods perdeu, no decurso da instância no Tribunal Geral, o seu interesse em obter a anulação da decisão controvertida, uma vez que, em caso de anulação desta, a Câmara de Recurso estaria obrigada a negar provimento ao recurso de que foi chamada a conhecer, devido à inexistência de marca anterior protegida pelo direito de um Estado‑Membro.

95      Por conseguinte, este número limita‑se, em substância, a constatar o interesse da Indo European Foods em agir perante o Tribunal Geral e, portanto, apenas constitui o apoio indispensável da declaração da existência de tal interesse. Assim, não se pode considerar que, com este número, o Tribunal Geral impôs ao EUIPO, em violação da jurisprudência recordada no n.o 93 do presente acórdão, as alegadas obrigações que este identifica no âmbito da presente parte do seu recurso.

96      Daqui resulta que esta terceira parte do fundamento único, que assenta numa leitura errada do n.o 27 do acórdão recorrido, e, por conseguinte, o referido fundamento e o recurso na sua totalidade devem ser julgados improcedentes.

 Quanto às despesas

97      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

98      Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

99      Tendo a Indo European Foods pedido a condenação do EUIPO e tendo este sido vencido no tocante ao seu fundamento único, há que condená‑lo nas despesas do recurso.

100    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

101    Por conseguinte, a República Federal da Alemanha, interveniente no âmbito do presente recurso, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) é condenado nas despesas.

3)      A República Federal da Alemanha suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.