Language of document : ECLI:EU:C:2024:526

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 3.o, n.o 1 — Comunicação ao público — Conceito — Mera disponibilização de meios materiais — Disponibilização, em apartamentos, de televisores equipados com uma antena interior que permite a captação de sinais e a difusão de emissões — Caráter lucrativo — Princípio da neutralidade tecnológica»

No processo C‑135/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Potsdam (Tribunal de Primeira Instância de Potsdam, Alemanha), por Decisão de 1 de fevereiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de março de 2023, no processo

Gesellschaft für musikalische Aufführungs und mechanische Vervielfältigungsrechte eV (GEMA)

contra

GL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Gesellschaft für musikalische Aufführungs‑ und mechanische Vervielfältigungsrechte eV (GEMA), por F. Seifert, Rechtsanwalt,

—        em representação do Governo Francês, por R. Bénard e E. Timmermans, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo Austríaco, por G. Kunnert, A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e G. von Rintelen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de fevereiro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Gesellschaft für musikalische Aufführungs‑ und mechanische Vervielfältigungsrechte eV (GEMA), uma sociedade de gestão coletiva de direitos de autor, a GL, administrador de um condomínio, a respeito de alegadas violações de direitos de autor por parte de GL, devido à disponibilização, em apartamentos que administra, de televisores equipados com uma antena interior que permite a captação de sinais e a difusão de emissões, nomeadamente musicais.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre Direito de Autor (a seguir «TDA»), que foi aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO 2000, L 89, p. 6), e entrou em vigor, no que se refere à União Europeia, em 14 de março de 2010 (JO 2010, L 32, p. 1).

4        O artigo 8.o do TDA, sob a epígrafe «Direito de comunicação ao público», dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 1, alínea ii), do artigo 11.o, no n.o 1, alíneas i) e ii), do artigo 11.o‑bis, no n.o 1, alínea ii), do artigo 11.o‑ter, no n.o 1, alínea ii), do artigo 14.o e no n.o 1 do artigo 14.o‑bis da [Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna, em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris, de 24 de julho de 1971), na versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979], os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar qualquer comunicação ao público das suas obras, por fios ou sem fios, incluindo a colocação das suas obras à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a membros do público a partir do local e no momento por eles escolhido individualmente.»

5        Em 20 de dezembro de 1996, a Conferência Diplomática da OMPI adotou declarações comuns relativas ao TDA.

6        A declaração comum relativa ao artigo 8.o do TDA tem a seguinte redação:

«A mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na aceção do presente Tratado ou da [Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, na versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979]. […]»

 Direito da União

7        Os considerandos 4, 9, 10, 23 e 27 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(4)      Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, […] o que, por sua vez, se traduzirá em crescimento e num reforço da competitividade da indústria europeia […]

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10)      Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços “a pedido”. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

[…]

(23)      A presente diretiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros atos.

[…]

(27)      A mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na aceção da presente diretiva.»

8        O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

 Direito alemão

9        O § 15 da Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz (Lei do Direito de Autor e dos Direitos Conexos — Lei do Direito de Autor), de 9 de setembro de 1965 (BGBl. 1965 I, p. 1273), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«[…]

(2)      O autor tem, além disso, o direito exclusivo de comunicar a sua obra ao público sob forma imaterial (direito de comunicação ao público). O direito de comunicação ao público compreende, em especial:

1.      O direito de apresentação, execução e representação (§ 19);

2.      O direito de colocação à disposição do público (§ 19a);

3.      O direito de radiodifusão (§ 20);

4.      O direito de comunicação através de suportes de imagem ou de som (§ 21);

5.      O direito de comunicar emissões de rádio e de as colocar à disposição do público (§ 22).

(3)      A comunicação é pública quando é destinada a uma pluralidade de membros do público. Faz parte do público qualquer pessoa que não esteja ligada por relações pessoais com quem explore a obra ou com outras pessoas a quem a obra é tornada percetível ou acessível sob forma incorpórea.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      A GEMA, uma entidade de gestão coletiva de direitos de autor no domínio musical, intentou no Amtsgericht Potsdam (Tribunal de Primeira Instância de Potsdam, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação de indemnização por violação do direito de autor contra GL, administrador de um imóvel com 18 apartamentos, com o fundamento de que este disponibiliza, nesses apartamentos, televisores equipados com uma antena interior que permite a captação de sinais e a difusão, nesses apartamentos, de emissões, nomeadamente musicais, em violação do § 15 da Lei do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, na versão aplicável ao litígio no processo principal.

11      Esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à questão de saber se essa disponibilização constitui uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, tendo em conta, em especial, a circunstância de o imóvel em causa não estar equipado com uma «antena central» que permita distribuir os sinais nesses apartamentos.

12      Neste contexto, salienta que, no Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764), o Tribunal de Justiça declarou que, embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, enquanto tal, uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, a distribuição de um sinal através de televisores por um estabelecimento hoteleiro aos clientes instalados nos quartos desse estabelecimento, independentemente da técnica de transmissão do sinal utilizada, constitui uma comunicação dessa natureza. No Despacho de 18 de março de 2010, Organismos Sillogikis Diacheirisis Dimiourgon Theatrikon kai Optikoakoustikon Ergon (C‑136/09, EU:C:2010:151), o Tribunal de Justiça concluiu que um estabelecimento hoteleiro efetua uma «comunicação ao público», na aceção desta disposição, quando instala televisores nos quartos do seu estabelecimento e os liga a uma «antena central» desse estabelecimento que torna os televisores aptos a captar as emissões radiodifundidas. Em contrapartida, resulta do Acórdão de 2 de abril de 2020, Stim e SAMI (C‑753/18, EU:C:2020:268), que o fornecimento de postos de rádio em veículos de aluguer não constitui semelhante comunicação ao público.

13      O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta jurisprudência não permite responder com certeza à questão de saber se a disponibilização, pelo administrador de um condomínio, de televisores equipados com uma antena interior que permite a captação de sinais e a difusão de emissões nesses apartamentos, sem que haja uma «antena central», constitui uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29.

14      Nestas condições, o Amtsgericht Potsdam (Tribunal de Primeira Instância de Potsdam) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O facto de o administrador de um condomínio colocar à disposição dos apartamentos televisores que recebem emissões através de uma antena interior sem um sistema de receção central para transmissão dos sinais, constitui uma comunicação ao público na aceção do artigo 3.o da [Diretiva 2001/29]?»

 Quanto à questão prejudicial

15      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «comunicação ao público», previsto nesta disposição, abrange a disponibilização, pelo administrador de um imóvel de apartamentos arrendados, de televisores equipados com uma antena interior que, sem outra intervenção, captam sinais e permitem a difusão de emissões.

16      Importa recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

17      Como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, ao abrigo desta disposição, os autores dispõem de um direito de natureza preventiva que lhes permite interpor‑se entre eventuais utilizadores da sua obra e a comunicação ao público que esses utilizadores podem pretender fazer, a fim de proibir essa comunicação (Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 30, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 44 e jurisprudência referida).

18      Uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não clarifica o conceito de «comunicação ao público», há que determinar o sentido e o alcance deste conceito à luz dos objetivos prosseguidos por esta diretiva e à luz do contexto no qual a disposição interpretada se insere (Acórdão de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 45 e jurisprudência referida).

19      No que respeita a esses objetivos, o Tribunal de Justiça recordou, de modo constante, que o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, deve, como sublinha o considerando 23 desta diretiva, ser entendido em sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações e, assim, qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão. Com efeito, resulta dos considerandos 4, 9 e 10 da referida diretiva que esta tem por objetivo principal instaurar um elevado nível de proteção dos autores, permitindo‑lhes receber uma remuneração adequada pela utilização das suas obras, nomeadamente quando são comunicadas ao público (Acórdão de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 46 e jurisprudência referida).

20      Quanto ao contexto em que a disposição em causa se inscreve, resulta do considerando 27 da Diretiva 2001/29, que reproduz, em substância, a declaração comum relativa ao artigo 8.o do TDA, que «a mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na aceção [desta] diretiva» (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Stim e SAMI, C‑753/18, EU:C:2020:268, n.o 33).

21      Em conformidade com jurisprudência constante, o conceito de «comunicação ao público», na aceção deste artigo 3.o, n.o 1, associa dois elementos cumulativos, a saber, um ato de comunicação de uma obra e a comunicação desta última a um público, e implica uma apreciação individualizada (Acórdãos de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 37, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 47 e jurisprudência referida).

22      Para efeitos de tal apreciação, há que ter em conta vários critérios complementares, de natureza não autónoma e interdependentes entre si. Uma vez que estes critérios podem, em diferentes situações concretas, estar presentes com uma intensidade muito variável, há que aplicá‑los tanto individualmente como na sua interação recíproca (Acórdãos de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 35, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 48 e jurisprudência referida).

23      Entre estes critérios, o Tribunal de Justiça sublinhou o papel incontornável desempenhado pelo utilizador e o caráter deliberado da sua intervenção. Com efeito, este pratica um «ato de comunicação» ao intervir, com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento, para dar aos seus clientes acesso a uma obra protegida, designadamente quando, sem esta intervenção, estes clientes não poderiam, em princípio, desfrutar da obra difundida (Acórdãos de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 46, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 49 e jurisprudência referida).

24      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o caráter lucrativo de uma comunicação ao público, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, não é desprovido de pertinência, ainda que esse caráter não seja necessariamente uma condição indispensável que determine a própria existência dessa comunicação (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 50 e jurisprudência referida).

25      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a «recetividade» do público pode ser pertinente, no sentido de que a difusão de obras protegidas reveste caráter lucrativo quando o utilizador pode retirar da mesma um benefício económico ligado à atratividade e, por conseguinte, à maior frequência do estabelecimento em que procede a essa difusão, ao passo que tal caráter lucrativo não existe quando o público visado não atribui nenhuma importância a essa difusão (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 50 a 52).

26      Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que é, em especial, o papel incontornável do utilizador para dar aos seus clientes o acesso a obras protegidas e o caráter intencional da sua intervenção, nomeadamente se esta tem caráter lucrativo, que permitem distinguir, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, entre, por um lado, a «comunicação ao público», na aceção desta disposição, e, por outro, a «mera disponibilização de meios materiais», na aceção do considerando 27 desta diretiva.

27      À luz destes princípios, que resultam de jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça declarou que nem o fornecimento de um posto de rádio integrado num veículo de aluguer, que permite captar, sem qualquer intervenção adicional por parte da sociedade de aluguer, a radiodifusão terrestre acessível na zona onde o veículo se encontra, nem o fornecimento de um equipamento de sonorização, e, sendo caso disso, de um programa informático que permita a difusão de música ambiente, constituem «atos de comunicação». Com efeitos, tais atos constituem, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma «disponibilização de meios materiais», na aceção do considerando 27 da Diretiva 2001/29 (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 2020, Stim e SAMI, C‑753/18, EU:C:2020:268, n.o 34, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 69).

28      Para o efeito, o Tribunal de Justiça salientou nomeadamente que, se a simples circunstância de ser necessário utilizar um equipamento para que o público possa efetivamente usufruir da obra levasse automaticamente a qualificar a intervenção do autor dessa disponibilização de ato de «comunicação ao público», qualquer «disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação» constituiria um ato desse tipo, o que, porém, o considerando 27 da Diretiva 2001/29, que reproduz, em substância, a declaração comum relativa ao artigo 8.o do TDA, exclui expressamente (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 68 e jurisprudência referida).

29      Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já decidiu, tratando‑se de pessoas que exploram um café‑restaurante, um hotel, um estabelecimento termal ou um centro de reabilitação, que estas praticam um ato de comunicação quando transmitem intencionalmente obras protegidas aos seus clientes, ao distribuírem voluntariamente um sinal através de recetores de televisão ou de rádio que instalaram nos seus estabelecimentos (v., nomeadamente, Acórdãos de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 46; de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 196; de 27 de fevereiro de 2014, OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.o 26; e de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 55 e 56).

30      Com efeito, nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que, se a pessoa que explora um estabelecimento fornece voluntariamente aos seus clientes sinais e televisores ou rádios que permitem a difusão de emissões codificadas nesses sinais e que estão instalados em vários locais desse estabelecimento, trata‑se de atos de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, sem que seja necessário saber qual é a técnica de transmissão do sinal utilizada.

31      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o administrador do condomínio em causa no processo principal disponibiliza aos arrendatários dos apartamentos televisores equipados com uma antena interior, que, comprovadamente, captam sinais e permitem a difusão de emissões, nomeadamente musicais, nesses apartamentos.

32      Embora incumba ao juiz nacional determinar, à luz das considerações recordadas nos n.os 19 a 30 do presente acórdão, se um administrador de um condomínio como o que está em causa no processo principal pratica um ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 [v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Phonographic Performance (Ireland), C‑162/10, EU:C:2012:141, n.o 39], cabe ao Tribunal de Justiça fornecer‑lhe indicações úteis para o efeito que lhe permitam dirimir o litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, BV, C‑570/20, EU:C:2022:348, n.o 44).

33      A este respeito, em primeiro lugar, há que considerar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 40 e 50 das suas conclusões, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, ao equipar esses apartamentos com televisores e antenas interiores que, sem outra intervenção, captam sinais e permitem a difusão de emissões, nomeadamente musicais, nos referidos apartamentos, o administrador de um condomínio realiza intencionalmente uma intervenção para dar aos seus clientes o acesso a essas emissões, no interior dos apartamentos arrendados e durante o período de arrendamento, sem que seja determinante que estes façam ou não uso dessa possibilidade (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 31 e jurisprudência referida).

34      Além disso, a intervenção deste administrador que dá acesso a obras radiodifundidas aos seus clientes deve ser considerada uma prestação de serviços suplementar realizada com o objetivo de obter um certo lucro.

35      Com efeito, a oferta desse serviço influencia o standing dos apartamentos em causa no processo principal e, por conseguinte, o preço da renda desses apartamentos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, SCF, C‑135/10, EU:C:2012:140, n.o 90 e jurisprudência referida), ou, como foi referido no n.o 25 do presente acórdão, a sua atratividade, e, por conseguinte, a sua frequentação. Assim, há que considerar que a oferta desse serviço permite demonstrar o caráter lucrativo da comunicação, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 25 do presente acórdão.

36      Para efeitos do exame que deve ser efetuado pelo órgão jurisdicional de reenvio, é irrelevante a circunstância, sublinhada por esse órgão jurisdicional, de os televisores em causa no processo principal estarem ligados a uma antena «interior» e não a uma antena «central», como a que estava em causa no processo que deu origem ao Despacho de 18 de março de 2010, Organismos Sillogikis Diacheirisis Dimiourgon Theatrikon kai Optikoakoustikon Ergon (C‑136/09, EU:C:2010:151).

37      Com efeito, esta distinção entre antenas centrais e interiores não é conforme com o princípio da neutralidade tecnológica, por força do qual a lei deve enunciar os direitos e as obrigações das pessoas de maneira genérica, a fim de não privilegiar o recurso a uma tecnologia em detrimento de outra (v., neste sentido, Acórdão de 24 de março de 2022, Austro‑Mechana, C‑433/20, EU:C:2022:217, n.o 27 e jurisprudência referida).

38      Em segundo lugar, para serem abrangidas pelo conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, é necessário que as obras protegidas sejam efetivamente comunicadas a um público. A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que o conceito de «público» visa um número indeterminado de potenciais destinatários e implica, por outro lado, um número considerável de pessoas (Acórdão de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.os 51 e 52 e jurisprudência referida).

39      Assim, o conceito de «público» inclui um certo limiar de minimis, o que exclui deste conceito um número demasiado reduzido de pessoas em causa, ou mesmo insignificante. Para determinar esse número, há que ter em conta, nomeadamente, o número de pessoas que podem ter acesso à mesma obra em paralelo, bem como o número de pessoas que podem ter sucessivamente acesso à mesma (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 43 e 44, e de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 68 e jurisprudência referida).

40      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece indicações quanto ao número de pessoas que podem ter acesso às obras, paralela ou sucessivamente, refere só que o imóvel em causa no processo principal tem 18 apartamentos. Esse órgão jurisdicional não especifica, em particular, se esses apartamentos são objeto de locações de curta duração, nomeadamente no âmbito do alojamento turístico, o que é suscetível de ter incidência no número de pessoas que podem ter sucessivamente acesso às obras em causa.

41      Em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 31 do presente acórdão, incumbe, respetivamente, ao juiz nacional determinar se obras protegidas são efetivamente comunicadas a um «público», na aceção da jurisprudência referida nos n.os 38 e 39 deste acórdão, e ao Tribunal de Justiça fornecer‑lhe indicações úteis a este respeito.

42      Como o advogado‑geral salientou no n.o 36 das suas conclusões, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que os apartamentos do imóvel em causa no processo principal são objeto de locações de curta duração, nomeadamente no âmbito do alojamento turístico, os seus arrendatários devem ser qualificados de «público», uma vez que, à semelhança dos clientes de um estabelecimento hoteleiro, constituem, juntos, um número indeterminado de potenciais destinatários [v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Phonographic Performance (Ireland), C‑162/10, EU:C:2012:141, n.os 41 e 42].

43      Em terceiro lugar, resulta de jurisprudência constante que, para ser qualificada de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, uma obra protegida deve ser comunicada segundo uma técnica específica, diferente das utilizadas até então ou, na sua falta, junto de um «público novo», isto é, um público que não tenha sido tomado em consideração pelo titular do direito quando autorizou a comunicação inicial da sua obra ao público (Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.o 70 e jurisprudência referida).

44      Como o advogado‑geral sublinhou no n.o 59 das suas conclusões, os arrendatários de apartamentos de um imóvel objeto de locações de curta duração, nomeadamente no âmbito do alojamento turístico, podem constituir esse público «novo», uma vez que essas pessoas, embora se encontrem no interior da zona de cobertura da referida emissão, não poderiam, sem a intervenção do administrador desse imóvel, através da qual este instala, nesses apartamentos, televisores equipados com uma antena interior, usufruir da obra difundida (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 46 e 47).

45      Em contrapartida, como o advogado‑geral salientou no n.o 60 das suas conclusões, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que os apartamentos em causa no processo principal são arrendados a arrendatários residentes nos mesmos, estes últimos não podem ser considerados «público novo», na aceção da jurisprudência referida no n.o 43 do presente acórdão.

46      Atendendo às considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «comunicação ao público», referido nesta disposição, abrange a disponibilização intencional, pelo administrador de um imóvel de apartamentos arrendados, de televisores equipados com uma antena interior que, sem outra intervenção, captam sinais e permitem a difusão de emissões, desde que os arrendatários desses apartamentos possam ser considerados «público novo».

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação,

deve ser interpretado no sentido de que

o conceito de «comunicação ao público», referido nesta disposição, abrange a disponibilização intencional, pelo administrador de um imóvel de apartamentos arrendados, de televisores equipados com uma antena interior que, sem outra intervenção, captam sinais e permitem a difusão de emissões, desde que os arrendatários desses apartamentos possam ser considerados «público novo».

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.