Language of document : ECLI:EU:C:2024:527

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos biocidas — Regulamento (UE) n.o 528/2012 — Artigo 72.o — Desinfetante que contém produtos biocidas — Restrições da publicidade — Conceito de “indicações semelhantes” — Objetivo de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente»

No processo C‑296/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por Decisão de 20 de abril de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de maio de 2023, no processo

Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV

contra

dmdrogerie markt GmbH & Co. KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV, por C. Rohnke, Rechtsanwalt,

—        em representação da dm‑drogerie markt GmbH & Co. KG, por O. Bludovsky e D. Braunwarth, Rechtsanwälte,

—        em representação do Governo Estónio, por M. Kriisa, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo Helénico, por E. Leftheriotou e A.‑E. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo Lituano, por V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė, na qualidade de agente,

—        em representação da Comissão Europeia, por R. Lindenthal e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas (JO 2012, L 167, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV (Associação de Luta Contra a Concorrência Desleal, Alemanha) (a seguir «ZBUW») à dm‑drogerie markt GmbH & Co. KG (a seguir «dm»), uma cadeia de drogarias que opera em todo o território alemão, a respeito da descrição de um produto biocida na respetiva publicidade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 1, 3, 53 e 61 do Regulamento n.o 528/2012:

«(1)      Os produtos biocidas são necessários para controlar os organismos prejudiciais à saúde humana ou animal e os organismos que provocam danos em materiais naturais ou manufaturados. Contudo, os produtos biocidas podem pôr em risco os seres humanos, os animais e o ambiente devido às suas propriedades intrínsecas e aos padrões de utilização que lhes estão associados.

[…]

(3)      O presente regulamento visa melhorar a livre circulação de produtos biocidas na União [Europeia], assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. Deverá prestar‑se especial atenção à proteção de grupos vulneráveis, tais como as grávidas e as crianças. O presente regulamento deverá basear‑se no princípio da precaução, a fim de garantir que o fabrico e a disponibilização no mercado de substâncias ativas e de produtos biocidas não tenham efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente. A fim de eliminar, tanto quanto possível, os entraves ao comércio de produtos biocidas, deverão ser estabelecidas regras para a aprovação de substâncias ativas e para a disponibilização no mercado e a utilização de produtos biocidas, inclusive regras em matéria de reconhecimento mútuo das autorizações e de comércio paralelo.

[…]

(53)      Os artigos tratados deverão ser rotulados de forma adequada, a fim de permitir aos consumidores fazer escolhas informadas, de facilitar o controlo do cumprimento e de prestar uma informação global sobre a sua utilização.

[…]

(61)      A comunicação eficaz das informações sobre os riscos decorrentes dos produtos biocidas e sobre as medidas de gestão dos riscos é um elemento essencial do sistema estabelecido no presente regulamento. […]»

4        O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Finalidade e objeto», prevê, no seu n.o 1:

«O presente regulamento visa melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, com o qual se pretende preservar a saúde dos seres humanos, a saúde dos animais e o ambiente. Deve ser conferida atenção particular à proteção dos grupos vulneráveis.»

5        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a) “Produtos biocidas”:

–        qualquer substância ou mistura, na forma em que são fornecidos ao utilizador, que consistam, contenham ou que gerem uma ou mais substâncias ativas, com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica,

–        qualquer substância ou mistura gerada a partir de substâncias ou misturas que não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do primeiro travessão e utilizada com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica.

Um artigo tratado que tenha uma função biocida primária é considerado um produto biocida;

[…]

y) “Publicidade”: qualquer meio de promover a venda ou utilização de produtos biocidas por meios impressos, eletrónicos ou outros;

[…]»

6        O artigo 17.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Disponibilização no mercado e utilização de produtos biocidas», enuncia:

«1.      Só podem ser disponibilizados no mercado, ou utilizados, os produtos biocidas que tenham sido autorizados nos termos do presente regulamento.

[…]

5.      Os produtos biocidas devem ser utilizados de acordo com os termos e condições da autorização estipulados nos termos do artigo 22.o, n.o 1, e dos requisitos de rotulagem e embalagem fixados no artigo 69.o

Uma utilização correta implica a aplicação racional de um conjunto de medidas físicas, biológicas, químicas ou outras, consoante adequado, que permitam limitar ao mínimo necessário a utilização de produtos biocidas e as medidas de precaução adequadas.

Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para facultar ao público informações adequadas sobre os benefícios e riscos associados aos produtos biocidas, bem como sobre os modos de minimizar a sua utilização.

[…]»

7        O capítulo XV do Regulamento n.o 528/2012, intitulado «Informação e comunicação», inclui, na sua secção 2, intitulada «Informações sobre produtos biocidas», os artigos 69.o a 73.o

8        O artigo 69.o deste regulamento, sob a epígrafe «Classificação, embalagem e rotulagem de produtos biocidas», dispõe:

«1.      Os titulares de autorizações asseguram que os produtos biocidas são classificados, embalados e rotulados nos termos do resumo aprovado das características do produto biocida, em especial das advertências de perigo e recomendações de prudência, conforme referido no artigo 22.o, n.o 2, alínea i), da Diretiva 1999/45/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio de 1999, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das preparações perigosas (JO 1999, L 200, p. 1),] e, quando aplicável, o Regulamento (CE) n.o 1272/2008 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1)].

Além disso, os produtos suscetíveis de serem confundidos com géneros alimentícios, inclusive bebidas, ou alimentos para animais, devem ser embalados de modo a reduzir ao mínimo a probabilidade de ocorrência de tal confusão. Se estiverem ao dispor do público, devem conter componentes que desencorajem o seu consumo e, em particular, não devem ser atrativos para as crianças.

2.      Para além do cumprimento do disposto no n.o 1, os titulares de autorizações asseguram que os rótulos não sejam enganosos quanto aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou quanto à sua eficácia e garantem, em qualquer caso, que não contenham as menções “produto biocida de baixo risco”, “não tóxico”, “inócuo”, “natural”, “respeitador do ambiente”, “respeitador dos animais” nem indicações semelhantes. […]

[…]»

9        Nos termos do artigo 72.o do Regulamento n.o 528/2012, sob a epígrafe «Publicidade»:

«1.      A publicidade aos produtos biocidas, além de respeitar o Regulamento [n.o 1272/2008], deve incluir as menções “Utilize os biocidas com cuidado. Leia sempre o rótulo e a informação relativa ao produto antes de o utilizar”. As menções devem ser legíveis e distinguir‑se claramente do conteúdo geral do anúncio.

2.      Os anunciantes podem substituir o termo “biocidas” nas menções exigidas por uma referência clara ao tipo de produto anunciado.

3.      A publicidade aos produtos biocidas não deve referir‑se ao produto de uma forma enganosa no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou à sua eficácia. A publicidade a um produto biocida não pode, em caso algum, conter as menções “produto biocida de baixo risco”, “não tóxico”, “inócuo”, “natural”, “respeitador do ambiente”, “respeitador dos animais”, nem indicações semelhantes.»

 Direito alemão

10      O § 3 da Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (Lei contra a Concorrência Desleal), de 3 de julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1414), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê uma proibição dos comportamentos comerciais desleais.

11      Nos termos do § 3a desta lei, sob a epígrafe «Violação do direito»:

«Pratica um ato desleal quem infringe uma disposição legal destinada, nomeadamente, a regular o comportamento dos operadores no mercado, quando a infração é suscetível de prejudicar significativamente os interesses de consumidores, de outros operadores no mercado ou dos concorrentes.»

12      O § 8 da referida lei, sob a epígrafe «Eliminação e omissão», dispõe, no seu n.o 1:

«Toda a prática comercial considerada ilícita nos termos do § 3 ou do § 7 pode dar origem a uma injunção de cessação e, caso haja risco de reincidência, a uma injunção inibitória ou de proibição. […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      Resulta do pedido de decisão prejudicial que a dm propunha para venda, incluindo na Internet, um desinfetante denominado «BioLYTHE» (a seguir «produto em questão»). O rótulo aposto nesse produto continha, sob a denominação deste, as indicações «Desinfetante ecológico universal de largo espetro», «Desinfeção da pele, mãos e superfícies», «Eficaz contra SARS‑Corona» e «Respeitador da pele • Biológico • Sem álcool».

14      Considerando que se tratava de publicidade desleal em razão de um alegado incumprimento por parte da dm das disposições reguladoras do comportamento no mercado em causa previstas no Regulamento n.o 528/2012, e após advertência infrutífera, a ZBUW intentou uma ação no Landgericht Karlsruhe (Tribunal Regional de Karlsruhe, Alemanha) destinada, em substância, a condenar a dm, sob pena de determinadas sanções pecuniárias compulsórias, a cessar de designar ou comercializar o produto em questão como «Desinfetante ecológico universal de largo espetro» e/ou «respeitador da pele» e/ou «biológico» na publicidade ou no rótulo desse produto.

15      Por Acórdão de 25 de março de 2021, este órgão jurisdicional julgou a ação procedente.

16      Esse acórdão foi objeto de um recurso interposto pela dm no Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe, Alemanha), que o alterou parcialmente. Este órgão jurisdicional começou por constatar que o produto em questão constituía um produto biocida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, e que as indicações contestadas constantes do rótulo desse produto, nomeadamente a menção «respeitador da pele», estavam abrangidas pelo conceito de «publicidade», conforme definido no artigo 3.o, n.o 1, alínea y), deste Regulamento n.o 528/2012 e regulado no artigo 72.o do mencionado regulamento.

17      O referido órgão jurisdicional considerou que as menções enumeradas no artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 têm em comum o facto de minimizar, de forma geral, os riscos do produto biocida para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou quanto à sua eficácia. Assim, estão abrangidas pelo conceito de «indicações semelhantes», na aceção desta disposição, as indicações relativas aos riscos do produto biocida que, ao minimizarem os referidos riscos de forma geral, sejam comparáveis às menções citadas a título de exemplo na referida disposição.

18      Neste contexto, o mesmo órgão jurisdicional concluiu que a indicação «respeitador da pele», utilizada pela dm para o produto em causa, não constituía uma «indicação semelhante», na aceção do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012. Com efeito, esta indicação não minimizava o risco do produto em questão, os seus efeitos ou a sua nocividade (como as indicações «produto biocida de baixo risco», «não tóxico», «inócuo»), nem em termos gerais, nem tão pouco especificamente no que respeita, de forma geral, à saúde humana, à saúde animal ou ao ambiente. Segundo o Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe), a indicação «respeitador da pele» descreve, ainda que de forma muito genérica, o efeito do produto em questão sobre um órgão específico, a saber, sobre a pele humana.

19      A ZBUW interpôs um recurso de «Revision» deste acórdão do Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe) no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

20      Este órgão jurisdicional considera, antes de mais, que a redação do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 não permite, por si só, responder à questão de saber o que se deve entender por «indicações semelhantes», na aceção desta disposição. Considera, no entanto, que o objetivo da referida disposição e a sua interação com o artigo 72.o, n.o 3, primeira frase, deste regulamento militam a favor da abordagem adotada pelo Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe).

21      O órgão jurisdicional de reenvio entende que as menções referidas no artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 são proibidas na publicidade aos produtos biocidas, independentemente da questão de saber se se referem ao produto de uma forma enganosa no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou à sua eficácia. A este título, este órgão jurisdicional considera, à semelhança do Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe), que este regulamento não visa impedir pura e simplesmente, na publicidade aos produtos biocidas, as indicações relativas à presença e, eventualmente, ao grau ou inexistência de determinados riscos, e isto independentemente da veracidade dessas indicações, que deve ser avaliada à luz da proibição de indução em erro, na aceção do artigo 72.o, n.o 3, primeira frase, do referido regulamento.

22      Assim, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 não exclui das indicações permitidas na publicidade aos produtos biocidas, em especial das não enganosas, as indicações específicas, incluindo as comprovadas, relativas à inexistência ou ao baixo risco desses produtos ou mesmo aos efeitos benéficos destes quanto a determinados aspetos. Este órgão jurisdicional esclarece, a este respeito, que as indicações gerais têm, quando muito, um valor informativo reduzido para os consumidores ou não têm nenhum valor informativo. Em contrapartida, as referidas indicações específicas comprovadas fornecem aos consumidores informações valiosas e úteis. Ora, este interesse na informação aos consumidores deve ser tido em conta no equilíbrio específico que este regulamento visa estabelecer entre a livre circulação dos produtos biocidas e a procura de um elevado nível de proteção da saúde humana e animal, bem como do ambiente.

23      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o conceito de «indicações semelhantes», na aceção do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012, deve ser interpretado no sentido de que são determinantes todas as características comuns às menções enunciadas a título exemplificativo nesta disposição, a saber, não apenas o seu caráter minimizador mas também o seu caráter genérico. Assim, não são «indicações semelhantes», na aceção da referida disposição, as que se referem apenas a aspetos específicos do produto biocida, sem negar a existência de possíveis efeitos adversos nocivos.

24      No caso de um desinfetante como o produto em questão, este órgão jurisdicional observa que o consumidor médio normalmente informado e razoavelmente avisado entende a indicação «respeitador da pele» apenas no sentido de uma relativização dos efeitos adversos nocivos deste. Assim, esta indicação torna os consumidores menos críticos quanto à utilização do produto em questão. Esta compreensão do público é reforçada pela obrigação de rotulagem prevista no artigo 72.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 528/2012.

25      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, não podendo a ZBUW fundamentar o seu pedido de cessação da publicidade que designa o produto em questão como sendo «respeitador da pele» numa violação da proibição de indução em erro prevista no artigo 72.o, n.o 3, primeira frase, do Regulamento n.o 528/2012, a interpretação do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, deste regulamento é, no caso em apreço, pertinente.

26      Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O termo “indicações semelhantes”, na aceção do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento [n.o 528/2012], inclui apenas aquelas indicações constantes de publicidade que, tal como os conceitos expressamente enunciados na referida disposição, relativizam, de forma geral, as propriedades do produto biocida quanto aos seus riscos para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou à sua eficácia, ou incluirá o termo «indicações semelhantes» todos os conceitos que [minimizam] os riscos do produto para a saúde humana e animal e para o ambiente ou a sua eficácia, de maneira comparável aos conceitos concretamente enunciados, ainda que não necessariamente com um [caráter genérico] como o que resulta desses conceitos?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «indicações semelhantes», na aceção desta disposição, abrange quaisquer indicações na publicidade aos produtos biocidas que, à semelhança das menções previstas na referida disposição, minimizem os riscos de um produto biocida para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou quanto à sua eficácia, sem revestir, contudo, um caráter genérico.

28      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, há que ter em conta os seus termos, o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 5 de março de 2024, Défense Active des Amateurs d’Armes e o., C‑234/21, EU:C:2024:200, n.o 34 e jurisprudência referida).

29      Quanto aos termos do n.o 3 do artigo 72.o do Regulamento n.o 528/2012, este número prevê, na sua primeira frase, que a publicidade aos produtos biocidas não deve referir‑se ao produto de uma forma enganosa no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou à sua eficácia. A segunda frase do referido número esclarece que a publicidade a um produto biocida não pode, em caso algum, conter as menções «produto biocida de baixo risco», «não tóxico», «inócuo», «natural», «respeitador do ambiente», «respeitador dos animais», nem indicações semelhantes.

30      No que respeita, em especial, ao conceito de «indicações semelhantes», na aceção do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, deste regulamento, há que observar que os termos «indicações» e «semelhantes» são utilizados por referência às menções enumeradas nesta frase, a saber, «produto biocida de baixo risco», «não tóxico», «inócuo», «natural», «respeitador do ambiente» e «respeitador dos animais».

31      Por um lado, resulta da redação dessas menções que estas contradizem, pelos seus próprios termos, a existência dos diversos riscos dos produtos biocidas para os seres humanos, os animais e o ambiente, conforme resulta do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, lido em conjugação com o seu considerando 1, devido às suas propriedades intrínsecas e aos padrões de utilização que lhes estão associados.

32      Por outro lado, há que observar que a redação do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 não contém nenhuma indicação de que a proibição de utilização na publicidade aos produtos biocidas se limite apenas às indicações genéricas.

33      Assim, resulta da redação do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 que o caráter comum das menções enumeradas nesta disposição reside no facto de estas minimizarem os riscos dos produtos biocidas para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou quanto à sua eficácia, ou negarem mesmo a existência desses riscos, sem, no entanto, revestirem necessariamente um caráter genérico.

34      No que respeita ao contexto em que o artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 se inscreve, há que salientar, antes de mais, que, como resulta do considerando 61 deste regulamento, um elemento essencial do sistema estabelecido pelo referido regulamento é constituído, nomeadamente, pela comunicação eficaz das informações sobre os riscos decorrentes dos produtos biocidas. Assim, a publicidade aos produtos biocidas deve permitir aos consumidores obter um nível de informação suficiente sobre os riscos associados à utilização desses produtos para não subestimarem esses riscos e efetuarem uma escolha esclarecida no momento da compra de tais produtos.

35      Em seguida, há que observar que o artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012 deve ser lido em conjugação com as regras relativas à rotulagem de produtos biocidas previstas no artigo 69.o deste regulamento. Com efeito, resulta do n.o 1 deste artigo, lido à luz do considerando 53 do referido regulamento, que a rotulagem desses produtos fornece aos consumidores informações sobre os mesmos que lhes permitem fazer escolhas informadas e contém, em especial, as advertências de perigo e as recomendações de prudência previstas na Diretiva 1999/45 e no Regulamento n.o 1272/2008.

36      Por último, o artigo 69.o, n.o 2, Regulamento n.o 528/2012 enuncia, numa única frase, que são proibidos rótulos enganosos nos produtos biocidas quanto aos riscos desses produtos para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou quanto à sua eficácia, e dispõe que, em qualquer caso, essa rotulagem não deve conter as menções que enumera e que são idênticas às previstas no artigo 72.o, n.o 3, desse regulamento, que são manifestamente enganosas.

37      Neste contexto, há que considerar que o artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012 estabelece uma regulamentação geral da publicidade aos produtos biocidas que se baseia na reação dos consumidores no que diz respeito à perceção dos riscos destes produtos para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente e que se aplica independentemente dos riscos e das propriedades reais dos referidos produtos.

38      As menções previstas no artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012, incluindo a menção «indicações semelhantes», constituem exemplos de menções que são manifestamente enganosas nos que diz respeito aos referidos riscos e são, assim, objeto de uma proibição de utilização na publicidade aos produtos biocidas prevista no artigo 72.o, n.o 3, deste regulamento.

39      Daqui resulta que, tratando‑se da pertinência do alegado caráter genérico das menções previstas no artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, deste regulamento, uma indicação tanto genérica como específica pode manifestamente ser enganosa no que diz respeito aos riscos associados à utilização de produtos biocidas, minimizando os riscos desses produtos biocidas para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou quanto à sua eficácia, ou negando mesmo a existência desses riscos, de modo que esse caráter genérico não pode ser pertinente para determinar se uma indicação relativa a um produto biocida está abrangida pelo conceito de «indicações semelhantes», na aceção do artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do mesmo regulamento.

40      No que respeita ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 528/2012, conforme resulta do artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, lido à luz do seu considerando 3, este visa melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, com base no princípio da precaução, com o qual se pretende preservar a saúde dos seres humanos, a saúde dos animais e do ambiente (Acórdão de 14 de outubro de 2021, Biofa, C‑29/20, EU:C:2021:843, n.o 35 e jurisprudência referida).

41      Neste contexto, há que salientar que resulta do artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, do referido regulamento que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para facultar ao público informações adequadas sobre os benefícios e riscos associados aos produtos biocidas, bem como sobre os modos de minimizar a sua utilização.

42      Assim, o legislador da União quis procurar um equilíbrio específico entre a livre circulação dos produtos biocidas e um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente (Acórdão de 19 de janeiro de 2023, CIHEF e o., C‑147/21, EU:C:2023:31, n.o 64).

43      Para esse efeito, com o artigo 72.o do Regulamento n.o 528/2012, o legislador da União pretendeu enquadrar, de maneira detalhada e exaustiva, a formulação das menções relativas aos riscos associados à utilização de produtos biocidas que podem figurar na publicidade a estes produtos, visto que este artigo prevê a existência de uma menção obrigatória, proíbe expressamente certas menções e visa, de um modo geral, proibir menções publicitárias suscetíveis de serem enganosas no que diz respeito aos riscos desses produtos (Acórdão de 19 de janeiro de 2023, CIHEF e o., C‑147/21, EU:C:2023:31, n.o 63).

44      Nestas condições, há que considerar que, como resulta do n.o 33 do presente acórdão, indicações que não minimizem nem excluam os riscos desses produtos biocidas para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente ou quanto à sua eficácia, não estão, em princípio, abrangidas pela proibição de utilização na publicidade aos produtos biocidas prevista no artigo 72.o, n.o 3, deste regulamento.

45      Em contrapartida, não se pode permitir a utilização de menções publicitárias a produtos biocidas que se refiram à inexistência de riscos ou a um risco reduzido ou a certos efeitos positivos desses produtos para minimizar esses riscos, ou que neguem mesmo a sua existência. Como a Comissão Europeia salientou, em substância, nas suas observações escritas, essas menções são suscetíveis de favorecer uma utilização excessiva, negligente ou incorreta dos referidos produtos, contrariamente ao objetivo de reduzir tanto quanto possível a sua utilização.

46      No caso em apreço, no que respeita à menção «respeitador da pele» utilizada na publicidade ao produto biocida em causa, basta salientar que tendo essa menção, à primeira vista, uma conotação positiva que evita a evocação de qualquer risco, é suscetível de relativizar os efeitos adversos nocivos deste produto, ou mesmo, como sustentam o Governo Helénico e a Comissão, em substância, nas suas observações escritas, de dar a entender que o referido produto poderia inclusivamente ser benéfico para a pele. Ora, tal menção reveste um caráter enganoso que justifica a proibição da sua utilização na publicidade ao mesmo produto, na aceção do artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012.

47      Esta interpretação não é posta em causa pela circunstância de, por força da menção obrigatória prevista no artigo 72.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 528/2012, a publicidade dever indicar, de forma clara e facilmente legível, que é necessário utilizar os produtos biocidas com precaução e ler sempre o rótulo e a informação a eles relativa antes de os utilizar. Tal como a Comissão salientou nas suas observações escritas, a leitura do rótulo pode mesmo desviar a atenção dos consumidores de outras informações constantes deste.

48      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 72.o, n.o 3, segunda frase, do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «indicações semelhantes», na aceção desta disposição, abrange quaisquer indicações na publicidade aos produtos biocidas que, à semelhança das menções previstas na referida disposição, façam referência a esses produtos de uma forma enganosa no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou à sua eficácia, minimizando esses riscos, ou negando mesmo a sua existência, sem revestir, contudo, necessariamente um caráter genérico.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 72.o n.o 3, segunda frase, do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «indicações semelhantes», na aceção desta disposição, abrange quaisquer indicações na publicidade aos produtos biocidas que, à semelhança das menções previstas na referida disposição, façam referência a esses produtos de uma forma enganosa no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana, para a saúde animal ou para o ambiente, ou à sua eficácia, minimizando esses riscos, ou negando mesmo a sua existência, sem revestir, contudo, necessariamente um caráter genérico.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.