Language of document : ECLI:EU:C:2024:533

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 20 de junho de 2024 (1)

Processo C197/23

S. S.A.

contra

C. sp. z o.o.,

sendo interveniente:

Prokurator Prokuratury Regionalnej w Warszawie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Estado de direito — Artigo 19.°, n.° 1, TUE — Vias de recurso — Proteção jurisdicional efetiva — Tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei — Princípio da independência “interna” do poder judicial — Regras nacionais que regulam a atribuição aleatória de processos a juízes — Alteração da formação de julgamento — Violação flagrante das regras nacionais — Disposições que proíbem um tribunal de segunda instância de declarar nulo um processo da primeira instância»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) (2) tem por objeto a interpretação do artigo 2.°, do artigo 6.°, n.os 1 e 3, e do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, lidos em conjugação com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). A ação no processo principal foi interposta pela S. S.A. (a seguir «sociedade S») contra a C. sp. z o.o. (a seguir «sociedade C»), em relação a um acordo‑quadro comercial.

2.        O presente processo suscita, em substância, duas questões. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se a (re)atribuição irregular de um processo específico a um juiz-relator num processo nacional está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE. Por outras palavras, é tal (re)atribuição irregular suscetível de prejudicar a perceção dos órgãos jurisdicionais como independentes e imparciais, num caso em que tal (re)atribuição irregular i) constitui uma violação flagrante das regras nacionais aplicáveis e ii) não pode ser objeto de fiscalização em sede de recurso pelo tribunal de segunda instância, pelo facto de as disposições nacionais proibirem expressamente essa via de recurso? A segunda questão conexa é a de saber se essa irregularidade acompanhada, especificamente, de uma falta de fiscalização jurisdicional ou de via de recurso jurisdicional, constitui uma violação das exigências de tutela jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei; ou seja, a questão de saber se toda e qualquer irregularidade na (re)atribuição de um processo a um juiz‑relator pode suscitar dúvidas, no espírito dos litigantes, quanto à independência e à imparcialidade do juiz ao qual o processo foi (re)atribuído.

I.      Enquadramento jurídico

A.      Código de Processo Civil

3.        O artigo 47.°, n.° 1, do Código de Processo Civil(3) prevê que «[e]m primeira instância, o tribunal conhece dos processos em formação de juiz singular, salvo disposição específica em contrário».

4.        Nos termos do artigo 379.°, n.° 4, do referido código, «o processo é nulo […] se a formação de julgamento chamada a decidir for contrária às disposições legais ou se um juiz excluído por força da lei tiver participado na apreciação do processo».

5.        O artigo 386.°, n.° 2, do Código de Processo Civil prevê que «[q]uando o processo for declarado nulo, o tribunal de segunda instância anula o acórdão recorrido, suprime a parte anulada do processo e devolve o processo ao tribunal de primeira instância».

B.      Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns

6.        O artigo 45.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns (4) enuncia o seguinte:

«1.      Um juiz ou juiz estagiário pode ser substituído nas suas funções por um juiz ou juiz estagiário do mesmo tribunal, ou por um juiz destacado nos termos do artigo 77.°, n.os 1 ou 8.

2.      A substituição referida no n.° 1 pode resultar de uma medida adotada pelo presidente da secção ou pelo presidente do tribunal, a pedido do juiz ou do juiz estagiário ou oficiosamente, a fim de garantir a devida tramitação do processo.

[…]»

7.        Nos termos do artigo 47a, n.° 1, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, «os processos são atribuídos aos juízes e juízes estagiários de forma aleatória, de acordo com categorias específicas de processos, exceto nos casos em que os processos são atribuídos a um juiz de serviço».

8.        O artigo 47b da mesma lei dispõe:

«1.      A composição de um tribunal só pode ser alterada se o tribunal não puder tratar o processo na sua composição atual ou se existir um obstáculo duradouro que impeça o tratamento do processo na sua composição atual. As disposições do artigo 47.° são aplicáveis mutatis mutandis.

2.      Se for necessário tomar medidas num processo, nomeadamente quando tal for exigido por disposições distintas ou justificado por razões de tramitação adequada do processo, e quando a formação de julgamento à qual o processo foi atribuído não o puder fazer, serão tomadas medidas pela formação designada em conformidade com o plano de substituição e, se as medidas não forem abrangidas pelo plano de substituição, pela formação designada nos termos do artigo 47a.

3.      As decisões mencionadas nos n.os 1 e 2 são tomadas pelo presidente do tribunal ou por um juiz por este designado.

[…]»

9.        A Lei de 20 de dezembro de 2019 aditou o n.° 4 ao artigo 55.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, com a seguinte redação:

«Os juízes são competentes para decidir todos os processos atribuídos ao seu lugar de afetação, bem como os atribuídos a outros tribunais nos casos definidos por lei (competência do juiz). As disposições relativas à atribuição dos processos, à designação e alteração das formações de julgamento não limitam a competência do juiz e não podem ser invocadas para declarar que uma formação de julgamento é contrária à lei, que um tribunal não dispõe de competências adequadas ou que integra uma pessoa não habilitada ou sem competência para decidir.»

10.      Em conformidade com o artigo 8.° da Lei de 20 de dezembro de 2019, o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns aplica‑se igualmente aos processos instaurados ou concluídos antes da data de entrada em vigor da Lei de 20 de dezembro de 2019.

C.      Regulamento de Processo de 2015

11.      O artigo 43.°, n.° 1, do Regulamento de Processo de 2015 (5) prevê que «[o]s processos são atribuídos aos juízes (juízes e juízes estagiários) de forma aleatória, segundo a repartição de atividades estabelecida, por uma ferramenta informática [a seguir “sistema LPS” (6)] com base num gerador de números aleatórios, de forma separada para cada registo, lista ou outro dispositivo de registo, salvo se as disposições do presente regulamento preverem outras regras de atribuição […]».

12.      Nos termos do artigo 52b do Regulamento de Processo de 2015:

«1.      O quadro de substituição indica os suplentes (juízes, juízes estagiários e jurados) para cada dia útil.

2.      O quadro de serviço indica os juízes de serviço e os juízes estagiários para cada dia.

3.      Os quadros de substituição e de serviço determinam o número de [juízes e juízes estagiários] suplentes e de serviço por período, divisão ou tipo de processos atribuídos aos [juízes e juízes estagiários] suplentes e de serviço, bem como a ordem pela qual as substituições são efetuadas, e os processos atribuídos a [juízes e juízes estagiários] de serviço em que vários [juízes e juízes estagiários] são suplentes e de serviço.»

13.       O artigo 52c do Regulamento de Processo de 2015 prevê:

«1.      Em caso de ausência do juiz-relator na audiência, o presidente da divisão anulará a audiência se for possível informar as pessoas em causa, salvo se a tramitação adequada do processo exigir claramente a realização da audiência.

2.      O processo cuja audiência não foi anulada será julgado pelo juiz suplente previsto no plano de substituição para o dia em questão. Se o suplente não estiver em condições de se preparar de forma adequada ou se o exame do processo pelo suplente exigir a reabertura de uma parte substancial do processo, o presidente da Divisão ordenará a anulação da audiência. [...]

[…]

4.      O juiz suplente tem competência para atribuir a si mesmo o processo examinado nos termos do n.° 2. Neste caso, a ferramenta informática atribui a este juiz um processo a menos dentro da mesma categoria.

II.    Apresentação sucinta dos factos e do processo principal e das questões prejudiciais

14.      Em 27 de abril de 2018, a sociedade S intentou uma ação comercial no Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia). A sociedade S atua como cessionária de um crédito sobre a sociedade C, que exerce atividade no setor do comércio a retalho. A primeira pede a condenação da segunda no pagamento do montante de 4 572 648 zlótis polacos (PLN) (aproximadamente 1 045 000 euros), correspondente a prémios pecuniários sobre o volume de negócios realizado num determinado exercício contabilístico (montantes em atraso, margens), que recebeu no âmbito de um acordo‑quadro celebrado com o cedente. Segundo a sociedade S, a cobrança desses prémios era contrária ao direito nacional da concorrência.

15.      O processo foi distribuído à 16.ª Secção Comercial desse órgão jurisdicional e, através do sistema informático de atribuição aleatória dos processos, foi atribuído à juíza E. T., vice‑presidente dessa divisão, na qualidade de juíza singular.

16.      No entanto, em 25 de março de 2019, no dia da audiência, estando a juíza E. T. ausente, a título de férias por motivos pessoais, o presidente da 16.ª Secção Comercial designou o juiz J.K., juiz de serviço no mesmo dia, para realizar a audiência e, por conseguinte, o processo foi‑lhe atribuído.

17.      Por Sentença de 16 de setembro de 2019, proferida pelo juiz singular do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), composto pelo juiz J. K, o pedido da sociedade S foi julgado improcedente.

18.      Esta última interpôs recurso em 27 de outubro de 2019 no Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

19.      No referido recurso, a sociedade S alega que o processo no tribunal de primeira instância é inválido nos termos do artigo 379.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, com o fundamento de que a formação de julgamento desse órgão jurisdicional era contrária ao direito, uma vez que violava o princípio da composição constante das formações de julgamento, uma vez que o processo foi julgado pelo juiz J. K. em vez da juíza‑relatora E. T., que tinha sido aleatoriamente selecionada pelo sistema LPS.

20.      Após ter tomado medidas consideráveis de instrução e de verificação em relação ao órgão jurisdicional de primeira instância (7), a fim de fiscalizar a legalidade do processo nesse órgão jurisdicional, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a alteração da composição do órgão jurisdicional de primeira instância — em que o processo foi julgado pelo juiz J. K. em vez da juíza‑relatora inicial E. T. — ocorreu em «violação flagrante» das disposições de direito nacional relativas à atribuição dos processos e à designação e alteração das formações de julgamento de um órgão jurisdicional, a saber, o artigo 47b, n.° 1, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, em conjugação com o artigo 52c, n.° 4, do Regulamento de Processo de 2015. Sublinha igualmente que não foram cumpridas todas as formalidades necessárias relativas a essa substituição e refere a suspeita de que o juiz de primeira instância poderá ter alterado determinados documentos para tentar corrigir a posteriori essas irregularidades.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que não conhece a razão da substituição, que considera irregular e deliberada, salientando que o recurso a esse processo poderia conduzir à transferência de um número relativamente significativo de processos de um juiz para outro.

22.      Sublinha igualmente que, em teoria, não se pode excluir que a composição de uma formação de juiz singular seja deliberadamente alterada em processos sensíveis. Tal poderá acontecer quando o juiz inicialmente selecionado de forma aleatória pelo sistema LPS fixa a audiência numa data em que estará de férias por motivos pessoais e a sua ausência é utilizada para substituir esse juiz pelo juiz que, nessa data, figura no quadro dos juízes de serviço, cujo nome pode ser conhecido antecipadamente.

23.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere deliberações do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), segundo as quais a composição de uma formação de julgamento em violação das disposições de direito nacional relativas à atribuição dos processos e à designação e alteração das formações de julgamento pode constituir um fundamento de nulidade do processo, na aceção do artigo 379.°, n.° 4, do Código de Processo Civil.

24.      No entanto, observa que qualquer fiscalização a este respeito no âmbito de um recurso é proibida desde a introdução do n.° 4 do artigo 55.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns.

25.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem os artigos 2.°, 6.°, n.os 1 e 3, e 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, em conjugação com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ser interpretados no sentido de que um órgão jurisdicional de primeira instância de um Estado‑Membro da União Europeia, composto por um juiz singular desse órgão jurisdicional, designado para apreciar um processo em [“flagrante violação”] das disposições do direito nacional relativas à atribuição de processos, bem como à designação e à alteração da composição de um órgão jurisdicional, não é um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei e que assegura uma tutela jurisdicional efetiva?

2.      Devem os artigos 2.°, 6.°, n.os 1 e 3, e 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, em conjugação com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de disposições do direito nacional como as do artigo 55.°, § 4, segundo período, da [Lei de 27 de julho de 2001, relativa à Organização dos Tribunais Comuns], [lido] em conjugação com o artigo 8.° da [Lei de 20 de dezembro de 2019], na medida em que proíbem um órgão jurisdicional de segunda instância de declarar […]a nulidade de um processo num órgão jurisdicional nacional de primeira instância numa ação nele intentada, por a formação desse órgão jurisdicional ser contrária às disposições legais, a designação da sua composição ser irregular, e por intervir na adoção de uma decisão uma pessoa não habilitada ou inapta para julgar, como sanção jurídica que garante uma tutela jurisdicional efetiva em caso de designação de um juiz para conhecer de um processo em [“flagrante violação”] das disposições do direito nacional relativas à atribuição de processos, bem como à designação e à alteração da composição de um órgão jurisdicional?

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.      Foram apresentadas observações escritas pela sociedade C (demandada no processo principal), pelo Prokurator Prokuratury Regionalnej w Warszawie (Procurador Regional de Varsóvia, Polónia; a seguir «Procurador Regional»), pelo Governo Polaco e pela Comissão Europeia. Realizou‑se uma audiência em 7 de março de 2024, na qual todas as partes acima referidas estiveram representadas, com exceção do Procurador Regional.

IV.    Apreciação

A.      Competência do Tribunal de Justiça e admissibilidade das questões prejudiciais

27.      A sociedade C e o Procurador Regional apresentam diferentes argumentos a este respeito (8).

28.      Em primeiro lugar, a sociedade C e o Procurador Regional alegam, em substância, que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível uma vez que visa obter uma interpretação do direito nacional e que a relação com o direito da União não é suficientemente clara.

29.      No entanto, basta recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual «o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE é aplicável a todas as instâncias nacionais que sejam suscetíveis de decidir, como órgãos jurisdicionais, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União e abrangidas por domínios cobertos por esse direito» (9). Ora, é facto assente que é o que se verifica no caso em apreço. Tanto o órgão jurisdicional de primeira instância (cuja regularidade da composição é posta em causa) como o órgão jurisdicional de segunda instância (que é o órgão jurisdicional de reenvio e cujos poderes de fiscalização dessa irregularidade são proibidos ou revogados pelo direito nacional) podem ser chamados a pronunciar‑se sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União. Por conseguinte, devem cumprir as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva.

30.      Em segundo lugar, o Procurador Regional alega que o pedido de decisão prejudicial tem por objeto regras relativas à organização do sistema judiciário de um Estado‑Membro que, como qualquer questão relativa à organização e ao funcionamento dos órgãos estatais, são da competência exclusiva desse Estado.

31.      Este argumento pode ser rejeitado com base em jurisprudência constante. Com efeito, importa recordar que, «embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a cumprir as obrigações que para eles decorrem do direito da União»(10) e, em especial, do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE (11).

32.      Em terceiro lugar, o Procurador Regional sustenta que, por força do artigo 51.° da Carta, o artigo 47.° da mesma, sobre o qual incidem as questões prejudiciais, é inaplicável, uma vez que o processo principal não apresenta qualquer elemento de conexão com o direito da União. A inaplicabilidade é reforçada, no caso da República da Polónia, pelo Protocolo (n.° 30) relativo à aplicação da Carta à Polónia e ao Reino Unido.

33.      O Tribunal de Justiça explicou a diferença nos respetivos âmbitos de aplicação entre o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 47.° da Carta: «enquanto o artigo 47.° da Carta contribui para o respeito do direito à tutela jurisdicional efetiva de qualquer litigante que, num determinado caso concreto, beneficie de um direito que lhe é conferido pelo direito da União, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE visa, por seu turno, assegurar que o sistema de vias de recurso estabelecido por qualquer EstadoMembro garanta a tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» (12).

34.      Na verdade, considero que, em si mesmo, o processo principal não parece estar relacionado com uma disposição do direito da União. Com efeito, em apoio da ação que intentou contra a demandada no processo principal (a sociedade C), a autora (a sociedade S) apenas invocou uma disposição de direito nacional e, por sua vez, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu qualquer elemento que sugira que esta disposição tenha qualquer ligação com o direito da União. Por conseguinte, em conformidade com o artigo 51.°, n.° 1, da Carta, o artigo 47.° desta não é, enquanto tal, aplicável ao litígio no processo principal.

35.      Todavia, como resulta manifesto da jurisprudência do Tribunal de Justiça (13), numa situação como a do presente processo, não obstante o facto de o artigo 47.° da Carta não ser, enquanto tal, aplicável ao processo principal, este artigo continua a ser pertinente para efeitos da interpretação do artigo 19.°, n.° 1, TUE. O Tribunal de Justiça já declarou, a este respeito, que «uma vez que o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE impõe a todos os Estados‑Membros que estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar, nos domínios abrangidos pelo direito da União, uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção, nomeadamente, do artigo 47.° da Carta, esta última disposição deve ser devidamente tomada em conta para efeitos da interpretação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE» (o sublinhado é meu).

36.      Em quarto lugar, o Procurador Regional alega, em substância, que a primeira não é uma «verdadeira» questão prejudicial, uma vez que não é necessária uma resposta a esta questão para que o órgão jurisdicional de reenvio possa decidir o processo principal.

37.      Na minha opinião, é suficiente observar que i) o órgão jurisdicional de reenvio refere que o tipo de irregularidades em causa implica o risco de que a presunção de independência do tribunal de primeira instância seja posta em causa, e que ii) o órgão jurisdicional de reenvio está impedido por uma disposição jurídica nacional (14) de tirar as devidas ilações dessas irregularidades. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se esta disposição deve deixar de ser aplicada nos termos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

38.      Segundo jurisprudência constante, «as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência» (15).

39.      Com base nas considerações precedentes, estou convencido de que as questões submetidas no presente processo podem ser consideradas pelo Tribunal de Justiça «necessária[s] ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio (16).

40.      Em quinto lugar, o Procurador Regional alega, essencialmente, que, ao contrário do artigo 94.°, alínea a), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu qualquer explicação sobre as razões para a escolha das diversas disposições do direito da União indicadas nas questões prejudiciais submetidas.

41.      Em relação ao artigo 2.° e ao artigo 6.°, n.os 1 e 3, TUE, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não indica as razões pelas quais pede ao Tribunal de Justiça que interprete essas disposições específicas. No entanto, considero que resulta dos fundamentos da decisão de reenvio que as questões prejudiciais têm por objeto, em substância, a interpretação das exigências de proteção jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, por força do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE. No que respeita ao artigo 2.° TUE, o artigo 19.° TUE concretiza o valor do Estado de direito aí afirmado (17). Nestas condições, o exame em resposta às questões prejudiciais deve ser efetuado no contexto do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado à luz do artigo 2.° TUE e tendo em devida consideração o artigo 47.° da Carta (18).

B.      Quanto ao mérito

1.      Observações preliminares

42.      Antes de abordar as questões prejudiciais, importa, a título preliminar, responder a várias objeções formuladas pela sociedade C e pelo Procurador Regional.

43.      Em primeiro lugar, a sociedade C e o Procurador Regional contestam a enunciação do direito nacional na decisão de reenvio, considerando que esta é parcial e enviesada. O Procurador Regional alega igualmente que o direito nacional não contém o conceito de «violação flagrante» das disposições relativas à distribuição dos processos e à alteração da formação de julgamento, conceito utilizado pelo órgão jurisdicional de reenvio, que contrasta com o de «simples desvio» (acidental, inconsciente, involuntário ou cometido por erro).

44.      A meu ver, basta recordar a jurisprudência constante segundo a qual «o órgão jurisdicional de reenvio é o único competente para verificar e apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido assim como para interpretar e aplicar o direito nacional» (19).

45.      Por conseguinte, embora o Tribunal de Justiça deva confiar na apreciação do órgão jurisdicional de reenvio de que a reatribuição do processo a outro juiz-relator em primeira instância pode, em princípio, conduzir à anulação da sentença proferida em primeira instância por «violação e/ou irregularidade flagrante» desse processo, o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns obsta a essa eventual anulação.

46.      Em segundo lugar, a sociedade C e o Procurador Regional alegam, no essencial, que as disposições relativas à atribuição dos processos e à alteração da formação de julgamento são regras de natureza exclusivamente administrativa e técnica, cujo objetivo essencial consiste em assegurar a repartição equitativa da carga de trabalho e que, por natureza, não são suscetíveis de constituir um canal de influência externo, nomeadamente dos ramos executivo ou legislativo. Deste modo, essas regras de natureza administrativa e técnica não deverão ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União.

47.      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que «importa que os juízes estejam ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em risco a sua independência. As regras aplicáveis ao estatuto dos juízes e ao exercício da sua função de juiz devem, em especial, permitir excluir [...] também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa, e afastar, assim, uma falta de aparência de independência ou de imparcialidade desses juízes que possa pôr em causa a confiança que a justiça deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática e num Estado de direito» (20).

48.      As dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio quando afirma que existe um risco sério de que as violações das regras nacionais relativas à (re)atribuição dos processos às formações de julgamento tenham por objetivo, nomeadamente, em concertação com os juízes envolvidos, permitir a um juiz substituir outro num processo específico ou em determinados tipos de processos são fundamentos suficientes para não considerar estas questões como questões de natureza exclusivamente administrativa e técnica, mas como questões que devem ser apreciadas à luz das exigências decorrentes do direito da União relativas à garantia de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei.

49.      Em terceiro lugar, a sociedade C e o Procurador Regional alegam, em substância, que a aplicação de uma disposição de direito nacional que prevê a invalidade de um processo no caso de a composição da formação de julgamento ser contrária à lei (21) pode ser limitada apenas às irregularidades relativas à composição do órgão jurisdicional no seu conjunto, mas não à composição de formações de julgamento especificas de um tribunal.

50.      Desde logo, importa observar, como o fez o Tribunal de Justiça no Acórdão Simpson e HG (22), que, «segundo jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [(a seguir «TEDH»)], a introdução da expressão «estabelecido pela lei» no artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, CEDH[(23)] tem por objetivo […] assegurar [...] nomeadamente [que] o princípio do Estado de Direito [seja respeitado] e diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal, mas também à composição da formação em cada processo e ainda a qualquer outra disposição de direito interno cujo incumprimento leve à irregularidade da participação de um ou mais juízes no exame do processo, o que inclui, particularmente, disposições relativas à independência e à imparcialidade dos membros do tribunal em causa». Por conseguinte, as regras como as que estão em causa no processo principal relativas à (re)atribuição de um processo ao juiz-relator são manifestamente pertinentes para verificar se a garantia de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei foi cumprida.

51.      Por conseguinte, conforme alegado pelo Governo Polaco na audiência, a exigência de garantir um tribunal independente e imparcial decorrente do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE deve ser cumprida pelas disposições nacionais relativas à atribuição de processos ao juízes e à alteração das formações de julgamento de um tribunal, quando estas são, por maioria de razão, conjugadas com disposições nacionais que impedem um tribunal de segunda instância de fiscalizar as alegadas irregularidades na (re)atribuição dos processos em primeira instância.

2.      Apreciação conjunta da primeira e segunda questões

52.      Com as duas questões prejudiciais, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que aprecie o efeito cumulativo da aplicação irregular das regras relativas à (re)atribuição de um processo a um juiz-relator e da falta de uma via de recurso para esse efeito, bem como a conformidade desse efeito cumulativo com o direito da União, mais especificamente com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 2.° TUE e tendo em conta o artigo 47.° da Carta.

53.      Abordarei as questões prejudiciais submetidas a) avaliando a questão de saber se a exigência de garantir um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei abrange as regras relativas à (re) atribuição de processos aos juízes; b) examinando a questão de saber se a exigência do direito da União de que um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei deve «assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» é aplicável no caso em apreço; c) analisando o critério a aplicar no exame da questão de saber se a (re)atribuição irregular de processos aos juízes é suscetível de comprometer as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei e se deve conduzir à anulação do processo em primeira instância; e, por último, d) apreciando o impacto do acórdão do Tribunal de Justiça Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes)  no presente processo.

a)      A exigência de garantir um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei abrange as regras relativas à (re)atribuição de processos aos juízes

54.      Desde logo, importa recordar as orientações e a jurisprudência internacionais existentes relativas à garantia de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, na parte em que se referem aos sistemas de (re)atribuição. A este respeito, as regras nacionais relativas à designação e à alteração das formações de julgamento já foram examinadas nomeadamente pela Comissão de Veneza (24) e pelo TEDH.

55.      No seu relatório de 16 de março de 2010 (25), a Comissão de Veneza estabelece determinadas normas que os Estados deverão cumprir. Recomenda, nomeadamente, que a (re)atribuição dos processos aos juízes seja regida por critérios objetivos e transparentes estabelecidos pela lei. A Comissão de Veneza sublinha igualmente que o conceito de tribunal estabelecido por lei implica regras nacionais que garantam a independência e a imparcialidade não só do órgão jurisdicional no seu conjunto, mas também do juiz individual(26). Na minha opinião, esta exigência estende‑se necessariamente não só a essas regras enquanto tais mas também à sua aplicação, que deve igualmente ser efetuada de forma objetiva e transparente, isto é, não arbitrária.

56.      Além disso, resulta da jurisprudência do TEDH que as dúvidas de uma parte no processo quanto à independência e à imparcialidade de um juiz são legítimas quando o direito interno não preveja garantias processuais suficientes para impedir a influência dos juízes (27).

57.      Tal quadro jurídico era inexistente no processo Miracle Europe KFT c. Hungria, em que o juiz que atribuiu processos a outros juízes dispunha de um amplo poder discricionário. Nesse acórdão (28), o TEDH considerou que, como consequência de uma redistribuição discricionária do processo, o tribunal competente não era um tribunal estabelecido por lei e, por conseguinte, declarou que se verificava uma violação do direito a um processo equitativo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, CEDH. Estas constatações do TEDH realçam a importância de que a (re)atribuição dos processos aos juízes se faça no estrito cumprimento da lei e de uma forma objetiva e transparente (29).

58.      Podemos igualmente basear‑nos na jurisprudência existente do Tribunal de Justiça.

59.      O Tribunal de Justiça pronunciou‑se no Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes)(30) sobre disposições nacionais que investiam o presidente da Secção Disciplinar do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) do poder discricionário de designar o tribunal disciplinar territorialmente competente para conhecer de um processo disciplinar instaurado contra um juiz dos tribunais comuns sem que os critérios que devem presidir a essa designação tenham sido precisados na regulamentação aplicável.

60.      O Tribunal de Justiça declarou aí que, «na falta de tais critérios, esse poder pode, nomeadamente, ser utilizado para encaminhar determinados casos a determinados juízes, evitando atribuí‑los a outros juízes ou ainda para exercer pressão sobre os juízes assim designados» (31).

61.      Considero que estas constatações, apreciadas à luz do princípio do Estado de direito, se tornam pertinentes não só no caso de os critérios de (re)atribuição dos processos aos juízes não terem sido previstos na lei, mas também quando, na falta de fiscalização jurisdicional, apesar da previsão legal de tais critérios, estes não serem aplicados, ou não serem aplicados de forma objetiva e transparente, uma vez que podem produzir‑se efeitos negativos semelhantes em tais situações.

62.      Resulta das considerações precedentes que a exigência da garantia de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei por força do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.° TUE, exige que, quando um Estado‑Membro estabelece regras relativas à (re)atribuição dos processos aos juízes, tais regras sejam efetivas e aplicadas de forma objetiva e transparente.

b)      O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, que exige expressamente que seja assegurada «uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União», é aplicável ao presente processo

63.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos [...] domínios [abrangidos pelo direito da União]»(32). Tal reflete a redação explícita do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

64.      Quando instituem esse sistema, os Estados‑Membros estão obrigados a conferir pleno efeito ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, que constitui um princípio geral do direito da União. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que «o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE concretiza o valor do Estado de direito enunciado no artigo 2.° TUE e, a este respeito, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de preverem um sistema de vias de recurso e de processos que assegure aos litigantes o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva em todos os domínios abrangidos pelo direito da União, constituindo o princípio da tutela jurisdicional efetiva a que o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE faz referência um princípio geral do direito da União atualmente consagrado no artigo 47.° da Carta» (33).

65.      Resulta da minha análise supra (n.os 54 a 62 das presentes conclusões), da própria redação do Tratado da União Europeia e da jurisprudência do Tribunal de Justiça (n.os 63 e 64 das presentes conclusões) que, numa situação em que a independência e a imparcialidade de um tribunal, conforme exigidas pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, [são postas em causa], devido à (re)atribuição irregular de um processo a um juiz, a existência do direito a um recurso jurisdicional efetivo e a competência de um órgão jurisdicional para fazer cumprir esse direito de modo a fiscalizar a alegada irregularidade [são essenciais] para assegurar a aplicação efetiva da exigência de garantir um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei.

66.      No caso em apreço, uma disposição de direito nacional (34) prevê a exclusão da totalidade das regras de (re)atribuição dos processos de qualquer fiscalização jurisdicional no âmbito de um recurso. Por conseguinte, é necessário verificar se artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 2.° do TUE, na medida em que consagra o princípio do Estado de direito, e tendo devidamente em conta o artigo 47.° da Carta, que reflete o direito a um recurso efetivo como princípio geral do direito da União, obsta à aplicação de tal disposição nacional no que diz respeito à (re)distribuição irregular de processos, por ser incompatível com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

67.      Através desta proibição, o legislador nacional parece ter decidido, de forma perentória, que nenhuma irregularidade relativa à (re)atribuição dos processos em primeira instância pode ser objeto de fiscalização em sede de recurso, como sustenta o órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho de reenvio, apesar de não se poder necessariamente excluir que as irregularidades em causa impliquem o risco de uma lesão substancial da independência ou da imparcialidade da formação de julgamento. Tendo em conta o papel atribuído aos órgãos jurisdicionais nacionais na ordem jurídica da União e, em especial, na garantia do Estado de direito, esses órgãos jurisdicionais devem ser percebidos como independentes e imparciais. Isto significa necessariamente que, no caso de um órgão jurisdicional nacional de segunda instância ser chamado a pronunciar‑se com fundamento na existência de motivos suficientes para crer que essa perceção do órgão jurisdicional de primeira instância é posta em causa (o que parece, à primeira vista, ser o caso no processo principal), a parte que pede essa fiscalização deve dispor de uma via de recurso efetiva.

68.      Por conseguinte, a meu ver, uma proibição absoluta das vias de recurso em tal situação seria contrária ao artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, segundo o qual os Estados‑Membros estabelecem, por intermédio dos seus órgãos jurisdicionais nacionais, «as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União». Com efeito, o próprio facto de um órgão jurisdicional nacional ser chamado a interpretar e aplicar o direito da União é suficiente para desencadear a aplicação dessa disposição (35).

69.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio deu como provado que existe não só uma «violação flagrante» das regras relativas à (re)atribuição dos processos aos juízes mas também que tal violação era agravada pela proibição de uma via de recurso. O efeito cumulativo dos referidos dois elementos é suscetível de criar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade do tribunal de primeira instância em relação a elementos internos ou externos e quanto à sua neutralidade em relação aos interesses concorrentes. Conforme observado pelo órgão jurisdicional de reenvio, tais dúvidas são suscetíveis de ter como consequência que a referida formação de julgamento não tenha a aparência de independência ou imparcialidade, situação que pode afetar a confiança que a justiça deve inspirar nos referidos particulares (36).

70.      Além disso, a exclusão absoluta da totalidade das regras de (re)atribuição de qualquer fiscalização no âmbito de um recurso nega a essência do princípio segundo o qual não só se deve fazer justiça, como se deve ver que a justiça é feita.

c)      O critério relativo às irregularidades na (re)atribuição dos processos aos juízes suscetíveis de comprometer as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei

71.      Pode depreender‑se da jurisprudência do Tribunal de Justiça que nem todas as irregularidades dão necessariamente lugar a uma declaração de nulidade do processo do órgão jurisdicional de primeira instância pelo órgão jurisdicional de segunda instância, e as irregularidades sem consequências substanciais para a existência de um recurso efetivo podem não ser sancionadas por uma declaração de nulidade (37).

72.      Com efeito, nem toda a irregularidade, cometida no âmbito da atribuição de um processo à formação de julgamento, ou da sua reatribuição a uma formação diferente, conduz, por si só, a uma violação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e deve, consequentemente, ser objeto de fiscalização jurisdicional em sede de recurso.

73.      Por exemplo, conforme observado pela Comissão na audiência, a compilação incorreta do quadro dos juízes suplentes ou da programação dos nomes que dela constam (por exemplo, não por ordem alfabética, mas pelas datas de nascimento) parece, à primeira vista, ser de natureza secundária. Com efeito, tais irregularidades não são, em princípio, suscetíveis de prejudicar o funcionamento do sistema judicial nacional, e as garantias de independência e de imparcialidade, na aceção do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE. O objetivo deste artigo é abranger apenas as questões que tenham uma certa gravidade e/ou que sejam de natureza sistémica, relativamente às quais é pouco provável que o sistema jurídico interno possa oferecer uma via de recurso adequada (38).

74.      A este respeito, pode sublinhar‑se que a jurisprudência do TEDH aborda a questão da gravidade das irregularidades suscetíveis de constituir uma violação do direito a um «tribunal estabelecido por lei» por meio do «critério do limiar» (39). O TEDH refere, no Acórdão Miracle Europe, a «violação flagrante» do direito nacional aplicável. Conforme salientado supra, o princípio da proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União referido no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e, por conseguinte, a exigência de garantir a independência e a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais, constitu[em] princípio[s] gera[is] do direito da União que decorre[m] das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que [são] atualmente afirmado[s] no artigo 47.° da Carta (40). Importa recordar que o artigo 52.°, n.° 3, da Carta visa assegurar a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem pôr em causa a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim, há que ter em conta os direitos correspondentes da CEDH para efeitos da interpretação da Carta, enquanto limiar de proteção mínima (41). Esta coerência interpretativa reveste uma importância primordial para compreender o que constitui uma violação das exigências de uma tutela jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.

75.      Por conseguinte, na minha opinião, o critério deve ser rigoroso e apenas as alegações de «violações flagrantes» das disposições nacionais aplicáveis à (re)atribuição de processos aos juízes devem desencadear o direito a um controlo jurisdicional no âmbito do processo de recurso, em conformidade com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado à luz do artigo 2.° TUE e do artigo 47.° da Carta, na medida em que só essas infrações são suscetíveis de pôr em causa a independência e a imparcialidade de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro.

76.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio decidir sobre tais alegações tendo em conta as seguintes considerações. Em meu entender, pode depreender‑se do Acórdão Simpson e HG que, quando a irregularidade é de natureza e gravidade substanciais, dá a impressão de que outras instituições abusaram do seu poder de apreciação ao comprometerem a integridade do resultado, que a irregularidade impulsiona o processo em causa, semeando assim uma dúvida legítima no espírito das partes e dos litigantes quanto à independência do juiz-relator ou do órgão jurisdicional.

77.      Deste modo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar a natureza e a gravidade da irregularidade, se a (re)atribuição do processo ao juiz de primeira instância respeitou o direito nacional aplicável e a exigência de assegurar uma tutela jurisdicional efetiva perante um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, em conformidade com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado à luz do artigo 2.° TUE e tendo devidamente em conta o artigo 47.° da Carta. O órgão jurisdicional de reenvio deve proceder à sua apreciação à luz de todas as circunstâncias relevantes. Deve não só fiscalizar a conformidade da alteração da formação de um tribunal com o direito nacional, mas também examinar, nomeadamente, as circunstâncias em que a alteração ocorreu e a questão de saber se a alteração se baseou em considerações arbitrárias.

78.      Ao proceder a essa apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que «[a] exigência de independência dos tribunais que decorre do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, comporta dois aspetos. O primeiro aspeto [é] de ordem externa [...] [e] [o] segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes em litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto do litígio. Este último aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na solução do litígio além da estrita aplicação do direito» (42).

79.      Em meu entender, estes dois aspetos — externo e interno — fazem parte do critério para determinar se a situação específica em que o processo foi (re)atribuído a um juiz-relator em primeira instância é de uma natureza e gravidade tais que cria um risco real de que a) outras pessoas ou órgãos administrativos do poder judicial possam exercer um poder discricionário indevido que comprometa a integridade do resultado da (re)atribuição de processos aos juízes e de que b) o resultado de uma tal (re)atribuição possa pôr em causa a objetividade e a ausência de qualquer «interesse no resultado do processo» e, por conseguinte, suscitar dúvidas razoáveis no espírito dos particulares quanto à independência e imparcialidade do(s) juiz(es) em causa.

80.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir, à luz de todas as circunstâncias relevantes, se a aplicação irregular das regras nacionais relativas à (re)atribuição de processos aos juízes no processo principal constitui uma violação da exigência de garantir um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, que exige que o processo em primeira instância seja declarado nulo para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.

d)      Impacto do Acórdão do Tribunal de Justiça Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes)

81.      Em 5 de junho de 2023 — após a apresentação do pedido de decisão prejudicial no presente processo —, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de declarar que o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns (precisamente a disposição também em causa no processo principal) violava o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 47.° da Carta.

82.      Mais especificamente, no Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (43), o Tribunal de Justiça declarou que tal violação se devia ao facto de o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns enunciar proibições que podem ser aplicadas de forma mais geral, não obstante eventuais objeções de um litigante relativas ao facto de as disposições nacionais respeitantes quer à distribuição de processos quer à designação ou à alteração das formações de julgamento ou a aplicação de tais disposições, serem contrárias aos requisitos do direito da União inerentes ao direito a um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.

83.      Por conseguinte, na sequência do referido acórdão, que declarou o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns incompatível com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, em lido conjugação com o artigo 47.° da Carta, os órgãos jurisdicionais nacionais polacos não devem aplicar (44) o referido artigo 55.°, n.° 4, até à sua revogação pelo legislador polaco nos termos do artigo 260.°, n.° 1, TFUE (45) e do princípio da cooperação leal (artigo 4.°, n.° 3, TUE). Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta exigência decorre do princípio do primado do direito da União, que «impõe ao juiz nacional [...] [que não aplique], por iniciativa própria, qualquer regulamentação ou prática nacional [...] contrária a[uma disposição d]o direito da União [que tenha efeito direto]» (46). Segundo jurisprudência constante, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, tem efeito direito (47).

84.      Decorre das considerações precedentes que os tribunais polacos devem atualmente (na sequência do Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), deixar de aplicar o artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, e podem, assim, no presente processo, aplicar o artigo 379.°, n.° 4, do Código de Processo Civil e/ou outra disposição nacional aplicável para determinar se um processo em primeira instância foi (re)atribuído de forma regular a um juiz-relator, ou seja, em conformidade com as disposições nacionais aplicáveis e com as exigências de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, assegurando assim a proteção jurisdicional efetiva consagrada no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.° TUE e tendo em conta o artigo 47.° da Carta.

V.      Conclusão

85.      Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) da seguinte forma:

«O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 2.° TUE e tendo em conta o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê a proibição absoluta de uma via de recurso em caso de violação das regras nacionais relativas à (re)atribuição de processos aos juízes, quando essa violação cria um risco real de que a) outras pessoas ou órgãos administrativos do poder judicial possam exercer um poder discricionário indevido que comprometa a integridade do resultado da (re)atribuição de processos aos juízes e de que b) o resultado de tal (re)atribuição possa pôr em causa a objetividade e a ausência de qualquer «interesse no resultado do processo» e, por conseguinte, suscitar dúvidas razoáveis no espírito dos particulares quanto à independência e imparcialidade do(s) juiz(es) em causa.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio não aplicar essa disposição do direito nacional e aplicar o artigo 379.°, n.° 4, do Código de Processo Civil e/ou outra disposição nacional aplicável para examinar, à luz de todas as circunstâncias relevantes, se a aplicação irregular das regras nacionais relativas à (re)atribuição de processos aos juízes é de uma natureza e gravidade tais que constitui uma violação da exigência de garantir um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei e que justifica a anulação do processo em primeira instância com o objetivo de assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.»


1      Língua original: inglês.


2      O Despacho de reenvio data de 28 de abril de 2022, mas deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de março de 2023.


3      Ustawa z 17 listopada 1964 r. Kodeks postępowania cywilnego (Lei de 17 de novembro de 1964 que aprova o Código de Processo Civil, versão consolidada, Dz.U. de 2021, posição 1805, conforme alterada; a seguir «Código de Processo Civil»).


4      Ustawa z 27 lipca 2001 r. Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei de 27 de julho de 2001, relativa à Organização dos Tribunais Comuns, versão consolidada, Dz.U. de 2020, posição 2072) (a seguir «Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns»), conforme alterada pela Ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw z 20 grudnia 2019 r. (Lei que altera a Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, a Lei do Supremo Tribunal e outros atos de 20 de dezembro de 2019, Dz.U. de 2020, posição 190) (a seguir «Lei de 20 dezembro de 2019»).


5      Rozporządzenie Ministra Sprawiedliwości z 23 grudnia 2015 r. Regulamin urzędowania sądów powszechnych (Regulamento do Ministro da Justiça de 23 de dezembro de 2015 que estabelece regras relativas ao funcionamento dos Tribunais Comuns) (Dz.U. de 2015, posição 2316; a seguir «Regulamento de Processo de 2015»).


6      System Losowego Przydziału Spraw (sistema de atribuição aleatória de processos aos juízes).


7      Nada mais nada menos do que 36 pontos da decisão de reenvio são consagrados às medidas de inquirição e às verificações (v. n.os 21 a 56 da mesma).


8      Na audiência, o Governo Polaco retirou as suas observações escritas, incluindo a exceção de inadmissibilidade, e apresentou observações totalmente novas. Alegou, em substância, que i) a exigência de um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei obstava a que o processo fosse julgado por um novo juiz que tinha sido nomeado juiz-relator em “flagrante violação” das regras nacionais em matéria de atribuição de processos; e que ii) o direito da União obriga o órgão jurisdicional de segunda instância a não aplicar as disposições nacionais que o impedem de examinar se, em primeira instância, a condição acima referida se encontrava verificada.


9      Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, a seguir «Acórdão Miasto Łowicz», n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).


10      Acórdão de 18 de abril de 2024, OT e o. (Extinção de um tribunal) (C‑634/22, EU:C:2024:340, n.° 24 e jurisprudência aí referida).


11      Acórdão Miasto Łowicz, n.º 36 e jurisprudência referida.


12      Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.° 52). V., igualmente, as Conclusões do advogado‑geral A. Rantos no processo Krajowa Rada Sądownictwa (Manutenção em funções de um juiz) (C‑718/21, EU:C:2023:150, n.º 20 e notas de rodapé 26 a 28).


13      Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito das decisões de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99; a seguir «Acórdão RS», n.os 36 e 37).


14      Artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns.


15      V. Acórdão Miasto Łowicz, n.º 43 e jurisprudência referida.


16      Ibidem, n.° 45 e jurisprudência referida.


17      V. Acórdão RS (n.º 39 e jurisprudência referida).


18      V. Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 77 a 79).


19      Acórdão de 8 de junho de 2016, Hünnebeck C‑479/14, EU:C:2016:412, n.° 36. V. também Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Preindl (C‑675/17, EU:C:2018:990, n.º 24 e jurisprudência referida).


20      Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociația «Forumul Judecătorilor din România» e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.° 197 e jurisprudência aí referida).


21      Como o artigo 379.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.


22      Acórdão de 26 de março de 2020, Review Simpson/Conselho e HG/ Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232; a seguir «Acórdão Simpson e HG»), n.º 73 e jurisprudência referida. (O sublinhado é meu.)


23      Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


24      A Comissão de Veneza, oficialmente a «Comissão Europeia para a Democracia através do Direito», é um órgão consultivo do Conselho da Europa.


25      Relatório sobre a independência do sistema judicial, parte I: a independência dos juízes, adotada pela Comissão de Veneza na sua 82.ª sessão plenária, Veneza, 12 e 13 de março de 2010, n.os 81 e 82 (16).


26      Ibidem, n.os 77 e 79.


27      V. Sillen, J., The concept of ‘internal judicial independence’ in the case law of the European Court of Human Rights, European Constitutional Law Review, n.º 15, 2019, p. 121 com numerosas referências à jurisprudência pertinente do TEDH.


28      Acórdão TEDH de 12 de janeiro de 2016, CE:ECHR:2016:0112JUD005777413; a seguir «Acórdão Miracle Europe», n.º 58.


29      Como explica a doutrina, «uma vez atribuído um processo a um juiz [...], este não pode, em princípio, ser reatribuído a outro juiz ou a outro órgão jurisdicional sem o consentimento deste último, salvo quando essa reafetação seja justificada pela boa administração da justiça», a saber, «por exemplo, quando o juiz ou a secção a que [são afetados] processos que necessitam de um tratamento mais rápido do que o habitual (por exemplo, em matéria familiar ou no âmbito de um processo penal) são confrontados com circunstâncias imprevistas suscetíveis de prolongar consideravelmente a duração do processo, em detrimento dos interesses dos litigantes» (tradução livre). Adam, S., Good administration of justice from an EU law perspective: striking balance between disciplinary liability and judicial independence, in Adam, S., Dervaux, I., Grasso, I., e Vaz Ventura, F. (ed.), The Rule of law and good administration of justice in the digital era, Bruylant, 2024, p. 158.


30      Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.º 172; a seguir «Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes)».


31      Ibidem, n.º 173.


32      Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.º 34).


33      Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.os 269 e 286.


34      Artigo 55.°, n.° 4, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns.


35      V. Prechal, S., «Article 19 TEU and national courts: A new role for the principle of effective judicial protection?», Bonelli, M., Eliantonio, M., e Gentile, G. (eds.), Article 47 of the EU Charter and Effective Judicial Protection, Volume 1: The Court of Justice’s Perspective, Oxford, 2022, p. 23.


36      V., por analogia, Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), n.º 112.


37      V., por analogia, Acórdão Simpson e HG, n.os 75 a 80.


38      V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403, n.os 143 e segs.). V., nomeadamente, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:529, n.° 115), e nos processos apensos Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2019:775, n.° 125); e do Advogado‑Geral A. Rantos que referi na nota de rodapé12 das presentes Conclusões.


39      V. Acórdão TEDH de 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson c. Islândia (CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 235 e 290).


40      Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), n.º 52.


41      Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o. (C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.º 124 e jurisprudência referida).


42      Acórdão RS, n.º 41; o sublinhado é meu.


43      N.os 226 e 227.


44      Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.os 64 e 47). Além disso, v. Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.° 271.


45      Na audiência foi constatado que, em 7 de março de 2024, a referida disposição ainda não tinha sido revogada.


46      Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.° 228 e jurisprudência referida.


47      Ibidem, n.° 78, e jurisprudência referida.