Language of document : ECLI:EU:T:2010:413

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

29 de Setembro de 2010 (*)

«Marca comunitária – Pedido de marca comunitária que consiste numa combinação das cores vermelha, preta e cinzenta aplicadas às superfícies exteriores de um tractor – Motivo absoluto de recusa – Inexistência de carácter distintivo adquirido pelo uso – Artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 207/2009]»

No processo T‑378/07,

CNH Global NV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representada por M. Edenborough, barrister, e R. Harrison, solicitor,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 5 de Julho de 2007 (processo R 1642/2006‑1), relativo a um pedido de registo do sinal que representa um tractor em vermelho, preto e cinzento como marca comunitária.

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso (relator), juízes,

secretária: K. Pocheć,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de Outubro de 2007,

vista a resposta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de Janeiro de 2008,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de Maio de 2008,

após a audiência de 17 de Março de 2010,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1        Em 15 de Julho de 2004, a recorrente, a CNH Global NV, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/04 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        O sinal em questão é descrito como «[uma] combinação das cores vermelha, preta e cinzenta aplicadas às superfícies exteriores de um tractor, sendo o vermelho aplicado ao capot, ao tejadilho e aos guarda‑lamas, o cinzento claro e o cinzento escuro ao capot sob a forma de um risco horizontal e o preto à calandra antes do capot, ao chassis e aos acabamentos exteriores verticais».

4        Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido pertencem à classe 12, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Tractores».

5        Em 27 de Outubro de 2006, o examinador recusou o pedido de registo pelo facto de que, ainda que a recorrente tivesse demonstrado ter volumes de vendas «consideráveis» nos Estados‑Membros situados na Europa Ocidental, não fez a prova de um uso intensivo do sinal em causa nos novos Estados‑Membros, que são principalmente Estados agrícolas, e de que, consequentemente, não podia dar‑se como provada a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo na sequência da sua utilização numa parte substancial da Comunidade.

6        Em 15 de Dezembro de 2006, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador. Por decisão de 5 de Julho de 2007 (a seguir «decisão recorrida»), a Primeira Câmara de Recurso negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão.

7        A Câmara de Recurso assinalou, essencialmente, por um lado, que o público pertinente era composto por agricultores e, por outro, que, na medida em que a combinação de cores em causa era desprovida de carácter distintivo intrínseco, a marca requerida só podia ser registada se tivesse adquirido um carácter distintivo pela utilização numa parte substancial da Comunidade. Ora, a Câmara de Recurso considerou que a recorrente não tinha demonstrado que esta condição se tinha verificado, dado que, por um lado, não teve em conta os novos Estados‑Membros na definição do mercado pertinente e, por outro, os volumes de vendas nestes Estados‑Membros, ou mesmo em determinados antigos Estados‑Membros, eram manifestamente insuficientes para provar uma utilização intensiva do referido sinal.

 Pedidos das partes

8        A recorrente pede que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o IHMI nas despesas.

9        O IHMI pede que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

10      A recorrente invoca, no essencial, um fundamento único de recurso, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009].

 Argumentos das partes

11      A recorrente considera que o público pertinente, que representa uma percentagem muito reduzida da população, apreenderá a combinação de cores dos tractores que fabrica como uma marca, fazendo‑o da mesma maneira nos diferentes Estados‑Membros.

12      A recorrente entende que o público pertinente abrange os proprietários actuais bem como os futuros compradores de tractores, mas não aqueles que apenas têm um interesse potencial em relação a estes produtos, pois só os primeiros têm um verdadeiro interesse em que a marca cumpra a sua função essencial de identificação da origem comercial dos produtos.

13      Segundo a recorrente, o conceito de «agricultor» não pode ser tido em conta para fins da definição do público pertinente, na medida em que é impreciso e inclui pessoas não pertinentes, como os pequenos agricultores ou os agricultores que não possuem os meios para comprar um tractor. Assim, a Câmara de Recurso considerou erradamente que os agricultores em geral constituíam o público pertinente e este erro conduziu‑a a efectuar uma interpretação errada das provas apresentadas.

14      A recorrente nega que admita, como afirma o IHMI, que o público pertinente seja composto por agricultores em geral.

15      A recorrente alega que, segundo a jurisprudência, o carácter distintivo de uma marca adquirido pelo uso deve ser demonstrado para uma parte significativa do público em causa, mas não para a totalidade do referido público. Acresce que tal prova deve ser feita no que diz respeito a uma parte substancial do território pertinente e não para a totalidade deste território, pois, contrariamente ao que sustenta o IHMI, não houve qualquer alteração jurisprudencial ou reforma legislativa na matéria nesse sentido.

16      Além disso, a recorrente precisa que a posição do IHMI, segundo a qual a aquisição por uma marca de carácter distintivo pelo uso deve ser provada em relação à totalidade do território de cada Estado‑Membro e a todo o público pertinente é, «impraticável».

17      Segundo a recorrente, a distribuição do público pertinente não é uniforme entre todos os Estados‑Membros e o grau de utilização apropriado varia, portanto, em função das condições particulares próprias a cada Estado‑Membro.

18      A recorrente considera que, no caso em apreço, os volumes de vendas absolutos dos produtos em causa, a zona geográfica coberta e o facto de que as vendas não se repartem de maneira uniforme no âmbito da Comunidade são desprovidos de relevância para efeitos de demonstrar a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pela utilização numa parte substancial da Comunidade. Os elementos a ter em conta são, por um lado, o número de vendas em relação à dimensão do mercado e, por outro, a repartição geográfica do público pertinente.

19      A recorrente alega que, no caso em apreço, os volumes de vendas dos produtos para os quais o registo foi requerido são «consideráveis» nos Estados‑Membros situados na Europa Ocidental. Assim, a marca requerida adquiriu carácter distintivo pela utilização nos antigos Estados‑Membros, que representam 90% da Comunidade e constituem uma parte substancial desta, pelo que adquiriu, portanto, tal carácter distintivo para o público pertinente na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

20      A recorrente afirma que o tamanho da população, a extensão da zona geográfica e o facto de os referidos Estados‑Membros situados na Europa do Leste serem Estados agrícolas são circunstâncias desprovidas de pertinência para demonstrar a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso numa parte substancial da Comunidade. Sustenta que, o público pertinente é o elemento a tomar em consideração. De qualquer modo, as explorações agrícolas nestes Estados‑Membros são demasiado pequenas para utilizar tractores e o público pertinente nesta parte da Comunidade é, consequentemente, muito diminuto. Portanto, o IHMI indicou incorrectamente que a recorrente ignorou os Estados‑Membros situados na Europa do Leste e que não teve em conta os mercados dos novos Estados‑Membros por considerar que podiam ser negligenciados.

21      A recorrente sustenta que o IHMI utilizou os seus volumes de vendas de uma forma «enganosa e, sobretudo, errónea».

22      Além disso, a recorrente afirma que o IHMI introduziu na resposta duas questões não levantadas perante o examinador, nem perante a Câmara de Recurso, respeitantes, por um lado, à independência dos dois representantes de agrupamentos profissionais cuja declaração a recorrente apresentou em anexo à petição e à capacidade destes para determinar de que forma uma dada marca é percebida na Europa e, por outro, à utilização da marca requerida em combinação com a marca nominativa CASE ou CASE INTERNATIONAL. Estes argumentos não procedem, dado que, por um lado, os referidos representantes estão bem colocados para determinar o modo como a marca é percebida e, por outro, os elementos nominativos da marca requerida são ilegíveis, pelo que a combinação de cores é o único elemento distintivo.

23      Por último, a recorrente precisa que foram apresentadas provas directas que atestam que a combinação de cores de um tractor pode constituir uma indicação da origem comercial, bem como fotografias que mostram a referida combinação de cores. Foi igualmente provado ter sido realizada uma promoção particular dos tractores da recorrente, centrada no público pertinente.

24      O IHMI contesta todos os argumentos apresentados pela recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

25      As cores ou combinações de cores, enquanto tais, são susceptíveis de constituir uma marca comunitária e podem adquirir, elas próprias, relativamente aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido, um carácter distintivo após o uso que delas tenha sido feito, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 [acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2004, KWS Saat/IHMI, C‑447/02 P, Colect., p. I‑10107, n.° 79, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Outubro de 2009, BCS/IHMI – Deere (combinação das cores verde e amarela), T‑137/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28].

26      No caso em apreço, a recorrente não contesta as conclusões do examinador, nem as da Câmara de Recurso, no que diz respeito à inexistência de carácter distintivo intrínseco da marca requerida, mas limita a discussão à aplicação do artigo 7.°, n.° 3, do referido regulamento ao sinal em questão.

27      Por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, os motivos absolutos referidos no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do mesmo regulamento [actual artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009], não se opõem ao registo de uma marca se esta adquiriu, para os produtos ou serviços para os quais o registo foi requerido, carácter distintivo após a utilização que dela foi feita.

28      A este respeito, em primeiro lugar, importa assinalar que resulta da jurisprudência que a aquisição de carácter distintivo pelo uso da marca exige que, pelo menos, uma fracção significativa do público relevante identifique, graças à marca, os produtos ou serviços em causa como provenientes de uma determinada empresa [acórdão do Tribunal de Primeira Instância Glaverbel/IHMI («Textura de uma superfície de vidro»), T‑141/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32; v. igualmente, por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee, C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 52, e de 7 de Julho de 2005, Nestlé, C‑353/03, Colect., p. I‑6135, n.° 30].

29      Esta identificação deve ser efectuada através da utilização do sinal como marca e, portanto, graças à natureza e ao efeito do mesmo que o tornam adequado para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.° 64, e Nestlé, já referido, n.° 26).

30      Em segundo lugar, para ser admitido o registo de uma marca por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, é necessário demonstrar a aquisição de carácter distintivo pelo uso em todo o território no qual a marca era ab initio desprovida de tal carácter [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2006, Storck/IHMI, C‑25/05 P, Colect., p. I‑5719, n.os 83 e 86; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância «Textura de uma superfície de vidro», já referido, n.os 35 e 40; de 10 de Março de 2009, Piccoli/IHMI (Forma de uma concha), T‑8/08, não publicado na Colectânea, n.os 36 e 41, e de 30 de Setembro de 2009, JOOP!/IHMI («!»), T‑75/08, não publicado na Colectânea, n.° 41; v., igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2006, Bovemij Verzekeringen, C‑108/05, Colect., p. I‑7605, n.° 22].

31      Em terceiro lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se o sinal em questão adquiriu carácter distintivo após o uso que dele foi feito, importa apreciar globalmente os elementos que podem demonstrar que a marca se tornou adequada para identificar os produtos ou os serviços em causa como provenientes de uma empresa determinada e, portanto, para distinguir esses produtos ou esses serviços dos das outras empresas (v., por analogia, acórdão Windsurfing Chiemsee, já referido, n.° 49).

32      Para efeitos da apreciação da aquisição de carácter distintivo de uma marca na sequência do uso que dela foi feito, podem ser levados em consideração, nomeadamente, a parte de mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso dessa marca, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, a proporção dos sectores interessados que identificam o produto ou o serviço como proveniente de uma empresa determinada graças à marca e declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais (acórdão «!», já referido, n.° 44; v., igualmente, por analogia, acórdãos Windsurfing Chiemsee, já referido, n.° 51; e Nestlé, já referido, n.° 31).

33      Em quarto lugar, o carácter distintivo de uma marca, incluindo o que é adquirido pelo uso, deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou serviços em relação aos quais o registo da marca é pedido e, por outro, tendo em conta a presumível percepção de um consumidor médio da categoria de produtos ou de serviços em causa normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v., por analogia, acórdãos Philips, já referido, n.os 59 e 63, e Nestlé, já referido, n.° 25).

34      Por fim, o carácter distintivo de uma marca deve ter sido adquirido por um uso anterior à apresentação do pedido de marca [acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2009, Imagination Technologies/IHMI, C‑542/07 P, não publicado na Colectânea, n.° 60, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 2010, Deutsche BKK/IHMI (Deutsche BKK), T‑289/08, não publicado na Colectânea, n.° 60].

35      É à luz destas considerações que importa apreciar se, no caso vertente, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao não acolher a argumentação da recorrente, segundo a qual a marca requerida adquiriu carácter distintivo pelo uso numa parte substancial da Comunidade e, portanto, deveria ter sido admitida a registo para os produtos em causa, por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

36      A este respeito, há que assinalar que a recorrente contesta a definição de público pertinente considerada pela Câmara de Recurso e a sua apreciação de que o sinal em causa não adquiriu um carácter distintivo pelo uso numa parte substancial da Comunidade.

37      Em primeiro lugar, no que diz respeito à definição de público pertinente em relação ao qual a marca requerida teria adquirido carácter distintivo pelo uso, a mesma é limitada pela recorrente aos proprietários actuais e aos futuros adquirentes de tractores, enquanto que a Câmara de Recurso a estende a todos os agricultores.

38      O Tribunal Geral considera que a definição do público pertinente está ligada ao exame dos destinatários dos produtos em causa, dado que é em relação a estes que a marca deve realizar a sua função essencial. Assim, tal definição deve ser efectuada à luz da função essencial das marcas, a saber, garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem de um produto ou serviço designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, este produto ou serviço dos que tenham proveniência diversa (acórdão Textura de uma superfície de vidro, já referido, n.° 23, e a jurisprudência citada).

39      Examinados à luz desta jurisprudência, não são pertinentes os argumentos apresentados pela recorrente a fim de contestar o facto de que o público pertinente possa ser constituído pelos agricultores em geral e de excluir desta definição toda a população que está apenas potencialmente interessada nos produtos em causa.

40      Por um lado, os agricultores, na qualidade de exploradores agrícolas, são os destinatários designados dos instrumentos necessários à sua exploração, nomeadamente, dos tractores. A própria recorrente chega a essa conclusão quando reconhece, num dos documentos apresentados perante o Tribunal Geral, que os agricultores são os consumidores típicos de tractores. Os argumentos relativos à pequena dimensão de determinadas explorações agrícolas e as contingências orçamentais dos agricultores não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, como resulta dos documentos apresentados pela recorrente perante o Tribunal Geral, os diferentes fabricantes de tractores lograram desenvolver motores compactos destinados a ser utilizados nas pequenas explorações. Do mesmo modo, o facto de certos agricultores não possuírem os meios para comprar um tractor constitui uma circunstância susceptível de mudar ao longo do tempo ou de ser superada graças às propostas de financiamento feitas, por exemplo, pelos distribuidores de máquinas agrícolas.

41      Por outro lado, a distinção operada pela recorrente entre futuros compradores de tractores e as pessoas que estão apenas potencialmente interessadas em tais máquinas é artificial. Com efeito, tratando‑se do direito das marcas e, portanto, da identificação da origem comercial dos produtos colocados no mercado, não podem existir outras pessoas potencialmente interessadas nos tractores além dos seus futuros compradores. Assim, importa excluir imediatamente os outros «interessados», como os mecânicos, os historiadores, os sociólogos ou os politólogos, para os quais a função essencial da marca, a saber a identificação da origem comercial dos referidos produtos a fim de tomar a decisão de compra, não desempenha nenhum papel.

42      Além disso, os argumentos invocados pela recorrente para contestar a definição do público pertinente adoptada pela Câmara de Recurso não permitem demonstrar que a percepção do sinal em causa pelos proprietários actuais e pelos adquirentes potenciais de tractores seja diferente da dos agricultores em geral. Adoptar esta definição restritiva do público pertinente teria, ainda, como consequência permitir que a recorrente limitasse de forma artificial o público em relação ao qual a mesma deve provar a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso.

43      Resulta do que precede que a Câmara de Recurso declarou correctamente, no n.° 13 da decisão recorrida, que o público pertinente era composto por agricultores, sem distinguir consoante tenham um interesse actual ou potencial na compra de um tractor.

44      Em segundo lugar, contrariamente ao concluído pela Câmara de Recurso no n.° 25 da decisão recorrida, a recorrente pretende ter demonstrado a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso numa parte substancial da Comunidade, tal como exigido nos termos da jurisprudência.

45      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 207/2009], a marca comunitária tem «carácter unitário», o que implica que «produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade». Resulta do carácter unitário da marca comunitária que, para ser admitido a registo, um sinal deve possuir carácter distintivo em toda a Comunidade. Deste modo, segundo o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 207/2009], deve ser recusado o registo de uma marca se esta for desprovida de carácter distintivo numa parte da Comunidade [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Ford Motor/IHMI (OPTIONS), T‑91/99, Colect., p. II‑1925, n.os 23 a 25].

46      O artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, que permite o registo dos sinais que adquiriram carácter distintivo pelo uso, deve ser lido à luz desta exigência. Segundo a jurisprudência citada no n.° 30 supra, é necessário demonstrar a aquisição de carácter distintivo pelo uso em todo o território no qual a marca seria desprovida de tal carácter.

47      Contrariamente às afirmações da recorrente, esta jurisprudência não deve ser confundida com aquela que visa precisar o sentido da expressão «goz[a] de prestígio» num Estado‑Membro ou na Comunidade, na acepção do artigo 5.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), e do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 207/2009], condição que uma marca registada deve satisfazer para beneficiar de uma protecção alargada a produtos e serviços não similares. Neste caso, não se trata efectivamente de examinar se um sinal satisfaz as condições para ser registado como marca comunitária em toda a Comunidade. Trata‑se antes de evitar o uso de um sinal sempre que uma marca existente goze de prestígio num Estado‑Membro ou na Comunidade e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da referida marca ou os prejudique. Consequentemente, o Tribunal de Justiça considerou que, no plano territorial, a existência de prestígio numa parte substancial de um Estado‑Membro, em relação à Directiva 89/104/CEE, ou da Comunidade, quanto ao Regulamento n.° 40/94, bastava para proibir a utilização do referido sinal (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1999, General Motors, C‑375/97, Colect., p. I‑5421, n.os 28 e 29, e de 6 de Outubro de 2009, PAGO International, C‑301/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 27 e 30).

48      No caso em apreço, resulta do que foi exposto que, contrariamente ao alegado pela recorrente e ao concluído pela Câmara de Recurso no n.° 19 da decisão recorrida, deve ser demonstrada a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso em toda Comunidade, tal como existia no momento da apresentação do pedido de registo da marca comunitária, a saber em 15 de Julho de 2004, excepto a parte da Comunidade na qual a marca requerida já tinha ab initio esse carácter. É, portanto, neste território, que inclui os dez novos Estados‑Membros que aderiram à União Europeia na sequência do alargamento realizado em 1 de Maio de 2004, que, segundo a jurisprudência citada no n.° 28 supra, pelo menos, uma fracção significativa do público pertinente deve poder identificar, graças à marca requerida, os produtos em causa como provenientes de uma determinada empresa.

49      No entanto, este erro de apreciação da Câmara de Recurso não é susceptível de acarretar a ilegalidade da decisão recorrida, dado que as condições que devem ser tidas em consideração para demonstrar a aquisição, pela marca requerida, do carácter distintivo pelo uso são mais rigorosas do que as que foram aplicadas pela Câmara de Recurso. Com efeito, segundo a jurisprudência referida no n.° 30 supra, para poder registar o sinal figurativo requerido, a recorrente deveria ter provado que o sinal em questão tinha adquirido, antes da apresentação do seu pedido de registo, carácter distintivo pelo uso em toda a Comunidade para uma parte significativa do público em causa. Para este fim, a recorrente poderia ter apresentado no IHMI diferentes elementos de prova, do tipo dos indicados no n.° 32 supra, e isso em função dos dados disponíveis em cada um dos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão «Combinação das cores verde e amarela», já referido, n.° 39).

50      Não obstante a margem de manobra que lhe foi assim oferecida em matéria de prova, a recorrente não forneceu qualquer elemento que lhe permitisse demonstrar o referido carácter distintivo nos dez novos Estados‑Membros. Com efeito, por um lado, não forneceu qualquer elemento susceptível de sustentar as suas afirmações segundo as quais tinha «penetrado de forma significativa» nos referidos Estados‑Membros e, por outro, reconhece que «resulta claramente das provas que os produtos que ostentavam a marca requerida eram vendidos em 23 dos (à data) 25 Estados‑Membros». Além disso, como decorre da documentação apresentada perante o Tribunal Geral, a recorrente reconhece que, no momento de apresentar o pedido de registo, não estava em condições de provar que o sinal em causa tinha adquirido carácter distintivo pelo uso nos referidos Estados‑Membros. Por conseguinte, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, a inexistência de carácter distintivo numa parte da Comunidade obsta ao registo da marca requerida.

51      Nenhum dos argumentos invocados pela recorrente, relativos ao valor probatório de determinados documentos por ela apresentados a fim de provar a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso, é de molde a pôr em causa esta conclusão.

52      Em primeiro lugar, quanto às declarações do público especializado fornecidas pela recorrente, importa constatar que não provêm de todos os Estados‑Membros. Com efeito, as declarações apresentadas pela recorrente emanam exclusivamente de representantes de agrupamentos profissionais da Bélgica e do Reino Unido e apenas dizem respeito à Bélgica e ao Reino Unido, países aos quais se limitam provavelmente os conhecimentos dos referidos representantes.

53      É certo que estas declarações constituem provas directas da aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso, o que não foi contestado pelas partes. No entanto, segundo a jurisprudência, as declarações dos profissionais provenientes de 2 dos 25 Estados‑Membros à data da apresentação do pedido de registo da marca não são susceptíveis de fazer a prova de que o sinal em causa adquiriu carácter distintivo nos outros países da Comunidade (v., neste sentido, acórdão «Textura de uma superfície de vidro», já referido, n.° 39). Por outro lado, apesar das suas afirmações na audiência, a recorrente não demonstrou que se tratassem de representantes de organizações pan‑europeias, cujas declarações respeitassem a toda a Comunidade. Por conseguinte, estas declarações não podem ser consideradas suficientes para provar a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso fora dos referidos Estados‑Membros.

54      Em segundo lugar, quanto aos volumes de vendas e ao material publicitário, importa precisar que, segundo a jurisprudência, estes constituem provas secundárias que podem corroborar, sendo caso disso, as provas directas do carácter distintivo adquirido pelo uso, tal como fornecidas pelas declarações. Com efeito, os volumes de vendas e o material publicitário enquanto tais não demonstram que o público visado pelos produtos em causa perceba o sinal como uma indicação da origem comercial. Deste modo, quanto aos Estados‑Membros em relação aos quais não foi apresentado nenhum outro elemento, a prova do carácter distintivo adquirido pelo uso não pode ser feita apenas pela apresentação dos volumes de vendas e do material publicitário (v., neste sentido, acórdão Textura de uma superfície de vidro, já referido, n.° 41).

55      No caso em apreço, resulta do exame da documentação apresentada pela recorrente que nenhum dos documentos relativos aos volumes de vendas ou aos esforços publicitários desenvolvidos permite determinar que parte do público pertinente identifica o sinal em causa como uma indicação da origem comercial. Além disso, o material publicitário apresentado é bastante reduzido, limitando‑se a alguns documentos em inglês e em alemão, e a uma lista de despesas em matéria de comunicação a favor da marca requerida em oito Estados‑Membros.

56      É certo que a recorrente apresentou igualmente à documentação que põe em evidência as partes do mercado que correspondem à marca requerida nos diferentes Estados‑Membros, a fim de provar uma difusão intensa e duradoura no mercado em causa. No entanto, após ter confrontado as referidas partes do mercado com os volumes de vendas declarados pela recorrente e com os dados de um estudo independente também apresentado pela recorrente, o Tribunal Geral constatou a existência de importantes incoerências. Consequentemente, as partes do mercado apresentadas pela recorrente não são fiáveis e não são suficientes para demonstrar uma difusão intensa e duradoura da marca requerida no mercado comunitário.

57      Por último, no que diz respeito às fotografias, estas provam unicamente que a recorrente utilizou a combinação de cores vermelho, preto e cinzento nos seus tractores. Contudo, à semelhança dos volumes de vendas ou do material publicitário, não demonstram, enquanto tais, que o público visado pelos produtos em causa perceba o sinal em questão como uma indicação da origem comercial.

58      Resulta de todas as considerações precedentes que, como se indicou no n.° 49 supra, o erro da Câmara de Recurso na definição do território pertinente não teve incidência sobre a legalidade da decisão recorrida, na medida em que a recorrente não provou a aquisição, pela marca requerida, de carácter distintivo pelo uso em toda a Comunidade.

59      Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento único e, portanto, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

60      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido do IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A CNH Global NV é condenada nas despesas.

Pelikánová

Jürimäe

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Setembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.