Language of document : ECLI:EU:T:2022:426

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

6 de julho de 2022 (*)

«Função pública — Funcionários — Concurso EPSO/AD/363/18 para recrutamento de administradores no domínio da fiscalidade — Limitação da escolha da segunda língua em que decorrem as provas — Não inscrição na lista de reserva — Exceção de ilegalidade — Admissibilidade — Discriminação em razão da língua — Natureza específica dos lugares a prover — Justificação — Interesse do serviço — Proporcionalidade»

No processo T‑631/20,

MZ, representada por M. Velardo, advogada,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Lilamand, D. Milanowska e A.‑C. Simon, na qualidade de agentes, assistidos por A. Dal Ferro, advogado,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: J. Svenningsen (relator), presidente, R. Barents, C. Mac Eochaidh, T. Pynnä e J. Laitenberger, juízes,

secretário: P. Núñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 1 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 270.o TFUE, a recorrente, MZ, pede a anulação da Decisão de 10 de dezembro de 2019 pela qual o júri do concurso EPSO/AD/363/18 recusou, após reapreciação, a inscrição do seu nome na lista de reserva para o recrutamento de administradores de grau AD 7 no domínio da fiscalidade.

I.      Antecedentes do litígio

2        Em 11 de outubro de 2018, o Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO) publicou no Jornal Oficial da União Europeia o anúncio de concurso geral documental e mediante prestação de provas EPSO/AD/363/18, que tinha por objeto o recrutamento de administradores (AD 7) nos domínios das Alfândegas e da Fiscalidade (JO 2018, C 368 A, p. 1; a seguir «anúncio de concurso»), para a constituição de duas listas de reserva, a partir das quais a Comissão Europeia, e principalmente a Direção‑Geral (DG) da Fiscalidade e da União Aduaneira, recrutará novos funcionários como administradores.

3        O anúncio de concurso exigia nomeadamente, como requisito de admissão, o domínio de pelo menos duas línguas oficiais da União Europeia. Este requisito de admissão tinha a seguinte redação:

«Os candidatos devem dominar, pelo menos, duas línguas oficiais da [União Europeia]; uma com o nível mínimo de C1 (conhecimento aprofundado) e a outra com o nível mínimo de B2 (conhecimento satisfatório).

Assinalamos que os níveis mínimos necessários devem aplicar‑se a cada aptidão linguística (falar, escrever, ler e compreender) exigida no formulário de candidatura. Estas aptidões refletem as do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas […]

No presente anúncio de concurso, as línguas serão referidas como:

—        Língua 1: língua utilizada para os testes de escolha múltipla efetuados em computador,

—        Língua 2: língua utilizada para a seleção documental (Talent Screener), para as provas do centro de avaliação e para a comunicação entre o EPSO e os candidatos que tenham apresentado uma candidatura válida. Esta língua deve ser diferente da língua 1.

A língua 2 deve ser obrigatoriamente o francês ou o inglês.»

4        O anúncio de concurso precisava a razão da limitação da escolha da segunda língua ao inglês ou ao francês nos seguintes termos:

«Os candidatos aprovados recrutados para estes domínios específicos devem ter um conhecimento satisfatório (no mínimo nível B2) do francês ou do inglês. Embora o conhecimento de outras línguas possa constituir uma vantagem, a maioria dos serviços da Comissão no domínio aduaneiro e fiscal utiliza o francês ou o inglês para o trabalho analítico, a comunicação interna, bem como para a comunicação com as partes interessadas externas, e as publicações e relatórios, legislação ou documentos económicos, tal como mencionado na rubrica “Quais as tarefas que o candidato pode esperar realizar?” e no anexo I. Assim, é essencial um conhecimento satisfatório do francês ou do inglês. Por conseguinte, se um candidato aprovado não tivesse um conhecimento satisfatório do francês ou do inglês não estaria imediatamente operacional.»

5        Sob a epígrafe «Processo de seleção», ponto 5, indica‑se que as provas do centro de avaliação consistiam em quatro provas, a saber, entrevista baseada nas competências gerais, entrevista específica, exercício de grupo, estudo de caso. As oito competências gerais («Análise e resolução de problemas», «Comunicação», «Qualidade e resultados», «Aprendizagem e desenvolvimento pessoal», «Estabelecimento de prioridades e capacidade de organização», «Resiliência», «Espírito de equipa», «Liderança») eram cada uma avaliadas em 10 pontos e as competências específicas em cem pontos. Notas mínimas exigidas eram, no que respeita às competências gerais, de 3/10 por competência e 40/80 no total, e, no que respeita às competências específicas, de 50/100.

6        Em 10 de novembro de 2018, a recorrente candidatou‑se a este concurso no domínio da Fiscalidade.

7        As funções que os candidatos aprovados no concurso no domínio da fiscalidade poderão exercer estão descritas no anúncio de concurso da seguinte forma:

«Enquanto funcionários numa direção de fiscalidade indireta ou de fiscalidade direta da DG da Fiscalidade e da União Aduaneira ou numa das unidades de auxílios estatais de natureza fiscal da DG da Concorrência, os candidatos devem estar imediatamente operacionais e, com o apoio da sua hierarquia, serão chamados a elaborar documentos da sua área de trabalho e participar em reuniões com os Estados‑Membros e outras partes interessadas a fim de explicar/fazer progredir a posição da Comissão Europeia. Deverão representar a sua unidade nas reuniões com outros serviços da Comissão Europeia e responder a perguntas do público e dos deputados do Parlamento Europeu. Também poderão ter de contribuir para documentos de informação destinados ao comissário, ao diretor‑geral ou ao diretor, conforme necessário. Consoante a unidade em que trabalham, podem ter de redigir atos legislativos, decisões, documentos de trabalho ou documentos económicos.»

8        Por outro lado, o anexo I do anúncio de concurso, sob a epígrafe «Funções», precisa as mesmas nos seguintes termos:

«A função geral dos administradores (AD 7) no domínio da fiscalidade consiste em dar apoio aos decisores na execução da missão da sua instituição, prestar assistência jurídica, efetuar análises económicas e/ou estatísticas necessárias para lançar, desenvolver, gerir e/ou avaliar políticas da [União Europeia] em matéria de fiscalidade direta e/ou indireta, preços de transferência ou auxílios estatais de natureza fiscal.

Os candidatos aprovados serão chamados a analisar questões de fiscalidade direta e/ou indireta, proceder a apreciações jurídicas no âmbito das regras e procedimentos aplicáveis em matéria fiscal ou de auxílios estatais, analisar os seus impactos e apresentar projetos legislativos ou preparar a análise económica dessas questões. Podem ser igualmente convidados a desenvolver atividades de comunicação na sua área de trabalho, participar em conferências e outros eventos, desempenhar funções de coordenação e negociação a nível internacional, relacionadas com a política fiscal da União Europeia nas seguintes áreas [da análise económica e avaliação de impostos, fiscalidade direta e impostos indiretos, do imposto sobre o valor acrescentado e de outros impostos indiretos (imposto em matéria de ambiente, transportes, energia e impostos especiais de consumo)] […]»

9        A recorrente, de nacionalidade italiana, escolheu o italiano como língua 1 e o francês como língua 2 (a seguir «segunda língua»), língua que utilizou para redigir a sua candidatura. Nessa ocasião, declarou dominar o francês ao mesmo nível que o italiano, a saber, o nível «C2» segundo o Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas, exceto no que respeita à expressão escrita, para a qual declarou dominar o francês ao nível «C1».

10      Em 4 de abril e 4 de junho de 2019, a recorrente participou nas provas do centro de avaliação que consistiam num estudo de casos, num exercício de grupo e em duas reuniões individuais com o júri. Estas provas tiveram lugar na segunda língua.

11      Por carta de 17 de julho de 2019, o presidente do júri informou a recorrente da decisão do júri de não inscrever o seu nome na lista de reserva pelo facto de não ter obtido a nota mínima exigida para cada uma das provas (a seguir «Decisão de 17 de julho de 2019»). Esta carta era acompanhada de um passaporte de competências do qual resulta, nomeadamente, que a recorrente obteve, por um lado, uma nota eliminatória de 37/80 no âmbito da avaliação das oito competências gerais e, por outro, uma nota de 80/100 no âmbito da avaliação das competências relativas ao domínio que tinha escolhido.

12      Por carta de 27 de julho de 2019, a recorrente apresentou ao júri um pedido de reapreciação, redigido em francês, pedido esse que foi indeferido por decisão do júri do dia 10 de dezembro seguinte (a seguir «Decisão de 10 de dezembro de 2019»).

13      Por mensagem de correio eletrónico de 9 de março de 2020, a recorrente, nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), apresentou à Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN») uma reclamação redigida em italiano.

14      Por correio eletrónico de 1 de abril de 2020, o EPSO informou a recorrente de que, em aplicação do ponto 4.3.1 do anexo III do anúncio de concurso, a sua reclamação deveria ter sido apresentada na segunda língua, a saber, o francês, e que a sua reclamação, redigida em italiano, não seria, por conseguinte, tida em conta se uma tradução em francês não fosse transmitida à AIPN antes do dia 1 de maio seguinte.

15      Por correio eletrónico de 9 de abril de 2020, a recorrente enviou à AIPN uma tradução francesa da sua reclamação, que foi indeferida por decisão da AIPN de 8 de julho de 2020 (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

II.    Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular as Decisões de 17 de julho e 10 de dezembro de 2019, bem como a decisão de indeferimento da reclamação;

—        condenar a Comissão nas despesas.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao objeto do litígio

18      Importa recordar que, segundo a jurisprudência, quando um candidato a um concurso solicita a reapreciação de uma decisão tomada por um júri, é a decisão tomada por este último, após reapreciação da situação do candidato, que constitui o ato lesivo na aceção do artigo 90.o, n.o 2, ou, eventualmente, do artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto. A decisão tomada após a reapreciação substitui, desta forma, a decisão inicial do júri (v. Acórdão de 5 de setembro de 2018, Villeneuve/Comissão, T‑671/16, EU:T:2018:519, n.o 24 e jurisprudência referida).

19      No caso em apreço, o ato lesivo para a recorrente é a Decisão de 10 de dezembro de 2019, adotada no termo de uma reapreciação, de não inscrever o seu nome na lista de reserva do concurso (a seguir «decisão impugnada»).

20      Quanto aos pedidos formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento da reclamação, há que recordar que o recurso, ainda que formalmente interposto do indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral o ato lesivo contra o qual a reclamação foi apresentada (Acórdão de 17 de janeiro de 1989, Vainker/Parlamento, 293/87, EU:C:1989:8, n.o 8), salvo no caso de o indeferimento da reclamação ter um alcance diferente do do ato contra o qual a reclamação foi apresentada (v. Acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.o 34 e jurisprudência referida).

21      No caso em apreço, uma vez que indefere a reclamação e confirma a decisão do júri de não inscrever o nome da recorrente na lista de reserva, a decisão de indeferimento da reclamação não tem um conteúdo autónomo da decisão impugnada. Em tal caso, a legalidade da decisão impugnada deve, portanto, ser examinada à luz da fundamentação contida na decisão de indeferimento da reclamação, considerando‑se que essa fundamentação coincide com o referido ato (v., nesse sentido, Acórdão de 24 de março de 2021, BK/EASO, T‑277/19, não publicado, EU:T:2021:161, n.o 43 e jurisprudência referida).

B.      Quanto ao mérito

22      A recorrente invoca cinco fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a uma exceção de ilegalidade do regime linguístico previsto no anúncio de concurso, o segundo, à violação do princípio da estabilidade do júri, o terceiro, à violação do anúncio de concurso, o quarto, à violação do artigo 5.o, quinto parágrafo, do anexo III do Estatuto e, o quinto, à violação do dever de fundamentação.

23      No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente invoca a ilegalidade das disposições do anúncio de concurso, que, por um lado, limitam ao francês e ao inglês a escolha da segunda língua em que se desenrolam as provas do centro de avaliação (a seguir «limitação controvertida») e, por outro, obrigam os candidatos a utilizar essa língua nas suas trocas de correspondência com o EPSO (a seguir «obrigação controvertida»).

24      A Comissão conclui pela inadmissibilidade desta exceção de ilegalidade e, em qualquer caso, pela sua improcedência.

1.      Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade do anúncio de concurso

25      Tendo em conta o respetivo alcance, há que tratar separadamente a exceção de ilegalidade do anúncio de concurso, na parte em que enuncia, por um lado, a limitação controvertida e, por outro, a obrigação controvertida.

a)      Quanto à admissibilidade da exceção de ilegalidade do anúncio de concurso na parte em que enuncia a limitação controvertida

26      A Comissão alega, invocando a jurisprudência resultante do Acórdão de 14 de dezembro de 2017, PB/Comissão (T‑609/16, EU:T:2017:910), que a exceção de ilegalidade da limitação controvertida deve ser julgada inadmissível.

27      A este respeito, sustenta que, na falta de um nexo estreito entre a fundamentação da decisão impugnada e o primeiro fundamento relativo à ilegalidade do anúncio de concurso, o referido fundamento deve ser julgado improcedente por extemporaneidade. Segundo a Comissão, para poder contestar as disposições que fixam o regime linguístico das provas do concurso, um candidato deve apresentar uma reclamação contra o anúncio de concurso nos três meses seguintes à sua publicação.

28      A Comissão considera que a decisão impugnada não se baseia em elementos estreitamente ligados ao regime linguístico das provas, mas unicamente na nota insuficiente que foi atribuída à recorrente para a avaliação das suas competências gerais, pelo que não há um nexo estreito entre os fundamentos da decisão impugnada e o fundamento relativo à ilegalidade do anúncio de concurso.

29      Acrescenta que as significativas dificuldades verificadas nas provas no domínio de certas competências gerais também teriam sido observadas se a recorrente tivesse apresentado as provas noutra língua. De qualquer modo, a recorrente não demonstrou, através de indícios concretos, que teria sido penalizada pela utilização da língua francesa nas provas ou que teria podido obter melhores resultados se tivesse apresentado essas provas noutra língua.

30      A recorrente contesta esta argumentação.

31      A título preliminar, cabe recordar que o artigo 277.o TFUE constituí a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, com o objetivo de obter a anulação de uma decisão que lhe diz direta e individualmente respeito, a validade dos atos institucionais anteriores que constituem a base jurídica da decisão impugnada, quando essa parte não dispunha, sem margem para dúvidas, do direito de interpor um recurso direto desses atos, cujas consequências sofreu sem ter podido requerer a sua anulação (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2003, Comissão/BCE, C‑11/00, EU:C:2003:395, n.o 75; de 17 de dezembro de 2020, BP/FRA, C‑601/19 P, não publicado, EU:C:2020:1048, n.o 26; e de 22 de abril de 2004, Schintgen/Comissão, T‑343/02, EU:T:2004:111, n.o 26).

32      No caso em apreço, na medida em que a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão assenta na premissa de que a recorrente não contestou o anúncio de concurso em tempo útil, ou seja, nos três meses seguintes à sua publicação, há que começar por examinar se a recorrente dispunha, sem margem para dúvidas, de tal possibilidade.

33      No caso em apreço, não se pode considerar que a admissibilidade de um recurso de anulação interposto pela recorrente do anúncio de concurso, na medida em que enuncia a limitação controvertida, seja evidente. Importa recordar que um anúncio de concurso só excecionalmente pode ser objeto de um recurso de anulação quando, ao impor condições de exclusão da candidatura de uma das partes, constitui uma decisão que o prejudica na aceção dos artigos 90.o e 91.o do Estatuto (v., nesse sentido, Acórdão de 19 de junho de 1975, Küster/Parlamento, 79/74, EU:C:1975:85, n.os 5 a 8, e Despacho de 24 de junho de 2013, Mateo Pérez/Comissão, F‑144/11, EU:F:2013:86, n.o 46 e jurisprudência referida).

34      Ora, a limitação controvertida não tem por efeito excluir a candidatura de um candidato que, como a recorrente, considera dominar pelo menos duas línguas oficiais da União nos níveis exigidos pelo anúncio de concurso. Assim, não tendo imposto condições que excluíssem a candidatura da recorrente, o anúncio de concurso não constitui uma decisão que lhe cause prejuízo e não podia, por isso, ser objeto de recurso de anulação por parte da recorrente.

35      Tendo em conta o princípio da proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que implica que um ato que não possa ser objeto de recurso de anulação nos termos do artigo 270.o TFUE deve poder ser objeto de uma exceção de ilegalidade nos termos do artigo 277.o TFUE, a admissibilidade da exceção de ilegalidade de um ato de alcance geral só está, nesse caso, subordinada à dupla condição de o ato individual impugnado ter sido adotado em aplicação direta do ato de alcance geral e de o recorrente ter interesse em impugnar a decisão individual objeto do recurso principal (v., nesse sentido, Acórdão de 11 de julho de 2007, Wils/Parlamento, F‑105/05, EU:F:2007:128, n.o 36 e jurisprudência referida).

36      Quanto à primeira condição que visa determinar se a decisão impugnada foi tomada em aplicação direta do anúncio de concurso, é importante clarificar que o Tribunal de Justiça admitiu que podem validamente ser objeto de uma exceção de ilegalidade as disposições de um ato de alcance geral que constituam a base da decisão individual ou que mantenham um nexo jurídico direto com essa decisão (v. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 69 e jurisprudência referida).

37      A este respeito, basta recordar que, uma vez que os termos do anúncio de concurso constituem simultaneamente o quadro da legalidade e o quadro de avaliação do júri do concurso (v. Acórdão de 14 de dezembro de 2018, UR/Comissão, T‑761/17, não publicado, EU:T:2018:968, n.o 65 e jurisprudência referida), esse anúncio é, se não a base jurídica propriamente dita da decisão impugnada, no mínimo, um dos atos constitutivos do quadro jurídico em que aquele devia ser adotado.

38      Além disso, uma vez que a decisão impugnada foi adotada em conformidade com o procedimento previsto no anúncio de concurso, conclui‑se que a limitação contestada tem também um nexo jurídico direto com a decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2021, Carbajo Ferrero/Parlamento, T‑670/19, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:435, n.o 56).

39      Quanto à segunda condição relativa ao interesse em agir, e admitindo que a argumentação da Comissão possa ser entendida como uma impugnação do interesse que a recorrente teria em pedir a anulação da decisão impugnada pelo facto de a limitação controvertida ser ilegal, importa recordar que um recorrente não está, na verdade, habilitado a agir no interesse da lei ou das instituições e só pode invocar, em apoio de um recurso de anulação, as acusações que lhe são pessoais (Acórdão de 30 de junho de 1983, Schloh/Conselho, 85/82, EU:C:1983:179, n.o 14).

40      Todavia, esta exigência implica apenas que os argumentos do recorrente sejam suscetíveis de fundamentar uma anulação da qual possa beneficiar, ou seja, no caso em apreço, que a exceção de ilegalidade seja suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que a suscitou (Acórdão de 29 de novembro de 2006, Campoli/Comissão, T‑135/05, EU:T:2006:366, n.o 132). De acordo com a jurisprudência invocada pela Comissão, de qualquer modo só quando não exista um nexo estreito entre a fundamentação da decisão impugnada e o fundamento relativo a uma exceção de ilegalidade do anúncio de concurso é que este deve ser julgado inadmissível (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2017, PB/Comissão, T‑609/16, EU:T:2017:910, n.o 29 e jurisprudência referida).

41      Ora, quanto a este ponto, sob pena de lhe impor um ónus de prova impossível de fornecer, não se pode exigir que a recorrente demonstre que, em execução de um acórdão de anulação em conformidade com o artigo 266.o TFUE, obteria necessariamente uma melhor nota nas provas do centro de avaliação, mas apenas que essa possibilidade não está excluída, devendo, por outro lado, recordar‑se que não cabe ao Tribunal Geral substituir a sua própria apreciação à do júri.

42      A esse respeito, cabe precisar que o anúncio de concurso não impunha aos candidatos que escolhessem a língua que melhor dominam como língua 1. Portanto, a preferência dada ao inglês ou ao francês, com exclusão de todas as outras línguas oficiais da União, é, como sustenta a recorrente, suscetível de ter conferido uma vantagem nas provas aos candidatos para os quais uma destas duas línguas é a língua que melhor dominam, em detrimento dos outros candidatos que não se encontram nessa situação.

43      Com efeito, já foi declarado que o nível de conhecimento da segunda língua dos candidatos se reflete inevitável e necessariamente nas provas destinadas a testar as competências gerais e específicas conforme previstas no concurso em causa que se passam nessa língua (Acórdão de 9 de junho de 2021, Calhau Correia de Paiva/Comissão, T‑202/17, pendente de recurso, EU:T:2021:323, n.o 55).

44      Neste âmbito, pode designadamente salientar‑se que resulta das fichas utilizadas na avaliação das competências gerais, transmitidas pela Comissão em resposta a uma medida de organização do processo, que o domínio de uma língua pode ter influência na classificação das competências gerais dos candidatos.

45      Em especial, na entrevista centrada nas competências gerais, o júri devia ter em conta, na avaliação da competência «comunicação», a dificuldade do candidato na expressão oral de uma maneira compreensível ou suficientemente precisa. O mesmo se diga da avaliação desta competência quando do estudo de casos, uma vez que está previsto que o júri atribua aos candidatos uma nota menos elevada se considerar que «a língua, o vocabulário, o estilo e o registo utilizados são inadequados».

46      Por outro lado, como foi recordado no n.o 9, supra, a própria recorrente declarou no seu ato de candidatura que o seu domínio da expressão escrita em francês é menos bom do que em italiano, a língua que melhor domina, não podendo, por isso, excluir‑se que o domínio imperfeito desta segunda língua tenha podido afetar a sua classificação na prova escrita.

47      Nestas circunstâncias, não é de excluir desde logo que a recorrente, que obteve uma nota global quanto às competências gerais, a saber, 37/80, claramente mais baixa do que a obtida quanto às competências relativas ao domínio, a saber, 80/100, e que obteve designadamente a nota de 4,5/10 a título da avaliação da competência «comunicação», igualmente mais baixa do que a nota a título da avaliação das competências relativas ao domínio, teria tido a possibilidade de obter uma melhor nota se tivesse podido passar as provas na sua língua materna, concretamente o italiano. Com efeito, como resulta dos n.os 44 e 45, supra, o domínio de uma língua, além de uma terminologia técnica relativa a um domínio específico, é especialmente suscetível de se repercutir na classificação das competências gerais dos candidatos. Assim, a considerável diferença entre a nota da recorrente no que respeita às competências gerais e a sua nota no que respeita às competências relativas ao domínio representa uma indicação concreta do facto de que tal se pode ter verificado no caso em apreço.

48      Tendo em conta o que precede, há que concluir que a exceção de ilegalidade do anúncio de concurso na parte em que enuncia a limitação controvertida é admissível.

b)      Quanto à admissibilidade da exceção de ilegalidade do anúncio de concurso na parte em que enuncia a obrigação controvertida

49      A Comissão sustenta que a exceção de ilegalidade do anúncio de concurso, na parte em que enuncia a obrigação controvertida, é inadmissível, pois a recorrente não tem qualquer interesse em invocar esta pretensa ilegalidade. Alega que a decisão impugnada não depende do facto de a recorrente ter sido obrigada a comunicar com o EPSO na segunda língua nem de ter apresentado a sua reclamação em francês.

50      A recorrente contesta esta argumentação.

51      Importa recordar que o alcance de uma exceção de ilegalidade deve ser limitado ao indispensável para a solução do litígio (Acórdão de 10 de junho de 2020, Oosterbosch/Parlamento, T‑131/19, não publicado, EU:T:2020:250, n.o 54). Uma vez que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de alcance geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o ato cuja ilegalidade é suscitada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso concreto objeto do recurso (v. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 68 e jurisprudência referida).

52      A este respeito, independentemente do facto de o artigo 20.o, n.o 2, alínea d), do TFUE e o artigo 41.o, n.o 4, da Carta dos Direitos Fundamentais consagrarem o direito de se dirigirem às instituições da União numa das línguas dos Tratados e de obter uma resposta na mesma língua, basta constatar que a obrigação controvertida não exerceu nenhuma influência, direta ou indireta, no conteúdo da decisão impugnada. Com efeito, a decisão do júri de não inscrever o nome da recorrente na lista de reserva no final das provas não tem qualquer relação, direta ou indireta, com a obrigação de comunicar com o EPSO na segunda língua do concurso.

53      Na falta de qualquer nexo, a fortiori, de um nexo jurídico direto entre a decisão impugnada e a obrigação controvertida, não se pode, portanto, considerar que esta decisão constitui uma medida de aplicação do anúncio de concurso na parte em que enuncia a referida obrigação.

54      Por conseguinte, a exceção de ilegalidade do anúncio de concurso, na parte em que enuncia a obrigação controvertida, deve ser julgada inadmissível.

55      À luz de tudo o que precede, o primeiro fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade do anúncio de concurso, deve ser julgado admissível unicamente no que respeita à limitação controvertida.

2.      Quanto à procedência da exceção de ilegalidade do anúncio de concurso na parte em que enuncia a limitação controvertida

56      Em apoio da exceção de ilegalidade, a recorrente alega que a limitação controvertida constitui uma discriminação em razão da língua proibida pelo artigo 1.o‑D do Estatuto. Neste contexto, há que verificar, antes de mais, se a limitação controvertida opera uma diferença de tratamento em razão da língua e, sendo caso disso, em seguida, se essa diferença de tratamento é justificada por um objetivo legítimo e, por último, se é proporcionada à realização do objetivo legítimo eventualmente prosseguido.

a)      Quanto à existência de discriminação em razão da língua

57      A recorrente alega, em substância, que a limitação controvertida a prejudicou nas provas por comparação com os candidatos cuja língua materna ou principal é o inglês ou o francês, ou seja, a língua que melhor dominam.

58      A Comissão contesta esta argumentação alegando, em substância, que o conhecimento de uma língua a um nível superior ao nível mínimo exigido pelo anúncio de concurso não faz parte dos conhecimentos e competências avaliados nas provas do centro de avaliação.

59      A título preliminar, importa recordar que o artigo 1.o‑D, n.o 1, primeiro parágrafo, do Estatuto, enuncia que, na aplicação deste último, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, da língua.

60      No caso em apreço, o facto de ter imposto aos candidatos que escolhessem a segunda língua do concurso de entre unicamente as línguas inglesa ou francesa constitui uma diferença de tratamento em razão da língua, em princípio proibida por força dessa disposição.

61      Com efeito, importa recordar que o anúncio de concurso não proibia os candidatos para os quais o inglês ou o francês sejam a língua que melhor dominam de escolher essa língua como segunda língua. Daqui resulta que, como foi constatado no n.o 42, supra, a preferência dada ao inglês ou ao francês, enquanto segunda língua, pode ter beneficiado, por ocasião das provas do centro de avaliação, os candidatos para os quais uma destas duas línguas é a língua que melhor dominam, em detrimento dos outros candidatos que, embora possuindo um conhecimento suficiente de, pelo menos, duas línguas oficiais da União, não dispuseram, contudo, da faculdade de passar as provas na língua que melhor dominam.

62      No entanto, resulta do artigo 1.o‑D, n.o 6, primeiro período, do Estatuto que são possíveis limitações ao princípio da não discriminação, desde que justificadas «em fundamentos objetivos e razoáveis» e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal.

63      Assim, o amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições da União na organização dos seus serviços e, em especial, na determinação dos critérios de capacidade exigidos pelos lugares a prover e, em função destes critérios e no interesse do serviço, as condições e as modalidades de organização do concurso, encontra‑se imperativamente enquadrado pelo artigo 1.o‑D do Estatuto, pelo que as diferenças de tratamento em razão da língua que resultam de uma limitação do regime linguístico do concurso a um número restrito de línguas oficiais só podem ser admitidas se essa limitação for objetivamente justificada e proporcionada às reais necessidades do serviço (v. Acórdão de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 90 e jurisprudência referida).

64      Importa, portanto, examinar se a discriminação em razão da língua decorrente da limitação controvertida é justificada por um objetivo legítimo e, sendo caso disso, proporcionada às necessidades reais do serviço, tal como descritas no anúncio de concurso.

b)      Quanto à justificação da discriminação em razão da língua

65      A recorrente sustenta que cabe à AIPN provar que a limitação controvertida é justificada e proporcionada às reais necessidades do serviço apoiando‑se em elementos ligados às exigências dos lugares a prover que sejam, por um lado, verificáveis pelo juiz e, por outro, compreensíveis pelos candidatos.

66      Alega, a este respeito, que a justificação apresentada pela AIPN no anúncio de concurso, que visa permitir o recrutamento de funcionários imediatamente operacionais, não especifica a relação existente entre a limitação controvertida e as funções a exercer, conforme descrita no anexo I do anúncio de concurso. Não está excluído que certas tarefas possam ser realizadas designadamente em italiano. Por outro lado, tendo em conta a sua formulação geral, a limitação controvertida também não pode ser justificada pela natureza das provas do centro de avaliação.

67      Quanto aos dados apresentados pela Comissão durante o processo, a recorrente considera que estes não são pertinentes e, em todo o caso, que não está provado que o inglês e o francês sejam as línguas mais utilizadas no exercício das funções dos lugares a prover, com exclusão de todas as outras línguas da União.

68      A Comissão contesta esta argumentação alegando, em substância, que a limitação controvertida se justifica por dois objetivos legítimos, que são sustentados pelos elementos de prova, constituídos por um quadro que pormenoriza as línguas faladas pelos membros do pessoal da DG da Fiscalidade e da União Aduaneira e pela DG da Concorrência, por quadros que pormenorizam as línguas utilizadas no exercício das funções pelos membros do pessoal dessas direções‑gerais e pelos anúncios de abertura de vagas publicados por estas entre 1 de janeiro de 2016 e 9 de janeiro de 2020.

69      A título preliminar, há que recordar que, embora o artigo 28.o, alínea f), do Estatuto enuncie que não pode ser nomeado funcionário quem não provar que possui um conhecimento aprofundado de uma das línguas da União e um conhecimento satisfatório de outra língua da União «na medida necessária às funções que for chamado a exercer», esse artigo não indica os critérios a tomar em conta para limitar a escolha dessa língua de entre as línguas oficiais mencionadas no artigo 1.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385), conforme alterado [v. Acórdão de 15 de setembro de 2016, Itália/Comissão, T‑353/14 e T‑17/15, EU:T:2016:495, n.o 85 (não publicado) e jurisprudência referida, e Despacho de 5 de setembro de 2019, Itália/Comissão, T‑313/15 e T‑317/15, não publicado, EU:T:2019:582, n.o 55 e jurisprudência referida].

70      Tais critérios também não resultam do artigo 27.o do Estatuto, cujo primeiro parágrafo dispõe, sem fazer referência a conhecimentos linguísticos, que «[o] recrutamento deve ter em vista assegurar à instituição o serviço de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, recrutados numa base geográfica tão alargada quanto possível dentre os nacionais dos Estados‑Membros da União», e que «nenhum lugar pode ser reservado para os nacionais de um determinado Estado‑Membro». O mesmo se diga do segundo parágrafo deste artigo, que se limita a enunciar que «[o] princípio da igualdade entre os cidadãos da União permite a cada instituição adotar medidas apropriadas caso seja observado um desequilíbrio entre as nacionalidades dos funcionários, que não seja justificado por critérios objetivos», precisando, nomeadamente, que «[e]ssas medidas apropriadas devem ser justificadas e não devem dar origem a outros critérios de recrutamento que não os baseados no mérito».

71      Embora resulte do artigo 1.o, n.o 1, alínea f), do anexo III do Estatuto que o anúncio de concurso pode especificar eventualmente os conhecimentos linguísticos requeridos pela «natureza específica dos lugares a prover», essa disposição não constitui de modo algum uma autorização geral que permite limitar a escolha da segunda língua de um concurso a um número restrito de línguas oficiais de entre as indicadas no artigo 1.o do Regulamento n.o 1 [v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Itália/Comissão, T‑353/14 e T‑17/15, EU:T:2016:495, n.o 86 (não publicado) e jurisprudência referida; v., também, Despacho de 5 de setembro de 2019, Itália/Comissão, T‑313/15 e T‑317/15, não publicado, EU:T:2019:582, n.o 56 e jurisprudência referida].

72      No caso em apreço, a Comissão indicou que a limitação controvertida se justificava, por um lado, como resulta da orientação geral do Colégio dos Chefes de Administração sobre a utilização das línguas no âmbito dos concursos EPSO, que figura no anexo II das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais (JO 2015, C 70A, p. 1; a seguir «anexo II»), pela natureza das provas do centro de avaliação e, por outro, como resulta do conteúdo do anúncio de concurso acima reproduzido no n.o 4, pelo objetivo pretendido de dispor de funcionários imediatamente operacionais.

1)      Quanto à justificação relativa à natureza das provas do centro de avaliação

73      Nos termos da orientação geral do Colégio dos Chefes de Administração sobre a utilização das línguas no âmbito dos concursos EPSO que consta do anexo II, a que a Comissão se refere, a limitação controvertida é justificada pela natureza das provas do centro de avaliação, uma vez que exige, «a fim de permitir uma avaliação homogénea dos candidatos e a comunicação direta entre estes, os avaliadores e os outros candidatos igualmente sujeitos a esse exercício, que a prova organizada no centro de avaliação decorra numa língua franca ou, em certos casos, apenas na língua principal do concurso».

74      Este fundamento não pode, no entanto, ser acolhido porque, devido à sua formulação geral, esta justificação é suscetível de se aplicar a qualquer processo de concurso, independentemente da natureza específica dos lugares a prover no termo do processo de seleção em causa.

75      De resto, resulta do referido anexo II que o processo de seleção instituído desde 2010 e, em especial, as provas do centro de avaliação têm em vista uma melhor previsão quanto à aptidão dos candidatos para exercerem as suas funções. Daqui resulta que este argumento relativo à natureza do processo de seleção está estreitamente ligado ao motivo relativo à necessidade de as novas pessoas recrutadas estarem imediatamente operacionais. Por conseguinte, se esse último fundamento faltar, o argumento baseado na natureza do processo de seleção não pode, por si só, justificar a limitação do número de línguas que podem ser escolhidas como segunda língua no concurso [v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2021, Calhau Correia de Paiva/Comissão, T‑202/17, pendente de recurso, EU:T:2021:323, n.o 98 (não publicado)].

76      Nestas condições, há que examinar se, tendo em conta a natureza particular dos lugares a prover, acima reproduzida nos n.os 7 e 8, a necessidade de dispor de funcionários imediatamente operacionais constitui uma justificação legítima da limitação controvertida.

2)      Quanto à justificação relativa à necessidade de dispor de funcionários imediatamente operacionais

77      Segundo a jurisprudência, é certo que existe um interesse do serviço em que as pessoas recrutadas pelas instituições da União no termo de um processo de seleção, como o processo de seleção em causa, possam estar imediatamente operacionais e, assim, capazes de assumir rapidamente as funções que as referidas instituições tencionam confiar‑lhes (v. Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão, T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 65 e jurisprudência referida).

78      A este respeito, mesmo admitindo que é sempre necessário prever um tempo de adaptação a novas funções e a novos hábitos de trabalho, bem como o tempo necessário para a integração num novo serviço, é legítimo que uma instituição procure recrutar pessoas que sejam, desde a sua entrada em funções, capazes de, pelo menos, por um lado, comunicar com a sua hierarquia e com os seus colegas e ter, assim, a capacidade de apreender tão rápida e perfeitamente quanto possível o alcance das funções que lhes são confiadas e o conteúdo das tarefas a desempenhar e, por outro, comunicar com os colaboradores e os correspondentes externos dos serviços em causa. Com efeito, como foi declarado, os conhecimentos linguísticos dos funcionários são um elemento essencial das suas carreiras. Portanto, deve considerar‑se legítimo o facto de uma instituição procurar recrutar pessoas que possam utilizar eficazmente e compreender tanto quanto possível a ou as línguas utilizadas no contexto profissional no qual essas pessoas se vão inserir (v. Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão, T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 66 e jurisprudência referida).

79      Todavia, cabe ao juiz da União examinar in concreto as regras que estabelecem o regime linguístico dos concursos como o que está em causa no anúncio de concurso controvertido, uma vez que só esse exame é suscetível de permitir estabelecer os conhecimentos linguísticos que podem objetivamente ser exigidos, no interesse do serviço, pelas instituições, no caso de funções específicas, e, portanto, se uma eventual limitação da escolha das línguas que podem ser utilizadas para participar nesses concursos é objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço (Acórdão de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 94).

80      Mais concretamente, o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles se retiram (v. Acórdão de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 104 e jurisprudência referida).

81      No caso em apreço, há que observar, antes de mais, que a simples descrição da natureza das funções que figura no anúncio de concurso e no seu anexo I não basta para demonstrar que só as duas línguas às quais está limitada a escolha da segunda língua do concurso em causa permitem aos candidatos aprovados nesse concurso estarem imediatamente operacionais. Com efeito, nenhum elemento do anúncio de concurso permite demonstrar uma utilização efetiva dessas duas línguas no cumprimento das tarefas elencadas no referido anúncio de concurso e no seu anexo I.

82      Pelo contrário, basta constatar que o anexo I do anúncio de concurso, que especifica as tarefas‑tipo a realizar, contempla uma pluralidade de tarefas, que incluem, nomeadamente, o «[c]ontrolo das políticas fiscais nos Estados‑Membros […], da legislação fiscal dos Estados‑Membros e da aplicação de normas da [União Europeia]», a «[a]valiação dos impostos diretos nacionais, na perspetiva dos auxílios estatais», «[a]companhar a legislação nacional em matéria de IVA dos Estados‑Membros», a «[a]valiação dos impostos indiretos nacionais, na perspetiva dos auxílios estatais». Esta pluralidade de tarefas tende antes a indicar que, sem excluir a eventualidade de o domínio de uma determinada língua se revelar indispensável, o recrutamento de funcionários para os perfis linguísticos variados apresenta uma vantagem para o funcionamento do serviço, uma vez que são capazes de examinar as políticas e as legislações fiscais dos Estados‑Membros na língua ou nas línguas oficiais destes últimos.

83      Não obstante esta constatação, importa verificar se os três documentos apresentados pela Comissão no decurso do processo, enquanto anexos à contestação, são suscetíveis de demonstrar os conhecimentos linguísticos que podiam objetivamente ser exigidos, tendo em conta a natureza específica dos lugares a prover, pela Comissão, para efeitos do recrutamento de «funcionários» na Direção da Fiscalidade Direta ou Indireta da DG da Fiscalidade e da União Aduaneira e de «responsável pelos processos» numa das unidades encarregadas dos auxílios estatais de natureza fiscal da DG da Concorrência, que estejam imediatamente operacionais.

84      A este respeito, considerados na sua globalidade, pode entender‑se que os documentos apresentados pela Comissão revelam que o inglês e o francês são verosimilmente as duas línguas cujo conhecimento é mais divulgado nas direções‑gerais em que os candidatos aprovados no concurso podem ser recrutados.

85      Todavia, esta constatação não basta, por si só, para determinar os conhecimentos linguísticos que podiam objetivamente ser exigidos em relação às funções particulares que os candidatos recrutados serão chamados a exercer. Com efeito, importa verificar se, tendo em conta a natureza específica dos lugares a prover, o conhecimento de apenas uma dessas duas línguas, enquanto segunda língua, permite efetivamente a um funcionário acabado de recrutar estar «imediatamente operacional» e, sendo caso disso, verificar se a obrigação de apresentar todas as provas do centro de avaliação na segunda língua era idónea para responder a essa necessidade.

86      Quanto à natureza específica dos lugares a prover, a análise detalhada dos documentos apresentados pela Comissão revela que, no exercício quotidiano das funções que os candidatos aprovados no concurso serão chamados a exercer, o conhecimento satisfatório de apenas uma destas duas línguas, a saber, o inglês, pode ser considerado indispensável para que um candidato esteja «imediatamente operacional».

87      Com efeito, a descrição de lugares a prover nos 34 anúncios de vagas publicados nas direções‑gerais em causa entre 1 de janeiro de 2016 e 9 de janeiro de 2020, que consta do anexo B.3 da contestação, revela que, embora o conhecimento do inglês seja indispensável, tal exigência não é requerida em termos semelhantes para o francês, contrariamente ao que sustenta a Comissão.

88      Com efeito, pode salientar‑se que a descrição do lugar de vários anúncios de vagas prevê que «as línguas de trabalho da unidade são (principalmente) o inglês e (em menor grau) o francês». No mesmo sentido, um anúncio de vaga prevê que o «domínio do inglês é necessário» e que um «conhecimento básico do francês» é apenas «desejável». Por outro lado, resulta de vários outros anúncios de vagas que, embora a língua de trabalho da equipa seja o inglês, o conhecimento satisfatório de outras línguas, como o alemão, o espanhol, o italiano, o polaco ou outras línguas oficiais constitui uma mais‑valia.

89      Assim, embora o conhecimento generalizado do francês nas direções‑gerais em causa não permita excluir que um candidato aprovado que disponha apenas de um conhecimento satisfatório do francês seja, a prazo, suscetível de estar operacional, não se pode, no entanto, tendo em conta a natureza particular dos lugares a prover, que esse candidato estaria «imediatamente operacional», tal como exigido pelo anúncio de concurso.

90      Interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão não conseguiu identificar em que lugar um candidato aprovado que apenas possuía um conhecimento satisfatório do francês, enquanto segunda língua, poderia ter sido nomeado e ser considerado «imediatamente operacional».

91      Em todo o caso, importa sublinhar que, segundo os termos do anúncio de concurso, a limitação controvertida é essencial, uma vez que «a maioria dos serviços da Comissão no domínio aduaneiro e fiscal utiliza o francês ou o inglês para o trabalho analítico, a comunicação interna, bem como para a comunicação com as partes interessadas externas, e as publicações e relatórios, legislação ou documentos económicos, tal como mencionado na rubrica “Quais as tarefas que o candidato pode esperar realizar?” e no anexo I». É com base nestes termos que o anúncio de concurso conclui que um candidato aprovado que não tenha um conhecimento satisfatório de inglês ou francês não estaria imediatamente operacional.

92      Daqui decorre que o objetivo de recrutar funcionários «imediatamente operacionais» é essencialmente concebido em relação às competências relativas ao domínio e não às competências gerais.

93      Ora, importa constatar que as quatro provas do centro de avaliação deviam decorrer na segunda língua, embora não fosse estritamente necessário, para atingir o objetivo de recrutar funcionários «imediatamente operacionais», que as três provas, que visam apenas testar as competências gerais, decorressem igualmente na referida segunda língua.

94      À luz do que precede, o primeiro fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade do anúncio de concurso na parte em que enuncia a limitação controvertida, é procedente. Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos.

 Quanto às despesas

95      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão de 10 de dezembro de 2019 pela qual o júri do concurso EPSO/AD/363/18 recusou, após reapreciação, a inscrição do nome de MZ na lista de reserva para o recrutamento de administradores de grau AD 7 no domínio da fiscalidade é anulada.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de julho de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.