Language of document : ECLI:EU:T:2023:871

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

15 de dezembro de 2023 (*)

«Recurso de anulação — Artigo 42.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) 2017/1939 — Decisão da Câmara Permanente da Procuradoria Europeia de submeter o processo a julgamento — Ato processual da Procuradoria Europeia — Incompetência»

No processo T‑103/23,

VictorConstantin Stan, residente em Bucareste (Roménia), representado por A. Şandru e V. Costa Ramos, advogados,

recorrente,

contra

Procuradoria Europeia, representada por L. De Matteis, F.‑R. Radu e E. Farhat, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção),

composto por: O. Porchia (relatora), presidente, M. Jaeger e P. Nihoul, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos, designadamente:

–        a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de fevereiro de 2023,

–        a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Procuradoria Europeia por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de maio de 2023,

–        as observações da recorrente sobre a exceção de inadmissibilidade apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2023,

–        os pedidos de intervenção do Conselho da União Europeia, da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 3, 14 e 22 de junho de 2023.

profere o presente

Despacho

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, o recorrente, Victor‑Constantin Stan, pede a anulação da Decisão da Câmara Permanente n.o 4 da Procuradoria Europeia de 9 de dezembro de 2022 através da qual esta remeteu para julgamento o processo a seu respeito (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 22 de dezembro de 2021, a Direcția Națională Anticorupție — Serviciul Teritorial Timişoara (Direção Nacional Anticorrupção, Serviço Territorial de Timişoara, Roménia) registou denúncias feitas por duas pessoas no que diz respeito a uma possível prática de infrações penais.

3        Por Decisão de 20 de janeiro de 2021, o Procurador Europeu Delegado encarregado do processo na Roménia pediu a avocação do processo registado na Direção Nacional Anticorrupção, Serviço Territorial de Timişoara.

4        Em 27 de janeiro de 2022, o Procurador Europeu Delegado encarregado do processo na Roménia abriu um inquérito. Em seu entender, a contar do ano de 2018, várias pessoas cometeram infrações que lhes permitem obter ilegalmente fundos provenientes do orçamento da União Europeia e do orçamento do Estado romeno.

5        Em 28 de junho de 2022, na sequência de um Despacho de 27 de junho de 2022 do Procurador Europeu Delegado encarregado do processo na Roménia, o recorrente adquiriu o estatuto de arguido por factos, cometidos na qualidade de coautor, constitutivos de obtenção ilegal de fundos romenos, punidos pelo artigo 306.o do Código Penal romeno. Segundo o Procurador Europeu Delegado encarregado do processo na Roménia, no período compreendido entre 27 de dezembro de 2018 e 31 de agosto de 2021, o recorrente apresentou à Agenția pentru Întreprinderi Mici și Mijlocii, Atragere de Investiti si Promovarea Exportului Timişoara (Agência de Timişoara para as Pequenas e Médias Empresas, a Atratividade dos Investimentos e a Promoção das Exportações, Roménia) documentos falsos, inexatos e incompletos relativos a projetos apresentados por seis sociedades com vista a obter fundos provenientes do orçamento nacional romeno.

6        Em 9 de dezembro de 2022, a Câmara Permanente n.o 4 da Procuradoria Europeia adotou a decisão impugnada, nos termos da qual remeteu para julgamento o processo relativo, nomeadamente, ao recorrente e arquivou a parte do processo relativa aos factos de corrupção e de falsificação que não diziam respeito ao recorrente.

7        Em 19 de dezembro de 2022, o Procurador Europeu Delegado encarregado do processo na Roménia apresentou a acusação e o recorrente foi julgado no Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia) em relação à infração de obtenção ilícita de fundos.

 Pedidos das partes

8        O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada e os atos subsequentes;

–        declarar, se for caso disso, inaplicáveis as disposições do regulamento interno da Procuradoria Europeia que são contrárias ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia (JO 2017, L 283, p. 1).

9        Através da exceção de inadmissibilidade, o Parlamento europeu conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar o recorrente nas despesas.

10      Em resposta à exceção de inadmissibilidade, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        rejeitar a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Procuradoria Europeia;

–        a título subsidiário, reservar a sua decisão até que se pronuncie sobre o mérito do processo.

 Questão de direito

11      Por força do artigo 130.o, n.os 1 e 7, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se o demandado o pedir, o Tribunal Geral pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade do recurso ou sobre a sua competência sem dar início à discussão do mérito da causa. No caso em apreço, tendo a Procuradoria Europeia pedido que fosse proferida decisão sobre a inadmissibilidade do recurso, o Tribunal Geral, por se considerar suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos, decide conhecer deste pedido sem prosseguir a tramitação.

12      A Procuradoria Europeia invoca três fundamentos de inadmissibilidade. Primeiro, alega que o Tribunal Geral não é competente para decidir sobre os pedidos de anulação dirigidos contra a decisão impugnada, uma vez que o artigo 263.o TFUE não se aplica no caso vertente aos seus atos processuais. Segundo, alega que o recorrente não tem legitimidade para agir. Terceiro, considera que, na medida em que o recurso no processo principal é inadmissível, a exceção de ilegalidade invocada pelo recorrente, em conformidade com o artigo 277.o TFUE, deve ser julgada inadmissível.

13      No que respeita ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, a Procuradoria Europeia alega que o presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, é inadmissível pelo facto de a decisão impugnada apenas ser objeto de fiscalização jurisdicional nas condições previstas no artigo 42.o do Regulamento 2017/1939, as quais não estão reunidas no caso em apreço.

14      A este respeito, a Procuradoria Europeia sustenta que o artigo 263.o TFUE não se aplica aos seus atos processuais. Por força do artigo 86.o, n.o 3, TFUE, o artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 constitui uma lex specialis em relação ao artigo 263.o TFUE. O quadro da fiscalização jurisdicional dos atos processuais da Procuradoria Europeia, previsto neste artigo 42.o, assenta em vários pilares, os quais constituem, em conjunto, um sistema que garante o pleno respeito das garantias processuais consagradas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

15      O primeiro pilar é constituído pelo artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939, segundo o qual a fiscalização jurisdicional dos atos processuais da Procuradoria Europeia destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros é da competência do órgão jurisdicional nacional competente em conformidade com os requisitos e procedimentos previstos pelo direito nacional. Segundo a Procuradoria Europeia, a atribuição dessa competência aos órgãos jurisdicionais nacionais é uma consequência direta e natural do facto de os processos examinados pela Procuradoria Europeia serem apresentados no órgão jurisdicional nacional competente. Além disso, por um lado, por força do quadro jurídico existente, só os órgãos jurisdicionais nacionais são competentes para aplicar simultaneamente o direito nacional e o direito da União. Por outro lado, no âmbito das suas atividades de inquérito e de ação penal, a Procuradoria Europeia aplica tanto o direito da União como o direito nacional. O facto de confiar a fiscalização jurisdicional dos atos processuais da Procuradoria Europeia a um órgão jurisdicional nacional que é competente para aplicar simultaneamente o direito nacional e o direito da União constitui uma garantia do direito a um recurso efetivo das pessoas que sejam objeto dos inquéritos da Procuradoria Europeia. Assim, o Regulamento 2017/1939 permite uma derrogação parcial aos princípios do direito da União relativos à competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia para fiscalizar os atos adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União, consagrada, designadamente, no Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (C‑219/17, EU:C:2018:1023), na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizar os atos da Procuradoria Europeia e invalidá‑los se infringirem o direito nacional.

16      A Procuradoria Europeia acrescenta que, se o ato processual da Procuradoria Europeia que é objeto de apreciação por um órgão jurisdicional nacional for considerado contrário a uma disposição do direito da União, o artigo 42.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento 2017/1939 impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais que apresentem um pedido de decisão prejudicial sobre a validade do referido ato, em conformidade com o artigo 267.o TFUE. Além disso, o artigo 42.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1939 estabelece uma exceção à regra consagrada no n.o 1 deste artigo, a fim de abranger qualquer situação residual em que poderia não haver a nível nacional recurso contra uma decisão da Procuradoria Europeia de arquivar um processo e só seria aplicável se a fiscalização jurisdicional fosse pedida com base no direito da União.

17      Além disso, a Procuradoria Europeia precisa que, no caso previsto no artigo 42.o, n.o 8, do Regulamento 2017/1939 relativo aos atos jurídicos da Procuradoria Europeia que não sejam qualificados atos processuais destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, todos os requisitos para interpor um recurso, em conformidade com o artigo 263.o TFUE, devem estar preenchidos para que o recurso seja admissível.

18      Por último, a Procuradoria Europeia sublinha as consequências, tanto para o seu funcionamento como para o do Tribunal de Justiça da União Europeia, da admissibilidade dos recursos de anulação dirigidos contra os seus atos processuais, diferentes dos previstos a título de exceção no artigo 42.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1939. Por um lado, os inquéritos da Procuradoria Europeia sofreriam atrasos, ao passo que o Tribunal de Justiça da União Europeia seria transformado em tribunal de recurso penal em relação a um grande número de processos penais. Por outro lado, declarar admissíveis os referidos recursos de anulação seria contrário às disposições do artigo 86.o TFUE e do Regulamento 2017/1939.

19      O recorrente sustenta que o seu recurso é admissível. Segundo o recorrente, a abordagem defendida pela Procuradoria Europeia é contrária ao direito da União. O artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 não satisfaz as exigências do direito a um recurso efetivo e a um processo equitativo previstas no artigo 47.o da Carta, e viola a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, regulada pelo artigo 19.o TUE, para assegurar o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados da União e o respeito da autonomia do sistema jurídico da União.

20      Em primeiro lugar, o recorrente sublinha que a fiscalização jurisdicional é um mecanismo que garante o respeito do direito a um recurso efetivo e a um processo equitativo. O princípio da efetividade, que está estreitamente ligado ao respeito do direito a um recurso efetivo, impõe que os litigantes tenham acesso a recursos adequados e efetivos para a proteção dos seus direitos e liberdades ao abrigo do direito da União. Isso só poderia ser realizado interpretando o artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 no sentido de que permite às pessoas singulares interpor um recurso de anulação das decisões da Procuradoria Europeia para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Do mesmo modo, os órgãos jurisdicionais nacionais não têm «competência ou capacidade para declarar que uma decisão da Câmara Permanente» da Procuradoria Europeia é contrária ao direito da União, pelo que o respeito do direito dos litigantes a um recurso efetivo depende da vontade desses órgãos jurisdicionais de recorrerem ao mecanismo de reenvio prejudicial. A competência dos órgãos jurisdicionais nacionais limita‑se a apreciar se os fundamentos do recorrente suscitam suficientemente dúvidas quanto à validade da medida em causa para que seja deferido um pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo recorrente. Os litigantes não poderiam, por conseguinte, recorrer livremente ao processo prejudicial. A recusa, por parte de um órgão jurisdicional nacional, de deferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo arguido criaria um risco elevado de que o direito da União não seja aplicado ou de ser aplicado de modo errado.

21      Por outro lado, existem divergências no que respeita «à medida em que os órgãos jurisdicionais nacionais dos diferentes Estados‑Membros fazem efetivamente uso da possibilidade de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça», o que poderia conduzir a situações discriminatórias entre os nacionais dos diferentes Estados‑Membros. Segundo o recorrente, pode considerar‑se que não há verdadeira fiscalização jurisdicional dos atos adotados pela Procuradoria Europeia ao longo das ações penais movidas pelos Procuradores Europeus Delegados na Roménia.

22      O recorrente alega que o artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939 «divide indevidamente a competência» do Tribunal de Justiça da União Europeia. Este último recordou que «a fiscalização jurisdicional nos Estados‑Membros deve ser efetuada em conformidade com o direito da União e que a [sua] competência […] não pode ser contornada ou afastada por regras de direito derivado». Por outro lado, segundo o recorrente, o facto de recorrer exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais para obter a proteção jurisdicional do direito da União pode conduzir a interpretações incoerentes e violar os princípios harmonizados do quadro jurídico da União. Em seu entender, o facto de subtrair os atos da Procuradoria Europeia à competência dos órgãos jurisdicionais da União equivale a privá‑lo do recurso a que teria direito por força do artigo 47.o da Carta.

23      Em segundo lugar, o recorrente alega que a referência ao exercício da ação penal nos órgãos jurisdicionais nacionais feita no artigo 86.o, n.o 2, TFUE é uma exceção de que beneficia a Procuradoria Europeia, que diz respeito apenas à fase de julgamento, mas que não pode ser objeto de uma interpretação ampla e não pode ser entendida como tendo um alcance tal que obste à competência específica atribuída aos órgãos jurisdicionais da União. O recorrente acrescenta que resulta da interpretação literal e teleológica do artigo 86.o, n.o 3, TFUE que esta disposição não prevê expressamente a possibilidade de derrogar a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de fiscalização jurisdicional dos atos elaborados pela Procuradoria Europeia e implicitamente a possibilidade de restringir essa competência. O artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 deve ser interpretado em ligação e em conjugação com outras regras e princípios da União em matéria jurisdicional que têm em conta o direito a um recurso efetivo e a um processo equitativo.

24      Em terceiro lugar, o recorrente sustenta que os requisitos de admissibilidade do recurso de anulação, previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, estão preenchidos no caso em apreço. Com efeito, primeiro, a decisão impugnada, pela sua própria natureza, tem efeito direto na situação jurídica do recorrente, segundo, a referida decisão diz diretamente respeito ao recorrente e afeta concretamente a sua situação jurídica, terceiro, o recorrente tem um interesse legítimo em que essa decisão seja anulada e, quarto, o prazo de dois meses para interpor o recurso da decisão impugnada foi respeitado.

25      A título preliminar, importa recordar que o mecanismo previsto pelo legislador para assegurar a fiscalização dos atos processuais da Procuradoria Europeia é um mecanismo sui generis (v., por analogia, Despachos de 13 de junho de 2022, Mendes de Almeida/Conselho, T‑334/21, EU:T:2022:375, n.o 40, e de 25 de outubro de 2022, WO/Procuradoria Europeia, T‑603/21, não publicado, EU:T:2022:683, n.o 36). Segundo o considerando 88 do Regulamento 2017/1939, este mecanismo visa garantir as vias de recurso efetivas, em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

26      No que respeita aos atos processuais da Procuradoria Europeia, a sua fiscalização jurisdicional está prevista no artigo 42.o do Regulamento 2017/1939. Mais particularmente, o n.o 1 deste artigo dispõe, designadamente, que os atos processuais da Procuradoria Europeia que se destinem a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros são objeto de fiscalização pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes de acordo com os requisitos e formalidades previstos no direito nacional. O n.o 2 do mesmo artigo especifica que o Tribunal de Justiça é competente, nos termos do artigo 267.o TFUE, para decidir, a título prejudicial, sobre a validade dos atos processuais da Procuradoria Europeia, na medida em que tal questão de validade seja suscitada perante um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diretamente com base no direito da União, sobre a interpretação ou a validade de disposições do direito da União, incluindo o Regulamento 2017/1939, e sobre a interpretação dos artigos 22.o e 25.o do referido regulamento em relação a qualquer conflito de competência entre a Procuradoria Europeia e as autoridades nacionais competentes.

27      O artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 prevê expressamente a competência do juiz da União, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, apenas para as decisões da Procuradoria Europeia de arquivamento de um processo desde que sejam diretamente impugnadas com base no direito da União, bem como para as decisões da Procuradoria Europeia que afetem os direitos dos titulares dos dados ao abrigo do capítulo VIII do Regulamento 2017/1939 e para as decisões da Procuradoria Europeia que não sejam atos processuais, como as relativas ao direito de acesso do público aos documentos, ou para decisões de destituição de Procuradores Europeus Delegados, adotadas em conformidade com o artigo 17.o, n.o 3, do regulamento, ou para qualquer outra decisão administrativa.

28      No caso em apreço, importa sublinhar que a decisão impugnada, no que diz respeito ao recorrente, constitui um ato processual da Procuradoria Europeia que não faz parte das decisões referidas no artigo 42.o, n.os 3 e 8, do Regulamento 2017/1939. Em contrapartida, a parte da decisão impugnada relativa a factos de corrupção e de falsificação que arquiva o processo não diz respeito ao recorrente.

29      Ora, o recorrente considera que o Tribunal Geral deveria declarar‑se competente, com fundamento numa interpretação do artigo 42.o do Regulamento 2017/1939, para cumprir os requisitos, nomeadamente, do direito a um recurso efetivo e a um processo equitativo, e para não pôr em causa a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para assegurar o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados e o respeito da autonomia do sistema jurídico da União.

30      Quanto à interpretação do artigo 42.o do Regulamento 2017/1939, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o recurso a uma interpretação ampla só é possível na medida em que seja compatível com o texto da disposição em causa e que mesmo o princípio da interpretação conforme com uma norma de força obrigatória superior não possa servir de fundamento a uma interpretação contra legem (v., por analogia, Acórdãos de 19 de setembro de 2019, Rayonna prokuratura Lom, C‑467/18, EU:C:2019:765, n.o 61, e de 5 de outubro de 2020, Brown/Comissão, T‑18/19, EU:T:2020:465, n.o 111).

31      No que respeita ao artigo 42.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2017/1939, não se pode contestar que a letra destas disposições não padece de nenhuma ambiguidade na medida em que tais disposições conferem aos órgãos jurisdicionais nacionais competência exclusiva para conhecer dos atos processuais da Procuradoria Europeia destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, além das exceções previstas no n.o 3 deste artigo e do destino reservado a certas decisões da Procuradoria Europeia referidas no n.o 8 do mesmo artigo, e que é apenas pela via prejudicial que o Tribunal de Justiça conhece da validade desses atos à luz das disposições do direito da União, bem como da interpretação ou da validade das disposições do Regulamento 2017/1939.

32      Ao pedir ao Tribunal Geral que anule a decisão impugnada e, por conseguinte, que se declare competente, por força de uma interpretação do artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 à luz do direito a um recurso efetivo, o recorrente propõe uma interpretação contra legem, que não pode, portanto, ser admitida.

33      Neste contexto, importa especificar que, admitindo que o recorrente não se limita a pedir uma interpretação ampla do artigo 42.o do Regulamento 2017/1939 para sustentar que o Tribunal Geral é competente no caso em apreço e que pretende contestar a decisão impugnada pondo em causa, pela via da exceção de ilegalidade, a validade do referido artigo à luz do artigo 19.o TUE, há que salientar que, em razão da incompetência do Tribunal Geral para conhecer do recurso no processo principal, essa objeção não pode ser admitida.

34      De modo geral, quanto às exigências de proteção jurisdicional efetiva, é útil indicar que, no âmbito da fiscalização jurisdicional prevista pelo Regulamento 2017/1939, o Tribunal de Justiça é nomeadamente competente, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, para conhecer das questões de interpretação e de validade dos atos processuais da Procuradoria Europeia e de disposições do direito da União, incluindo do referido regulamento, como confirmado pelo artigo 42.o, n.o 2, deste mesmo regulamento.

35      No caso em apreço, saliente‑se que o recorrente pode, em princípio, impugnar nos órgãos jurisdicionais competentes os atos processuais da Procuradoria Europeia referidos no artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939 e, neste contexto, suscitar a exceção de ilegalidade deste. Caberá ao Tribunal de Justiça, se tal lhe for pedido pelo órgão jurisdicional, pronunciar‑se sobre a validade do referido artigo 42.o, bem como, se for caso disso, sobre a validade do regulamento interno à luz do Regulamento 2017/1939 e das restantes disposições do direito da União que o recorrente invoca na sua petição.

36      Tendo em conta o que precede, há que julgar procedente o primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pela Procuradoria Europeia e, consequentemente, a exceção de inadmissibilidade suscitada por esta última e, por conseguinte, negar provimento ao presente recurso em razão da incompetência do Tribunal Geral para dele conhecer, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os pedidos relativos às disposições do regulamento interno da Procuradoria Europeia, que dizem respeito ao mérito do litígio.

37      Em conformidade com o artigo 144.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, quando o demandado apresenta uma exceção de inadmissibilidade ou de incompetência conforme visada no artigo 130.o, n.o 1, do referido regulamento, só será tomada uma decisão sobre o pedido de intervenção depois de a exceção ser julgada improcedente ou de ser apreciada juntamente com o mérito. Além disso, em conformidade com artigo 142.o, n.o 2, do mesmo regulamento, a intervenção perde o seu objeto, nomeadamente, quando a petição seja declarada inadmissível. No caso em apreço, uma vez que o recurso é julgado improcedente na sua totalidade devida a incompetência do Tribunal Geral, não há que conhecer dos pedidos de intervenção do Conselho da União Europeia, da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu.

 Quanto às despesas

38      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho, em conformidade com o pedido deste último, com exceção das relativas aos pedidos de intervenção.

39      Em aplicação do artigo 144.o, n.o 10, do Regulamento de Processo, caso seja posto termo à instância no processo principal antes de ser proferida uma decisão sobre o pedido de intervenção, o requerente da intervenção e as partes principais suportam as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção. Por conseguinte, o recorrente, a Procuradoria Europeia, o Conselho, a Comissão e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas relativas aos pedidos de intervenção.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Não há que conhecer dos pedidos de intervenção apresentados pelo Conselho da União Europeia, pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu.

3)      VictorConstantin Stan é condenado a suportar as suas próprias despesas e as do Parlamento Europeu, com exceção das despesas relativas aos pedidos de intervenção.

4)      V.C. Stan, a Procuradoria Europeia, o Conselho, a Comissão e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas relativas aos pedidos de intervenção.

Feito no Luxemburgo, em 15 de dezembro de 2023.

O Secretário

 

A Presidente

V. Di Bucci

 

O. Porchia


*      Língua do processo: romeno.