Language of document : ECLI:EU:T:2006:142

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

31 de Maio de 2006 (*)

«Marca comunitária – Marca tridimensional – Forma de uma salsicha – Motivos absolutos de recusa – Carácter distintivo – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T‑15/05,

Wim De Waele, residente em Bruges (Bélgica), representado por P. Maeyaert, S. Granata e R. Vermeire, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por W. Verburg, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 16 de Novembro de 2004 (processo R 820/2004‑1), relativa ao registo como marca comunitária de uma marca tridimensional constituída pela forma de uma salsicha,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Janeiro de 2005,

vista a resposta entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Abril de 2005,

após a audiência de 30 de Novembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 13 de Fevereiro de 2003, o recorrente apresentou um pedido de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na versão alterada.

2        A marca cujo registo foi pedido consiste na forma tridimensional a seguir reproduzida:

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3        Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido integram as classes 18, 29 e 30 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 18: «Tripas para charcutaria»;

–        classe 29: «Carne, peixe, aves e caça; charcutaria; frutos e legumes em conserva, secos e cozidos; conservas de carne, de peixe, de aves e de caça; produtos lácteos, incluindo os queijos, os cremes espumosos e os cremes gelados»;

–        classe 30: «Artigos de confeitaria; artigos de chocolate; molhos (condimentos); mostarda; maioneses».

4        Por decisão de 15 de Julho de 2004, o examinador recusou parcialmente o registo com o fundamento de que a marca pedida era desprovida de carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, relativamente às tripas para charcutaria, à carne, às aves e à caça, à charcutaria, aos produtos lácteos, incluindo os queijos, aos artigos de confeitaria e aos artigos de chocolate.

5        Em 14 de Setembro de 2004, o recorrente interpôs recurso para o IHMI, ao abrigo dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94, contra a decisão do examinador.

6        Por decisão de 16 de Novembro de 2004 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI reformou parcialmente a decisão do examinador, tendo considerado que a marca pedida tinha carácter distintivo no respeitante aos produtos lácteos, incluindo os queijos. Para os outros produtos reivindicados, a Câmara de Recurso entendeu que o facto de o aspecto retorcido da forma pedida ser ligeiramente mais acentuado do que as formas habituais no comércio não bastava para lhe conferir um aspecto suficientemente específico, de natureza a permitir que o consumidor a percebesse sem ambiguidade como uma indicação da origem dos produtos em causa.

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        O recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        reformar e anular parcialmente a decisão impugnada na parte em que respeita aos produtos «tripas para charcutaria» da classe 18 ou, pelo menos, na parte em que respeita aos produtos «tripas para charcutaria destinadas aos clientes profissionais»;

–        condenar o IHMI nas despesas.

8        O IHMI conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Argumentos das partes

9        O recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

10      No que respeita ao público relevante, o recorrente invoca que este é constituído por profissionais e critica o facto de a Câmara de Recurso ter considerado que, apesar de o público relevante ser efectivamente composto por profissionais, este elemento não tinha importância para a apreciação do carácter distintivo da marca pedida. Recorda, a este respeito, que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, há que entender que o público profissional dispõe de um grau de conhecimentos e de atenção mais elevado do que o público em geral [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Outubro de 2002, KWS Saat/IHMI (Tom de laranja), T‑173/00, Colect., p. II‑3843, e de 26 de Novembro de 2003, HERON Robotunits/IHMI (ROBOTUNITS), T‑222/02, Colect., p. II‑4995].

11      No tocante ao carácter distintivo da marca pedida, o recorrente entende que a forma das tripas para charcutaria que utiliza é única e que, por conseguinte, permite distinguir os seus produtos de qualquer outro produto existente no mercado e identificá‑los. Assim, esta forma é adequada a exercer a função essencial da marca, que é a de identificar a origem do produto ou do serviço a fim de que o consumidor que adquire o produto ou o serviço possa, em posterior aquisição, efectuar a mesma escolha, se a experiência se revelar positiva, ou fazer outra escolha, se aquela se revelar negativa.

12      Sustenta ainda que o público relevante no caso em apreço, composto por fabricantes de chouriços, está confrontado com um imperativo técnico de acondicionamento e que, por conseguinte, presta muita atenção e interesse a um acondicionamento dos produtos que revele originalidade.

13      A título subsidiário, o recorrente alega que a forma reivindicada reveste carácter distintivo mesmo que se considere que o público‑alvo também é composto por consumidores médios. Sustenta que resulta da jurisprudência que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem de certos produtos como uma indicação da origem comercial dos mesmos, na medida em que essa forma apresente características suficientes para reter a sua atenção [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Dezembro de 2003, Nestlé Waters France/IHMI (Forma de uma garrafa), T‑305/02, Colect., p. II‑5207, n.° 34, e de 24 de Novembro de 2004, Henkel/IHMI (Forma de um frasco branco e transparente), T‑393/02, Colect., p. II‑0000, n.° 34]. Remete, a este respeito, para uma opinião doutrinal, segundo a qual a rotulagem não desempenha um papel determinante ou decisivo para o consumidor, sendo este mais sensível à forma dos produtos.

14      Entende que, no presente caso, a forma reivindicada é suficientemente característica, pois que não está actualmente presente no mercado mundial e que 99% dos chouriços que são vendidos têm a forma de cilindros rectos ou de argolas. Assim, divergindo significativamente a forma em causa dos hábitos do sector do acondicionamento dos produtos de charcutaria, o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, poderá distinguir, sem proceder a uma análise e sem demonstrar particular atenção, a forma reivindicada das formas actualmente existentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colect., p. I‑9165, n.os 31 e 32).

15      O recorrente sustenta, além disso, que já anteriormente foi decidido que a apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não diverge daquela a que se deve proceder a respeito de outras categorias de marcas e que uma marca comunitária não resulta necessariamente de uma criação e não assenta num elemento de originalidade ou de imaginação, mas sim na sua capacidade para individualizar no mercado os produtos ou os serviços relativamente aos produtos ou serviços do mesmo tipo oferecidos pelos concorrentes [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Taurus‑Film/IHMI (Cine Action), T‑135/99, Colect., p. II‑379, n.° 31; de 27 de Fevereiro de 2002, Rewe‑Zentral/IHMI (LITE), T‑79/00, Colect., p. II‑705, e Forma de uma garrafa, já referido, n.° 40].

16      Por último, alega que tanto o IHMI como o Instituto de Marcas do Benelux admitiram o registo de marcas tridimensionais no sector da alimentação.

17      O IHMI sustenta que o facto de o público relevante ser composto por fabricantes de charcutaria não tem, no caso em apreço, qualquer relevância no que respeita à apreciação do carácter distintivo da forma em causa como marca para as tripas para charcutaria, pois que os referidos fabricantes compram sempre as tripas necessárias ao acondicionamento dos respectivos produtos tendo em conta o consumidor final. Entende que, por conseguinte, há também que tomar em consideração os consumidores finais de charcutaria [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 2003, Axions e Belce/IHMI (Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro), T‑324/01 e T‑110/02, Colect., p. II‑1897, n.° 31].

18      No respeitante ao carácter distintivo da marca pedida, o IHMI considera que a forma reivindicada mais não é do que uma variante das formas habituais do produto em causa, próxima da sua forma mais provável, e que, portanto, não permite que o consumidor médio de charcutaria, normalmente informado, distinga, sem proceder a uma análise e sem lhes prestar particular atenção, as charcutarias embaladas na forma reivindicada pelo recorrente das de outras empresas (acórdão Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 32).

19      Por fim, no que respeita às suas decisões anteriores e às do Instituto de Marcas do Benelux, recorda que, em conformidade com a jurisprudência, a viabilidade do registo de um sinal enquanto marca comunitária deve ser exclusivamente apreciada com base no Regulamento n.° 40/94, tal como interpretado pelo juiz comunitário, e não com base na prática anterior das Câmaras de Recurso ou das autoridades nacionais.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

20      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo». Segundo a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, o carácter distintivo de uma marca apenas pode ser apreciado, por um lado, por referência aos produtos ou serviços relativamente aos quais o registo foi requerido e, por outro, por referência à percepção que dele tem o público destinatário [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Forma de uma garrafa, já referido, n.° 29, e de 29 de Abril de 2004, Eurocermex/IHMI (Forma de uma garrafa de cerveja), T‑399/02, Colect., p. II‑1391, n.°19].

21      Em primeiro lugar e no que se refere aos produtos para os quais foi pedido o registo, há que esclarecer que, embora a Câmara de Recurso tenha recusado o registo da marca pedida quanto a vários dos produtos solicitados, o recorrente pede a anulação da decisão impugnada unicamente na parte em que recusa o registo da marca quanto às tripas para charcutaria, abrangidas pela classe 18 ou, no mínimo, quanto às tripas para charcutaria destinadas aos clientes profissionais.

22      A este respeito, há que recordar que um pedido de anulação que visa apenas alguns dos produtos cujo registo foi recusado pela Câmara de Recurso constitui um simples pedido de anulação parcial da decisão impugnada e, portanto, não é, enquanto tal, contrário à proibição, resultante do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, de alterar, neste Tribunal, o objecto do litígio submetido à Câmara de Recurso. Com efeito, o recorrente não solicita, com este pedido, que o Tribunal decida sobre pretensões diferentes das que foram submetidas à Câmara de Recurso [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2003, Unilever/IHMI (Pastilha oval), T‑194/01, Colect., p. II‑383, n.os 14 a 16, e de 24 de Novembro de 2005, GfK/IHMI – BUS (Online Bus), T‑135/04, Colect., p. II‑0000, n.os 12 e 13].

23      No que concerne ao pedido de anulação da decisão impugnada na parte em que recusa o registo da marca relativamente às tripas para charcutaria destinadas aos clientes profissionais, formulado a título subsidiário, o Tribunal de Primeira Instância entende que não há que distinguir entre as tripas sem mais qualificação e as «tripas para charcutaria destinadas aos clientes profissionais», porquanto, uma vez que as tripas, como invólucros vazios para utilização em charcutaria, não são, enquanto tais, produtos de consumo corrente, qualquer pessoa que as adquira, seja um profissional fabricante de charcutaria ou um particular, terá necessariamente um certo conhecimento do sector.

24      No tocante, em segundo lugar, ao público relevante, a Câmara de Recurso entendeu que, «tendo em conta a natureza dos produtos, o público relevante [era] constituído tanto pelos consumidores finais em geral como pelos profissionais de charcutaria», na medida em que, «embora as tripas para charcutaria sejam utilizadas por profissionais, tanto do artesanato como da indústria, para confeccionar artigos de charcutaria como salsichas e chouriços, os outros produtos visados [pelo pedido de registo] são produtos de grande consumo, comprados no quadro da vida quotidiana em toda a Comunidade». O examinador, cujo raciocínio foi expressamente confirmado pela Câmara de Recurso, justificou a tomada em conta da percepção dos consumidores finais para a apreciação do carácter distintivo da marca no que respeita às tripas para charcutaria indicando que, «ainda que, em princípio, sejam as pessoas avisadas e não os consumidores finais em geral que adquirem estes produtos, esta aquisição efectua‑se na perspectiva de uma venda ulterior destes produtos, uma vez transformados, aos consumidores finais».

25      O recorrente censura à Câmara de Recurso ter apreciado o carácter distintivo da marca pedida por referência à percepção do consumidor final, apesar de ter admitido que as tripas para charcutaria são adquiridas por profissionais.

26      A este propósito, há que recordar que, tratando‑se de produtos que permitem o acondicionamento de outros produtos, foi já declarado que, ainda que em princípio sejam os profissionais e não os consumidores finais em geral que adquirem estes produtos, esta aquisição é normalmente feita na perspectiva de uma ulterior venda dos produtos acondicionados aos consumidores finais e que, por conseguinte, a percepção destes últimos também deve ser tomada em conta (v., neste sentido, acórdão Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro, já referido, n.° 31).

27      O argumento do recorrente de que vende as tripas unicamente a fabricantes de charcutaria não pode infirmar esta análise. Com efeito, há que notar que os produtos finais que devem ser objecto de um acondicionamento adoptam a forma do invólucro, pelo que uma marca tridimensional que protege a respectiva forma pode ser utilizada indistintamente como marca do acondicionamento ou como marca dos produtos finais. Assim sendo, se o fabricante do invólucro titular da marca vender os seus produtos a vários fabricantes do produto final, como afirma o recorrente, a referida marca só poderá constituir um indicador da origem do acondicionamento, e unicamente em relação aos fabricantes do produto final. Com efeito, nesta hipótese, os consumidores dos produtos finais, vendo‑se confrontados com produtos que têm a mesma forma, mas que não têm a mesma origem comercial, não poderão estabelecer um nexo entre a forma do produto e a sua origem comercial. Em contrapartida, se, como nos processos que deram lugar aos acórdãos Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro e Forma de um frasco branco e transparente, já referidos, existir um único fabricante de produtos finais que utiliza a forma em questão, esta é susceptível de ser utilizada, desde que seja suficientemente distintiva, como marca do produto final.

28      Ora, a utilização de uma marca como marca do acondicionamento ou como marca dos produtos finais resulta de uma opção comercial do detentor da marca, que pode ser modificada posteriormente ao seu registo, e não pode, portanto, ter qualquer incidência na apreciação da viabilidade deste último [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 2002, SAT.1/IHMI (SAT.2), T‑323/00, Colect., p. II‑2839, n.° 45, e Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro, já referido, n.os 36 e 40].

29      Assim, embora o recorrente afirme vender as suas tripas para charcutaria a vários fabricantes de charcutaria, é‑lhe perfeitamente possível modificar esta opção uma vez obtido o registo, vendendo o seu produto a um único fabricante de charcutaria ou fabricando a sua própria charcutaria. Daí resultaria, portanto, que a forma registada para as tripas seria utilizada como marca dos produtos de charcutaria por si acondicionados, e isto sem que tivesse sido examinado o seu carácter distintivo relativamente aos consumidores dos referidos produtos.

30      Por conseguinte, a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro de direito ao considerar que o público relevante para a apreciação do carácter distintivo da marca pedida para as tripas para charcutaria era composto tanto pelos profissionais da charcutaria como pelos consumidores finais em geral.

31      Há, pois, que examinar se a Câmara de Recurso podia concluir de forma juridicamente correcta que a marca pedida estava desprovida de carácter distintivo relativamente, por um lado, às tripas para charcutaria e, como resulta dos n.os 27 a 29 supra, também à charcutaria e, por outro, à percepção do público relevante, como acaba de ser definido.

32      A este respeito, há, em primeiro lugar, que recordar que, embora os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não sejam diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas, a percepção do público relevante não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela aparência do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou na da sua embalagem, na falta de qualquer elemento gráfico ou textual, e, por isso, pode tornar‑se mais difícil provar o carácter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colect., p. I‑5089, n.° 38, e Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 30).

33      Tratando‑se, em especial, de marcas tridimensionais constituídas pela embalagem dos produtos que são comercializados embalados por razões ligadas à própria natureza do produto, o Tribunal de Justiça declarou que devem permitir ao consumidor médio dos referidos produtos, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, distinguir o produto em questão dos de outras empresas sem proceder a uma análise ou a uma comparação e sem lhe prestar particular atenção (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, Colect., p. I‑1725, n.° 53). Portanto, só é possível considerar que a forma da embalagem destes produtos assume um carácter distintivo quando possa ser imediatamente percebida como uma indicação da origem dos produtos em questão. Ora, para que possa ser esse o caso, é necessário que a marca em causa divirja de forma significativa da norma ou dos hábitos do sector (acórdãos Henkel/IHMI, já referido, n.° 39, e Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 31).

34      Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso descreveu, em primeiro lugar, a marca pedida como «uma forma oblonga evocando a de uma meada ou de uma simples trança revelando quatro segmentos de comprimento decrescente de alto a baixo». Concluiu seguidamente, a respeito desta marca, pela falta de carácter distintivo, considerando que, «se [era] exacto que os exemplos [de produtos de charcutaria] citados pelo examinador não se report[avam] a formas estritamente idênticas à forma em causa […], delas não se diferenci[avam] de modo significativo». Considerou ainda que era «inegável que, para o consumidor final que não lhe preste particular atenção, um chouriço de forma oblonga e atado como frequentemente são os produtos de charcutaria ditos ‘rústicos’ [podia] ter a aparência de uma meada [e que era] corrente encontrar […] assados de vitela, recheados ou não, bem como escalopes de peru ou de frango, enrolados e atados mais ou menos em forma de espiral (‘boeuf à la ficelle’)». Portanto, a Câmara de Recurso concluiu que «o simples facto de no presente caso o aspecto entrançado ser ligeiramente mais acentuado não basta[va] para conferir à forma em questão um aspecto suficientemente específico para permitir ao consumidor apercebê‑la, sem ambiguidade, como uma indicação da origem dos produtos em causa».

35      O recorrente contesta, em primeiro lugar, a descrição da marca pedida a que procedeu a Câmara de Recurso pelo motivo de, em seu entender, a forma em causa não poder de modo algum ser comparada a uma meada ou a uma corda simplesmente entrançada.

36      Porém, o Tribunal de Primeira Instância constata que a referida descrição é muito semelhante à fornecida pelo próprio recorrente no seu pedido de registo, no qual indicou que a marca «consist[ia] na forma do produto» e que «este se caracteriz[ava] pelo seu relevo entrançado em forma de meada». Em todo o caso e como recorda o IHMI, esta descrição não é relevante para o exame do carácter distintivo da forma em causa, uma vez que é unicamente a forma reproduzida no n.° 2 supra que deve ser objecto deste exame.

37      O recorrente contesta, em segundo lugar, que a marca pedida seja desprovida de carácter distintivo e alega que a forma para a qual pede o registo, que em seu entender consiste num motivo geométrico em forma de losango, é única e que, uma vez que não existe qualquer forma comparável no mercado mundial, diverge de modo significativo de todas as formas de tripas e de produtos de charcutaria existentes e habituais no sector.

38      A este respeito, há que recordar que, para apreciar se a forma da tripa em causa pode ser apreendida pelo público como uma indicação de origem do produto, há que analisar a impressão de conjunto produzida pela aparência da referida tripa (v., neste sentido, acórdão Forma de um frasco branco e transparente, já referido, n.° 37). A isto acresce, como recordou a Câmara de Recurso, que a novidade ou a originalidade não constituem critérios relevantes para a apreciação do carácter distintivo de uma marca, pelo que, para que uma marca tridimensional possa ser registada, não basta que seja original, sendo ainda necessário que se diferencie, em termos substanciais, das formas de base do produto em causa comummente utilizadas no comércio e que não se apresente como uma simples variante destas formas (acórdão Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro, já referido, n.° 44).

39      No tocante à forma a que respeita o presente caso, há que constatar que a impressão de conjunto da marca é dominada pelo seu carácter oblongo e que o seu aspecto entrançado é menos aparente à primeira vista. Ora, a forma oblonga é a forma mais habitual para as tripas e os produtos de charcutaria, como os exemplos fornecidos pelo IHMI demonstram. Quanto à sua superfície, também não é substancialmente diferente das formas de base empregues no sector da charcutaria. Assim e como salientou a Câmara de Recurso, existem produtos de charcutaria com uma forma oblonga e atados que têm a aparência de uma meada, como o chouriço dito «rústico», bem como outros produtos vendidos enrolados e atados mais ou menos na forma de espiral cuja superfície se aproxima daquela que tem a marca pedida. Estes produtos apresentam pois, como a forma reivindicada pelo recorrente, uma superfície caracterizada por ranhuras que formam motivos geométricos variáveis que se repetem.

40      Portanto, a forma de que o recorrente pede o registo só diverge das formas comummente utilizadas no sector em causa pelo facto de os seus motivos geométricos serem mais proeminentes. Ora, como a Câmara de Recurso afirmou, de forma juridicamente correcta, o aspecto entrançado da marca pedida é apenas ligeiramente mais acentuado do que o dos outros produtos de charcutaria e não basta, uma vez que as outras características não são de modo algum inabituais, para conferir à forma do invólucro em causa um aspecto global suficientemente específico de natureza a permitir ao consumidor apercebê‑lo sem ambiguidade como uma indicação de origem dos produtos em causa (v., neste sentido, acórdão Henkel, já referido, n.° 49). A forma pedida é, assim, uma variante das formas de base para os produtos de charcutaria, pelo que, mesmo não existindo formas idênticas, não permitirá ao público relevante distinguir, sem proceder a uma análise ou a uma comparação e sem dar prova de especial atenção, as tripas comercializadas pelo recorrente ou os produtos de charcutaria por este embalados dos de outras empresas.

41      Quanto ao argumento do recorrente de que resulta da jurisprudência que o consumidor médio está sensibilizado para a utilização da forma da embalagem dos produtos em questão como uma indicação da origem comercial, basta referir que, na jurisprudência para a qual remete o recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não entendeu de modo algum que os consumidores finais estejam sensibilizados para a forma da embalagem de todos os produtos de consumo corrente, tendo limitado a sua apreciação aos produtos em causa. Ora, no presente caso, nada há que permita pensar que os fabricantes de tripas ou de produtos de charcutaria procurem diferenciar os respectivos produtos em função da forma das tripas e que, por esse facto, os fabricantes de produtos de charcutaria e os consumidores estejam aptos a identificar a forma das tripas e dos produtos de charcutaria como uma indicação da respectiva origem. Portanto, este argumento não colhe.

42      No tocante ao argumento assente no facto de o IHMI ter registado marcas tridimensionais no sector da alimentação, há que recordar que as decisões relativas ao registo de um sinal enquanto marca comunitária que as Câmaras de Recurso são chamadas a tomar resultam, por força do Regulamento n.° 40/94, de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Por conseguinte, a viabilidade do registo de um sinal enquanto marca comunitária deve ser apreciada exclusivamente com base nesse regulamento, tal como interpretado pelo juiz comunitário, e não com base na prática anterior das Câmaras de Recurso [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE), T‑106/00, Colect., p. II‑723, n.° 66, e Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro, já referido, n.° 51].

43      Se é certo que se pode admitir que fundamentos de facto ou de direito constantes de uma decisão anterior podem constituir argumentos em apoio de um fundamento baseado na violação de uma disposição do Regulamento n.° 40/94, o recorrente não invocou a existência, nas decisões que menciona, de fundamentos susceptíveis de pôr em causa a apreciação a que procedeu a Câmara de Recurso, limitando‑se a indicar que essas marcas dizem respeito a produtos do sector da alimentação (v., neste sentido, acórdão Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro, já referido, n.° 52).

44      Por último e no respeitante ao argumento relativo ao facto de algumas autoridades nacionais terem admitido o registo de marcas tridimensionais no sector da alimentação, há que recordar que o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo, constituído por um conjunto de normas e objectivos que lhe são específicos, sendo a sua aplicação independente de qualquer sistema nacional [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T‑32/00, Colect., p. II‑3829, n.° 47, e de 24 de Novembro de 2005, Sadas/IHMI – LTJ Diffusion (ARTHUR ET FELICIE), T‑346/04, Colect., p. II‑0000, n.° 70]. Assim, a viabilidade de registo de um sinal enquanto marca comunitária só deve ser apreciada em função da regulamentação comunitária pertinente. Em todo o caso, há que referir que, por um lado, os registos nacionais invocados pelo recorrente não respeitam à marca tridimensional em causa e, por outro e como foi referido a respeito das decisões do IHMI, o recorrente não avançou qualquer argumento no sentido da procedência do seu recurso que pudesse ser retirado destas decisões.

45      Resulta do conjunto das precedentes considerações que a Câmara de Recurso não violou o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Portanto, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

46      Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido do IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O recorrente é condenado nas despesas.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de Maio de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: neerlandês.