Language of document : ECLI:EU:C:2019:830

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

3 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Política de imigração — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Diretiva 2003/109/CE — Condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração — Artigo 5.o, n.o 1, alínea a) — Recursos estáveis, regulares e suficientes»

No processo C‑302/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica), por Decisão de 14 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de maio de 2018, no processo

X

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský, C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de X, por J. Hardy, advocaat,

–        em representação do Governo belga, por C. Pochet, J. Jacobs e P. Cottin, na qualidade de agentes, assistidos por E. Matterne, advocaat,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por E. de Moustier, A.‑L. Desjonquères e E. Armoet, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. D’Ascia, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao Belgische Staat (Estado belga) a propósito, designadamente, do indeferimento de um pedido de autorização de estabelecimento e de obtenção do estatuto de residente de longa duração.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/86/CE

3        Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12):

«1.      Por ocasião da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, o Estado‑Membro em causa pode exigir ao requerente do reagrupamento que apresente provas de que este dispõe de:

[…]

c)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões e o número de familiares.»

 Diretiva 2003/109

4        Os considerandos 1, 2, 4, 6, 7 e 10 da Diretiva 2003/109 enunciam:

«(1)      A fim de criar progressivamente um espaço de liberdade, segurança e justiça, o Tratado [CE] prevê, por um lado, a adoção de medidas com vista a assegurar a livre circulação das pessoas, em ligação com medidas de acompanhamento relativas ao controlo nas fronteiras externas, ao asilo e à imigração e, por outro lado, a adoção de medidas em matéria de asilo, de imigração e de proteção dos direitos dos nacionais de países terceiros.

(2)      Aquando da reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar‑se do estatuto dos nacionais dos Estados‑Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado‑Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.

[…]

(4)      A integração dos nacionais de países terceiros que sejam residentes de longa duração nos Estados‑Membros constitui um elemento‑chave para promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado.

[…]

(6)      O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de longa duração deverá ser a duração da residência no território de um Estado‑Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. Deve ser prevista uma certa flexibilidade para ter em conta determinadas circunstâncias que podem levar alguém a afastar‑se do território de forma temporária.

(7)      A fim de adquirir o estatuto de residente de longa duração, o nacional de um país terceiro deverá provar que dispõe de recursos suficientes e de um seguro de doença para evitar tornar‑se um encargo para o Estado‑Membro. Ao avaliarem a posse de recursos estáveis e regulares, os Estados‑Membros poderão ter em conta fatores como as quotizações para o regime de pensões e o cumprimento das obrigações fiscais.

[…]

(10)      Importa estabelecer um sistema de regras processuais para regular a análise do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração. Estes procedimentos deverão ser eficazes e poder ser geridos tendo em conta a carga normal de trabalho das administrações dos Estados‑Membros, devendo igualmente ser transparentes e justos, a fim de proporcionarem um nível adequado de segurança jurídica às pessoas em questão. [Essas regras não devem constituir um meio de impedir o exercício do direito de residência.]»

5        O artigo 5.o desta diretiva, com a epígrafe «Condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem de:

a)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração;

b)      Um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais.

[…]»

6        O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«A fim de obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional de um país terceiro deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro em que reside. O pedido deve ser acompanhado dos documentos comprovativos, conforme determinado na legislação nacional, de que o nacional de um país terceiro preenche as condições enunciadas nos artigos 4.o e 5.o, bem como, se necessário, de um documento de viagem válido ou de cópia autenticada do mesmo.

[…]»

7        Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«O estatuto de residente de longa duração tem caráter permanente, sem prejuízo do disposto no artigo 9.o»

8        O artigo 9.o da Diretiva 2003/109, com a epígrafe «Retirada ou perda do estatuto», dispõe, no seu n.o 1:

«Os residentes de longa duração deixam de ter direito a manter o estatuto de residente de longa duração nos seguintes casos:

a)      Constatação de aquisição fraudulenta do estatuto de residente de longa duração;

b)      Adoção de uma medida de expulsão nas condições previstas no artigo 12.o;

c)      Ausência do território da Comunidade por um período de 12 meses consecutivos.»

9        O artigo 11.o desta diretiva prevê:

«1.      O residente de longa duração beneficia de igualdade de tratamento perante os nacionais em matéria de:

a)      Acesso a uma atividade profissional por conta própria ou por conta de outrem, desde que tal atividade não implique, nem mesmo a título ocasional, envolvimento no exercício da autoridade pública, bem como de acesso às condições de emprego e de trabalho, incluindo as condições de despedimento e de remuneração;

[…]»

10      O artigo 12.o da referida diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

2.      A decisão a que se refere o n.o 1 não deve basear‑se em razões económicas.

[…]»

11      O artigo 13.o da mesma diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem emitir títulos de residência permanentes ou de validade ilimitada em condições mais favoráveis do que as fixadas na presente diretiva. Esses títulos de residência não conferem direito a residência nos outros Estados‑Membros tal como previsto no capítulo III.»

 Diretiva 2004/38/CE

12      Nos termos do artigo 7.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificação no JO 2004, L 229, p. 35):

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)      —      Esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional e

—      Disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência […]

[…]»

13      O artigo 14.o, com a epígrafe «Conservação do direito de residência», dispõe, no seu n.o 2:

«Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

[…]»

 Direito belga

14      Nos termos do artigo 15.° bis da wet betreffende de toegang tot het grondgebied, het verblijf, de vestiging en de verwijdering van vreemdelingen (Lei Relativa ao Acesso ao Território, à Permanência, ao Estabelecimento e ao Afastamento de Estrangeiros), de 15 de dezembro de 1980 (Belgisch Staatsblad de 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei Relativa aos Estrangeiros»):

«§ 1.      Salvo se razões de ordem pública ou de segurança nacional a tal se opuserem, o estatuto de residente de longa duração deve ser concedido ao estrangeiro não cidadão da União Europeia que preencha as condições previstas no § 3 e que justifique uma permanência legal e ininterrupta no Reino [da Bélgica] durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração.

[…]

§ 3.      O estrangeiro a que se refere o § 1 deve provar que dispõe, para si próprio e para os membros da sua família que estejam a seu cargo, de meios de subsistência estáveis, regulares e suficientes para prover às suas próprias necessidades e às dos seus familiares, a fim de evitar tornar‑se um encargo para os poderes públicos, bem como de um seguro de doença que cubra os riscos na Bélgica.

Os meios de subsistência descritos no primeiro parágrafo devem ser, pelo menos, equivalentes ao nível de recursos abaixo do qual poderá ser prestada assistência social. A avaliação destes meios de subsistência tem em conta a sua natureza e a sua regularidade.

O rei determina, por decreto real aprovado em Conselho de Ministros, tendo em conta os critérios definidos no segundo parágrafo, o montante mínimo dos meios de subsistência exigidos.»

15      A circulaire relative au statut de résident de longue durée (Circular sobre o Estatuto de Residente de Longa Duração), de 14 de julho de 2009 (Belgisch Staatsblad de 11 de agosto de 2009), precisa que a prova dos referidos meios de subsistência pode ser feita do seguinte modo:

«A prova dos meios de subsistência pode ser feita através de rendimentos profissionais, subsídio de desemprego, subsídio de invalidez, reforma antecipada, subsídio por velhice, prestação paga no âmbito de um seguro de acidentes de trabalho ou seguro de doença profissional, […] Esta lista não é exaustiva.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      Em 26 de julho de 2007, X, que declarou ser de nacionalidade camaronesa, apresentou na Embaixada da Bélgica, em Iaundé (Camarões), um pedido de visto de estudante. Obteve o referido visto e o seu direito de residência na Bélgica foi prorrogado anualmente até 15 de janeiro de 2016. Em 19 de janeiro de 2016, foi concedida uma autorização de residência a X, a seu pedido, pelo facto de este possuir uma autorização de trabalho. Esta autorização era válida até 14 de janeiro de 2017.

17      Em 27 de dezembro de 2016, X apresentou um pedido de concessão do estatuto de residente de longa duração. Em apoio desse pedido, produziu, designadamente, como provas de meios de subsistência estáveis, regulares e suficientes, contratos de trabalho, uma liquidação tributária e recibos de salário em nome do seu irmão. Além disso, X entregou um documento assinado pelo seu irmão, em que este se comprometia a garantir que «o interessado disp[onha], “para si próprio e para os membros da sua família que estejam a seu cargo, de meios de subsistência estáveis, regulares e suficientes para prover às suas próprias necessidades e às dos seus familiares, a fim de evitar tornar‑se um encargo para os poderes públicos”, em conformidade com o artigo 15.° bis da [Lei Relativa aos Estrangeiros]».

18      O gemachtigde van de staatssecretaris voor Asiel en Migratie en Administratieve Vereenvoudiging (delegado do secretário de Estado do Asilo e da Migração, encarregado da simplificação administrativa, Bélgica) (a seguir «delegado»), por Decisão de 5 de abril de 2017, indeferiu este pedido. No que respeita aos meios de subsistência estáveis, regulares e suficientes, na aceção do artigo 15.° bis da Lei Relativa aos Estrangeiros, a decisão tinha a seguinte redação:

«O interessado não dispõe de recursos próprios. É manifesto que não exerce uma atividade remunerada desde 31 de maio de 2016 e que, atualmente, não dispõe de recursos. Apresenta os recursos do seu irmão. O interessado deve provar que dispõe, para si próprio, de meios de subsistência suficientes, para não se tornar um encargo para o Estado belga.»

19      X intentou uma ação contra esta decisão no Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica), no âmbito da qual sustenta que esta decisão se baseia numa interpretação errónea da condição relativa aos meios de subsistência, prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, disposição que foi transposta pelo artigo 15.° bis da Lei Relativa aos Estrangeiros, pelo facto de estas disposições não exigirem que apenas sejam tidos em conta os meios próprios do requerente.

20      X sublinha que a expressão «dispor de recursos suficientes», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, devia ser interpretada no mesmo sentido que os termos idênticos utilizados nas Diretivas 2003/86 e 2004/38. A Diretiva 2003/109 visa aproximar o estatuto jurídico dos titulares de uma autorização de residência de longa duração do estatuto conferido aos cidadãos da União. Daí decorre, designadamente, que a jurisprudência relativa à Diretiva 2004/38 e a jurisprudência relevante anterior à entrada em vigor desta diretiva, da qual resulta que esta não comporta a menor exigência sobre a proveniência dos recursos suficientes, devem ser aplicadas por analogia.

21      O delegado sustenta, em contrapartida, que o simples facto de X estar a cargo do seu irmão não implica que ele dispõe de rendimentos regulares e estáveis. Em sua opinião, a apreciação dos recursos no âmbito de um procedimento de reagrupamento familiar não pode ser efetuada da mesma maneira que a efetuada no âmbito de um procedimento de obtenção do estatuto de residente de longa duração. Por outro lado, no caso do reagrupamento familiar relativo a um cidadão da União, apenas podem ser tidos em conta os rendimentos deste último.

22      À luz destas observações, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, designadamente, sobre se o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que os «recursos» a que se refere esta disposição são unicamente «recursos próprios» do requerente ou se este conceito abrange outros tipos de recursos.

23      Nestas circunstâncias, o Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva 2003/109], que prevê, designadamente, que o nacional de um país terceiro deve, para a aquisição do estatuto de residente de longa duração, apresentar provas de que ele e os familiares a seu cargo “dispõem” de recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa, ser interpretado no sentido de que se refere apenas aos “recursos próprios” do nacional de país terceiro?

2)      [É] suficiente, para o efeito, que esses recursos estejam ao dispor do nacional de um país terceiro, sem que seja imposta qualquer exigência quanto à proveniência dos mesmos, podendo, por conseguinte, ser colocados à disposição do nacional de um país terceiro por um membro da família ou por outro terceiro?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, é suficiente, nesse caso, para demonstrar que o requerente dispõe de recursos na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva 2003/109], o compromisso de tomada a cargo assumido por um terceiro, se esse terceiro se comprometer a assegurar que o requerente do estatuto de residente de longa duração “dispõe, para si próprio e para os membros da sua família que estão a seu cargo, de recursos estáveis, regulares e suficientes para a sua própria subsistência e para a dos membros da sua família para evitar que se tornem uma sobrecarga para as autoridades”?»

 Quanto às questões prejudiciais

24      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «recursos», a que se refere esta disposição, diz unicamente respeito aos «recursos próprios» do requerente do estatuto de residente de longa duração ou se esse conceito abrange, igualmente, os recursos postos à disposição desse requerente por um terceiro e, sendo caso disso, se um compromisso de tomada a cargo assumido por esse terceiro é suficiente para provar que aquele requerente dispõe de recursos estáveis, regulares e suficientes, na aceção da referida disposição.

25      Por força do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem de recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência à natureza e regularidade destes e podem ter em conta o nível do salário mínimo e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração.

26      Uma vez que o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 não contém nenhuma remissão para o direito nacional dos Estados‑Membros, o conceito de «recursos», a que se refere esta disposição, deve ser entendido como um conceito autónomo do direito da União e interpretado de maneira uniforme no território desta última, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros, tendo em conta os termos da referida disposição assim como os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que essa disposição faz parte e o seu contexto (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa, C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 38 e jurisprudência referida).

27      No que diz respeito, em primeiro lugar, à redação do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109, há que salientar que as versões em língua espanhola, inglesa, francesa e italiana desta disposição empregam um termo equivalente à palavra «recursos», conceito que, de acordo com o seu sentido habitual, pode designar todos os meios financeiros de que dispõe o requerente do estatuto de residente de longa duração, independentemente da sua proveniência. Em contrapartida, as versões em língua neerlandesa e alemã da referida disposição empregam termos equivalentes ao conceito de «rendimentos», que visa de modo mais restritivo os recursos pessoais, como sejam, designadamente, os resultantes da atividade económica do requerente do estatuto de residente de longa duração, o que tende a excluir os recursos provenientes de um terceiro, tal como um membro da sua família.

28      Dada a ambiguidade, a redação do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 não permite, por si só, determinar a natureza nem a proveniência dos recursos aí referidos.

29      No que diz respeito, em segundo lugar, ao objetivo da Diretiva 2003/109, esta visa principalmente a integração dos nacionais de países terceiros que estão instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros. Acresce que, como resulta do considerando 2 desta diretiva, ao conceder o estatuto de residente de longa duração aos referidos nacionais de países terceiros, esta diretiva visa aproximar o estatuto jurídico desses nacionais do estatuto jurídico dos nacionais dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, Singh, C‑502/10, EU:C:2012:636, n.o 45 e jurisprudência referida).

30      Quanto à referida integração, segundo jurisprudência constante e como confirmado igualmente pelo considerando 6 da Diretiva 2003/109, a mesma resulta, antes de mais, da duração da residência legal e ininterrupta de cinco anos que comprova o enraizamento da pessoa em causa no país e, portanto, a instalação de longa duração desta pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, Tahir, C‑469/13, EU:C:2014:2094, n.o 33 e jurisprudência referida). Deste ponto de vista, a proveniência dos recursos de que um requerente do estatuto de residente de longa duração tem de dispor não se afigura ser um critério decisivo.

31      No que diz respeito, em terceiro lugar, ao contexto em que se insere o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109, há que salientar que a exigência de dispor de recursos estáveis, regulares e suficientes constitui uma das condições substantivas para a obtenção do estatuto de residente de longa duração. Ora, tendo em conta o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/109 e o sistema que esta implementa, os nacionais de países terceiros têm o direito de obter o estatuto de residente de longa duração e os outros direitos que decorrem da concessão desse estatuto, desde que preencham as condições e respeitem os procedimentos previstos na Diretiva 2003/109 (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑508/10, EU:C:2012:243, n.o 68). Neste contexto, como salientou igualmente, em substância, o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 não permite, em princípio, impor condições suplementares relativas à proveniência dos recursos referidos nesta disposição.

32      Além disso, tendo em conta o contexto mais amplo da referida disposição, há que salientar que o artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2004/38 prevê igualmente uma exigência comparável de dispor de «recursos», nos termos da qual qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, designadamente, desde que disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência.

33      O Tribunal de Justiça declarou que uma interpretação da condição relativa ao caráter suficiente dos recursos, prevista no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, no sentido de que o interessado devia dispor ele próprio de tais recursos, sem poder invocar, a este respeito, os recursos de um membro da família que o acompanha, acrescentaria a esta condição, tal como está formulada na Diretiva 2004/38, uma exigência relativa à proveniência dos recursos que constituiria uma ingerência desproporcionada no exercício do direito fundamental de livre circulação e de residência garantido pelo artigo 21.o TFUE, na medida em que não é necessária à concretização do objetivo prosseguido pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, a saber, a proteção das finanças públicas dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o., C‑218/14, EU:C:2015:476, n.o 75 e jurisprudência referida).

34      O conceito de «recursos» a que se refere o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 pode ser interpretado de maneira análoga à do referido no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, no sentido de que não exclui a possibilidade de o interessado invocar recursos provenientes de um terceiro que seja membro da sua família.

35      Todavia, atendendo ao caráter definitivo da aquisição do estatuto de residente de longa duração e dado o objetivo do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109, que é preservar o sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa, as condições relativas aos «recursos» na aceção desta diretiva têm um alcance diferente daquele que está previsto na Diretiva 2004/38.

36      Com efeito, decorre do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 que os Estados‑Membros devem avaliar os recursos por referência à sua natureza e regularidade e podem ter em conta o nível mínimo dos salários e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração. Além disso, contrariamente ao artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 exige que os recursos aí referidos sejam não só «suficientes» mas também «estáveis» e «regulares».

37      Ainda quanto ao contexto desta última disposição, há que salientar que a exigência de dispor de recursos «estáveis, regulares e suficientes» consta igualmente do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/86. O Tribunal de Justiça já declarou que decorre da própria letra desta disposição, e nomeadamente da utilização dos termos «estáveis» e «regulares», que os recursos financeiros a que se refere esta disposição devem apresentar uma certa permanência e uma certa continuidade. A este respeito, nos termos do segundo período do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/86, os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência, nomeadamente, à sua «regularidade» (v., neste sentido, Acórdão de 21 de abril de 2016, Khachab, C‑558/14, EU:C:2016:285, n.o 30).

38      Assim, o artigo 7.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/86 não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade competente do Estado‑Membro visado num pedido de reagrupamento familiar possa examinar se o requisito relativo aos recursos do requerente do reagrupamento familiar está preenchido, tendo em conta uma avaliação quanto à manutenção desses recursos após a data de apresentação desse pedido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de abril de 2016, Khachab, C‑558/14, EU:C:2016:285, n.o 31).

39      Por outro lado, no que respeita a esta disposição, designadamente ao termo «suficientes» que resulta da sua redação, o Tribunal de Justiça já salientou que, dado que a extensão das necessidades pode variar em função dos indivíduos, essa disposição deve ser interpretada no sentido de que os Estados‑Membros podem indicar um certo montante como valor de referência, mas não no sentido de que podem impor um valor de rendimento mínimo, sem que seja realizado um exame concreto da situação de cada requerente (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun, C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 48).

40      Por conseguinte, decorre do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/86 que o que é decisivo não é a proveniência dos recursos mas sim o seu caráter duradouro e suficiente, tendo em conta a situação individual do interessado.

41      Resulta do exame da redação, do objetivo e do contexto do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109, à luz, designadamente, das disposições comparáveis das Diretivas 2004/38 e 2003/86, que a proveniência dos recursos a que se refere esta disposição não é um critério determinante para o Estado‑Membro em causa verificar se estes recursos são estáveis, regulares e suficientes.

42      Assim, como o advogado‑geral salientou no n.o 77 das suas conclusões, cabe às autoridades competentes dos Estados‑Membros analisar concretamente a situação individual global do requerente do estatuto de residente de longa duração e fundamentar por que é que os seus recursos são ou não suficientes e apresentam ou não uma certa permanência e uma certa continuidade para que o referido requerente não se torne um encargo para o Estado‑Membro de acolhimento.

43      Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 não exclui os recursos provenientes de um terceiro ou de um membro da família do requerente, desde que estes sejam estáveis, regulares e suficientes. A este respeito, numa situação como a que está em causa no processo principal, o caráter juridicamente vinculativo de um compromisso de tomada a cargo por um terceiro ou por um membro da família do requerente pode ser um elemento importante a considerar. As autoridades competentes dos Estados‑Membros podem igualmente ter em conta, designadamente, os laços familiares entre o requerente do estatuto de residente de longa duração e o membro ou os membros da família dispostos a tomar a cargo o requerente. De igual modo, a natureza e a permanência dos recursos do membro ou dos membros da família do requerente em causa podem constituir elementos pertinentes para o efeito.

44      Em face das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «recursos» a que se refere esta disposição não diz apenas respeito aos «recursos próprios» do requerente do estatuto de residente de longa duração, podendo igualmente abranger os recursos postos à disposição deste requerente por um terceiro, desde que, tendo em conta a situação individual do requerente em causa, esses recursos sejam considerados estáveis, regulares e suficientes.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «recursos» a que se refere esta disposição não diz apenas respeito aos «recursos próprios» do requerente do estatuto de residente de longa duração, podendo igualmente abranger os recursos postos à disposição deste requerente por um terceiro, desde que, tendo em conta a situação individual do requerente em causa, esses recursos sejam considerados estáveis, regulares e suficientes.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.