Language of document : ECLI:EU:C:2001:329

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 14 de Junho de 2001 (1)

Processo C-377/98

Reino dos Países Baixos

contra

Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia

«Anulação da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas -Base jurídica: artigo 100.°-A ou artigo 235.° do Tratado CE - Subsidiariedade - Violação de direitos fundamentais - Dignidade humana - Princípio da colegialidade em relação aos projectos legislativos da Comissão»

Índice

     A directiva

I - 2

     O recurso de anulação

I - 4

     O contexto da directiva - direito das patentes

I - 6

     O contexto da directiva - biotecnologia

I - 8

     Os argumentos relativos à base jurídica

I - 12

         Os considerandos e disposições relevantes da directiva

I - 12

         Os argumentos de não terem sido provados entraves ao comércio

I - 15

         O argumento segundo o qual a harmonização comunitária é inapropriada e ineficaz

I - 17

         O argumento de que os artigos 130.° e 130.°-F do Tratado CE (actual artigo 163.° CE), conjuntamente com o artigo 235.°, são a base jurídica correcta

I - 20

         O argumento de que a directiva infringe o n.° 3 do artigo 100.°-A do Tratado

I - 22

         O argumento de que a directiva criou um novo direito de propriedade intelectual

I - 22

     O argumento quanto à subsidiariedade

I - 25

     O argumento quanto à segurança jurídica

I - 27

         Os argumentos quanto ao artigo 6.°

I - 28

             Considerandos e disposições pertinentes da directiva

I - 28

             São a ordem pública e os bons costumes conceitos claros?

I - 29

             Qual o significado e o objectivo do disposto no artigo 6.°, n.° 1 da directiva?

I - 34

             Abrange a ordem pública os danos ambientais?

I - 35

             Qual é a situação do considerando 38?

I - 36

         O argumento quanto às variedades vegetais e raças animais

I - 37

             Considerandos e disposições da directiva relevantes

I - 37

             O argumento referente aos artigos 8.° e 9.°

I - 39

             O argumento de que não está definida a expressão «raças animais»

I - 41

             Os argumentos retirados dos considerandos 31 e 32 e dos n.os 1, alínea a), e 2 do artigo 4.°

I - 42

     O argumento da violação das obrigações internacionais

I - 45

         Violação do acordo TRIPs

I - 46

         Incompatibilidade com o Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio

I - 47

         Incompatibilidade com a Convenção sobre a Patente Europeia

I - 48

         Incompatibilidade com a Convenção sobre a Diversidade Biológica

I - 50

     O argumento quanto aos direitos fundamentais

I - 54

         Infringe o artigo 5.°, n.° 2, da directiva direitos fundamentais?

I - 58

         A não exigência do consentimento infringe um direito fundamental?

I - 59

     O argumento de que o procedimento correcto não foi adoptado

I - 62

     Conclusão

I - 64

1.
    No presente caso, os Países Baixos interpuseram um recurso, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), de anulação da Directiva 98/44, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas (2).

A directiva

2.
    O capítulo I (artigos 1.° a 7.°) da directiva tem a epígrafe «Patenteabilidade».

3.
    A directiva impõe aos Estados-Membros a protecção das invenções biotecnológicas através do direito nacional de patentes (3). Embora não seja dada qualquer definição de «invenções biotecnológicas», é evidente que o conceito compreende essencialmente invenções relativas a «um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica, ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica» (4) ou invenções relativas a «um processo microbiológico ou outros processos técnicos, ou produtos obtidos mediante esses processos» (5). «Processo microbiológico» é definido como «qualquer processo que utilize uma matéria microbiológica, que inclua uma intervenção sobre uma matéria microbiológica ou que produza uma matéria microbiológica» (6). Matéria biológica é definida como «qualquer matéria que contenha informações genéticas e seja auto-replicável ou replicável num sistema biológico» (7). Uma matéria biológica isolada do seu ambiente natural ou produzida com base num processo técnico pode ser objecto de uma invenção, mesmo que pré-exista no estado natural (8); de igual modo, qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural (9).

4.
    A directiva dispõe que não são patenteáveis: i) as variedades vegetais e as raças animais (10) i ) os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de animais (11); iii) o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene (12); e iv) as invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes (13). Refiram-se, como exemplos deste último caso: a) os processos de clonagem de seres humanos; b) os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano; c) as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais; d) os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem ou para o animal, bem como os animais obtidos por esses processos (14).

5.
    O capítulo II da directiva (artigos 8.° a 11.°) respeita ao âmbito da protecção conferida pela patente. O capítulo III (artigo 12.°), às licenças obrigatórias por dependência (15). O capítulo IV (artigos 13.° e 14.°), ao depósito de uma matéria biológica, acesso a essa matéria e novo depósito. O capítulo V (artigos 15.° a 18.°) contém as disposições finais. As disposições destes capítulos serão referidas sempre que necessário.

6.
    A directiva tem uma história relativamente longa, embora o processo legislativo de aprovação da versão final tenha sido impressionantemente rápido.

7.
    Em 1988, a Comissão apresentou a primeira proposta para uma directiva do Conselho relativa à protecção das invenções biotecnológicas (16). A proposta de directiva começa pela premissa de que «a matéria objecto de uma invenção não será considerada não patenteável pelo simples facto de ser composta por matéria viva» (17). Esta proposta falhou, principalmente, devido à resistência do Parlamento a um instrumento que não previa quaisquer princípios éticos reguladores da atribuição de patentes no contexto dos organismos vivos.

8.
    Em 1996, a Comissão apresentou uma nova proposta (18). Depois de emendas substanciais propostas pelo Parlamento, foi adoptada em 6 de Julho de 1998. Os Países Baixos votaram contra a directiva, a Itália e a Bélgica abstiveram-se. A directiva prevê a sua transposição até 30 de Julho de 2000 (19).

9.
    Há 56 considerandos no preâmbulo da directiva adoptada (20), para somente 18 artigos, nem todos de natureza substantiva. Muitos dos considerandos foram claramente previstos para contornar as objecções levantadas pelo Parlamento, quer à proposta de 1996, quer à proposta de 1998. Nem todos os considerandos estão reflectidos nos artigos da directiva. Os considerandos e as disposições de natureza substantiva da directiva são analisados mais à frente no contexto dos vários pontos da petição dos Países Baixos.

O recurso de anulação

10.
    Os Países Baixos puseram em causa a validade da directiva. Resulta claramente da petição que a sua objecção tem a ver essencialmente com a possibilidade de vegetais, animais e partes do corpo humano serem patenteáveis. Os Países Baixos consideram que o direito a uma patente no campo da biotecnologia deve ser limitado ao processo biotecnológico, não devendo ser extensivo aos produtos dele resultantes: por outras palavras, nem vegetais e animais enquanto tais, incluindo vegetais e animais geneticamente modificados, nem matéria humanamente biológica, devem ser patenteáveis.

11.
    Os fundamentos invocados para a anulação da directiva são i) funda-se incorrectamente no artigo 100.°-A do Tratado: ii) é contrária ao princípio da subsidiariedade; iii) viola o princípio da segurança jurídica; iv) é incompatível com as obrigações internacionais; v) viola direitos fundamentais; vi) não foi correctamente adoptada, porque a versão definitiva da proposta submetida ao Parlamento e ao Conselho não foi aprovada pelo colégio dos comissários.

12.
    Como será examinado, alguns dos fundamentos acima referidos respeitam à interpretação e ao efeito da directiva em domínios técnicos: por exemplo, a segunda parte do terceiro fundamento questiona a finalidade da exclusão da possibilidade de patentear variedades vegetais e de raças animais. Outros fundamentos levantam problemas de carácter substantivo de maior relevância, como a compatibilidade da directiva com os direitos fundamentais e com outrasobrigações internacionais. Por último, o primeiro, segundo e sexto fundamentos dizem sobretudo respeito a questões formais relacionadas com a adopção da directiva. Contudo, até estes fundamentos, envolvem questões de princípio importantes: por exemplo, um dos argumentos, no contexto da base jurídica correcta, coloca a questão de saber se a directiva, ao atribuir uma «patente para a vida», cria um novo direito de propriedade intelectual. Proponho tratar dos fundamentos referentes à anulação pela ordem em que foram apresentados pelos Países Baixos na petição, embora outras abordagens pudessem ter sido adoptadas.

13.
    Os Países Baixos são apoiados pela Itália (cujas observações escritas se centram nos primeiro e terceiro fundamentos de anulação) e a Noruega (cujas observações se centram nos primeiro, terceiro e quarto fundamentos). O Parlamento e o Conselho são apoiados pela Comissão (cujas observações se limitam ao sexto fundamento).

14.
    Duas questões processuais devem ser mencionadas nesta fase.

15.
    A primeira é a de que, em 6 de Julho de 2000, os Países Baixos apresentaram um pedido de medidas provisórias, visando essencialmente a suspensão da execução da directiva até o Tribunal de Justiça decidir quanto ao pedido de anulação. O Parlamento Europeu e o Conselho apresentaram observações escritas sobre o pedido de medidas provisórias. Na audiência que teve lugar a 18 de Julho de 2000, estiveram presentes os Países Baixos, o Parlamento e o Conselho, juntamente com a Itália e a Comissão, cujos pedidos de intervenção tinham sido aceites. O pedido de medidas provisórias foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2000.

16.
    A segunda questão processual é a de que o Conselho e o Parlamento suscitaram a questão prévia de que o pedido de intervenção da Noruega é inadmissível. O artigo 37.° (CE) do Estatuto do Tribunal de Justiça prevê que o pedido de intervenção de um Estado que seja parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE») tem de ser limitado a sustentar as conclusões de uma das partes. O artigo 93.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça determina que as alegações escritas contenham uma exposição em que o interveniente declare as razões por que entende que os pedidos de uma das partes deveriam ser deferidos ou indeferidos, no todo ou em parte. No presente caso, os Países Baixos pretendem a anulação de uma directiva. Na introdução do seu pedido de intervenção, a Noruega refere que os Países Baixos «levantam várias questões que podem ser significativas para saber se a directiva se enquadra ou não no âmbito do acordo EEE e da implementação do directiva no acordo EEE». Em parte alguma se afirma que a Noruega sustenta as conclusões dos Países Baixos. A conclusão do pedido de intervenção é a seguinte:

«Várias das questões apresentadas pelo Governo neerlandês no seu recurso de anulação da Directiva 98/44 levantam a questão de saber se a directiva se enquadra ou não no âmbito do acordo EEE e da implementação do directiva no acordoEEE. A Noruega requer, assim, respeitosamente que o Tribunal de Justiça tome em devida consideração os argumentos apresentados.»

17.
    O Conselho acrescenta que, de qualquer forma, as observações da Noruega no pedido de intervenção foram largamente ultrapassadas pelos acontecimentos, na medida em que o n.° 4 do artigo 3.° do Protocolo 28 do acordo EEE impõe que os Estados EFTA complementem as ordens jurídicas nacionais com as disposições substantivas da Convenção sobre a Patente Europeia e tais disposições incluem agora as disposições da directiva (ver infra).

18.
    Não concordo com o Conselho e o Parlamento quando consideram que o pedido de intervenção da Noruega é inadmissível. A Noruega afirma explicitamente no seu pedido de intervenção que pretende intervir para sustentar os Países Baixos. Conclui-se deste pedido de intervenção, ainda que não explicitamente afirmado, que a Noruega sustenta o argumento dos Países Baixos segundo o qual o artigo 100.°-A é uma base jurídica errada para a directiva, que a directiva viola o princípio da certeza jurídica e que é incompatível com a Convenção sobre a Diversidade Biológica. Também aí se afirma que, na opinião da Noruega, por efeito desta incompatibilidade, a directiva terá de ser «revogada», o que parece querer significar «anulada», e que a consequência da violação do princípio da segurança jurídica é a de que a directiva deve ser anulada. Nestes termos, considero que o pedido de intervenção do Reino da Noruega deve ser admitido.

O contexto da directiva - direito das patentes

19.
    A patente é o direito legalmente conferido ao inventor em relação a uma invenção específica que lhe atribui o direito de impedir um terceiro de produzir, usar ou vender a invenção no período de duração da patente. Os sistemas jurídicos mais desenvolvidos dispõem há já algum tempo de um sistema de patentes. A patente inglesa conhecida há mais tempo, por exemplo, foi concedida por Henrique VI a John of Utynam, de origem neerlandesa, em 1449. A patente conferiu o monopólio da produção de vidro colorido, necessário para as janelas do Eton college, vidro que não era à data conhecido em Inglaterra.

20.
    O sistema de patentes moderno tende a impor exigências mais ou menos idênticas para a concessão de uma patente. Estas exigências podem ser ilustradas pela Convenção sobre a Patente Europeia que entrou em vigor em 1978. Embora não sendo um instrumento comunitário (21), como todos os Estados-Membros da União são partes na convenção, acaba por ter um efeito unificador nas condições de atribuição de uma patente na União.

21.
    A convenção institui «um direito comum aos Estados contratantes em matéria de concessão de patentes de invenções» (22). Uma patente concedida nos termos da convenção é denominada patente europeia em cada um dos Estados contratantes para os quais é concedida (23), tem os mesmos efeitos e é submetida ao mesmo regime que uma patente nacional concedida nesse Estado (24). A tutela jurídica da patente concedida no âmbito da convenção não é, portanto, regulada pela convenção, mas pela lei e processo nacionais.

22.
    As patentes europeias são concedidas para invenções susceptíveis de aplicação industrial, que sejam novas e impliquem uma actividade inventiva (25). Uma patente europeia não pode, todavia, ser concedida para:

«a)    As invenções cuja publicação ou execução for contrária à ordem pública ou aos bons costumes, não podendo a execução de uma invenção ser considerada como tal pelo único facto de ser interdita, em todos os Estados contratantes ou num ou vários entre eles, por disposição legal ou regulamentar;

b)    As variedades vegetais ou as raças animais, assim como processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de animais, não se aplicando estas disposições aos processos microbiológicos e aos produtos obtidos por estes processos» (26).

23.
    Os mesmos critérios são usados para definir o objecto patenteável no acordo TRIPs (27), embora as exclusões de patenteabilidade sejam previstas como opção.

24.
    Mais um aspecto comum aos sistemas modernos de patente é a exigência de que o pedido descreva a invenção de forma suficientemente clara e completapara que um perito da matéria o possa executar (28). A descrição deve incluir, de forma pormenorizada, pelo menos um dos processos de produção da invenção registada e uma declaração do modo como a invenção pode ter aplicação industrial (29). Como os pedidos de patente são normalmente publicados (30), a quantidade de conhecimentos do domínio público tem aumentado com cada patente. Este conhecimento, embora não possa obviamente ser usado por terceiros durante o período de protecção da patente para reproduzir a invenção, pois tal facto constituiria normalmente uma violação, pode ser desenvolvido e conduzir a mais invenções.

25.
    Uma vez atribuída, a patente limita-se a conferir ao titular o direito de proibir terceiros de produzirem, utilizarem ou venderem a invenção patenteada no território em que a patente produz efeitos. Não confere um direito de propriedade em sentido estrito, nem um direito absoluto para a manufacturação ou, por outro lado, para a exploração da invenção (31). Assim, o titular da patente terá ainda de se submeter à legislação nacional quando produzir, utilizar ou vender uma patente. Poderá eventualmente ter que obter uma licença ou autorização; poderá até ter patenteado uma invenção (um tipo de arma, por exemplo) cuja produção, utilização ou venda é proibida pela legislação nacional.

26.
    Um exemplo ilustra este aspecto. Imagine-se que um tipo superior de máquina fotocopiadora foi patenteado, significando a sua capacidade melhorada a possibilidade de contrafacção de notas com elevada qualidade. A existência de uma patente (que seria atribuída ao abrigo da maior parte dos sistemas de patentes, incluindo o Convenção sobre a Patente Europeia, com o fundamento de que nem todas as utilizações da invenção seriam contra a ordem pública ou os bons costumes (32)) não legalizaria, evidentemente, tal utilização.

27.
    Normalmente, só a exploração para fins industriais e comerciais constitui violação da patente e o direito da patente especifica que determinados actos não constituem violação: experiências que visem o aperfeiçoamento, melhoria e posterior desenvolvimento da invenção protegida não violam a patente.

O contexto da directiva - biotecnologia

28.
    O termo «biotecnologia» é definido na edição de 1993 do Shorter Oxford English Dictionary (33) como «a aplicação industrial de um processo biológico». A Enciclopédia Britânica define-o como «a aplicação à indústria das descobertas feitas nas técnicas e instrumentos de investigação nas ciências biológicas». Para as finalidades da Convenção sobre a Diversidade Biológica (34), é definido como «qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou os seus derivados para a criação ou modificação de produtos ou processos para a utilização específica» (35).

29.
    A biotecnologia em sentido lato é tão antiga como o pão, o vinho, a cerveja e o queijo. Historicamente, invenções biotecnológicas como os processos que utilizam levedura e fermentação(36) eram normalmente considerados como patenteáveis (37): não havia uma proibição geral para as patentes que envolvessem estes tipos de organismos vivos, embora organismos mais sofisticados fossem normalmente excluídos da possibilidade de serem patenteados por disposição expressa ou decisão judicial.

30.
    A biotecnologia no sentido actual de manipulação genética tornou-se possível pelos notáveis avanços na bioquímica, biologia molecular e genética na última metade do século XX. A descoberta em 1953 por Francis Crick e James Watson da estrutura do ADN (38) abriu caminho para muitas mais descobertas. Cada uma das moléculas de ADN é formada por uma dupla hélice, ou um par de espirais, ligada por bases químicas, de que há quatro tipos. O núcleo de uma célulacontém várias cadeias de ADN, chamadas cromossomas. Um gene é um segmento de um cromossoma, e por isso uma secção de ADN, que contém as instruções para produzir parte de uma proteína. A sequência das bases de ADN contida numa célula constitui o código genético da célula. As células precisam de diferentes proteínas para se desenvolverem e funcionarem. Os genes são responsáveis por certas proteínas com uma função específica nas células vivas. Quando a célula é instruída para produzir uma determinada proteína, parte da hélice do ADN é temporariamente «desapertada» (as duas tiras são separadas) para que uma reprodução do seu código possa ser copiada para uma molécula de ARN (ácido ribonucleico). Esta cópia sai do núcleo e instrui a célula para criar uma proteína ou parte de uma proteína.

31.
    O ADN encontra-se presente em todos os organismos (excepto em alguns vírus), pelo que é possível transferir um gene entre duas espécies diferentes e até entre géneros e ordens, por exemplo entre vegetais, bactérias, seres humanos e outros animais. Assim, em princípio, qualquer característica genética de um organismo pode ser transferido para outro organismo.

32.
    Nos anos 70 foi descoberto um método de retirar genes específicos e parte de genes de cromossomas através de enzimas de restrição (39), que, como tesouras biológicas, cortam uma parte do ADN da célula. O ADN pode então ser inserido em células bacteriológicas, virais ou de levedura através de um processo laboratorial. Um único gene (ou vários genes) podem em consequência ser transferidos entre organismos. As células, incorporando o ADN alheio, podem ser multiplicadas inúmeras vezes, clonando o fragmento de ADN importado.

33.
    Este tipo de engenharia genética recombinatória de ADN tornou possível uma série de processos de inquestionável benefício para a humanidade (40), como a produção em larga escala de insulina para tratar os diabetes (41), interferão e outras drogas para tratar certos tipos de cancro, vacinas contra doenças como a hepatite B, hormona do crescimento humano para o tratamento de certas formas de nanismo e a falta do factor oito na hemofilia.

34.
    A transferência de genes é um método diferente da tecnologia genética. Segmentos de ADN contendo um gene ou genes específicos são primeiro isolados como se acabou de descrever e depois incorporados no ADN de um óvulo fertilizado ou de uma célula embrionária. O novo gene estará presente no organismo adulto e será herdado por parte da descendência desse organismo.

35.
    A clonagem é um processo através do qual um núcleo de um óvulo infértil é removido e substituído pelo núcleo de uma célula somática (normalmente uma célula de um animal ou vegetal que não seja uma célula reprodutora), que contém todo o material genético. Se o óvulo tratado sobreviver e se desenvolver, o animal resultante será geneticamente um clone do animal que foi a fonte da célula somática.

36.
    A indústria biotecnológica começou a desenvolver-se seriamente depois de uma decisão de 1980 do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, segundo a qual «um microrganismo vivo criado pelo homem é um objecto patenteável» (42). Esta invenção respeitava a uma bactéria de engenharia genética e criação humana capaz de destruir o crude. O Supremo Tribunal deliberou (por uma maioria de 5 contra 4) que o microrganismo constituía um «produto manufacturado» ou um «objecto composto» (composing of matter) na acepção do Patent Act 1952 (43). O tribunal chamou a atenção para o facto de, no relatório da comissão que acompanhava a lei de 1952, o Congresso considerava que o objecto de uma patente podia «incluir qualquer coisa sob o sol feita pelo homem» (44).

37.
    Esta decisão incentivou a criação de um número significativo de empresas que fabricam quantidades de substâncias geneticamente manipuladas para uma multiplicidade de utilizações, em grande parte médicas e ecológicas.

38.
    Nos anos 80, a Universidade de Havard requereu, ao abrigo da Convenção sobre a Patente Europeia, uma patente para um rato geneticamente transformado a fim de conter uma sequência genética que o tornava mais sensível ao cancro. Em 1990, a Câmara Técnica de Recurso da Convenção sobre a Patente Europeia decidiu que a excepção à patenteabilidade prevista na alínea b) do artigo 53.° da Convenção da Patente Europeia (45) se aplicava a certa categoria de animais, mas não ao animal em causa: referiu que a alínea b) do artigo 53.°, sendo uma excepção, tem de ser interpretada de forma restrita. A patente foi em consequência atribuída (46).

39.
    O desenvolvimento da engenharia genética tem causado preocupação em vários sectores. A tecnologia que permite a modificação genética de animais e seres humanos e que tem o potencial para criar clones humanos exige claramente uma regulamentação cuidada. Muita da compreensível ansiedade quanto às consequências de investigação insuficientemente regulamentada neste domínio tem sido dirigida contra a legislação - como a directiva em causa - que regula a patenteabilidade de tais invenções. Muitos comentadores começam por assumir que esta legislação significa que qualquer gene ou sequência genética, ou até a totalidade do genoma humano, pode ser automaticamente patenteado. Este pressuposto é incorrecto. A directiva deixa intocáveis as clássicas exigências de novidade, actividade inventiva e aplicação industrial da patente (47). A mera descoberta de um gene ou sequência de genes não é mais patenteável nos termos da directiva do que o era anteriormente.

Os argumentos relativos à base jurídica

40.
    A directiva funda-se no n.° 1 do artigo 100.°-A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE), que exige que o Conselho adopte, por maioria qualificada e de acordo com o processo de co-decisão previsto no artigo 189.°-B (actual artigo 251.° CE), as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

41.
    Os Países Baixos, apoiados pela Itália, defendem que o artigo 100.°-A não é uma base jurídica adequada para a directiva por várias razões e que, se se tivesse considerado necessário regular as invenções biotecnológicas, devia ter sido o artigo 235.° do Tratado CE (actual artigo 308.° CE), que exige a unanimidade, o utilizado.

Os considerandos e disposições relevantes da directiva

    

42.
    O preâmbulo da directiva inclui os seguintes considerandos:

«(1)    Considerando que a biotecnologia e a engenharia genética desempenham um papel cada vez mais importante num número considerável de actividades industriais e que a protecção das invenções biotecnológicas terá certamente uma importância fundamental para o desenvolvimento industrial da Comunidade;

(2)     Considerando que, nomeadamente, no domínio da engenharia genética, a investigação e o desenvolvimento exigem investimentos de alto risco nummontante considerável, cuja rentabilização só será possível através de protecção jurídica adequada;

(3)    Considerando que é essencial uma protecção eficaz e harmonizada no conjunto dos Estados-Membros para preservar e incentivar os investimentos no domínio da biotecnologia;

[...]

(5)    Considerando que existem divergências ao nível da protecção das invenções biotecnológicas entre as leis e práticas dos diferentes Estados-Membros; que tais disparidades são susceptíveis de criar entraves ao comércio e obstar desse modo ao funcionamento do mercado interno;

(6)    Considerando que tais divergências podem vir a acentuar-se à medida que os Estados-Membros forem adoptando novas leis e práticas administrativas diferentes ou que as interpretações jurisprudenciais nacionais se forem desenvolvendo de forma distinta;

(7)    Considerando que a evolução heterogénea das legislações nacionais relativas à protecção jurídica das invenções biotecnológicas na Comunidade pode desencorajar ainda mais o comércio, em detrimento do desenvolvimento industrial das invenções e do bom funcionamento do mercado interno;

(8)    Considerando que a protecção jurídica das invenções biotecnológicas não exige a criação de um direito específico que substitua o direito nacional de patentes; que o direito nacional de patentes continua a ser a referência essencial no que respeita à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, embora deva ser adaptado ou completado em certos pontos específicos para tomar em consideração de forma adequada a evolução da tecnologia que utiliza matéria biológica, mas que preenche todavia os requisitos de patenteabilidade;

(9)    Considerando que, em certos casos, como o da exclusão da patenteabilidade de variedades vegetais e de raças animais, bem como de processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de animais, certas noções constantes das legislações nacionais, baseadas nas convenções internacionais relativas às patentes e às variedades vegetais, suscitaram incertezas relativamente à protecção das invenções biotecnológicas e de certas invenções microbiológicas; que, neste domínio, a harmonização é necessária para dissipar essas incertezas;

[...]

(14)    Considerando que uma patente de invenção não autoriza o seu titular a realizar a invenção, limitando-se a conferir-lhe o direito de proibir queterceiros a explorem para fins industriais e comerciais, pelo que o direito de patentes não é susceptível de substituir ou tornar supérfluas as legislações nacionais, europeias ou internacionais que estabelecem eventuais restrições ou proibições ou que organizam um controlo da investigação e da utilização ou comercialização dos seus resultados, nomeadamente em relação às exigências de saúde pública, de segurança, de protecção do ambiente, de protecção dos animais e de preservação da diversidade genética, e ao respeito de certas normas éticas.»

43.
    O artigo 1.° da directiva dispõe:

«1.     Os Estados-Membros devem proteger as invenções biotecnológicas através do direito nacional de patentes. Se necessário, os Estados-Membros adoptarão o seu direito nacional de patentes de modo a ter em conta o disposto na presente directiva.

2.     A presente directiva não prejudica as obrigações que decorrem, para os Estados-Membros, das convenções internacionais, nomeadamente do acordo TRIPs e da Convenção sobre a Diversidade Biológica.»

44.
    O artigo 11.° da directiva estabelece:

«1.    Em derrogação do disposto nos artigos 8.° e 9.°, a venda ou outra forma de comercialização pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, de material de reprodução vegetal a um agricultor, para fins de exploração agrícola, implica a permissão de o agricultor utilizar o produto da sua colheita para proceder, ele próprio, à reprodução ou multiplicação na sua exploração, limitando-se o âmbito e as regras desta derrogação aos estabelecidos no artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 2100/94.

2.    Em derrogação do disposto nos artigos 8.° e 9.°, a venda ou outra forma de comercialização pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, de animais de criação ou de outro material de reprodução animal a um agricultor implica a permissão de o agricultor utilizar os animais protegidos para fins agrícolas. Tal permissão inclui a disponibilização do animal ou de outro material de reprodução animal para a prossecução da sua actividade agrícola, mas não a venda, tendo em vista uma actividade de reprodução com fins comerciais ou no âmbito da mesma.

3.    O âmbito e as regras da derrogação prevista no n.° 2 são regidos pelas leis, disposições regulamentares e práticas nacionais.»

Os argumentos de não terem sido provados entraves ao comércio

45.
    Em primeiro lugar, os Países Baixos argumentaram que, mesmo assumindo, como consta dos considerandos 5 e 6 do preâmbulo, que existem actualmente divergências nas leis nacionais sobre as patentes de invenções biotecnológicas, não foi provado que tais disparidades, de facto, restringem o comércio. Mesmo que tal acontecesse, os entraves seriam no comércio com os Estados Unidos e o Japão, onde a produção e patenteabilidade das invenções biotecnológicas está mais avançada, e não no seio do mercado interno. Na ausência de qualquer prova de diferenças entre as leis nacionais ou do efeito sobre o comércio, a harmonização através de directiva não pode justificar-se.

46.
    O Conselho e o Parlamento referem o acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Espanha/Conselho (48), para afirmar que o recurso ao artigo 100.°-A é justificado quando «sejam necessárias medidas de harmonização para eliminar disparidades entre disposições legislativas dos Estados-Membros em domínios em que existe o risco de essas disparidades gerarem ou manterem condições de concorrência falseadas [ou] na medida em que tais disparidades possam entravar a livre circulação das mercadorias na Comunidade». Neste processo, o Tribunal de Justiça confirmou a validade de um regulamento relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (49). O Tribunal de Justiça afirmou que, segundo o Conselho, na altura em que o regulamento impugnado foi adoptado existiam disposições relativas à criação de um certificado de protecção suplementar para medicamentos em dois Estados-Membros, estando propostas noutro Estado. O regulamento impugnado institui precisamente uma solução uniforme a nível comunitário (50). Assim, visa «evitar uma evolução heterogénea das legislações nacionais, que origine novas disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação dos medicamentos na Comunidade e de, por isso, afectar directamente o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno» (51).

47.
    Quero ainda referir que o princípio descrito no número anterior, estabelecido no acórdão proferido no processo Espanha/Conselho, foi recentemente aperfeiçoado pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido no processo Alemanha/Parlamento e Conselho (52). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que o recurso ao artigo 100.°-A como base jurídica é possível a fim de evitar o aparecimento de obstáculos futuros às trocas comerciais resultantes das legislações nacionais. Todavia, o aparecimento de tais obstáculos deve ser verosímile a medida em causa deve destinar-se à sua prevenção (53). No que respeita às medidas com efeitos na concorrência, o Tribunal de Justiça refere ser necessário verificar se as distorções de concorrência que o acto visa suprimir são «sensíveis» (54) e se a medida contribui efectivamente para a supressão de distorções sensíveis de concorrência (55). No que respeita aos entraves à livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça parece ser menos preciso: basta que os entraves à livre circulação «p[ossam] verosimimente surgir» (56). Embora tenha sido demonstrado não existir qualquer entrave naquele momento, o Tribunal de Justiça aceitou que «tendo em conta a evolução das legislações nacionais [...] é credível que surgirão no futuro obstáculos à livre circulação dos produtos [...]» (57) e que, em princípio, a medida de harmonização pode ser adoptada com fundamento no artigo 100.°-A (58).

48.
    Para o Tribunal de Justiça, desde muito cedo é claro que, na ausência de harmonização, o carácter nacional da protecção dos direitos de propriedade industrial e as divergências entre diferentes legislações podem criar obstáculos quer à livre circulação dos produtos quer à concorrência do mercado comum (59). Mais frequente e consistentemente se tem reconhecido que o objecto específico da propriedade industrial é o de assegurar ao titular, como forma de recompensar o esforço criador do inventor, o direito exclusivo de utilizar uma invenção destinada ao fabrico e ao primeiro lançamento em circulação de produtos industriais, bem como o direito de se opor a qualquer violação do referido direito (60). As patentes, portanto, promovem a concorrência através da inovação. Na verdade, os Países Baixos implicitamente o reconhecem, ao afirmar que a produção de invenções biotecnológicas está mais avançada nos Estados Unidos e no Japão onde, como já foi referido, as invenções biotecnológicas podem ser patenteadas desde 1980 e 1981, respectivamente (61). Legislações nacionais heterogéneas e potencial ou efectivamente divergentes na protecção jurídica, na patenteabilidade, na extensão da protecção, nas derrogações e nas limitações, distorcem claramente a concorrência e, além disso, são restritivas da livre circulação de mercadorias.Diferentes níveis de protecção para um produto idêntico dariam lugar a uma fragmentação do mercado em mercados nacionais onde o produto estaria protegido e mercados onde não o estaria; o mercado comum não seria um espaço único para as actividades económicas das empresas. O Tribunal de Justiça explicitamente reconhece este aspecto no contexto dos direitos da propriedade intelectual (62).

49.
    Nestes termos, concluo que o Conselho e o Parlamento têm razão ao defenderem o ponto de vista de que a medida de harmonização era necessária para resolver as disparidades entre as normas dos Estados-Membros respeitantes à protecção das invenções biotecnológicas.

50.
    No que respeita ao argumento dos Países Baixos segundo o qual a directiva procura essencialmente tornar a indústria europeia mais competitiva face aos Estados Unidos e ao Japão, concordo com o Parlamento quando afirma que é compatível com o artigo 100.°-A que a harmonização vise melhorar a posição competitiva das empresas europeias no mercado mundial. Embora este objectivo possa ser visto como um objectivo da política industrial, não tenho dúvidas de que possa legalmente guiar a acção da Comunidade. Há quem diga que considerações similares estão na base de todo o programa do mercado interno, tal como foi concebido em 1985, e também que a concorrência no mercado mundial motivou o referido programa. Chamo ainda a atenção para que o Tratado CE tem agora (63) um título relativo à indústria, nos termos do qual a acção da Comunidade e dos Estados-Membros deve ter igualmente por objectivo «fomentar uma melhor exploração do potencial industrial das políticas de inovação, de investigação e de desenvolvimento tecnológico» (artigo 130.°, n.° 1, do Tratado CE, actual artigo 157.°, n.° 1, CE). No artigo 130.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 157.°, n.° 3, CE), prevê-se que a Comunidade «contribuirá para a realização dos objectivos enunciados no n.° 1 através de políticas e acções por si desenvolvidas em aplicação de outras disposições do presente Tratado».

O argumento segundo o qual a harmonização comunitária é inapropriada e ineficaz

51.
    O segundo argumento dos Países Baixos baseia-se no facto de o considerando 9 referir as incertezas resultantes das convenções internacionais relativas às patentes e variedades vegetais como justificação para a harmonização. Os Países Baixos defendem que não cabe à União Europeia levar a cabo a referida harmonização. Teria sido preferível, por diversas razões, harmonizar através da alteração da Convenção sobre a Patente Europeia, o que teria tido um efeito mais amplo, pois Estados que não são Estados-Membros da União Europeia são partes contratantes (64). Actualmente, a convenção incorpora a directiva (através dosregulamentos de execução do conselho de administração do Instituto da Patente Europeia (65)), passando, pois, a ser obrigatória para as partes contratantes que não são Estados-Membros. Tal consequência não ocorre no âmbito das relações externas da União Europeia com outros Estados europeus.

52.
    Não consigo perceber este argumento, embora, como o Conselho sugere, pareça implicitamente reconhecer a necessidade de harmonização. No contexto do mercado interno é, contudo, evidente que a regulamentação comunitária pode garantir isoladamente uma interpretação harmonizada e uniforme. A harmonização ao nível comunitário tem frequentemente como pano de fundo convenções internacionais em que são partes tanto os Estados-Membros como Estados terceiros: no domínio da propriedade intelectual, por exemplo, a directiva sobre marcas (66) sobrepõe-se em parte a anteriores acordos, como a Convenção de Paris para a protecção da propriedade industrial (67) e o Acordo de Madrid relativo ao registo internacional de marcas (68). A existência deste contexto não exclui, contudo, as competências neste domínio atribuídas pelo Tratado às instituições comunitárias.

53.
    Além disso, concordo com o Parlamento quando afirma que a opção pela alteração da convenção, mesmo que possível tendo em conta a demora no processo (69) e a participação de Estados terceiros, não garantiria uma harmonização por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, nos processos nacionais para anular uma patente europeia desenvolveriam-se interpretações divergentes, em contraste com a situação face à directiva, pois os órgãos jurisdicionais nacionais podem submeter dúvidas de interpretação ao Tribunal de Justiça. Em segundo lugar, a convenção não abrange a totalidade da protecção conferida por uma patente, essencial na biotecnologia e regulada pela legislação nacional. Para além disso, estas razões reforçam a ideia de que através da convenção não apenas «não garantiria aharmonização», mas também que seria irrelevante para este aspecto da directiva, pois importantes domínios das patentes regulados pela directiva não estão incluídos nos objectivos da convenção.

54.
    Em relação ao facto - criticado pelos Países Baixos - de que a Convenção sobre a Patente Europeia incorpora agora algumas das disposições da directiva através da decisão do conselho de administração que modificou os regulamentos de execução (70), assim impostas às partes contratantes que não são Estados-Membros, não cabe ao Tribunal de Justiça decidir relativamente à forma como a Instituto Europeu de Patente decidiu incorporar a directiva na sua regulamentação e prática. Pode contudo concluir-se desta escolha que o Instituto Europeu de Patentes, que tem uma experiência considerável em lidar com requerimentos de patentes para invenções biotecnológicas, não prevê problemas de maior na interpretação das disposições da directiva no que respeita à atribuição destas patentes.

55.
    A Itália acrescenta que o facto de a directiva deixar espaço para regulamentações nacionais não harmonizadas regularem questões de saúde pública, de segurança e de protecção ambiental (71) milita contra o seu contributo para a liberdade de circulação dos produtos em causa. Este argumento é, em minha opinião, igualmente baseado num errado entendimento da função do direito das patentes. Como já foi discutido anteriormente (72), uma patente é um direito que se limita a impedir que terceiros violem a patente e não confere um direito absoluto ao proprietário para explorar a patente: a exploração está sempre submetida ao direito nacional. Muitas das decisões do Tribunal de Justiça vão no sentido de que o exercício de um direito de patente nacional que restringe a livre circulação de mercadorias é contrário ao artigo 28.° CE e, em consequência, abrange ilegalmente os produtos farmacêuticos patenteados: o facto de a comercialização e utilização destes produtos ser rigorosamente regulamentada a nível nacional em todos os Estados-Membros, não diminui a importância do princípio da liberdade de circulação de mercadorias na limitação do exercício do direito nacional de patentes. Nem realmente significa que a regulamentação da Comunidade para a harmonização das legislações nacionais relativas a certificados complementares de protecção, que conferem uma protecção semelhante à protecção de uma patente, está errada, é ineficaz ou contrária à lei (73).

56.
    Nestes termos, não aceito o argumento segundo o qual a harmonização comunitária é inapropriada e ineficaz.

O argumento de que os artigos 130.° e 130.°-F do Tratado CE (actual artigo 163.° CE), conjuntamente com o artigo 235.°, são a base jurídica correcta

57.
    A Itália invoca em, primeiro lugar, que a finalidade da directiva vai para além da harmonização, incluindo objectivos ligados ao apoio ao desenvolvimento industrial da Comunidade e à investigação científica no sector da engenharia genética. Em apoio a este argumento remete para os considerandos 1 a 3 do preâmbulo da directiva. Outras disposições do Tratado CE (artigos 130.° e 130.°-F) são apropriadas para legislar, respectivamente, nos sectores da indústria e da investigação, em conjugação com o artigo 235.° O funcionamento do mercado interno é um objectivo secundário da directiva, que, por isso, não deveria ter sido fundada no artigo 100.°-A (74).

58.
    O Tribunal de Justiça deixou ficar claro que a escolha da base jurídica para um acto deve fundar-se em elementos objectivos, susceptíveis de controlo jurisdicional, incluindo, nomeadamente, o fim e o conteúdo do acto conforme resultam dos seus próprios termos (75). Quando, adicionalmente o acto prossegue mais do que um objectivo, o seu principal objectivo é decisivo para determinar a base jurídica correcta (76).

59.
    Os três primeiros considerandos da directiva referem-se, na verdade, à importância das invenções biotecnológicas para o desenvolvimento industrial, investigação e desenvolvimento da Comunidade, no domínio da engenharia genética e investimento no sector da biotecnologia. Os considerandos 5 a 7 sublinham, contudo, a necessidade de eliminar as diferenças nas legislações nacionais em matéria de protecção das invenções biotecnológicas que podem criar entraves ao comércio e deste modo obstar ao funcionamento do mercado interno. Concretamente, o considerando 7 dispõe que desincentivos ao comércio decorrentes de uma evolução heterogénea das legislações nacionais funcionariam «em detrimento do desenvolvimento industrial das invenções e do bom funcionamento do mercado interno», estabelecendo, assim, a ligação entre os dois objectivos. Os considerandos 8 e 9 voltam a referir a harmonização como objectivo da directiva.

60.
    De forma mais significativa, verifica-se que, apesar de a legislação de todos os Estados-Membros relativa às condições para a atribuição de uma patente e as excepções à patenteabilidade amplamente reflectirem a Convenção sobre a Patente Europeia e, por isso, estarem em certa medida alinhadas, existem, apesar de tudo,diferenças importantes em alguns domínios das legislações nacionais e das práticas. Constata-se, por exemplo, que alguns Estados-Membros já atribuem patentes a invenções biotecnológicas envolvendo animais: em França, por exemplo, uma patente foi atribuída em 1991 a um processo de criação de um rato (77) transgénico (78) e em Itália a primeira patente relativa a um mamífero transgénico foi atribuída em 1996 (79). O Parlamento dá outros exemplos de divergências nas legislações e práticas nacionais que não são questionados pelos Países Baixos.

61.
    Esta harmonização é o objectivo principal da directiva e resulta claramente do seu conteúdo: na verdade, o n.° 1 do artigo 1.° impõe inequivocamente que os Estados-Membros adaptem o seu direito nacional de patentes de modo a ter em conta o disposto na presente directiva. A medida em que as disposições da directiva se repercutirão no desenvolvimento industrial da Comunidade e na investigação científica no domínio da engenharia genética é mais difícil de avaliar. O que todavia parece evidente é que o impacto da directiva nestes domínios está indissociavelmente ligado ao seu efeito de harmonização.

62.
    Os artigos 130.° e 130.°-F, embora visem conferir à Comunidade competência para empreender uma acção específica nas matéria de que se ocupam, não conferem competência legislativa e deixam inalteradas as competências que a Comunidade possui por força de outras disposições do Tratado, mesmo se as medidas a adoptar a título destas últimas prosseguem simultaneamente um dos objectivos previstos no âmbito dos artigos 130.° e 130.°-F (80).

63.
    No presente caso, considero que a harmonização não é um objectivo incidental ou subordinado ou um efeito da directiva, mas a sua essência, e que o artigo 100.°-A, por conseguinte, é base jurídica correcta. O artigo 235.° não podia, por esta razão, ser invocado como a base jurídica da directiva, ou isoladamente ou em conjugação com outras disposições, pois só se aplica nos casos em que o Tratado não tenha de outra forma previsto a necessária competência para legislar.

O argumento de que a directiva infringe o n.° 3 do artigo 100.°-A do Tratado

64.
    A Itália refere também o n.° 3 do artigo 100.°-A, n.° 3, do Tratado, que dispõe que a Comissão «basear-se-á num nível de protecção elevado» nas propostas previstas no artigo 100.°-A «em matéria de saúde, de segurança, deprotecção do ambiente e de defesa do consumidor». A Itália afirma que o artigo 100.°-A não pode ser a base jurídica de um acto de harmonização num domínio que envolve interesses fundamentais como a saúde e o ambiente excepto nos casos em que o conteúdo da proposta seja conforme ao n.° 3 do artigo 100.°-A. Resulta claramente do considerado 14 do preâmbulo da directiva que o legislador comunitário reconhece o impacto na saúde e no ambiente da exploração das invenções biotecnológicas, mas não regulou estas matérias com o fundamento de que cabe aos Estados-Membros fazê-lo. Nestes termos, não foram preenchidas as condições do artigo 100.°-A.

65.
    Em minha opinião, a directiva não integra o âmbito de aplicação do n.° 3 do artigo 100.°-A. Este número aplica-se às «propostas [...] em matéria de saúde, de segurança, protecção do ambiente e defesa do consumidor». A proposta de uma directiva relativa à protecção das invenções biotecnológicas não cai sob a alçada deste número. Se é indiscutível que tanto o desenvolvimento de uma investigação que culmina com invenções biotecnológicas como a utilização dada à referida invenção podem ter implicações significativas para a saúde, segurança e protecção do ambiente em particular, a medida proposta não visa regular a referida investigação ou utilização do ponto de vista da saúde, da segurança ou da protecção do ambiente ou do consumidor (em contraste com, por exemplo, a legislação comunitária relativa à libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados (81)): na verdade, o considerado 14 expressamente afirma que «o direito de patentes não é susceptível de substituir ou tornar supérfluas as legislações nacionais, europeias ou internacionais que estabelecem eventuais restrições ou proibições ou que organizam um controlo da investigação e da utilização ou comercialização dos seus resultados, nomeadamente em relação às exigências de saúde pública, de segurança, de protecção do ambiente [...]».

O argumento de que a directiva criou um novo direito de propriedade intelectual

66.
    Os Países Baixos argumentam que a directiva cria um direito específico pelo que não se pode dizer que harmonize os princípios nacionais do direito de patentes. A directiva exige aos Estados-Membros que protejam as invenções biotecnológicas ao abrigo do direito nacional de patentes. Uma patente para invenções biotecnológicas é uma patente relativa à vida. Matéria biológica, em particular animais vivos ou vegetais, não pode ser comparada à matéria morta, que até há poucos anos era a única matéria patenteável. O facto de a matéria biológica poder reproduzir-se sem intervenção humana significa que protegê-la através de uma patente é algo de diferente da protecção da matéria morta.

67.
    Parece-me, contudo, como invocado pelo Parlamento, que a patenteabilidade da matéria viva não é uma inovação introduzida pela directiva, mas o reconhecimento do que está actualmente a acontecer em conformidade comas legislações nacionais: há muito que os Estados-Membros reconheceram a patenteabilidade de certas invenções biotecnológicas relativas à matéria viva.

68.
    O Parlamento invoca a patente atribuída à levedura na Bélgica e na Finlândia em 1833 e em 1843, respectivamente (82). Mais recentemente, na Alemanha, o Bundesgerichtshof decidiu em 1975 que os microrganismos per se eram susceptíveis de protecção por uma patente (83) e, em 1993, aceitou a patenteabilidade dos vegetais (84). As patentes para invenções biotecnológicas envolvendo animais transgénicos foram, como já referido, atribuídas em França e na Itália em 1991 e em 1996, respectivamente (85). Inúmeras patentes europeias para invenções biotecnológicas têm vindo a ser atribuídas desde os princípios dos anos 80 e reconhecidas pelos Estados-Membros a que são aplicáveis (86).

69.
    Para além disso, o Tratado de Budapeste sobre o Reconhecimento Internacional do Depósito de Microrganismos para efeitos de Procedimento em matéria de patentes, que foi assinado em 1977 e entrou em vigor em 1980 (87), tentou resolver o problema pedindo, em relação aos requerimentos para patentes para organismos vivos como a levedura e outros organismos auto-reprodutivos, uma descrição escrita suficientemente detalhada capaz de satisfazer as exigências na maior parte dos sistemas jurídicos de patentes para adequada divulgação. Este tratado permitiu que a especificação feita no requerimento de patente fosse completada pelo depósito de uma amostra do organismo num depositante autorizado. Requerimentos de tais patentes são, pois, há mais de 20 anos, reconhecidos e regulados a nível internacional.

70.
    O conceito de «patente vida» parece-me, além do mais, desnecessária e pouco clara. Como já foi afirmado (88), uma patente não atribui o direito de propriedade ou direitos ilimitados para a explorar. Limita-se a conferir ao seu titular o direito de proibir terceiros de produzirem, utilizarem ou venderem a invenção sem o seu consentimento. O titular da patente, contudo, não está dispensado de cumprir as exigências regulamentares nacionais, designadamente emmatéria de saúde pública, segurança, protecção dos animais e respeito de certas normas éticas. A directiva reconhece explicitamente inúmeros limites à patenteabilidade face às legislações nacionais e convenções internacionais, como será analisado com algum detalhe no contexto do terceiro fundamento de anulação.

71.
    Os Países Baixos acrescentam que, para além de criar um novo direito que consiste numa patente sobre os produtos vivos dos processos biotecnológicos, a directiva cria também um novo direito, chamado «privilégio dos agricultores». Este privilégio, designadamente o direito de o agricultor utilizar para finalidades agrícolas produtos protegidos por patentes, é bem conhecido no âmbito da protecção das variedades vegetais, mas não no direito das patentes.

72.
    O «privilégio dos agricultores» consagrado no artigo 11.° da directiva tem dois aspectos.

73.
    Em primeiro lugar, o n.° 1 do artigo 11.° permite ao agricultor utilizar a semente resultante da colheita obtida com a utilização da patente que lhe foi vendida para fins de exploração agrícola para obter outra colheita. Esta derrogação é de natureza similar à prevista no n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (89) (por sua vez baseado nas disposições da Convenção UPOV de 1961 e 1991 (90)), embora de âmbito mais extenso, pois o n.° 1 do artigo 14.° do regulamento limita tal possibilidade a determinadas variedades de plantas forrageiras, cereais, batatas e plantas oleaginosas e fibrosas. A extensão e condições da derrogação correspondem às previstas no artigo 14.° do regulamento, que dispõe, em particular, que os agricultores, que não pequenos agricultores, sejam obrigados a pagar uma «remuneração equitativa» ao titular.

74.
    Em segundo lugar, o n.° 2 do artigo 11.° prevê um privilégio análogo para a reprodução de animais. Por outras palavras, um agricultor pode usar para fins agrícolas (mas não para reprodução comercial) animais patenteados «ou outro material de reprodução animal», que tenha comprado. De acordo com o memorandum explicativo da proposta de directiva da Comissão (91), a derrogação autoriza o agricultor a «utilizar os animais protegidos para ele próprio proceder à reprodução na sua própria exploração, para renovação do seu efectivo pecuário». O n.° 3 do artigo 11.° dispõe que o âmbito e as regras da derrogação são regidas a nível nacional.

75.
    Em minha opinião, é claro que o artigo 11.° não cria um novo direito, pois respeita unicamente à limitação da finalidade de protecção conferida por uma patente atribuída em conformidade com a directiva. Para uma análise mais detalhada da protecção que o artigo 11.° derroga, ver a análise dos artigos 8.° e 9.° nos n.os 121 e seguintes.

76.
    Nestes termos, concluo dever ser rejeitado o argumento de que a directiva está incorrectamente fundada no artigo 100.°-A e deve, por esta razão, ser anulada.

O argumento quanto à subsidiariedade

77.
    O artigo 3.°-B do Tratado CE (actual artigo 5.° CE) dispõe:

«A Comunidade actuará nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos objectivos que lhe são cometidos pelos do presente Tratado.

Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.

A acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado.»

78.
    O artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) dispõe:

«Os regulamentos, directivas e decisões adoptados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho [...] serão fundamentados e referir-se-ão às propostas ou pareceres obrigatoriamente obtidos por força do presente Tratado.»

79.
    O argumento principal dos Países Baixos é o de que a directiva infringe o segundo parágrafo do artigo 3.°-B. Refere-se aos argumentos invocados no contexto do primeiro fundamento (base jurídica), que, do seu ponto de vista, refuta qualquer argumento segundo o qual os objectivos da directiva não podem ser adequadamente realizados pelos Estados-Membros ou que seriam melhor alcançados a nível comunitário por razões da escala ou dos efeitos da acção proposta. Os considerandos do preâmbulo dispõem ser simplesmente necessário clarificar a protecção jurídica conferida às invenções biotecnológicas (considerandos 4 e 9) e existirem divergências entre as leis e práticas dos Estados-Membros susceptíveis de criar entraves ao comércio e obstar deste modo ao funcionamento do mercado interno (considerandos 5 e 7). Contudo, uma vez que a legislação nacional sobre patentes foi quase totalmente harmonizada pela Convenção sobre a Patente Europeia, a clarificação invocada seria efectuada pela alteração da convenção. Assim, os Estados-Membros são perfeitamente capazes de atingir esse objectivo.

80.
    Em alternativa, os Países Baixos invocam não estar claro que o segundo parágrafo do artigo 3.°-B tenha sido tomado em conta como o exige o artigo 190.° do Tratado e o acórdão Alemanha/Parlamento e Conselho (92).

81.
    Do meu ponto de vista e pelas razões expostas no contexto do primeiro argumento (quanto à base jurídica), pode adequadamente considerar-se que a directiva era necessária para proceder à harmonização das legislações dos Estados-Membros sobre a protecção das patentes relativas a invenções biotecnológicas. Pois - mais uma vez pelas razões anteriormente expostas - a referida harmonização só pode ser realizada pela Comunidade e, uma vez que a Comunidade tem competência exclusiva para harmonizar as legislações nacionais em matéria de estabelecimento e funcionamento do mercado interno, pelo que a necessidade da acção da Comunidade foi adequadamente demonstrada e o princípio da subsidiariedade não foi violado.

82.
    Que este princípio foi, em qualquer caso respeitado, decorre ainda, em particular, dos considerandos 3, 5, 6, 7 e 9, que demonstram que o Parlamento e Conselho e o. constataram a inadequação da acção a nível nacional no domínio da protecção das invenções biotecnológicas e reconheceram a necessidade de harmonizar certos princípios. Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, nestas circunstâncias, não é necessário que o legislador faça referência ao principio da subsidiariedade (93).

83.
    Por último, a clarificação da legislação através da alteração da Convenção sobre a Patente Europeia seria, como os recorridos referem, inapropriada, ineficaz e inexequível.

84.
    Nestes termos, concluo que a directiva não infringe o princípio da subsidiariedade. O argumento de que deve ser anulada com este fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

O argumento quanto à segurança jurídica

85.
    Os Países Baixos, apoiados pela Itália e pela Noruega, argumentam que a directiva, não negando embora a afirmação do seu preâmbulo de que a harmonização é necessária para clarificar a incerteza quanto à protecção das invenções biotecnológicas (94), não resolve completamente as incertezas referentes à patenteabilidade das invenções biotecnológicas; mais ainda, cria mais incertezas, pois o sentido preciso dos artigos 4.°, 6.°, 8.° e 9.° não é claro. Nestes termos, a directiva infringe o princípio da segurança jurídica.

86.
    Antes de se analisar mais profundamente o conteúdo destes argumentos, há que considerar os efeitos da insegurança num acto comunitário tal como uma directiva. Os Países Baixos não citam qualquer fonte em abono da seu aparente ponto de vista segundo o qual, se uma ou duas disposições de uma directiva não forem total e exaustivamente claras, a directiva deve ser anulada; nem o fazem a Itália e a Noruega. Na verdade, que eu tenha conhecimento, nem o Tribunal de Justiça alguma vez adoptou tal princípio.

87.
    O artigo 249.° CE (ex-artigo 189.° do Tratado CE) dispõe que a directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e meios. Assim, por natureza, as directivas não regulam com pormenor os assuntos relativos às duas finalidades. Tal não significa que seja recomendada uma redacção pouco clara, mas implica que, pelo facto de uma directiva conceder alguma discricionariedade aos Estados-Membros, este facto, por si só, não constitui um fundamento de anulação da directiva.

88.
    Mesmo quando uma disposição da directiva permite diferentes interpretações, como os Países Baixos invocam no presente processo, não considero que tal seja por si só fundamento de anulação. Em processos recentes em que o Tribunal de Justiça julgou que um Estado-Membro que, ao transpor incorrectamente uma disposição de uma directiva imprecisamente redigida, deu a essa disposição um significado que razoavelmente lhe pode ser atribuído, não foi sugerido que a directiva (até mesmo a disposição) fosse considerada nula pelo mero facto de ser imprecisa e consequentemente passível de mais de uma interpretação (95). Igualmente, o Tribunal de Justiça, ao formular o princípio de que só as disposições das directivas que sejam claras e sem ambiguidade podem ter efeito directo, não pretendeu concluir, em minha opinião, que todas as disposições não completamente precisas e incondicionais devem, por essa razão, ser nulas.

89.
    Por outro lado, considero pelo menos admissível considerar-se que uma disposição de uma directiva completamente destituída de sentido, ou manifestamente inconciliável com outra sua disposição, seja inválida por esse fundamento, embora daí não se conclua necessariamente, em minha opinião, que a directiva no seu todo deva, por esse motivo, ser anulada.

90.
    Neste contexto, irei examinar se as disposições da directiva que alegadamente infringem o princípio da segurança jurídica são nesse sentido destituídas de sentido ou contraditórias. Os argumentos irão centrar-se principalmente no significado e finalidade, primeiro, do artigo 6.° e, depois, dos artigos 6.° e 9.°

Os argumentos quanto ao artigo 6.°

Considerandos e disposições pertinentes da directiva

91.
    Os considerandos 36, 38 e 39 do preâmbulo dispõem o seguinte:

«(36)    Considerando que o acordo TRIPs prevê a possibilidade de os membros da Organização Mundial do Comércio excluírem da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial é necessário impedir no seu território, a fim de proteger a ordem pública e os bons costumes, incluindo a protecção da saúde e da vida dos seres humanos, dos animais e dos vegetais, ou no intuito de evitar danos graves no ambiente, desde que essa exclusão não decorra unicamente do facto de a exploração ser proibida pela respectiva legislação;

[...]

(38)    Considerando que importa também incluir no articulado da presente directiva uma lista indicativa das invenções excluídas da patenteabilidade, a fim de fornecer aos juízes e aos serviços nacionais de patentes orientações gerais para a interpretação da referência à ordem pública ou aos bons costumes; que esta lista não pode, evidentemente, ser considerada exaustiva; que os processos que atentem contra a dignidade do ser humano, nomeadamente aqueles que se destinam à produção de seres híbridos, obtidos de células germinais ou de células totipotentes humanas e animais, também deverão obviamente ser excluídos da patenteabilidade [(96)];

(39)    Considerando que a ordem pública e os bons costumes correspondem, nomeadamente, a princípios éticos ou morais reconhecidos num Estado-Membro, cujo respeito se impõe muito especialmente em matéria de biotecnologia, devido ao alcance potencial das invenções neste domínio e à sua ligação inerente com a matéria viva; que esses princípios éticos ou morais complementam as apreciações jurídicas normais do direito de patentes, qualquer que seja o domínio técnico da invenção.»

92.
    O artigo 6.° da directiva prevê:

«1.    As invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes são excluídas da patenteabilidade, não podendo a exploração ser considerada como tal pelo simples facto de ser proibida por disposição legal ou regulamentar.

2. Nos termos do disposto no n.° 1, consideram-se não patenteáveis, nomeadamente:

a)    Os processos de clonagem de seres humanos;

b)    Os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano;

c)    As utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais;

d)    Os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem ou para o animal, bem como os animais obtidos por esses processos» (97).

93.
    Os Países Baixos e a Itália apresentaram quatro argumentos para justificar que o artigo 6.° viola o princípio da segurança jurídica. Proponho-me tratar separadamente cada um destes argumentos.

São a ordem pública e os bons costumes conceitos claros?

94.
    Em primeiro lugar, é invocado que o artigo 6.° fornece orientações insuficientes e os princípios mencionados nos considerandos do preâmbulo para determinar se há violação da ordem pública ou dos bons costumes são genéricos e equívocos. De acordo com o considerado 39, os serviços nacionais de patentes e os órgãos jurisdicionais devem socorrer-se dos princípios éticos ou morais reconhecidos no Estado-Membro para completar as apreciações jurídicas do direito de patentes. É, portanto, inevitável que o artigo 6.° venha a ser interpretado e aplicado de forma divergente.

95.
    Permito-me chamar a atenção para o facto de os conceitos de ordem pública e bons costumes terem um longo e distinto historial enquanto critério de legitimidade da atribuição ou exercício dos direitos de propriedade intelectual. No que diz respeito à marca, por exemplo, o artigo 6.° quinquies, A, n.° 3, da Convenção de Paris, na versão revista de Washington de 1911, prevê uma excepção à proibição geral de recusa ou de anulação do registo das marcas de fábrica ou de comércio no caso de ser «contrária à moral ou à ordem pública». Em relação à patente, o n.° 1 do artigo 6.° da directiva tem, como já anteriormente referido (98), efeito idêntico à alínea a) do artigo 53.° da Convenção sobre a Patente Europeia, embora a convenção também proíba a patenteabilidade de invenções cujapublicação seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes (99). O próprio artigo 53.° reproduz quase textualmente o artigo 2.° da Convenção de Estrasburgo de 1963 (100), embora esta última disposição não seja vinculativa («Os Estados contratantes não estão vinculados a conceder patentes respeitantes a [...]»). O n.° 2 do artigo 27.° do acordo TRIPs está também redigido em termos semelhantes, embora, mais uma vez, seja facultativo e não imperativo (101). Disposições como as do n.° 1 do artigo 6.° foram descritas como «um grande acontecimento no direito de patente» (102).

96.
    A legislação comunitária sobre propriedade intelectual continua neste caminho. Tanto o regulamento sobre a marca comunitária (103), como a directiva relativa à marca comunitária (104) prevêem a recusa de registo de marcas «contrárias à ordem pública ou aos bons costumes» (105). O regulamento comunitário relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (106) dispõe que existe um impedimento para a designação de uma denominação de variedade se «a denominação for susceptível de revestir carácter ofensivo num dos Estados-Membros ou for contrária à ordem pública» («est susceptible de contrevenir aux bonnes moeurs dans un des Etats membres ou est contraire à l'ordre public») (107). A Directiva 98/71 CE relativa à protecção legal de desenhos e modelos (108) dispõe que o direito sobre desenhos e modelos não protege osdesenhos e modelos que forem contrários à ordem pública ou à moralidade pública. («contraire à l'ordre publique ou à la moralité publique») (109). A Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à aproximação dos regimes jurídicos de protecção das invenções por modelos de utilidade (110) dispõe que os modelos de utilidade não podem ser concedidos relativamente a invenções cuja execução seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes («contraire à l'orde publique ou aux bonnes moeurs») (111).

97.
    Em particular o conceito de ordem pública tem um vasto significado em direito comunitário. Foi por exemplo usado na versão francesa do Tratado CE, embora na inglesa tenha sido normalmente traduzido por «public policy» (112). Os artigos 30.° CE, 39.°, n.° 3, CE, 46.°, n.° 1, CE e 58.°, n.° 1, alínea b), CE [ex-artigos 36.°, 48.°, n.° 3, 56.°, n.° 1 e 73.°-D, n.° 1, alínea b), do Tratado CE] referem-se todos eles (respectivamente como fundamento de restrições à livre circulação de mercadorias, à livre circulação de trabalhadores, à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais) à ordem pública («public policy» em inglês). O Tribunal de Justiça reconheceu que as circunstâncias específicas que podem justificar o recurso ao conceito de ordem pública podem variar de um país para o outro e de um período para o outro, pelo que é necessário reconhecer às autoridades nacionais competentes uma margem de apreciação dentro dos limites impostos pelo Tratado (113).

98.
    A legislação comunitária tem recorrido ao conceito de ordem pública em inúmeras medidas de harmonização, não existindo aparentemente qualquer contradição em conferir alguma margem de apreciação às autoridades nacionais num domínio submetido a harmonização (114).

99.
    O conceito de «bonnes moeurs» parece não ter um carácter tão significativo no direito comunitário , excepto nas medidas referentes ao direito de propriedade intelectual anteriormente mencionadas. Contudo, parece ser indistintamente empregue naquelas medidas como «moralité publique», pelo que provavelmente podem ser considerados como sinónimos. O artigo 30.° CE prevê a «moralidade pública» entre os fundamentos de derrogação à livre circulação de mercadorias. O Tribunal de Justiça considerou a expressão nos acórdãos Henn and Darby (115) e Conegate (116). No primeiro, o Tribunal de Justiça decidiu que cabia a cada Estado-Membro determinar de acordo com a sua própria escala de valores e pela forma por ele escolhida as exigências da moralidade pública no seu território (117). O Tribunal de Justiça confirmou este princípio no acórdão Conegate, embora julgando, no caso concreto, não ser de aplicar a derrogação.

100.
    Assim, a afirmação, no considerando 39 da directiva, de que «ordem pública e os bons costumes correspondem, nomeadamente, a princípios éticos ou morais reconhecidos num Estado-Membro», segue de muito perto a interpretação e aplicação destes conceitos pelo Tribunal de Justiça no contexto do Tratado CE. Não posso, por isso, em minha opinião, defender que a abordagem da directiva viola o princípio da segurança jurídica.

101.
    Todavia, a aplicação pelas entidades nacionais dos conceitos de ordem pública e bons costumes será sempre sujeita a uma fiscalização pelo Tribunal de Justiça: os Estados-Membros não têm um poder discricionário ilimitado para determinar o seu alcance. O Tribunal de Justiça decidiu que «o recurso por uma autoridade nacional à noção de ordem pública pressupõe, em todo o caso, a existência, afora a perturbação da ordem social, que qualquer infracção à lei constitui, de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade» (118). Esta afirmação demonstra claramente que aabordagem do Tribunal de Justiça é no essencial similar à do Instituto Europeu de Patentess, cujas orientações para o exame em termos substantivos dispõem que a finalidade da ordem pública e das disposições sobre bons costumes é «a de excluir da protecção invenções susceptíveis de induzir perturbações ou desordens públicas ou levar a comportamentos criminais ou em geral ofensivos [...]» (119). As autoridades nacionais de patentes, que têm vindo a actuar à luz destas orientações desde que a Convenção sobre a Patente Europeia entrou em vigor nos seus Estados-Membros, não devem, por conseguinte, deparar-se com qualquer incompatibilidade quando a directiva entrar em vigor.

102.
    Pode acrescentar-se que a discricionariedade dos Estados-Membros para determinarem o alcance do conceito de moralidade pública de acordo com a sua própria escala de valores, como definida pelo Tribunal de Justiça há mais de 20 anos (120), deve hoje ser talvez interpretada com alguma cautela. Neste domínio, como em muitos outros, os padrões comuns evoluíram ao longo dos anos. Pode acontecer que a dimensão ética de alguns dos princípios básicos no âmbito da finalidade da directiva seja hoje vista como fazendo parte dos padrões comuns. Esta foi claramente a opinião da Câmara Técnica de Recurso 3.3.4 do Instituto Europeu de Patentes em 1995, quando afirmou no processo Plant Genetic Systems que o conceito de moralidade «está relacionado com a ideia de que um comportamento é correcto e aceitável enquanto outro é incorrecto, quando esta ideia se baseia na totalidade em normas aceites que estão profundamente enraizadas numa cultura particular. Tendo em conta a finalidade da CPE, a cultura em questão é a cultura inerente à sociedade e civilização europeias.» (121). O facto de alguns princípios éticos poderem ser melhor avaliados no contexto cultural de um Estado-Membro em particular e outros susceptíveis de se inserirem num padrão comum não pode, contudo, em minha opinião, precludir - quer neste âmbito ou noutro qualquer - a harmonização.

Qual o significado e o objectivo do disposto no artigo 6.°, n.° 1 da directiva?

103.
    Em segundo lugar, os Países Baixos e a Itália invocam não ser claro o significado e a finalidade do disposto no n.° 1 do artigo 6.°, que determina que a exploração de uma invenção não pode ser considerada como contrária à ordem pública e aos bons costumes pelo simples facto de ser proibida por disposição legal ou regulamentar. Acresce que a afirmação do considerado 14 (122) de que a «patente de invenção não autoriza o seu titular a realizar a invenção» é contrária a princípios fundamentais do direito de patentes nacional e internacional segundoos quais a atribuição de uma patente confere ao titular o direito exclusivo de comercialização e exploração da invenção; além disso, a ser correcto, seria desnecessário excluir da patenteabilidade invenções cuja exploração fosse contrária à ordem pública e aos bons costumes.

104.
    A disposição encontra-se prevista tanto no n.° 3 do artigo 53.° da Convenção sobre a Patente Europeia, como no artigo 2.° da Convenção de Estrasburgo de 1963 (123). A sua data é anterior a estes dois instrumentos, sendo, contudo, retirada do artigo 4.° quater da Convenção de Paris. Esta disposição, que foi acrescentada em 1958 na Conferência de Revisão em Lisboa, dispõe:

«Não poderá ser recusada a concessão de uma patente e não poderá ser uma patente invalidada em virtude de a venda de um produto patenteado ou obtido por um processo patenteado estar submetida a restrições ou limitações resultantes da legislação nacional.»

105.
    A Secretaria Internacional da Propriedade Intelectual (antecessora da Organização Mundial da Propriedade Intelectual) explicou numa publicação (124) que a razão desta disposição é a de que as restrições ou limitações podem ser por natureza temporárias, pelo que a patente produz os seus efeitos uma vez que as restrições sejam removidas. Acresce que a patente assim restringida pode servir de base para novas invenções que não caiam no âmbito da restrição: neste caso, não existe qualquer razão para privar o titular da primeira patente dos direitos, licenças, etc., a que a conexão entre as duas invenções lhe dá direito.

106.
    Acresce não ser correcto concluir que não faz sentido atribuir uma patente a uma invenção cuja exploração é proibida. Como foi anteriormente referido, o inventor pode querer obter uma protecção por antecipação a uma mudança da estrutura normativa que o impossibilite de explorar a sua invenção no futuro. Um bom exemplo tópico é o dos organismos geneticamente modificados - de momento, existe uma moratória geral quanto à sua utilização na União Europeia, que não será necessariamente indefinida. Igualmente, a nível nacional, um inventor pode produzir a invenção num Estado-Membro em que a exploração (mas não a produção) da invenção é proibida, com vista à sua exportação para Estados em que a exploração não é proibida.

107.
    Nestes termos, não aceito que a disposição do n.° 1 do artigo 6.° seja obscura no seu conteúdo, nem contraditória com o considerado 14. Nem concordo com a afirmação de que é contrária aos princípios gerais do direito de patentes: embora seja correcto que a atribuição de uma patente confira direitos à exploraçãoexclusiva da invenção, este direito deve, como anteriormente defendido (125), ser exercido nos termos da legislação e regulamentação nacionais aplicáveis. A atribuição da patente não confere por si só, portanto, um direito substantivo para a explorar, mas unicamente o direito de impedir terceiros de explorarem a invenção no território onde a patente é reconhecida.

Abrange a ordem pública os danos ambientais?

108.
    Em terceiro lugar, os Países Baixos e a Itália invocam o considerado 36, que refere que o acordo TRIPs prevê a possibilidade de invocar a ordem pública e os bons costumes para proteger a vida dos seres humanos, dos animais e dos vegetais ou a saúde e a necessidade de evitar danos graves no ambiente. Isto coloca a questão de saber se, para efeitos do artigo 6.°, n.° 1, danos graves ou risco de danos graves para o ambiente são abrangidos no âmbito do conceito de ordem pública.

109.
    Já expus em termos genéricos o alcance da excepção da ordem pública. No actual estádio de desenvolvimento do direito comunitário, a preservação do ambiente deve ser considerada como um dos interesses fundamentais da sociedade. Tal foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça há já algum tempo, desde 1988, no acórdão Comissão/Dinamarca (126), e agora introduzido no artigo 2.° CE, que inclui a promoção de «um elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente» entre outras missões da Comunidade. Os «interesses fundamentais da sociedade» referidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bouchereau (127) devem, no meu entendimento, ser interpretados como abrangendo o ambiente. Uma genuína e suficientemente séria ameaça para o ambiente cairia directamente sob a alçada do conceito de ordem pública (128); pelo que não há incompatibilidade entre o considerado 36 e o artigo 6.°, n.° 1.

Qual é a situação do considerando 38?

110.
    Por último, os Países Baixos afirmam que, embora o artigo 6.°, n.° 2, enumere exemplos de invenções consideradas não patenteáveis nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 1, a enumeração não inclui (e a directiva não a prevê em outras disposições) a importante excepção à patenteabilidade prevista no considerando 38: «processos que atentem contra a dignidade do ser humano, nomeadamente aqueles que se destinam à produção de seres híbridos, obtidos decélulas germinais ou de células totipotentes humanas e animais, também deverão obviamente ser excluídos da patenteabilidade». Os Países Baixos parecem formular uma objecção ao facto de uma excepção mencionada no considerando não ser depois reflectida no corpo da directiva.

111.
    Considero, todavia, tal como o Parlamento referiu, que esta excepção se inclui no âmbito da exclusão de patenteabilidade dos «processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano» contida no artigo 6.°, n.° 2, alínea b). Um ser híbrido é um organismo ou uma recombinação de uma molécula de ADN criada pela junção de fragmentos de ADN de dois ou mais organismos diferentes. Célula germinal é uma célula destinada a ser o espermatozóide ou um óvulo. Célula totipotente é uma célula com capacidade ilimitada (129). A produção de seres híbridos de células germinais ou de células totipotentes de seres humanos e de animais irá inevitavelmente modificar a identidade genética germinal dos seres humanos.

112.
    Mesmo que assim não fosse, não consigo perceber que uma medida legislativa tenha de ser anulada por falta de segurança jurídica unicamente por um exemplo de uma conduta excluída do alcance dessa medida estar prevista no preâmbulo e não nas disposições substantivas (130). Acresce não ser uma técnica legislativa sem precedentes dar a título ilustrativo uma lista não exaustiva de exemplos de situações em que a excepção de ordem pública se aplica: ver, por exemplo, o artigo 9.°, n.° 7, da Directiva 98/34, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (131), na redacção dada pela Directiva 98/48/CE (132), e o artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da directiva do comércio electrónico (133).

O argumento quanto às variedades vegetais e raças animais

Considerandos e disposições da directiva relevantes

113.
    Os considerandos 31 e 32 do preâmbulo dispõem o seguinte:

«(31)    Considerando que um conjunto vegetal que se caracterize por um determinado gene (e não pela totalidade do seu genoma) não é abrangido pela protecção das obtenções; que, por esse facto, não está excluído da patenteabilidade, mesmo que englobe obtenções vegetais;

(32)    Considerando que, caso a invenção consista apenas na modificação genética de uma determinada variedade vegetal e caso seja obtida uma nova variedade vegetal, a invenção permanece excluída da patenteabilidade, mesmo que essa modificação genética não tenha resultado de um processo essencialmente biológico, mas sim de um processo biotecnológico.»

114.
    O artigo 4.°, n.os 1 e 2, determina:

«1.    Não são patenteáveis:

a)    As variedades vegetais e as raças animais;

b)    Os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de animais.

2.    As invenções que tenham por objecto vegetais ou animais são patenteáveis se a exequibilidade técnica da invenção não se limitar a uma determinada variedade vegetal ou raça animal.»

115.
    O conceito de «variedade vegetal», para efeitos da directiva (134), é definido por remissão para a definição dada no artigo 5.° do Regulamento n.° 2100/94 (135).

116.
    O artigo 8.° dispõe:

«1.    A protecção conferida por uma patente relativa a uma matéria biológica dotada, em virtude da invenção, de determinadas propriedades abrange qualquer matéria biológica obtida a partir da referida matéria biológica por reprodução ou multiplicação, sob forma idêntica ou diferenciada, e dotada dessas mesmas propriedades.

2.    A protecção conferida por uma patente relativa a um processo que permita produzir uma matéria biológica dotada, em virtude da invenção, de determinadas propriedades abrange a matéria biológica obtida por esse processo e qualquer outra matéria biológica obtida a partir da matéria biológica obtida directamente,por reprodução ou multiplicação, sob forma idêntica ou diferenciada, e dotada dessas mesmas propriedades.»

117.
    O artigo 9.° estabelece:

«A protecção conferida por uma patente a um produto que contenha uma informação genética ou que consista numa informação genética abrange qualquer matéria, sob reserva do disposto no n.° 1 do artigo 5.°, em que o produto esteja incorporado e na qual esteja contida e exerça a sua função.»

118.
    No segundo argumento referente à segurança jurídica, os Países Baixos, a Itália e a Noruega referem-se a vários aspectos das disposições da directiva relativas a variedades vegetais e raças animais, cujo significado e efeito são, alegadamente, pouco claros. Proponho-me tratar em separado estes dois aspectos.

O argumento referente aos artigos 8.° e 9.°

119.
    Em primeiro lugar, os Países Baixos e a Noruega invocam não ser claro se as variedades vegetais são em todas as circunstâncias excluídas da patenteabilidade. O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), dispõe que as variedades vegetais e as raças animais não são patenteáveis. Contudo, nos termos dos artigos 8.° e 9.°, uma patente pode vir a ser obtida para um processo biotecnológico ou para os seus produtos, mesmo que sejam vegetais ou animais. Se este processo criar uma variedade, a protecção conferida pela patente abrange aparentemente essa variedade. Acresce que, se este processo conduzir a uma nova variedade vegetal protegida por um direito de obtenção vegetal, poderá haver conflito entre os titulares da patente e do direito de obtenção vegetal, que não pode ser completamente resolvido pelo sistema de licenças por dependência.

120.
    Em minha opinião, não há qualquer conflito entre, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), e os artigos 8.° e 9.°, por outro.

121.
    A patente de um produto atribui normalmente ao titular o direito exclusivo de explorar o produto (com sujeição ao cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis). No caso de matéria patenteado com capacidade própria para de se reproduzir, o valor da patente ficaria claramente diminuído se não fosse extensivo às sucessivas gerações desta matéria. Por exemplo, se o comprador de sementes patenteadas pudesse utilizar as sementes produzidas pela colheita resultante das sementes compradas, o valor desta patente seria muito reduzido. Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, em tais casos a protecção conferida por uma patente estende-se às futuras gerações de matéria biológica obtida por reprodução ou multiplicação. O considerando 46 exprime o princípio em termos de o titular ter direito de «proibir a utilização de uma matéria auto-replicável patenteada em circunstâncias análogas àquelas em que poderia ser proibida a utilização de produtos patenteados não auto-replicáveis, ou seja, a produção do próprio produto patenteado». (No querespeita às sementes, como anteriormente exposto (136), o artigo 11.°, n.° 1, prevê uma derrogação a esta protecção em certas condições e mediante remuneração.)

122.
    O artigo 8.°, n.° 2, adapta de forma similar um bem conhecido princípio similar do direito tradicional de patentes às exigências das invenções biotecnológicas. Quando o objecto de uma patente é um processo, a protecção conferida pela patente é extensível aos produtos directamente obtidos por esse processo. Este princípio foi incorporado na legislação internacional das patentes desde pelo menos 1958, quando foi inserido na Convenção de Paris o artigo 5.° quater (137). Encontra equivalente no artigo 64.°, n.° 2, da Convenção da Patente Europeia, que dispõe:

«Se o objecto da patente europeia é um processo, os direitos conferidos por essa patente estendem-se aos produtos obtidos directamente por esse processo».

123.
    Se os produtos assim obtidos forem eles próprios capazes de se reproduzirem, colocar-se-á o problema discutido no n.° 121. Por exemplo, um processo patenteado pode resultar da produção de um microrganismo susceptível de ser clonado. Se este material pudesse ser livremente reproduzido por um comprador, o valor do processo patenteado seria anulado. Nestes termos, o artigo 8.°, n.° 2, deixa claro que a protecção conferida a uma matéria biológica directamente obtida pelo processo patenteado se estende às futuras gerações dessa matéria.

124.
    O artigo 9.° ocupa-se da situação em que a patente confere protecção a um produto que contenha uma informação genética ou que consista numa informação genética, como uma sequência particular de ADN ou um gene particular. A protecção conferida pela patente abrange qualquer matéria, sob reserva do disposto no n.° 1 do artigo 5.° (138), em que o produto esteja incorporado e na qual esteja contida e exerça a sua função. Assim, quando a sequência de ADN ou o gene estiverem incorporados num organismo hospedeiro que possa ser multiplicado, a protecção da patente de que goza é extensível a esse microrganismo.

125.
    Os Países Baixos e a Noruega alegam que, independentemente da exclusão de patenteabilidade estabelecida no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), uma variedade vegetal pode beneficiar da protecção de uma patente em virtude dos artigos 8.° e 9.°

126.
    Esta premissa está, em meu entendimento, baseada numa incorrecta análise da disposição: não consegue distinguir o conceito de patenteabilidade do de protecção conferida pela patente. Os dois conceitos podem, evidentemente, ser relevantes na mesma situação: quando, por exemplo, um gene patenteado que confere resistência aos herbicidas é incorporado numa variedade vegetal por pessoa diferente ou com o conhecimento do titular da patente, esta utilização do gene viola a patente. A patente original do gene, se não protegesse contra tal utilização, teria claramente pouco valor. Isto não quer dizer, contudo, que a variedade vegetal seja ela própria patenteável. Um exemplo no domínio da tecnologia tradicional pode ajudar a tornar esta situação mais clara. Historicamente, muitos países proibiram as patentes de produtos farmacêuticos. Se fosse produzido um produto farmacêutico não patenteado, incorporando uma componente química específica patenteada, tal patente seria claramente violada pela produção do produto farmacêutico, independentemente de este último produto não poder ele próprio beneficiar da protecção da patente.

127.
    Os artigos 8.° e 9.° não significam, assim, que as variedades vegetais são per se patenteáveis. Não pode, portanto, existir um conflito directo entre o titular da patente para uma dada variedade vegetal e o titular de um direito de obtenção vegetal em relação a essa variedade. O que pode com frequência acontecer, todavia, é que o criador de uma variedade vegetal pretenda adquirir ou utilizar um direito de obtenção vegetal em circunstâncias em que essa aquisição ou utilização venha infringir uma patente existente, por exemplo um gene incorporado numa variedade vegetal. O artigo 12.° da directiva prevê um sistema de licenças obrigatórias por dependência (139), em termos razoáveis, quando, nessas circunstâncias, o titular de um direito de obtenção vegetal se dirigiu em vão ao titular da patente para obter a licença e quando a variedade vegetal representa um progresso técnico importante de interesse económico considerável relativamente à invenção reivindicada na patente (140).

128.
    Não há assim qualquer conflito entre o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), por um lado, e os artigos 8.° e 9.°, por outro.

O argumento de que não está definida a expressão «raças animais»

129.
    Os Países Baixos levantam objecções ao facto de a directiva não definir a expressão «raças animais» utilizada na alínea a) do n.° 1 do artigo 4.° O termo «variedades vegetais», também utilizado na alínea a) do n.° 1 do artigo 4.°, é, por contraste, definido no n.° 3 do artigo 2.° A finalidade da excepção para os animais é, portanto, pouco clara.

130.
    As exclusões de patenteabilidade previstas na alínea a) do n.° 1 do artigo 4.° faz eco às previstas na alínea b) do artigo 53.° da Convenção sobre a Patente Europeia, que por sua vez se baseia na alínea b) do artigo 2.° da Convenção de Estrasburgo. Este contexto não ajuda, no presente caso, a interpretar os termos utilizados, pelo que se tem de atender aos seus próprios termos.

131.
    Não existe notoriamente uma definição taxinómica geralmente reconhecida para raça (em inglês «variety») como existe para «espécie» ou «género» (141), embora se possa referir que o Shorter Oxford English Dicionary (142) dá como definição biológica de «variety»:

«A taxonomical grouping ranking next below a sub-species (where present) or species, whose members differ from others of the same species or sub-species in minor but permanent or heritable characters: the organisms which compose such a grouping» [um grupo taxinómico classificado logo abaixo da subespécie (143) (quando existir) ou espécie, cujos membros diferem dos outros da mesma espécie ou s0ubespécie por caracteres menores mas permanentes ou hereditários: os organismos que fazem parte de tal grupo].

Todas as outras versões linguísticas da directiva utilizam um termo que significa raça (em inglês «breed») que é consistente com a definição dada acima. Compreendido desta forma, o conceito de raça animal não é, do meu ponto de vista, ambíguo.

Os argumentos retirados dos considerandos 31 e 32 e dos n.os 1, alínea a), e 2 do artigo 4.°

132.
    Os Países Baixos, apoiados pela Noruega, apresentam dois argumentos para demonstrar que as disposições acima referidas são contraditórias e que, por isso, infringem o princípio da segurança jurídica.

133.
    Em primeiro lugar, o considerando 31 dispõe que um conjunto que se caracterize por um determinado gene não é abrangido pela protecção das obtenções e por este facto não está excluído da patenteabilidade, mesmo que englobe obtenções vegetais. No texto da directiva, contudo, a exclusão de patenteabilidade não está dependente da possibilidade de se adquirir um direito de obtenção vegetal. Acresce que o considerando 32 afirma que, no caso de invenção que consista apenas na modificação genética de uma determinada variedade vegetal e caso seja obtida uma nova variedade vegetal, a invenção permanece excluída da patenteabilidade, o que contradiz o considerando 31. Todavia, o considerado 32 não é lógico, pois o aparecimento de uma nova variedade vegetal deve ser irrelevante do ponto de vista da patenteabilidade: nenhuma patente pode ser obtida para uma tal variedade vegetal.

134.
    Em segundo lugar, o artigo 4.° é também ilógico: a alínea a) do n.° 1 exclui da patenteabilidade variedades vegetais e raças animais no plural, enquanto, nos termos do seu n.° 2, só as invenções respeitantes a uma só variedade não são patenteáveis. É impensável em termos científicos que uma invenção seja tecnicamente aplicada unicamente a um vegetal ou a um animal: qualquer invenção ligada a uma modificação genética de um vegetal ou de um animal será aplicável a várias variedades ou raças. O artigo 4.°, n.° 2, não faz, portanto, sentido.

135.
    Como ponto preliminar, convém mencionar as razões subjacentes à exclusão de patenteabilidade de variedades vegetais e de raças animais na directiva, prevista nos mesmos termos da exclusão na Convenção sobre a Patente Europeia (144) e da Convenção de Estrasburgo (145) (embora na Convenção de Estrasburgo a exclusão não seja imperativa (146)).

136.
    Em 1961, muito antes de a Convenção de Estrasburgo ser assinada, a maioria dos Estados que assinariam depois as duas últimas convenções, assinaram a Convenção UPOV (147). A Convenção UPOV dispõe, na sua versão original, que os membros podem conferir protecção especial às variedades vegetais ou protecção de patente (em ambos os casos, nos termos da legislação nacional) às variedades vegetais no âmbito da finalidade da Convenção, mas não os dois tipos de protecção. O artigo 2.°, alínea b), da Convenção de Estrasburgo e a alínea b) do artigo 53.° da Convenção sobre a Patente Europeia excluem a protecção da patentepara variedades vegetais em concordância com esta abordagem internacionalmente aceite (148).

137.
    Convém recordar que, na época em que a directiva estava a ser elaborada e submetida ao processo legislativo, não era claro o objectivo da excepção para as variedades vegetais, constante do artigo 53.°, alínea b).

138.
    Em Fevereiro de 1995, a Câmara Técnica de Recurso 3.3.4 do Instituto Europeu de Patentes tomou uma decisão (149) que foi extensivamente interpretada como julgando - contrariamente à jurisprudência anterior - que não é permitido um pedido contendo uma variedade no âmbito do seu objecto. Em Novembro de 1995, a Grande Câmara de Recurso decidiu (150) que, correctamente interpretada, aquela decisão considerava que vegetais que se tivessem reproduzido de células nas quais uma sequência de genes conferindo resistência aos herbicidas tivesse sido inserida eram, enquanto resultado dessa modificação genética, uma «variedade vegetal» na acepção da alínea b) do artigo 53.°

139.
    Claramente, esta decisão, cujo efeito foi o de que qualquer vegetal geneticamente modificado fosse considerado como uma variedade vegetal e, portanto, não patenteável, subestimou seriamente um dos principais objectivos da directiva. O Conselho e o Parlamento confirmaram nas suas observações escritas ao Tribunal de Justiça que esta jurisprudência do Instituto Europeu de Patentes explica a terminologia das disposições relevantes da directiva, que foram elaboradas com a finalidade de não conduzirem ao mesmo resultado. O considerando 31 dispõe que um conjunto vegetal que se caracterize por determinado gene não é abrangido pela protecção das obtenções, mesmo que englobe obtenções vegetais. Esta situação, contudo, tem de ser distinguida de uma invenção que consista apenas na modificação genética de uma determinada variedade vegetal, mesmo que seja obtida uma nova variedade vegetal: neste caso, o considerando 32 dispõe que será aplicada a excepção de patenteabilidade. O n.° 2 do artigo 4.° inverte de facto a decisão no processo Plant Genetic Systems: uma invenção - como a modificação de uma variedade vegetal para aumentar a resistência a um herbicida - pode ser patenteada se a exequibilidade técnica da invenção não se limitar a uma determinada variedade, ou dito de outra forma, não será excluída da patenteabilidade unicamente por o pedido abranger um conjunto vegetal que englobe mais do que uma variedade.

140.
    Chame-se a atenção para o facto de a interpretação acima exposta dos considerandos 31 e 32 e do artigo 4.°, n.° 2, estar de acordo com a jurisprudência constante do Instituto da Patente Europeia, na sequência da decisão de Dezembrode 1999 da Grande Câmara de Recurso proferida no processo Novartis/Transgenic Plant (151).

141.
    Nestes termos, concluo dever ser rejeitado o argumento de que a directiva deve ser anulada com o fundamento de que infringe o princípio da segurança jurídica.

O argumento da violação das obrigações internacionais

142.
    Os Países Baixos invocam que, ao adoptar a directiva, o Parlamento e o Conselho infringiram o artigo 228.°, n.° 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.°, n.° 7, CE), pois a directiva é incompatível com várias obrigações internacionais.

143.
    O artigo 228.° diz respeito aos acordos celebrados entre a Comunidade e um ou mais Estados ou organizações internacionais. O n.° 7 do mesmo artigo dispõe:

«Os acordos celebrados nas condições definidas no presente artigo são vinculativos para as instituições e para os Estados-Membros.»

144.
    As obrigações internacionais invocadas pelos Países Baixos resultam do acordo TRIP, do Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio, da Convenção sobre a Patente Europeia e da Convenção sobre a Diversidade Biológica.

145.
    O Conselho suscita, como ponto preliminar, a questão de saber se um acto comunitário que infringe disposições de um acordo internacional no qual a Comunidade é parte só é ilegal se tais disposições têm efeito directo (152). O Conselho entende que, devido à sua natureza, as disposições do acordo TRIP, do Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio, da Convenção sobre a Patente Europeia e da Convenção sobre a Diversidade Biológica não têm efeito directo. A sua alegada violação não pode, em consequência, ser invocada como fundamento para questionar a legalidade da directiva.

146.
    Contudo, não considero suficiente que, admitindo que as disposições dos acordos internacionais referidos não têm efeito directo, isso confirme a conclusão a que o Conselho chega. No acórdão Alemanha/Conselho (153), invocado peloConselho para fundamentar a sua afirmação, o Tribunal de Justiça decidiu que podia fiscalizar a legalidade de um acto comunitário à luz das obrigações internacionais (as disposições do GATT), que não tinham efeito directo, no caso de a Comunidade ter pretendido dar execução a uma obrigação particular assumida no âmbito dessas obrigações ou de o acto comunitário remeter expressamente para determinadas disposições dessas regras (154). É este o critério, e não o do efeito directo, que parece mais adequado neste contexto.

147.
    Mais genericamente, pode pensar-se que, em qualquer caso, é desejável, por uma questão de orientação, que o Tribunal de Justiça possa fiscalizar a legalidade da legislação comunitária à luz dos Tratados vinculativos para a Comunidade. Não há outro órgão jurisdicional que esteja em posição de fiscalizar a legislação comunitária, pelo que, se ao Tribunal de Justiça for negada esta competência, os Estados-Membros podem ficar sujeitos a obrigações em conflitos e sem meios para as resolver.

148.
    Neste sentido, proponho que seja considerado o essencial do argumento dos Países Baixos respeitante à alegada violação pela directiva das obrigações internacionais dos Estados-Membros, não sem subscrever a posição do Conselho.

Violação do acordo TRIPs

149.
    Os considerandos 12 e 36 do preâmbulo da directiva dispõem o seguinte:

«(12)     Considerando que o Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (acordo TRIP) ... assinado pela Comunidade e pelos seus Estados-Membros, entrou em vigor; que este acordo prevê que a protecção conferida por uma patente seja assegurada para os produtos e processos em todos os domínios tecnológicos;

[...]

(36)    Considerando que o acordo TRIP prevê a possibilidade de os membros da Organização Mundial do Comércio excluírem da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial é necessário impedir no seu território, a fim de proteger a ordem pública e os bons costumes, incluindo a protecção da saúde e da vida dos seres humanos, dos animais e dos vegetais, ou no intuito de evitar danos graves no ambiente, desde que essa exclusão não decorra unicamente do facto de a exploração ser proibida pela respectiva legislação.»

150.
    O artigo 1.°, n.° 2, da directiva determina:

«A presente directiva não prejudica as obrigações que decorrem, para os Estados-Membros, das convenções internacionais, nomeadamente do acordo TRIP e da Convenção sobre a Diversidade Biológica.»

151.
    O artigo 27.°, n.° 3, alínea b), do acordo TRIPs permite aos membros excluir da patenteabilidade:

«As plantas e animais, com excepção dos microrganismos, e os processos essencialmente biológicos de obtenção de plantas e animais, com excepção dos processos não biológicos e microbiológicos [...]»

152.
    Os Países Baixos sustentam que a directiva impede os Estados-Membros optarem por essa possibilidade, pois prevê um sistema de patenteabilidade que se aplica a vegetais e animais que não se limitem a uma determinada variedade vegetal ou raça de animal. A directiva é, assim, incompatível com o acordo TRIPs.

153.
    Parece-me que este argumento pode ser analisado sem necessidade de discutir mais em detalhe se os considerandos 12 e 36 e o artigo 1.°, n.° 2, da directiva são suficientes para conferir ao Tribunal de Justiça competência para fiscalizar a legalidade da directiva à luz do acordo TRIPs.

154.
    A opção do artigo 27.°, n.° 3, alínea b), do acordo TRIPs permite aos membros da OMC excluírem da patenteabilidade uma vasta gama de items. A Comunidade, como membro, optou, no artigo 4.°, n.° 1, da directiva, por excluir da patenteabilidade somente uma parte dessa gama. A Comunidade exerceu, desta forma, a opção conferida nos termos do artigo 27.°, n.° 3. O facto de a opção ter deixado de estar disponível para os Países Baixos é uma consequência, não da violação do acordo TRIPs, mas do efeito harmonizador da directiva.

155.
    Acresce que os Países Baixos não podem invocar o artigo 1.°, n.° 2, da directiva. Esta disposição prevê que a directiva não prejudica as obrigações decorrentes do acordo TRIPs. As obrigações dos Países Baixos ao abrigo do Acordo não são, contudo, afectadas pelo artigo 4.°, n.° 1, da directiva, que simplesmente exerce um direito (uma opção), não afectando tais obrigações.

Incompatibilidade com o Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio

156.
    Os Países Baixos sustentam que a directiva contém regulamentos técnicos na acepção do Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio (155), cujo artigo 2.° regula a adopção de tais regulamentos. Além disso, devem ser publicados avisos dos projectos de regulamentos técnicos e os mesmos devem ser notificados ao Secretariado da OMC nos termos do artigo 2.9 do acordo. Os Países Baixos não têm conhecimento de que o referido procedimento tenha sido adoptado; de qualquer maneira, tal não decorre da própria directiva para poder ser apreciado pelo Tribunal de Justiça.

157.
    O Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio tem por finalidade assegurar que os regulamentos técnicos e as normas, incluindo os requisitos relativos à embalagem, marcação e rotulagem, bem como os procedimentos de avaliação da conformidade com os regulamentos técnicos e normas, não criem obstáculos ao comércio internacional (156). O artigo 1.3 prevê que todos os produtos, incluindo os produtos industriais e os agrícolas, ficam sujeitos às disposições do acordo. O acordo exige que os membros assegurem que os regulamentos técnicos não serão elaborados, adoptados e aplicados na perspectiva ou com o efeito de criar obstáculos ao comércio internacional (157) e impõe certas exigências de publicação e notificação sempre que um regulamento técnico possa ter um efeito significativo no comércio de outros membros (158). A expressão «regulamento técnico» é definida da seguinte forma:

«Documento que identifica as características de um produto ou de processos e métodos de produção relacionados com essas características, incluindo as disposições administrativas aplicáveis, cujo cumprimento é obrigatório. Pode também incluir ou conter exclusivamente terminologia, símbolos, requisitos em matéria de embalagem, marcação ou etiquetagem aplicáveis a um produto, a um processo ou a um método de produção». (159)

158.
    O Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio é, como o acordo TRIPs, um acordo OMC. A directiva não lhe faz qualquer referência, nem há qualquer indicação de que a directiva o pretende implementar, na acepção dajurisprudência do Tribunal de Justiça (160). Por isso, o acordo não pode, no meu ponto de vista, ser invocado num processo de anulação da directiva.

159.
    Não consigo, em caso algum, encontrar qualquer argumento para apoiar a afirmação de que a directiva é um regulamento técnico nos termos definidos no acordo e, consequentemente, dentro dos objectivos do acordo. Não específica as características do produto no sentido do acordo, nem cria obstáculos ao comércio internacional. Nestes termos, considero dever ser rejeitado o argumento apresentado pelos Países Baixos nesta matéria.

Incompatibilidade com a Convenção sobre a Patente Europeia

160.
    O artigo 53.°, alínea a), da Convenção sobre a Patente Europeia dispõe que uma patente pode não ser concedida para invenções cuja publicação ou execução seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes, não podendo a execução ser considerada como tal pelo único facto de ser proibida, em todos os Estados contratantes ou num ou vários de entre eles.

161.
    O artigo 6.°, n.° 1, da directiva dispõe que invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes são excluídas da patenteabilidade, não podendo a exploração ser considerada como tal pelo simples facto de ser proibida por disposição legal ou regulamentar. O artigo 6.°, n.° 2, especifica vários processos e uma utilização que são concretamente consideradas não patenteáveis (161).

162.
    Os Países Baixos invocam que o critério da não patenteabilidade nos termos da directiva é o de saber se a exploração comercial de uma invenção é contrária à ordem pública ou bons costumes. Contudo, o critério no âmbito da convenção é o de saber se a «publicação e exploração» de uma invenção são contrárias à ordem pública ou bons costumes. Ademais, uma patente nacional terá de ser recusada pelas razões específicas do artigo 6.°, n.° 2, da directiva, enquanto a convenção prevê fundamentos mais genéricos. Uma invenção que tenha sido considerada não patenteável ao abrigo da directiva, pode, independentemente deste facto, ser válida num Estado-Membro como patente europeia. A directiva e a convenção são, assim, incompatíveis e o artigo 1.°, n.° 2, da directiva é, portanto, nulo.

163.
    Contudo, é para mim claro que o artigo 228.°, n.° 7, do Tratado não se aplica à Convenção sobre a Patente Europeia, pois a convenção não é um acordo celebrado pela Comunidade. A Comunidade não está, portanto, vinculada pela convenção e a directiva não a pode violar. A alegada incompatibilidade entre aconvenção e a directiva não pode, ainda que efectiva, ser fundamento de anulação da directiva.

164.
    Seja como for, qualquer diferença existente entre os requisitos substantivos dos dois instrumentos é, em minha opinião, marginal. Como ficou demonstrado no contexto do terceiro fundamento de anulação invocado pelos Países Baixos, e em particular na discussão sobre a finalidade da excepção de ordem pública, não existe qualquer razão para se considerar que o conceito de ordem pública deva ser interpretado de forma diferente na convenção e na directiva. Qualquer risco de os órgãos jurisdicionais nacionais, ao aplicarem a legislação nacional de implementação da directiva, interpretarem o conceito de forma diferente do Instituto Europeu da Patente Europeia ao aplicar a convenção, encontra-se actualmente ainda mais reduzido, uma vez que o texto integral da directiva foi incorporado (depois da interposição do presente recurso) no regulamento de execução da convenção, que determinaram que a directiva «deve ser utilizada como meio de interpretação suplementar» (162).

165.
    É certo que subsiste o facto de a proibição da patenteabilidade prevista na convenção ser extensiva a invenções cuja publicação seja contrária à ordem pública e aos bons costumes, quando isso não acontece com proibição prevista na directiva, pois se refere unicamente à exploração comercial (163). Esta diferença, todavia, não tem, em minha opinião, qualquer efeito prático, pois é dificilmente concebível uma invenção cuja publicação, mas não a sua comercialização, seja contrária a tais regras.

166.
    Nestes termos, considero dever ser rejeitado o argumento apresentado pelos Países Baixos nesta matéria.

Incompatibilidade com a Convenção sobre a Diversidade Biológica

167.
    Os considerandos 55 e 56 da directiva dispõem:

«(55)    Considerando que a Comunidade, na sequência da Decisão 93/626/CEE (7), é parte contratante na Convenção sobre a Diversidade Biológica de 5 de Junho de 1992; que, a este respeito e no âmbito da implementação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, os Estados-Membros terão nomeadamente em conta o artigo 3.°, a alínea j) do artigo 8.°, a segunda frase do n.° 2 e o n.° 5 do artigo 16.° da referida convenção;

(56)    Considerando que a terceira conferência das partes contratantes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada em Novembro de 1996,reconheceu, na sua Decisão III/17, 'ser necessário prosseguir os trabalhos tendentes ao desenvolvimento de uma concepção comum da correlação existente entre direitos de propriedade intelectual e as disposições relevantes do Acordo sobre os aspectos comerciais dos direitos de propriedade intelectual e da Convenção sobre a Diversidade Biológica, nomeadamente no que respeita às questões relativas às transferências de tecnologia, à conservação e utilização sustentável da biodiversidade e à repartição equitativa dos benefícios gerados pela utilização de recursos genéticos, incluindo a preservação dos conhecimentos, inovações e práticas das comunidades autóctones e locais que consubstanciem modos de vida tradicionais importantes para a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade‘»

168.
    O artigo 1.°, n.° 2, da directiva estabelece:

«A presente directiva não prejudica as obrigações que decorrem, para os Estados-Membros, das convenções internacionais, nomeadamente do acordo TRIPs e da Convenção sobre a Diversidade Biológica.»

169.
    A Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada pela Comunidade e por todos os Estados-Membros em 5 de Junho de 1992 e aprovada pela Comunidade em 25 de Outubro de 1993 (164), procura assegurar a conservação e a utilização de uma maneira sustentável da diversidade biológica (165). Um dos aspectos importantes é a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos, inclusivamente através do acesso adequado a esses recursos e da transferência apropriada das tecnologias relevantes, tendo em conta todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias (166). A Noruega, como membro do Espaço Económico Europeu, é também parte na convenção.

170.
    Os recursos genéticos são definidos como «o material genético de valor real ou potencial». Material genético é definido como «todo o material de origem vegetal, animal, microbiana ou de outra origem, que contenha unidades funcionais de hereditariedade». A tecnologia inclui a biotecnologia (167).

171.
    O artigo 3.° da convenção determina:

«De acordo com a Carta da Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar os seus própriosrecursos na aplicação da sua própria política ambiental e a responsabilidade de assegurar que as actividades sob a sua jurisdição ou controlo não prejudiquem o ambiente e outros Estados ou áreas situadas fora dos limites da sua jurisdição.»

172.
    O artigo 8.° da convenção prevê certas medidas a serem tomadas para promover a diversidade biológica em habitats naturais. A alínea j) determina que cada parte contratante deve «respeitar, conservar, preservar e manter o conhecimento, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e locais que envolvam estilos tradicionais de vida relevantes para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica».

173.
    O artigo 16.°, n.° 2, da convenção prevê que seja assegurado ou facilitado o acesso e a transferência de tecnologia, incluindo biotecnologia, para países em desenvolvimento em termos justos e mais favoráveis. O segundo período do artigo 16.°, n.° 2, estabelece que, no caso da tecnologia sujeita a patentes, o seu acesso e sua transferência deverá ser assegurado em condições que reconheçam e sejam consistentes com a protecção adequada e eficaz dos direitos de propriedade intelectual. O artigo 16.°, n.° 5, reconhecendo que as patentes podem influenciar a aplicação da convenção, dispõe que as partes contratantes devem assegurar que esses direitos apoiem e não se oponham aos objectivos da convenção.

174.
    Os Países Baixos sustentam ser confusa a relação entre a patenteabilidade das invenções biotecnológicas e as obrigações decorrentes da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Em particular, não está claro em que medida a concessão de uma patente a uma invenção biotecnológica obtida, ou constituída, por material biológico, que só pode ser encontrado em países em desenvolvimento ou desenvolvido por métodos tradicionais, é compatível com a obrigação de justa partilha do conhecimento e dos benefícios dos recursos genéticos. Quando uma patente for conferida, o direito do titular abrange não só a invenção biotecnológica protegida ou material, mas também os produtos desse material. Por isso, os agricultores nos países em vias de desenvolvimento só poderão aproveitar dessa invenção depois dos pagamentos devidos ao titular da patente. A implementação da directiva pode, assim, envolver uma violação da convenção.

175.
    Acresce que, embora a directiva estabeleça uma distinção clara entre invenções que são patenteáveis e descobertas que não o são, há o risco de que aos produtos tradicionais e processos oriundos dos países em desenvolvimento seja por engano atribuída uma patente apesar de serem descobertas e não invenções: na prática, é difícil determinar se matéria viva é uma descoberta ou invenção, precisamente porque nem todos os produtos e processos tradicionais são conhecidos. Neste caso, o aparecimento de uma destas patentes beneficiaria não o país em desenvolvimento em causa mas o titular (Ocidental) da patente. O país em desenvolvimento teria de intentar longos e dispendiosos processos judiciais para contestar a patente já conferida, o que entraria em conflito com a convenção, que dispõe que o conhecimento e os benefícios dos recursos genéticos nos países em vias de desenvolvimento devem ser justamente partilhados.

176.
    A Noruega sustenta que vários aspectos da directiva são incompatíveis com o objecto e finalidade da convenção. A implementação da directiva pode, portanto, obrigar os Estados a desrespeitar as disposições da convenção. Acresce que a adopção da directiva pelo comité misto do EEE criará sérios problemas para a Noruega, que ficará sujeita a obrigações incompatíveis decorrentes de Tratados. Em consequência, a directiva deve ser anulada.

177.
    Em minha opinião, o argumento de que a directiva é incompatível com a Convenção sobre a Diversidade Biológica falha na apreciação dos respectivos objectivos e das esferas de aplicação dos dois instrumentos.

178.
    A directiva, como ficou claro na análise no contexto dos primeiros fundamentos de anulação, exige que os Estados-Membros da União Europeia assegurem que as suas legislações nacionais confiram patentes para invenções biotecnológicas nos termos definidos na directiva. Para esse efeito, impõe um conjunto de obrigações bem específicas aos Estados-Membros, neste estrito contexto. As patentes conferidas nos termos da directiva serão, evidentemente como todas as patentes, territorialmente limitadas.

179.
    A convenção, pelo contrário, tem mais a natureza de um acordo quadro. Tendo definido os seus objectivos no artigo 1.°, a convenção propõe uma série de propostas a adoptar pelas partes contratantes (que em 5 de Junho de 2001 eram 180 Estados a nível mundial), em muitos casos unicamente «na medida do possível e do apropriado» (168). O objectivo da convenção é bastante vasto; as medidas sugeridas são bastante variadas e em muitos casos expressas em termos gerais.

180.
    É axiomático que nada na directiva exige que os Estados que não sejam Estados-Membros da União Europeia (ou partes contratantes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu) confiram a protecção de uma patente a uma invenção biotecnológica (embora, evidentemente, outros instrumentos, incluindo o acordo TRIPs, possam ter, precisamente, esse efeito). Assim, permanece inalterada pela directiva a abordagem dos países em desenvolvimento - onde, como a Noruega sugere, está concentrada a maior parte da riqueza genética - em relação à protecção da patente para invenções biotecnológicas.

181.
    A directiva, dizendo respeito às patentes, não pretende regular assuntos fora do domínio da propriedade industrial. Mais uma vez, como já foi anteriormente discutido e o será mais à frente (169), não é uma legislação sobre patente que deve ocupar-se de assuntos mais amplos, tais como controlar a origem do material biológico em relação ao qual uma patente é requerida. A directiva não afecta - nem podia afectar - a capacidade dos países em desenvolvimento paraestabelecerem controlos sobre os seus recursos genéticos de forma a evitar a pilhagem desregulada desses recursos. Pelo menos uma dúzia de países já tomou medidas nesse sentido, nos termos da Convenção sobre a Diversidade Biológica, e um número semelhante está actualmente a desenvolver mecanismos de controlo (170).

182.
    Não compreendo, tal como os Países Baixos sustentam, como podem os produtos tradicionais e processos oriundos dos países em desenvolvimento serem patenteados nos termos da directiva apesar de serem descobertas e não invenções. Como a directiva deixa explícito (171), para ser patenteável uma invenção tem de ser nova, tem que envolver uma actividade inventiva e tem que ser susceptível de aplicação industrial. Estas exigências, que de uma forma ou outra têm feito parte da legislação sobre patentes desde a Lei veneziana de 1474 (172), não são meras formalidades, mas sim condições essenciais da patenteabilidade, que têm de ser satisfeitas antes de uma patente ser atribuída. Recursos naturais enquanto tais não podem ser objecto de patente.

183.
    De qualquer forma, em parte nenhuma a convenção proíbe ou restringe a patenteabilidade dos materiais biotecnológicos ou mesmo dos recursos genéticos; contrariamente, o artigo 16.°, n.° 2, da convenção dispõe que o acesso e a transferência de biotecnologia sujeita a patentes deverá ser assegurado em condições que reconheçam e sejam consistentes com uma protecção adequada e eficaz dos direitos de propriedade intelectual.

184.
    Nestes termos, rejeito o argumento segundo o qual a directiva e a Convenção sobre a Diversidade Biológica são incompatíveis, sem portanto precisar de considerar as implicações que poderiam derivar de tal incompatibilidade.

O argumento quanto aos direitos fundamentais

185.
    O artigo F, n.° 2, do Tratado da União Europeia que passou, após alteração, a artigo 6.°, n.° 2, UE dispõe:

«A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.»

186.
    Os considerandos 16, 20, 21, 26 e 43 do preâmbulo da directiva estabelecem:

«(16)    Considerando que o direito de patentes deverá ser aplicado no respeito dos princípios fundamentais que garantem a dignidade e a integridade da pessoa humana; que importa reafirmar o princípio segundo o qual o corpo humano, em todas as fases da sua constituição e do seu desenvolvimento, incluindo as células germinais, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos ou de um dos seus produtos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene humano, não são patenteáveis; que esses princípios estão em conformidade com os critérios de patenteabilidade previstos pelo direito das patentes, segundo os quais uma simples descoberta não pode ser objecto de uma patente;

[...]

(20)    Considerando, consequentemente, que é necessário indicar que uma invenção que diga respeito a um elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico e que seja susceptível de aplicação industrial não é excluída da patenteabilidade, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural, estando implícito que os direitos conferidos pela patente não abrangem o corpo humano, incluindo os seus elementos, no seu ambiente natural;

(21)    Considerando que um tal elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma não se encontra excluído de patenteabilidade, uma vez que é, por exemplo, o resultado de processos técnicos que o identificaram, purificaram, caracterizaram e multiplicaram fora do corpo humano, processos que só o ser humano é capaz de executar e que a natureza é incapaz de realizar por si mesma;

[...]

(26)    Considerando que, se uma invenção disser respeito a matéria biológica de origem humana ou utilizar matéria desse tipo, no âmbito do depósito de um pedido de patente, a pessoa na qual são realizadas as colheitas deve ter tido a oportunidade de manifestar o seu consentimento informado e livre sobre as mesmas, nos termos do direito nacional;

[...]

(43)    Considerando que o n.° 2 do artigo F do Tratado da União Europeia prevê que a União respeitará os direitos fundamentais, tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.»

187.
    O artigo 3.°, n.° 1, da directiva determina:

«Para efeitos da presente directiva, são patenteáveis as invenções novas que impliquem uma actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial, mesmo quando incidam sobre um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica.»

188.
    O artigo 5.° dispõe:

«1.    O corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.

2.    Qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.

3.    A aplicação industrial de uma sequência ou de uma sequência parcial de um gene deve ser concretamente exposta no pedido de patente.»

189.
    Os Países Baixos, referindo o acórdão X/Comissão (173), sustentam que é inválido qualquer acto que infrinja um direito fundamental. Em sua opinião, a directiva infringe direitos fundamentais tanto directamente como por omissão.

190.
    Os Países Baixos sustentam, em primeiro lugar, que o artigo 5.°, n.° 2, da directiva prevê que elementos isolados do corpo humano sejam patenteáveis. O direito à dignidade do ser humano é reconhecido pelo Tribunal de Justiça como um direito fundamental. O corpo humano é o veículo da dignidade do ser humano. Fazer de partes do ser humano um instrumento não é aceitável do ponto de vista da dignidade do ser humano.

191.
    Os Países Baixos sustentam, em segundo lugar, que a directiva não consegue assegurar um tratamento cuidado da matéria biológica de origem humana e o consentimento das pessoas em relação a duas situações.

192.
    Na primeira, o doador de elementos isolados do corpo humano que são patenteados deve, no mínimo, ter algum controlo sobre o destino do seu corpo, ou de parte dele. Contudo, só no considerando 26 faz a directiva referência ao direito do doador. Os considerandos não têm efeito legal vinculativo. O facto de não existir nada no corpo da directiva que assegure que a matéria biológica de origem humana seja tratada cuidadosamente, tem de ser considerado contrário aos direitos fundamentais.

193.
    Na segunda, não há nenhuma disposição da directiva para a protecção do receptor da matéria biológica de origem humana que tenha sido processada ou obtida por meios tecnológicos. Um paciente pode, portanto, ser submetido sem o seu conhecimento ou consentimento a um tal tratamento. Os Países Baixos sustentam que as obrigações de respeitar a vida privada, a confiança médica, o direito à integridade física e a protecção do direito à informação pessoal, nos termos em que são reconhecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, podem ser agrupadas como «direitos da personalidade». No contexto do tratamento médico, o direito dos pacientes de livre escolha deve ser incluído na mesma categoria. Sem qualquer justificação, a directiva infringe seriamente estes direitos.

194.
    A Itália apoia as afirmações dos Países Baixos, acrescentando que uma directiva, que regulamenta matérias como a biotecnologia, cujos efeitos nos direitos fundamentais são inquestionáveis, sem conseguir estabelecer as necessárias garantias para que a sua aplicação proteja esses direitos, não pode ser válida.

195.
    Os Países Baixos consideram que a directiva viola direitos fundamentais de duas formas: contém uma disposição (artigo 5.°, n.° 2) contrária à dignidade do ser humano e não consegue assegurar o respeito dos direitos do doador relativos ao controlo do material doado e o direito de o paciente consentir no tratamento médico. No meu ponto de vista, é vantajoso tratar estas questões separadamente.

196.
    Chamo a atenção para o facto de os argumentos apresentados ao Tribunal relativos à compatibilidade da directiva com os direitos fundamentais se centrarem unicamente nas questões acima referidas.

197.
    Não pode haver dúvidas, no meu ponto de vista, de que os direitos invocados pelos Países Baixos são realmente direitos fundamentais, cujo respeito tem de ser assegurado na ordem jurídica comunitária. O direito à dignidade humana é, talvez, o direito mais fundamental de todos e está agora expresso no artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (174), que dispõeque a dignidade do ser humano é inviolável e deve ser respeitada e protegida. O direito ao consentimento livre e esclarecido, tanto do doador de partes do corpo humano, como do receptor do tratamento médico, pode também, com propriedade, ser visto como fundamental; está actualmente reflectido também no artigo 3.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que prevê que, no domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados «o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei». Tem de se aceitar que qualquer instrumento que viole estes direitos é inválido.

198.
    No meu ponto de vista, contudo, a directiva não infringe direitos fundamentais, como alegam os Países Baixos e a Itália.

Infringe o artigo 5.°, n.° 2, da directiva direitos fundamentais?

199.
    Em primeiro lugar, não posso aceitar em termos absolutos a afirmação dos Países Baixos de que uma patente para um elemento isolado do corpo humano é contrária à dignidade humana. Esta afirmação parece basear-se na premissa de que a protecção como patente destes elementos resulta numa apropriação de parte do corpo humano em causa. Acresce que a directiva prevê que nem o próprio corpo humano, nem um dos seus elementos, pode ser patenteado (175). Como regra geral do direito geral das patentes, expressa no artigo 3.°, n.° 1, da directiva, só as invenções novas, que impliquem uma actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial, são patenteáveis (176). A descoberta de elementos do corpo humano, tais como os genes, não pode portanto ser patenteada; só quando um gene tiver sido isolado do seu estado natural, por exemplo, processando-o por fases de purificação que o separam das moléculas que lhe estão naturalmente associadas, pode vir a ser patenteado, mas unicamente se a aplicação industrial, por exemplo para a produção de novos medicamentos, for exposta no pedido de patente, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, da directiva. A patente, portanto, não cobre o gene tal como se encontra no corpo humano, pois os genes no corpo não estão na forma isolada e purificada que é o objecto da patente (177).

200.
    Assim, a máxima «não há patente da vida» é qualquer coisa de muito simplista.

201.
    Todavia, podem ser concebíveis circunstâncias em que a atribuição de uma patente para um elemento isolado do corpo humano ofenda a dignidade humana; tanto mais que os desenvolvimentos futuros na biotecnologia tornam exequíveis produtos ou processos que são hoje inconcebíveis, mas que ofenderiam também a dignidade humana. Contudo, tais invenções seriam, inquestionavelmente, impatenteáveis nos termos da directiva, por força da exclusão de patenteabilidade contida no artigo 6.°, n.° 1, das invenções cuja exploração comercial seja contrária aos bons costumes. Esta salvaguarda está redigida de forma a adaptar-se a desenvolvimentos futuros: a generalidade da afirmação assegura que possa ser aplicada a invenções neste domínio, que evolui depressa, cujos contornos concretos não podem ser previstos no presente. Foi sem dúvida por esta razão que o legislador optou por não colocar no artigo 6.°, n.° 2, uma lista exaustiva de exemplos de invenções que devem ser consideradas patenteáveis nos termos do artigo 6.°, n.° 1. Uma apreciação caso a caso de cada pedido de patente à luz do consenso moral é uma garantia segura de que o direito à dignidade humana será respeitado e este é o quadro estabelecido pela directiva.

202.
    Parece-me, assim, que os artigos 5.° e 6.° da directiva estabelecem uma linha cuidadosa entre os casos em que elementos do origem humana não podem ser considerados como patenteáveis e aqueles em que o podem ser.

203.
    A directiva reflecte também as conclusões do Grupo de Conselheiros da Comissão das Comunidades Europeias sobre as implicações éticas da biotecnologia. No seu relatório sobre os aspectos éticos da patenteabilidade de invenções envolvendo elementos de origem humana (178), o grupo de conselheiros não recomenda a exclusão da patenteabilidade dessas invenções como questão de princípio, mas considera que deve ser sujeita a certos princípios éticos, para salvaguardar o respeito dos direitos humanos fundamentais. Assim, refere: «Seja qual for a natureza das invenções biotecnológicas que envolvam elementos de origem humana, a directiva deve dar garantias suficientes para que a recusa de conceder uma patente a uma invenção, quando infrinja os direitos de uma pessoa e o respeito da dignidade humana, seja legalmente fundamentada». A garantia encontra-se prevista na exclusão da patenteabilidade com fundamento nos bons costumes contida no artigo 6.°, n.° 1, da directiva.

204.
    Considero, assim, que a directiva não infringe a dignidade humana ao prever que elementos isolados do corpo humano possam ser patenteados.

A não exigência do consentimento infringe um direito fundamental?

205.
    Não é suficiente, contudo, dizer que as disposições da directiva não infringem, elas próprias, direitos fundamentais. A queixa dos Países Baixos e da Itália refere também que a directiva não prevê determinadas disposições para proteger esses direitos e, portanto, viola-os. Em particular, não consegue garantir que estes direitos sejam respeitados no caso de as patentes serem originalmente atribuídas a produtos e processos e de os produtos e processos patenteados serem subsequentemente explorados e utilizados.

206.
    Os Países Baixos sustentam, em primeiro lugar, que a directiva deve prever que o dador de elementos isolados do corpo humano que são patenteados tenha o controlo sobre o destino do seu corpo ou de parte dele.

207.
    O considerando 26 dispõe que, se o depósito de um pedido de patente disser respeito a matéria biológica de origem humana ou utilizar matéria desse tipo, o dador do material «deve ter tido a oportunidade de manifestar o consentimento informado e livre sobre as mesmas, nos termos do direito nacional».

208.
    Este considerando teve a sua origem numa emenda proposta pelo Parlamento de inserção de um novo artigo 8.°-A, n.° 2, na directiva, exigindo inter alia que o requerente de tal patente tivesse de «fornecer às autoridades prova de que essa substância foi utilizada e proposta para patente com o acordo livre e fundamentado da pessoa da qual a mesma provém [...]» (179). Esta emenda não foi aceite.

209.
    Não é claro na terminologia do considerando 26, nas diferentes versões linguísticas, se o consentimento está relacionado com o depósito do pedido de patente ou com a colheita do material do dador. O considerando 26 pode, assim, não ser tão abrangente como a recomendação do grupo de conselheiros da Comissão (180), que tem a seguinte redacção:

«O princípio ético do consentimento livre e informado da pessoa de quem as colheitas são feitas, tem de ser respeitado. Este princípio implica que a informação da pessoa tem de ser completa e específica, em particular no potencial da aplicação da patente da invenção, no que respeita ao uso que pode ser feito do elemento. Uma invenção baseada no uso de elementos de origem humana, colhidos sem o respeito pelo princípio do consentimento, não preenche as exigências éticas.»

210.
    Evidentemente, é desejável que nenhum elemento de origem humano seja colhido sem o consentimento da pessoa. Este princípio encontra-se expresso com evidência na Carta dos Direitos Fundamentais da UE (181), estando também inscrito no capítulo II da Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa (182), que prevê que uma intervenção no domínio da saúde só pode ser realizada depois de a pessoa em questão manifestar o seu consentimento livre e informado em relação à mesma (183).

211.
    Na minha opinião, contudo, embora a exigência do consentimento para todos os tipos potenciais de utilizações de material de origem humana deva ser considerada fundamental, o direito da patente não é o contexto apropriado para a imposição e controlo desta exigência. Uma patente, como anteriormente exposto (184), limita-se a conferir ao titular o direito de proibir terceiros de produzirem, utilizarem ou venderem a invenção patenteada. A forma como o titular da patente atribuída a utiliza, ou explora essa invenção, é regulada, não pelo direito da patente mas pelo direito nacional e pelas práticas administrativas no domínio em causa.

212.
    Acresce que condicionar a atribuição de uma patente biotecnológica à prova deste consentimento - presumivelmente com fundamento no princípio da moralidade pública - seria, em minha opinião, impraticável. Uma invenção biotecnológica pode resultar da investigação sobre milhares de amostras de sangue e de tecidos, possivelmente colhidas e combinadas anonimamente no momento da análise. Considero não ser razoável esperar que quem examine a patente se satisfaça com o facto de a cadeia de consentimento não ter sido quebrada e estar provada. A responsabilidade de assegurar que o consentimento é dado recai, antes, no pessoal médico e de investigação; esta responsabilidade, em conjunto com a forma e finalidade do consentimento, deve ser imposta pela regulamentação nacional, códigos, práticas, etc., fora do contexto da patente. Esta abordagem não é inconsistente com o considerando 26, que se refere ao «direito nacional». A patenteabilidade, por outro lado, deve ser assegurada unicamente com base na natureza do próprio produto ou processo, ou com o fundamento de existirem objecções a qualquer sua aplicação comercial ou industrial.

213.
    Assim, na minha opinião, a directiva não é o lugar correcto para regras disciplinadoras do consentimento do doador ou do receptor de elementos deorigem humana. Na verdade, estas questões de consentimento surgem normalmente com respeito a qualquer utilização de material humano, tais como transplantes, doação de órgãos, etc. Isto confirma a ideia de que estas questões não devem ser resolvidas pelo direito da patente, em particular pelo direito da patente tal como é aplicado neste sector específico.

214.
    Os Países Baixos sustentaram também que a directiva, ao não exigir que o paciente deva consentir no tratamento médico envolvendo material que foi processado ou obtido por meios biotecnológicos, infringe direitos fundamentais. As condições de exploração ou utilização de invenções patenteadas estão, como já anteriormente exposto (185), fora do âmbito do direito da patente, devendo ser controladas por outros meios. Isto resulta claro do considerando 14: não cabe ao direito da patente substantivo, que apenas confere ao titular o direito de proibir que terceiros a explorem para fins industriais e comerciais, substituir-se ao controlo ético da investigação ou aos resultados da sua utilização comercial. Igualmente, como o Conselho sublinha, a directiva não contém disposições exigindo que o receptor do material biologicamente processado tenha que ser informado apenas porque não regula nem pretende regular a utilização e comercialização de tais matérias.

215.
    Assim, chego à conclusão de que a directiva em si não infringe, quer pelo que prevê, quer pelo que não prevê, direitos fundamentais reconhecidos pelo direito comunitário. Não está excluída a possibilidade de uma aplicação concreta da directiva num Estado-Membro vir a infringir direitos fundamentais, apesar de a directiva conter disposições para evitar essa consequência. Mas a conclusão, no meu ponto de vista, é clara de que a directiva em si não infringe direitos fundamentais.

O argumento de que o procedimento correcto não foi adoptado

216.
    Os Países Baixos sustentam que a directiva não foi correctamente adoptada, pois fundamenta-se numa proposta inválida da Comissão. Nestes termos, infringe as disposições conjugadas dos artigos 100.°-A e 189.°-B, n.° 2, do Tratado CE, ou pelo menos, estas disposições em conjugação com o artigo 190.° do Tratado CE.

217.
    O artigo 189.°-B, n.° 2 do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 251.°, n.° 2, CE) dispõe, em relação à regulamentação abrangida por este artigo, que a Comissão apresenta uma proposta ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

218.
    O artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE) estabelece:

«Os regulamentos, directivas e decisões adoptadas em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho [...] serão fundamentados e referir-se-ão às propostas ou pareceres obrigatoriamente obtidos por força do presente Tratado.»

219.
    Os Países Baixos sustentam que o funcionamento da Comissão obedece ao princípio da colegialidade (186). Este princípio assenta na igualdade dos comissários relativamente à participação na tomada de decisões e implica, nomeadamente, por um lado, que as decisões sejam tomadas em comum e, por outro, que todos os membros do órgão colegial sejam colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das decisões tomadas (187). As condições formais que se prendem com o respeito efectivo do princípio da colegialidade variam em função da natureza e dos efeitos jurídicos dos actos adoptados por esta instituição (188). A proposta da Comissão, indispensável para a adopção da directiva, devia ter sido adoptada pelo colégio na sua versão definitiva tal com o foi apresentada ao Parlamento e ao Conselho; o seu texto devia ter sido também disponibilizado à totalidade dos membros do colégio em todas as línguas oficiais, quando foi adoptado pela Comissão. Nada na directiva sugere que esta condição essencial do procedimento tenha sido observada.

220.
    Em relação a este argumento do princípio da colegialidade, resulta da réplica que os Países Baixos não alegam que este princípio foi de facto violado, mas unicamente que a Comissão não verificou o seu cumprimento, ou pelo menos, não há referência a tal verificação no preâmbulo.

221.
    Quanto à afirmação de que a Comissão não verificou o cumprimento do princípio, a Comissão sustenta (e os Países Baixos não contestam) que a proposta foi adoptada pela Comissão na sua reunião de 13 de Dezembro de 1995; pelo que a adopção é inquestionavelmente válida.

222.
    Quanto à afirmação de que o preâmbulo da directiva nada refere, chamo a atenção para que nenhuma das disposições do Tratado invocadas pelos Países Baixos em apoio do que parece afirmar impõe que a legislação comunitária refira que o princípio foi respeitado.

223.
    Relativamente ao argumento de que a proposta devia ter sido disponibilizada à totalidade dos membros do colégio em todas as línguas oficiais quando foi adoptado pela Comissão, é necessário ter em conta que uma proposta da Comissão não é uma decisão sob a forma de um dos actos referidos no artigo189.° do Tratado e que, por esta razão, o Tratado não exige que seja adoptada em versão autêntica em todas as línguas. Aceito a afirmação da Comissão de que seria inapropriado e desnecessário, para respeito do princípio da colegialidade, exigir que uma proposta seja adoptada pelo colégio em todas as línguas.

224.
    Em apoio desta afirmação, a Comissão remete para o artigo 6.° do Regulamento n.° 1 que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (189), onde se estabelece que, nos seus regulamentos internos, as instituições comunitárias podem determinar, de entre as línguas oficiais, quais as línguas de trabalho a utilizar em casos específicos. Ao implementar esta disposição, o artigo 4.° do regulamento interno da Comissão dispõe que «A ordem dos trabalhos e os documentos de trabalho são comunicados aos membros da Comissão nos prazos e línguas de trabalho previstas por ela determinados, em conformidade com o artigo 24.°», onde se prevê que a Comissão determinará as normas de execução do regulamento interno. Estas normas de execução dispõem que os documentos de trabalho referentes à ordem de trabalhos são enviados aos membros da Comissão nas línguas fixadas pelo presidente tendo em conta as necessidades elementares dos membros. A proposta de directiva foi apresentada aos membros da Comissão em inglês, francês e alemão e - como é costume - enviada às outras instituições em todas as línguas oficiais.

225.
    Nestes termos, rejeito o argumento segundo o qual a directiva não foi correctamente adoptada, por basear-se numa proposta inválida da Comissão.

Conclusão

226.
    Daqui se conclui, pelas razões que apresentei, que o presente recurso deve, na minha opinião, ser rejeitado. Mas o recurso pode não ter sido infrutífero. É claro, penso eu, que foi motivado por preocupações compreensíveis, reflectindo o receio geral de que o prosseguimento irresponsável da investigação biotecnológica tenha consequências eticamente inaceitáveis. Embora algumas das razões invocadas sejam exclusivamente de carácter técnico, tais preocupações são fundamentais. O recurso pode não ter sido infrutífero na medida em que terá demonstrado que essas preocupações podem e devem ser atenuadas.

227.
    Assim, a directiva diz respeito em particular à patenteabilidade de invenções biotecnológicas e não à sua utilização. Neste âmbito, há garantias morais adequadas que vão, em alguns casos, para além da mera aplicação do critério existente para a patenteabilidade. O facto de o critério ético para a patenteabilidade não ser exaustivamente definido, longe de enfraquecer as garantias morais, reforça-as, pois os desenvolvimentos futuros continuarão a ser regulados por estes critérios, mesmo que não possam ser previstos hoje.Consequentemente, as invenções biotecnológicas contrárias à dignidade humana não podem, nem poderão no futuro, ser patenteáveis nos termos da directiva.

228.
    O recurso sublinha ainda a importância de que seja regulado a nível nacional o uso da matéria biotecnológica, precisamente por tal uso, porque não é abrangido pelos parâmetros de patenteabilidade, não é - nem pode ser - regulado pela directiva. Em particular, terão de ser adoptadas disposições adequadas para assegurar que o princípio da informação e do consentimento é respeitado sempre que seja colhido material de seres humanos, susceptível de ser utilizado para fins científicos e tecnológicos.

229.
    Não é, assim, a própria directiva que é questionável como resultado daquilo que prevê ou omite. É evidentemente crucial que a sua implementação seja cuidadosamente controlada para, em especial, garantir que a salvaguarda moral seja integralmente transposta e assiduamente cumprida. Considero-me satisfeito, contudo, com o facto de o quadro jurídico comunitário não ser, ele próprio, ilegal.

230.
    Nestes termos, sou de opinião de que:

«1)    Seja negado provimento ao recurso.

2)    O Reino dos Países Baixos suporte as despesas do Parlamento Europeu e do Conselho.

3)    Os intervenientes suportem as suas próprias despesas.»


1: -     Língua original: inglês.


2: -     Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998 (JO L 213, p. 13, a seguir «directiva‘).


3: -     Artigo 1.°, n.° 1.


4: -     Artigo 3.°, n.° 1.


5: -     Artigo 4.°, n.° 3.


6: -     Artigo 2.°, n.° 1, alínea b).


7: -     Artigo 2.°, n.° 1, alínea a).


8: -     Artigo 3.°, n.° 2.


9: -     Artigo 5.°, n.° 2.


10: -     Artigo 4.°, n.° 1, alínea a).


11: -     Artigo 4.°, n.° 1, alínea b).


12: -     Artigo 5.°, n.° 1.


13: -     Artigo 6.°, n.° 1.


14: -     Artigo 6.°, n.° 2.


15: -     V. nota 139.


16: -     COM(88) 496 final, de 17 de Outubro de 1988 (JO 1989, C 10, p. 3).


17: -     Artigo 2.°


18: -     Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas [COM(95) 661 final, de 13 de Dezembro de 1995, JO 1996, C 296, p. 4].


19: -     Artigo 15.°, n.° 1.


20: -     Alguns dos considerandos mais importantes são reproduzidos, mais à frente, nos n.os 42, 91, 113, 149, 167 e 186.


21: -     Os Estados contratantes são os actuais quinze Estados-Membros da UE, mais a Suíça, o Liechtenstein, o Mónaco, Chipre e a Turquia.


22: -     Artigo 1.°


23: -     O requerente tem de especificar pelo menos um Estado contratante.


24: -     Artigo 2.°


25: -     O n.° 1 do artigo 52.°, reproduzindo textualmente a primeira frase do artigo 1.° da Convenção de Estrasburgo de 1963 sobre a unificação de certos aspectos do direito de patentes de invenção. Esta convenção baseou-se grandemente no trabalho preparatório (que começou em 1950) desenvolvido pelos países escandinavos sobre um direito de patente nórdico (subsequentemente assumido na Convenção sobre a Patente Europeia) e no trabalho dos seis Estados-Membros originários da CEE sobre o direito de patente comunitário.


26: -     Artigo 53.°, que reproduz textualmente o artigo 2.° da Convenção de Estrasburgo.


27: -     Artigo 27 do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (acordo TRIPs), (JO 1994, L 336, p. 213).


28: -     Convenção sobre a Patente Europeia, artigo 83.°; acordo TRIPs, artigo 29.°, n.° 1.


29: -     Regra 27, n.° 1, alíneas e) e f), do regulamento de execução da Convenção sobre a Patente Europeia.


30: -     V., por exemplo, o artigo 93.° da Convenção sobre a Patente Europeia.


31: -     V., no geral, o considerado 14 do preâmbulo da directiva, reproduzido infra no n.° 42.


32: -     V. as orientações para o exame do Instituto Europeu de Patentes, tal como por último alteradas em Fevereiro de 2001, parte C, capítulo IV, n.° 3.3.


33: -     Não tinha entrada na anterior edição.


34: -     Assinada pela Comunidade e por todos os Estados-Membros na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 5 de Junho de 1992; anexo A à Decisão 93/626/CEE do Conselho, de 25 de Outubro de 1993, relativa à celebração da Convenção sobre a Diversidade Biológica, (JO L 309, p. 1).


35: -     Artigo 2.°


36: -     A descoberta de que a levedura era constituída por células vivas foi feita, em primeiro, lugar por um cientista francês e um cientista alemão (em separado) em 1836 e 1837; foi inicialmente ridicularizada, mas posteriormente aceite quando descrita por Pasteur em 1858. Em 1871, dois pedidos de patentes foram apresentados no Patent Office do Reino-Unido para uma fórmula de farinha com fermento compreendendo farinha e levedura seca. Em 1873, o Patent Office dos Estados Unidos atribui a Pasteur a patente da «levedura, livre de germes orgânicos e doenças, enquanto produto manufacturado». Em 1883, Hansen, na altura director da cervejaria Carlsberg em Copenhaga, que tinha conseguido desenvolver culturas de levedura a partir de uma célula isolada, utilizou uma das suas culturas para fermentar um lote de cerveja depois de a levedura original usada se ter estragado. O dono da cervejaria recusou-se a patentear o processo de cultura; pelo que foi publicado e utilizado pela maior parte das cervejarias na Europa e na América.


37: -     Embora a Austrália só em 1976 tenha atribuído a sua primeira patente a organismos vivos, uma variedade de levedura que melhorou o fabrico do pão.


38: -     Ácido desoxiribonucleico.


39: -     Assim chamadas porque atacam um segmento restrito do ADN.


40: -     E também para os animais, pois várias vacinas foram desenvolvidas, por exemplo, contra a febre aftosa e as carraças do gado. A criação de mais vastos benefícios ambientais inclui a utilização de bactérias para biodegradar os derrames de petróleo e os lixos tóxicos.


41: -     Desenvolvida em 1982.


42: -     Acórdão Diamond/Chakrabarty, 447 US 303 (1980).


43: -     A terminologia mantém-se inalterada desde o primeiro Patent Act 1793, da autoria de Thomas Jefferson.


44: -     No Japão a primeira patente para micro-organismos foi atribuída no ano seguinte. É significativo que, aparentemente, não existem razões inultrapassáveis para excluir a patenteabilidade por razões éticas ou morais, quer nos Estado Unidos da América, quer no Japão (embora nos EU, pelo menos, considerações éticas sejam relevantes para determinar se o critério da utilidade se encontra preenchido).


45: -     Referida no n.° 22, supra.


46: -     Uma patente foi também atribuída em 1988 nos EUA.


47: -     V. o n.° 1 do artigo 3.° supra n.° 187. O n.° 3 do artigo 5.° exige ainda que «a aplicação industrial de uma sequência parcial de um gene deve ser concretamente exposta no pedido de patente».


48: -     Acórdão de 13 de Julho de 1995 (Colect., p. I-1985, n.os 32 e 33).


49: -     Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (JO L 182, p. 1).


50: -     N.° 34 do acórdão.


51: -    N.° 35 do acórdão.


52: -     Acórdão de 5 de Outubro de 2000, dito «Publicidade ao tabaco» (C-376/98, Colect., p. I-8419), (publicidade ao tabaco).


53: -     N.° 86 do acórdão.


54: -     N.° 106 do acórdão.


55: -     N.° 108 do acórdão.


56: -     N.° 96 do acórdão.


57: -     N.° 97 do acórdão.


58: -     N.° 98 do acórdão.


59: -     V., por exemplo, acórdão de 29 de Fevereiro de 1968, Parke, Davis (24/67, Colect., 1965-1968, p. 759).


60: -     V., por exemplo, acórdão de 31 de Outubro de 1974, Sterling Drug (15/74, Colect., p. 475, n.° 9).


61: -     V. a nota 44.


62: -     V. acórdão Espanha/Conselho, referido na nota 48, n.° 36.


63: -     Desde a entrada em vigor do Tratado da União Europeia.


64: -     V. a nota 21.


65: -     A decisão do conselho administrativo do Instituto Europeu de Patentes, de 16 de Junho de 1999, modificou o regulamento de execução da Convenção sobre a Patente Europeia inserindo um novo capítulo VI com o título «Invenções biotecnológicas» contendo disposições no essencial idênticas aos artigos 2.°, 3.°, 4.°, n.os 2 e 3, 5.° e 6.°, n.° 2, da directiva e prevendo que a directiva seja utilizada como um meio de interpretação suplementar.


66: -     Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989 L 40, p. 1).


67: -     De 20 de Março de 1883, na redacção dada em Bruxelas, a 14 de Dezembro de 1900, em Washington, a 2 de Junho de 1911, em Haia, a 6 de Novembro de 1925, em Londres, a 2 de Junho de 1934, em Lisboa, a 31 de Outubro de 1958, e em Estocolmo, a 14 de Julho de 1967.


68: -     De 14 de Abril de 1891, na redacção dada em Bruxelas, a 14 de Dezembro de 1900, em Washington, a 2 de Junho de 1911, em Haia, a 6 de Novembro de 1925, em Londres, a 2 de Junho de 1934, em Nice, a 15 de Junho 1957 e em Estocolmo, a 14 de Julho de 1967, e modificado em 28 de Setembro de 1979.


69: -     V. o artigo 172.° da convenção.


70: -     V. a nota 65.


71: -     V. considerado 14, reproduzido no n.° 42, supra.


72: -     V. n.° 25, supra.


73: -     V. acórdão Espanha/Conselho, já referido na nota 48.


74: -     Acórdão de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho (C-155/91, Colect., p. I-939, n.° 19), em matéria de eliminação de resíduos.


75: -     V., por exemplo, acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho, dito «dióxido de titânio» (C-300/89, Colect., p. I-2867 n.os 10 e 13).


76: -     V., por exemplo, acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 74.


77: -     Modificado geneticamente para incluir um gene de outra espécie.


78: -     Referido em Pollaud-Dulian F., La brevetabilité des inventions (1997), n.° 244.


79: -     Referida por Gradi G. M. em «Patenting biotechnologies: the European Union Directive 98/44/EC of the European Parliament and of the Council of 6th July 1998 on the legal protection of biotechnological inventions» (retirado da internet).


80: -     V., por analogia, o acórdão de 29 de Março de 1990, Grécia/Conselho (C-62/88, Colect., p. I-1527, em particular o n.° 19).


81: -     Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990 (JO L 117, p. 15).


82: -     V., também, nota n.° 36, supra.


83: -     Acórdão Bäckerhefe, referido por Goldbach, K., Vogelsang-Wenke, H. e Zimmer F.-J., Protection of Biotechnological Matter under European and German Law, p. 1.


84: -     Acórdão Tetraploide Kamille, ibidem.


85: -     V., supra, n.° 60.


86: -     V. Jaenichen, H.-R., The European Patent Office's Case Law on the Patentability of Biotechnology Inventions (1993); Goldbach, K., Vogelsang-Wenke, H. e Zimmer, F.-J., Protection of Biotechnological Matter under European and German Law; e van de Graaf, E. S., Patent Law and Modern Biotechnology (1997).


87: -     Todos os Estados-Membros, excepto o Luxemburgo, são partes contratantes.


88: -     V. supra n.° 25.


89: -     Regulamento de 27 de Julho de 1994 (JO L 227, p. 1).


90: -     A Convenção Internacional para a Protecção das Obtenções Vegetais (UPOV é o acrónimo de Union internacionale pour la protection des obtentions végétales, a designação em francês da União criada pela convenção).


91: -     V. nota 18, supra.


92: -     Acórdão de 13 de Maio de 1997 (C-233/94, Colect., p. I-2405, n.° 28).


93: -     V. acórdão Alemanha/Parlamento e Conselho, já referido na nota 92, n.° 28.


94: -     Considerado 9, transcrito no n.° 42, supra.


95: -     V., por exemplo, acórdãos de 26 de Março de 1996 (British Telecommunications, C-392/93, Colect., p. I-1631), e de 17 de Outubro de 1996, Denkavit e o. (C-283/94, C-291/94 e C-292/94, Colect., p. I-5063).


96: -     V., o n.° 111, infra, para uma explicação dos termos utilizados neste considerando.


97: -     Célula germinal é o grupo de células que dá origem às células reprodutivas. Modificações à identidade genética germinal poderiam assim ser transmitidas à descendência.


98: -     V. n.° 22.


99: -     Parece, contudo, que o comité consultivo permanente do Instituto Europeu de Patentess propôs, em Setembro de 1998, que a alínea a) do artigo 53.° fosse alterada no sentido de se referir unicamente à exploração: v. Deryck Beyleveld, Why Recital 26 of the EC Directive on the Legal Protection of Biotechnological Inventions Should Be Implemented in National Law (2000), IPQ 1.


100: -     Referida na nota 25.


101: -     Presumivelmente para se adaptar aos Estados Unidos e Japão, onde, como foi referido (nota 44), não existem aparentemente exclusões gerais de carácter ético à patenteabilidade.


102: -     Van Emple, M. The Granting of European Patents (1975) p. 68, citando um estudo internacional de dez países europeus publicado na GRUR Int. 1960, p. 105.


103: -     Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993 (JO 1994, L 11, p. 1).


104: -     Referida na nota 66.


105: -     Artigo 7.°, n.° 1, alínea f), do regulamento e artigo 3.°, n.° 1, alínea f), da directiva. Refira-se que, nas conclusões apresentadas em 23 de Janeiro de 2001 no processo C-299/99, Philips Electronics, no n.° 18, o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer deu como exemplo de registo de marca comercial que seria recusado por contrário à ordem pública a marca «Babykiller» para um fármaco abortivo.


106: -     Referido na nota 89.


107: -     Artigo 63.°, n.° 3, alínea e).


108: -     Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998 (JO L 289, p. 28).


109: -     Artigo 8.°


110: -     JO 2000, C 248 E, p. 56.


111: -     Artigo 4.°, alínea a).


112: -     V. as conclusões do advogado-geral J.-P. Warner no processo Bouchereau (acórdão de 27 de Outubro de 1977, 30/77, Colect., p. 715), para a distinção entre os conceitos de public policy e ordem pública.


113: -     Acórdão de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, Colect., p. 567, n.° 18).


114: -     Artigo 11.°, n.° 2, alínea b), da Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58.° do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 08 F1 p. 3) (traduzido na versão inglesa por «public policy»); artigo 10.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de Novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados (JO L 334, p. 30) («public policy‘); artigo 14.°, n.° 5, da Segunda Directiva 90/619/CEE do Conselho, de 8 de Novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efectivo da livre prestação deserviços e altera a Directiva 79/267/CEE (JO L 330, p. 50) («public policy»); artigo 5.°, alínea b, da Directiva 91/477/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1991, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas (JO L 256, p. 51) («public policy»); artigo 15.°, n.° 6, da Directiva 93/42/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa aos dispositivos médicos (JO L 169, p. 1) («public policy»); artigo 6, n.° 2, da Directiva 94/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 1994, relativa às condições de concessão e de utilização das autorizações de prospecção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos (JO L 164, p. 3) («public safety»); e artigo 9.°, n.° 7, da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998; relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37), na versão alterada pela Directiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Julho de 1998 (JO L 217, p. 18) («public policy»).


115: -     Acórdão de 14 de Dezembro de 1979 (34/79, Recueil, p. 3795).


116: -     Acórdão de 11 de Março de 1986 (121/85, Colect., p. 1007).


117: -     N.° 15 do acórdão. V., além disso, as conclusões do advogado-geral J.-P. Warner.


118: -     Acórdão Bouchereau, já citado na nota 112, n.° 35.


119: -     Orientações para o exame do Instituto Europeu de Patentess, na sua mais recente redacção de Fevereiro de 2001, parte C, capítulo IV, n.° 3.1.


120: -     Acórdão Henn e Darby, referido na nota 115.


121: -     Decisão T-356/93 (Plant Patent Office Reports [EPOR] 1995, p. 357, n.° 6).


122: -     Reproduzido no n.° 42, supra.


123: -     O artigo 27.°, n.° 2, do acordo TRIPs tem uma disposição semelhante.


124: -     Convention de Paris - La Protection de la propriété industrielle de 1883 à 1983 (1983).


125: -     V. n.° 25, supra.


126: -     Acórdão de 20 de Setembro de 1988 (302/86, Colect., p. 4607, n.° 8) (que faz referência a um acórdão anterior de 7 de Fevereiro de 1985, ADBHU, 240/83, Recueil, p. 531).


127: -     Referido na nota 112. V. n.° 101, supra.


128: -     Refira-se ainda ser este também o entendimento do Instituto Europeu de Patentes: v. as decisões da Câmara Técnica de Recurso 3.3.2. no processo T 19/90, Harvard/Onco-mouse (EPOR 1990, p. 501) e Câmara Técnica de Recurso 3.3.4 no processo Plant Genetic Systems, referido na nota 121.


129: -     Um óvulo humano fertilizado é, por exemplo, totipotente durante os primeiros dias e ciclos de divisão celular após a fecundação: cada uma das células em que se divide tem a possibilidade de se transformar num feto. Depois de alguns destes ciclos, as células têm, contudo, de se especializar; algumas formarão a placenta, outras os vários tecidos do corpo humano. A partir deste ponto, nenhuma célula pode formar um organismo (pois nem a placenta nem o embrião se desenvolverão).


130: -     V., por analogia, acórdão de 31 de Março de 1998, France e o./Comissão (C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.os 176 e 177).


131: -     Referido na nota 114.


132: -     Referida na nota 114.


133: -     Directiva de 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legislativos dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (JO L 178, p. 1).


134: -     Artigo 2.°, n.° 3.


135: -     Referido na nota 89.


136: -     V. n.° 73.


137: -     «Quando um produto for introduzido num país da União no qual exista uma patente protegendo um processo de fabrico desse produto, o titular da patente terá, em relação ao produto introduzido, todos os direitos que a legislação do país de importação lhe conceder, em virtude da patente desse processo, relativamente aos produtos fabricados no próprio país.»


138: -     «O corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.»


139: -     Assim chamadas porque o artigo prevê também licenças obrigatórias para exploração não exclusiva a favor do titular de uma patente que não possa explorá-la sem infringir um direito de obtenção vegetal.


140: -     Artigo 12.°, n.° 3.


141: -     Câmara Técnica de Recurso 3.3.2 do Instituto Europeu de Patentes no processo Lubrizol/Hybrid plants (EPOR 1990, p. 173, n.° 12).


142: -     Edição de 1993.


143: -     A «subespécie» é definida como «morphologically [i.e. as to form] distinct sub-division of a species, especially one geographically or ecologically (though not usually genetically) isolated from other such sub-divisions» (subdivisão de uma espécie distinta morfologicamente [pela forma], especialmente por razões geográficas ou ecológicas [embora não normalmente genéticas] isolada de outras subdivisões).


144: -     Artigo 53.°, alínea b).


145: -     Citada na nota 25, artigo 2.°, alínea b).


146: -     Para a discussão das razões dessa diferença e os antecedentes em geral da exclusão nas duas Convenções, v. a decisão da Grande Câmara de Recurso do Instituto Europeu de Patentes na sua decisão G01/98, Novartis/Transgenic Plant (EPOR 2000 p. 303, n.os 3.4 a 3.7).


147: -     V. nota 90.


148: -     A proibição contra a protecção paralela foi retirada na revisão de 1991 da Convenção UPOV.


149: -     Decisão Plant genetic Systems, referida na nota 121.


150: -     G03/95 Plant Genetic Systems, decisão de 27 de Novembro de 1995.


151: -     Referido na nota 146.


152: -     Acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C-280/93, Colect., p. I-4973, n.os 103 a 111), confirmado, no que respeita ao Acordo OMC, pelo acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395).


153: -     Referido na nota 152.


154: -     N.° 111 do acórdão.


155: -     No que diz respeito à Comunidade, o acordo OMC e outro acordos relacionados, incluindo o Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio, foram aprovados pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336 p. 1). Esses acordos foram publicados como anexos à decisão; o Acordo relativo aos Obstáculos Técnicos ao Comércio foi publicado no JO 1994, L 336, p. 86. Entraram em vigor a 1 de Janeiro de 1996 na Comunidade e nos Estados-Membros.


156: -     V. o quinto considerando do preâmbulo.


157: -     Artigo 2.2.


158: -     Artigo 2.9.


159: -     N.° 1 do anexo 1.


160: -     V. acórdão Alemanha/Conselho, referido na nota 152.


161: -     O artigo 6.° encontra-se integralmente reproduzido, supra, no n.° 92.


162: -     V. nota 65.


163: -     V., contudo, a nota 99, supra.


164: -     Referida na nota 34.


165: -     V. os considerandos do preâmbulo, em particular o último considerando e o artigo 1.°


166: -     Artigo 1.°


167: -     Artigo 2.°


168: -     Artigos 5.°, 6.°, alínea b), 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.° e 14.°


169: -     V. n.° 25, supra, e os n.os 211 a 214, infra.


170: -     As Filipinas, por exemplo, exigem que os prospectores biológicos informem e tenham consentimento prévio do governo e das populações locais; o Instituto Nacional da Biodiversidade da Costa Rica assinou um acordo com as grandes empresas farmacêuticas para receber subsídios e participar nos benefícios do material biológico que é comercializado; os países do Pacto Andino exigem aos prospectores biológicos que preencham determinadas condições. (Sítio da internet sobre a Convenção sobre a Diversidade Biológica).


171: -     Artigo 3.°, n.° 1, reproduzido no n.° 187, supra.


172: -     «Qualquer instrumento inventivo [...] reduzido à perfeição, de forma que possa ser utilizado e explorado.» V. Ladas, S. P., Patents, Trademarks, and Related Rights - National and International Protection, 1975, pp. 6 e 7.


173: -     Acórdão de 5 de Outubro de 1994 (C-404/92 P, Colect., p. I-4737).


174: -     Adoptada em Nice a 7 de Dezembro de 2000: (JO C 364, p. 1).


175: -     Artigo 5.°, n.° 1.


176: -     Para exemplos da revogação ou declaração de invalidade de uma patente atribuída a um produto biotecnológico ou a processos com o fundamento inter alia de que as exigências de novidade e de actividade inventiva do direito nacional de patentes não tinham sido satisfeitas, v. as decisões da Court of Appeal (Inglaterra e País de Gales) no processo Genentech's Patent [1989] RPC 147 (proteínas geneticamente produzidas a partir de células humanas) e a House of Lords (Inglaterra e País de Gales) no processo Biogen/Medeva [1997] RPC 1 (codificação de sequência ADN de um antigene do vírus da hepatite B).


177: -     V. também a decisão da divisão de oposição do Instituto Europeu de Patentes no processo Howard Florey/Relaxin (EPOR 1995, p. 541), em que argumentos similares baseados na excepção dos bons costumes prevista no artigo 53.°, alínea a), da Convenção da Patente Europeia foram invocados sem êxito contra a patenteabilidade de fragmentos isolados de ADN que codificavam a relaxina humana H22 (uma proteína).


178: -     Parecer de 25 de Setembro de 1996.


179: -     Alteração 76/rev. da resolução legislativa que contém o parecer do Parlamento Europeu sobre uma Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à protecção jurídica das invenções tecnológicas [COM (95) 661, C4-0063/96 95/0350 (COD) (JO 1997, C 286, p. 87)].


180: -     V. nota 178.


181: -     V. n.° 197, supra.


182: -     Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano no contexto da Aplicação da Biologia e da Medicina; assinada em Oviedo a 4 de Abril de 1997; European Treaty Series n.° 164.


183: -     A convenção está em vigor desde 1 de Dezembro de 1999, embora, dos Estados-Membros da UE, só a Dinamarca, a Grécia e a Espanha a tenham assinado e ratificado.


184: -     V., supra, n.° 25.


185: -     V., supra, n.° 25.


186: -     Acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C-137/92 P, Colect., p. I-2555, n.° 62.


187: -     Ibidem, n.° 63.


188: -     Acórdão de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha (C-191/95, Colect., p. I-5449, n.° 41).


189: -     JO L 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8.