Language of document : ECLI:EU:C:2019:938

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

7 de novembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 94/22/CE — Energia — Condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos — Royalties — Métodos de cálculo — Índices QE e Pfor — Caráter discriminatório»

Nos processos apensos C‑364/18 e C‑365/18,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália), por Despachos de 14 de fevereiro de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2018, nos processos

Eni SpA (C‑364/18)

contra

Ministero dello Sviluppo Economico,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

sendo intervenientes:

Autorità di Regolazione per l’Energia, Reti e Ambiente, anteriormente Autorità  per l’energia elettrica e il gas e il sistema idrico,

Regione Basilicata,

Comune di Viggiano,

Regione Calabria,

Comune di Ravenna,

Assomineraria,

e

Shell Italia E & P SpA (C‑365/18)

contra

Ministero dello Sviluppo Economico,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Autorità di Regolazione per l’Energia, Reti e Ambiente, anteriormente Autorità  per l’energia elettrica e il gas e il sistema idrico,

sendo intervenientes:

Regione Basilicata,

Comune di Viggiano,

Assomineraria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: D. Šváby, exercendo funções de presidente de secção, K. Jürimäe e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de abril de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Eni SpA e da Shell Italia E & P SpA, por F. Todarello e F. Novelli, avvocati,

–        em representação da Comune di Viggiano, por G. Molinari, avvocato,

–        em representação da Assomineraria, por E. Bruti Liberati e A. Canuti, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. G. Marrone, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, K. Talabér‑Ritz e O. Beynet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa às condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos (JO 1994, L 164, p. 3), lido em conjugação com o sexto considerando da mesma.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, a Eni SpA ao Ministero dello Sviluppo Economico (Ministério do Desenvolvimento Económico, Itália) e ao Ministero dell'Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália) e, por outro, a Shell Italia E & P SpA (a seguir «Shell») a estes dois ministérios e à Autorità di Regolazione per l'Energia, Reti e Ambiente, anteriormente Autorità per l’energia elettrica e il gas e il sistema idrico (Autoridade Reguladora da Energia, das Redes e do Ambiente, Itália, a seguir «Autoridade»), a respeito do método de cálculo do montante dos royalties devidos por estas empresas pela exploração mineira do subsolo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do quarto e sexto a oitavo considerandos da Diretiva 94/22:

«Considerando que os Estados‑Membros têm soberania e detêm direitos soberanos sobre os recursos de hidrocarbonetos nos seus territórios;

[…]

Considerando que deve ser garantida a não discriminação no acesso e no exercício de atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, em termos que incentivem uma maior concorrência neste setor, favorecendo, pois, a integração do mercado interno da energia e contribuindo para que a prospeção, pesquisa e produção de recursos nos Estados‑Membros decorram nas melhores condições possíveis;

Considerando que, para o efeito, devem ser adotadas regras comuns que garantam que os procedimentos de concessão das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos sejam acessíveis a todas as entidades que possuam as capacidades necessárias; que a concessão das autorizações se deve basear em critérios objetivos e públicos; que as condições de concessão das autorizações devem igualmente ser do conhecimento prévio de todas as entidades que participem no processo;

Considerando que os Estados‑Membros devem manter a faculdade de limitar o acesso e o exercício dessas atividades com base em motivos de interesse geral e sujeitá‑los ao pagamento de uma contrapartida financeira ou em hidrocarbonetos, devendo as modalidades da referida contrapartida ser estabelecidas por forma a não interferir na gestão das entidades; que essa faculdade deve ser exercida de forma não discriminatória; que, com exceção das condições ligadas ao exercício desta faculdade, são necessárias medidas para evitar impor às entidades condições e obrigações não justificadas pela necessidade de levar a bom termo essas atividades; que o controlo das atividades das entidades se deve limitar ao necessário para assegurar o cumprimento dessas obrigações e condições».

4        O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva dispõe:

«Quando sejam abertas áreas ao exercício das atividades enumeradas no n.o 1, os Estados‑Membros garantirão que não haja discriminação entre as entidades no que respeita ao acesso e ao exercício dessas atividades.»

5        O artigo 6.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva prevê:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão por que as condições e exigências referidas no n.o 2 do artigo 5.o, bem como as obrigações pormenorizadas associadas ao exercício de uma autorização específica, resultem exclusivamente da necessidade de assegurar a correta execução das atividades na área para a qual é requerida uma autorização, nos termos do n.o 2, ou do pagamento de uma contrapartida financeira ou em hidrocarbonetos.

[…]

3.      Os Estados‑Membros fixarão as modalidades de pagamento das contrapartidas referidas no n.o 1, incluindo qualquer exigência de participação do Estado, de modo a assegurar a manutenção da independência de gestão das entidades.

[…]»

 Direito italiano

6        A Diretiva 94/22 foi transposta para o direito italiano pelo Decreto Legislativo n.o 625, de 25 de novembro de 1996 (GURI n.o 293, de 14 de dezembro de 1996). Este decreto legislativo, conforme alterado pela Lei n.o 239, de 23 de agosto de 2004 (GURI n.o 315, de 13 de setembro de 2004) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 625/96»), dispõe, no seu artigo 19.o, n.os 1 e 5‑A:

«1. Para a produção obtida a partir de 1 de janeiro de 1997, o titular de cada concessão de produção é obrigado a pagar anualmente ao Estado uma alíquota do resultado da produção de 7 % da quantidade de hidrocarbonetos líquidos e gasosos extraído no continente, 7 % da quantidade de hidrocarbonetos gasosos e 4 % da quantidade de hidrocarbonetos extraídos no mar.

[…]

5‑A Para a produção obtida a partir de 1 de janeiro de 2002, os valores unitários da alíquota de produção são determinados: […] b) relativamente ao gás, para todas as concessões e para todos os titulares, com base na média aritmética relativa ao ano de referência pelo índice QE, quota energética do custo da matéria‑prima do gás, expresso em euros por MJ [megajoule], determinado pela [Autoridade] nos termos da sua Deliberação n.o 55/99, de 22 de abril de 1999 […]»

7        O artigo 45.o, n.o 1, da Lei n.o 99, de 23 de julho de 2009 (GURI n.o 176, de 31 de julho de 2009), aumentou para 10 % a alíquota do produto previsto no artigo 19.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 625/96, devido pelos titulares de concessões de produção de gás natural ao Estado.

8        O Decreto‑Lei n.o 7, de 31 de janeiro de 2007, convertido em lei pela Lei n.o 40/2007 (GURI n.o 77, de 2 de abril de 2007), prevê, no seu artigo 11.o, n.o 1, a cessão, por parte dos titulares das concessões de produção, das alíquotas do produto devidas ao Estado no mercado regulado das capacidades de produção, de acordo com as modalidades determinadas por decreto do ministro do Desenvolvimento Económico.

9        Por aplicação do artigo 11.o do referido Decreto‑Lei, o Decreto Ministerial do Ministério do Desenvolvimento Económico de 6 de agosto de 2010 (GURI n.o 200, de 27 de agosto de 2010) prevê, no seu artigo 4.o, que os titulares devem oferecer, no mercado regulado de capacidades, denominado mercado PSV, alíquotas do produto de jazidas de gás natural correspondentes aos royalties devidos ao Estado. Segundo as informações prestadas ao Tribunal de Justiça, o PSV é uma plataforma virtual gerida pela Snam Rete Gas, a saber, o principal operador da rede de gás natural em Itália, na qual é possível efetuar trocas comerciais e cessões do gás injetado na rede nacional de gasodutos. O principal objetivo do PSV é proporcionar aos utilizadores um ponto de encontro entre a oferta e a procura, a fim de poderem efetuar diariamente transações bilaterais de gás natural no mercado OTC (over the counter).

10      Conforme resulta do artigo 4.o, n.os 1, 3 e 4, do Decreto Ministerial de 6 de agosto de 2010, no mercado PSV, o funcionamento do mecanismo de venda de alíquotas de gás natural, correspondente aos royalties devidos ao Estado, baseia‑se na negociação em hasta pública. Não são aceites propostas para aquisição inferiores ao índice QE. Caso a venda não se verifique, o lote de gás em causa permanece na disponibilidade do titular, que é obrigado a pagar ao Estado o equivalente valorizado na medida do índice QE.

11      O artigo 13.o do Decreto‑Lei n.o 1, de 24 de janeiro de 2012, que estabelece disposições urgentes em matéria de concorrência, desenvolvimento das infraestruturas e competitividade, convertido na Lei n.o 27, de 24 de março de 2012 (GURI n.o 71, de 24 de março de 2012), dispõe:

«A partir do primeiro trimestre posterior à entrada em vigor do presente decreto, a [Autoridade], a fim de adequar os preços de referência do gás natural para os clientes vulneráveis a que se refere o artigo 22.o do Decreto Legislativo n.o 164, de 23 de maio de 2000, conforme alterado, aos valores europeus, na determinação das contrapartidas variáveis de cobertura dos custos de abastecimento de gás natural, introduz progressivamente, entre os parâmetros com base nos quais se baseia a atualização, a referência, relativamente a uma alíquota gradualmente considerada, aos preços do gás registados no mercado. Enquanto não ocorrer a abertura do mercado de gás natural referida no artigo 30.o, n.o 1, da Lei n.o 99, de 23 de julho de 2009, os mercados de referência a ter em consideração são os mercados europeus determinados nos termos do artigo 9.o, n.o 6, do Decreto Legislativo n.o 130, de 13 de agosto de 2010.»

12      Em conformidade com esta disposição, a Autoridade, através da Deliberação 196/2013/R/gas, abandonou, com efeitos a partir de 1 de outubro de 2013, o índice QE enquanto parâmetro de cálculo do custo do gás para determinação das condições do seu abastecimento a clientes vulneráveis. Segundo essa deliberação, o índice a adotar é o índice Cmem, constituído pela soma de vários elementos, entre os quais se inclui o índice Pfor. Este último índice cobre os custos de abastecimento de gás natural e é determinado exclusivamente com base nos preços forward trimestrais deste produto no mercado OTC junto da bolsa do gás neerlandesa.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

13      A Eni e a Shell são titulares de concessões de produção de gás natural em terra e no mar. Na qualidade de concessionárias, estão obrigadas a pagar royalties pela exploração mineira do subsolo, cujo montante é fixado com referência ao valor de uma alíquota de gás extraído determinada por lei.

14      Com os seus recursos nos processos principais, a Eni e a Shell impugnam diversos atos adotados pelos recorridos nos processos principais, entre os quais, nomeadamente, a Decisão de 24 de março de 2016 do Ministério do Desenvolvimento Económico — Direzione generale per la sicurezza dell’approvigionamento e le infrastrutture energetiche (Direção‑Geral do Abastecimento e das Infraestruturas Energéticas), pelos quais estes últimos mantiveram, no que se refere ao ano de 2015, o índice QE — baseado nos preços do petróleo e de outros combustíveis a médio e longo prazo — como parâmetro de referência para o cálculo destes royalties. Segundo estas sociedades, a determinação do valor destas alíquotas e, consequentemente, do montante dos mencionados royalties deve basear‑se noutro índice, a saber, o índice Pfor, associado ao preço do gás natural no mercado de curto prazo.

15      Neste contexto, o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália) interroga‑se sobre se a legislação italiana em questão está em conformidade com a Diretiva 94/22 e, nomeadamente, com o artigo 6.o, n.o 1, lido à luz do seu sexto considerando, que prevê a obrigação de os Estados‑Membros «garanti[rem] a não discriminação no acesso» às atividades de produção de hidrocarbonetos «em termos que incentivem uma maior concorrência neste setor».

16      Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional afirma que o legislador italiano, como resulta do artigo 13.o, n.o 1, da Lei n.o 27, de 24 de março de 2012, decidiu abandonar progressivamente o índice QE como parâmetro que permite determinar o preço de referência do gás natural destinado aos clientes vulneráveis, a fim de adaptar esse preço aos valores europeus. Precisa igualmente que a Autoridade, através da Deliberação 196/2013/R/gás, abandonou definitivamente o índice QE a favor do índice Pfor como parâmetro de cálculo do custo do gás natural no mercado protegido.

17      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o preço, calculado em função do valor do índice QE, ao qual os concessionários continuam obrigados a avaliar as alíquotas de gás que correspondem aos royalties que devem pagar é «sensivelmente mais elevado» do que o do gás calculado com base no índice Pfor. Devido ao seu preço mais elevado, estas alíquotas ficam por vender após serem postas no mercado PSV.

18      Nestas circunstâncias, as modalidades de cálculo do valor das alíquotas de produto, correspondentes aos royalties devidos ao Estado italiano, são suscetíveis de colocar os concessionários numa situação desfavorável em relação a outras entidades que operam no mercado do gás natural, que não estão sujeitas à obrigação de aplicar o índice QE.

19      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), através do seu Acórdão n.o 290, de 19 de janeiro de 2018, validou o método de cálculo do valor dos royalties devidos ao Estado com base nesse índice. Nesse acórdão, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) declarou que, perante as alternativas previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22, o legislador italiano pôde optar pelo pagamento de uma contrapartida financeira pelos concessionários. Esta disposição não impõe que seja prevista uma equivalência entre essa contrapartida e o valor de mercado da alíquota de gás produzido. Segundo o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), o método baseado no índice QE permite tornar suficientemente estáveis e previsíveis as receitas provenientes das concessões de produção. Por outro lado, o abandono do método baseado no índice QE tem como consequência a redução das receitas obtidas pelo Estado italiano ao abrigo do artigo 19.o, n.o 5‑A, do Decreto Legislativo n.o 625/96.

20      Nestas circunstâncias, o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial, formulada em termos idênticos nos dois processos:

«Deve considerar‑se que o disposto no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22 e o sexto considerando desta se opõem a uma legislação nacional, como a contida no artigo 19.o, n.o 5‑A, do [Decreto Legislativo n.o 625/96], que, em virtude da interpretação dada pelo Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional], no Acórdão n.o 290/2018, permite impor, no quadro do pagamento dos royalties, o [índice] QE, baseado nos preços do petróleo e de outros combustíveis, em vez do índice Pfor, indexado ao preço do gás no mercado de curto prazo?»

 Quanto à questão prejudicial

21      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22, lido à luz do sexto considerando desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual o montante dos royalties devidos pelos titulares de concessões de produção de gás natural é calculado em função de um índice baseado nos preços do petróleo e de outros combustíveis a médio e longo prazo, e não de um índice que reflete o preço de mercado do gás natural a curto prazo.

22      Cumpre recordar, em primeiro lugar, que resulta do sexto considerando da Diretiva 94/22 que os Estados‑Membros devem garantir a não discriminação no acesso às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, em termos que incentivem uma maior concorrência neste setor.

23      Do mesmo modo, o artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva impõe que os Estados‑Membros garantam que não haverá discriminação entre as entidades económicas interessadas no que respeita ao acesso e ao exercício destas atividades (Acórdão de 27 de junho de 2013, Comissão/Polónia, C‑569/10, EU:C:2013:425, n.o 50).

24      Em segundo lugar, importa recordar que resulta do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22, lido à luz do oitavo considerando desta diretiva, que os Estados‑Membros podem exigir o pagamento de royalties em dinheiro ou em espécie, como contrapartida do exercício, pelas entidades económicas interessadas, da atividade de produção de hidrocarbonetos localizados no seu território, recurso sobre o qual, como enunciado no quarto considerando dessa diretiva, esses Estados «têm soberania e detêm direitos soberanos».

25      Em terceiro lugar, como salienta o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a Diretiva 94/22 deixa aos Estados‑Membros uma ampla margem de manobra no que respeita ao método de cálculo e de aplicação desses royalties.

26      Nos processos principais, a Eni e a Shell, que exercem a atividade de produção de gás natural enquanto concessionárias, alegam que, devido à adoção do índice QE como método de cálculo dos royalties, o preço das alíquotas do produto em que se baseiam é superior ao preço do gás natural comercializado no mercado PSV. Assim, por um lado, estas alíquotas continuam por vender quando os concessionários tentam comercializá‑las nas hastas públicas que regem o funcionamento do mercado PSV. Por outro lado, estes concessionários são obrigados, em substância, a comprar o gás natural não vendido correspondente a estas alíquotas e a pagar ao Estado italiano, a título de royalties, as alíquotas de gás a um preço superior ao preço de mercado.

27      Ora, outras entidades que operam no mercado PSV, não estando obrigadas a pagar esses royalties ao Estado italiano, podem adquirir e comercializar o gás natural a um preço inferior, determinado pelo jogo da oferta e da procura nesse mercado.

28      Segundo a Eni e a Shell, tal situação constitui uma discriminação entre, por um lado, as empresas titulares de concessões de produção de gás natural e, por outro, as empresas que operam no mercado PSV para a venda, distribuição e comercialização do referido produto.

29      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 28 de novembro de 2018, Solvay Chimica Italia e o., C‑262/17, C‑263/17 e C‑273/17, EU:C:2018:961, n.o 66 e jurisprudência referida).

30      Ora, importa salientar que concessionários como a Eni e a Shell nos processos principais não se encontram, no que respeita à imposição de royalties como os que estão em causa, numa situação comparável à de outros operadores do mercado PSV, cuja atividade consiste exclusivamente na venda, distribuição e comercialização de alíquotas de gás nesse mercado.

31      Com efeito, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, e que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que o pagamento desses royalties é imposto apenas aos titulares de uma concessão de produção, como contrapartida do direito a desenvolverem, em regime de exclusividade, a atividade de produção de hidrocarbonetos numa área geográfica determinada.

32      Nestas circunstâncias, uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que prevê que o montante dos royalties devidos pelos titulares de concessões de produção de gás natural é determinado através de um índice diferente do que é utilizado para determinar o valor de mercado do gás natural extraído não constitui uma discriminação contra esses titulares.

33      Daqui decorre que é irrelevante para apreciar o caráter discriminatório da referida legislação o facto de o índice QE não estar ligado ao preço de mercado do gás natural. Esta afirmação é corroborada pelo facto de a Diretiva 94/22 não prever nenhuma disposição que obrigue os Estados‑Membros a adotar um método determinado para a fixação dos royalties em causa ou a prever que o seu valor esteja ligado ao preço do gás natural comercializado no mercado PSV.

34      A este respeito, como salienta o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões, não é irrazoável que um Estado‑Membro, para conferir maior estabilidade e previsibilidade às receitas públicas resultantes da produção de hidrocarbonetos, escolha um método de cálculo dos royalties devidos pelo exercício dessa atividade, associado a um indicador de menor volatilidade baseado no preço do petróleo e de outros combustíveis a médio e longo prazo, como o índice QE, em vez de optar por um índice que reflita o preço de mercado a curto prazo do gás natural, como o índice Pfor.

35      Importa sublinhar igualmente que a Diretiva 94/22, em especial o seu artigo 6.o, estabelece determinados requisitos que os Estados‑Membros devem ter em conta ao exercerem o seu poder de apreciação para estabelecerem as modalidades de cálculo dos royalties, como os que estão em causa nos processos principais.

36      Assim, como salienta o advogado‑geral nos n.os 60 e 67 das suas conclusões, decorre do artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 94/22 que os Estados‑Membros não podem impor royalties cujo nível torne, na prática, inviável as atividades de prospeção, pesquisa e produção de gás natural ou que não permitam garantir a independência das entidades em matéria de gestão.

37      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, se os limites fixados pela Diretiva 94/22 foram violados no âmbito dos litígios que tem pendentes para decisão.

38      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22, lido à luz do sexto considerando desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional por força da qual o montante dos royalties devidos pelos titulares de concessões de produção de gás natural é calculado em função de um índice baseado nos preços do petróleo e de outros combustíveis a médio e longo prazo, e não de um índice que reflete o preço de mercado do gás natural a curto prazo.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 94/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa às condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, lido à luz do sexto considerando desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional por força da qual o montante dos royalties  devidos pelos titulares de concessões de produção de gás natural é calculado em função de um índice baseado nos preços do petróleo e de outros combustíveis a médio e longo prazo, e não de um índice que reflete o preço de mercado do gás natural a curto prazo.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.