Language of document : ECLI:EU:C:2018:634

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de agosto de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Direito de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Sociedade da informação — Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos — Artigo 3.o, n.o 1 — Comunicação ao público — Conceito — Publicação numa página da Internet, sem autorização do titular do direito de autor, de uma fotografia previamente publicada, sem restrições e com a autorização do referido titular, noutra página da Internet — Público novo»

No processo C‑161/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por decisão de 23 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de março de 2017, no processo

Land NordrheinWestfalen

contra

Dirk Renckhoff,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Land Nordrhein‑Westfalen, por M. Rümenapp, Rechtsanwalt,

–        em representação de D. Renckhoff, por S. Rengshausen, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo francês, por D. Segoin, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. De Luca, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e T. Scharf, na qualidade de agentes,

vistos os autos e após a audiência de 7 de fevereiro de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Land Nordrhein‑Westfalen (Land da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha) a Dirk Renckhoff, fotógrafo, a respeito da utilização não autorizada, por uma aluna de uma escola situada na área de competência do referido Land,de uma fotografia realizada por D. Renckhoff e livremente disponível numa página da Internet, para a ilustração de um trabalho escolar publicado por essa escola noutra página da Internet.

 Quadro jurídico

3        Os considerandos 3, 4, 9, 10, 23 e 31 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(3)      A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade — incluindo a propriedade intelectual — da liberdade de expressão e do interesse geral.

(4)      Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, nomeadamente nas infraestruturas de rede, o que, por sua vez, se traduzirá em crescimento e num reforço da competitividade da indústria europeia, tanto na área do fornecimento de conteúdos e da tecnologia da informação, como, de uma forma mais geral, num vasto leque de setores industriais e culturais. Este aspeto permitirá salvaguardar o emprego e fomentará a criação de novos postos de trabalho.

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10)      Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços “a pedido”. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

[…]

(23)      A presente diretiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros atos.

[…]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. […]»

4        O artigo 3.o da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», dispõe, nos n.os 1 e 3:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público, por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

5        O artigo 5.o da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Exceções e limitações», dispõe, no seu n.o 3, alínea a):

«Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o nos seguintes casos:

a)      Utilização unicamente com fins de ilustração para efeitos de ensino ou investigação científica, desde que seja indicada, sempre que possível, a fonte, incluindo o nome do autor na medida justificada pelo objetivo não comercial que se pretende atingir;»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

6        Dirk Renckhoff, demandante no Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha), é fotógrafo. A Stadt Waltrop (Cidade de Waltrop, Alemanha), inicialmente demandada na primeira instância, mas que já não é parte no litígio no processo principal, tem sob a sua responsabilidade a Gesamtschule de Waltrop (Estabelecimento de ensino secundário de Waltrop, a seguir «escola»). O Land da Renânia do Norte‑Vestefália (Alemanha), igualmente demandado na primeira instância, tem a seu cargo a fiscalização da escola e é a entidade empregadora dos respetivos professores.

7        A partir de 25 de março de 2009, era possível consultar na página da Internet da escola um trabalho redigido por uma das suas alunas no âmbito de um ateliê linguístico proposto pela mesma, trabalho esse que comportava, a título de ilustração, uma fotografia realizada por D. Renckhoff (a seguir «fotografia»), que a referida aluna tinha descarregado de uma página da Internet dedicada a viagens (a seguir «página da Internet de viagens»). A fotografia estava inserida nessa página isenta de restrições que impedissem que fosse descarregada. Sob a fotografia, a aluna tinha feito uma referência à referida página.

8        D. Renckhoff alega que só conferiu um direito de utilização às pessoas que exploram a página da Internet de viagens e entende que a publicação da fotografia na página da Internet da escola viola o seu direito de autor. Pediu ao órgão jurisdicional competente em primeira instância que o Land da Renânia do Norte‑Vestefália seja proibido, sob pena de medidas compulsórias, de reproduzir ou de permitir a reprodução e/ou de colocar ou permitir a colocação à disposição do público da fotografia, e, a título subsidiário, de possibilitar aos alunos a reprodução da referida fotografia para inserção na Internet. Reclamou ainda o pagamento, pelo referido Land,do montante de 400 euros a título de indemnização.

9        Dado que a ação de D. Renckhoff foi julgada parcialmente procedente, o Land da Renânia do Norte‑Vestefália foi condenado a retirar a fotografia da página da Internet da escola e a pagar um montante de 300 euros, acrescido de juros.

10      As duas partes recorreram da sentença para o Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior de Hamburgo, Alemanha), o qual considerou, nomeadamente, que a fotografia estava protegida por direito de autor e que a sua publicação na página da Internet da escola tinha violado os direitos de reprodução e de colocação à disposição do público, dos quais D. Renckhoff é titular. Aquele órgão jurisdicional entendeu ser irrelevante a circunstância de a fotografia já estar acessível na Internet a qualquer pessoa, sem restrições, em momento anterior ao dos factos em litígio, uma vez que a reprodução da fotografia no servidor e a subsequente colocação à disposição do público na página da Internet da escola gerou uma «dissociação» com a publicação inicial na página da Internet de viagens.

11      Interposto recurso de «Revision» no órgão jurisdicional de reenvio, este considera que a decisão do recurso depende da interpretação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Em especial, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao preenchimento do requisito, consagrado pela jurisprudência, segundo o qual a comunicação ao público pertinente deve ter sido feita a um público «novo».

12      Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«A inserção, numa página [da] Internet própria acessível ao público, de uma obra livremente acessível a todos os utilizadores da Internet numa página [da] Internet alheia com autorização do titular do respetivo direito de autor constitui uma colocação à disposição do público na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE, quando a obra é primeiro copiada para um servidor e daí é carregada na página [da] Internet própria?»

 Quanto à questão prejudicial

13      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange a publicação numa página da Internet de uma fotografia previamente publicada, sem restrições e com a autorização do titular do direito de autor, noutra página da Internet.

14      A título preliminar, há que recordar que uma fotografia é suscetível de ser protegida por direito de autor, desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar em cada caso concreto, seja uma criação intelectual do autor que reflita a sua personalidade e se manifeste pelas suas escolhas livres e criativas durante a realização dessa fotografia. (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 94).

15      No que diz respeito à questão de saber se a publicação, numa página da Internet, de uma fotografia previamente publicada, sem restrições e com autorização do titular do direito de autor, noutra página da Internet constitui uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, há que recordar que esta disposição prevê que os Estados‑Membros atribuem aos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir a comunicação ao público das suas obras.

16      Daqui decorre que, sob reserva das exceções e limitações previstas, de forma exaustiva, no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, há que considerar que qualquer utilização de uma obra efetuada por um terceiro sem tal consentimento prévio lesa os direitos do autor dessa obra (Acórdão de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 34 e jurisprudência referida).

17      Uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não clarifica o conceito de «comunicação ao público», há que determinar o sentido e o alcance deste conceito à luz dos objetivos prosseguidos por essa diretiva e à luz do contexto no qual a disposição interpretada está integrada (Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 21 e jurisprudência referida).

18      A este respeito, cumpre recordar que resulta dos considerandos 4, 9 e 10 da Diretiva 2001/29 que esta tem por principal objetivo instituir um elevado nível de proteção dos autores, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, designadamente na sua comunicação ao público. Daqui resulta que o conceito de «comunicação ao público» deve ser entendido em sentido amplo, como refere expressamente o considerando 23 dessa diretiva (Acórdão de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 22 e jurisprudência referida).

19      Como o Tribunal de Justiça reiteradamente declarou, resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 que o conceito de «comunicação ao público» associa dois elementos cumulativos, a saber, um «ato de comunicação» de uma obra e a comunicação desta última a um «público» (Acórdãos de 16 de março de 2017, AKM, C‑138/16, EU:C:2017:218, n.o 22, e de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 24 e jurisprudência referida).

20      No que diz respeito ao primeiro destes elementos, a saber, a existência de um «ato de comunicação», como resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, para que exista um tal ato basta, designadamente, que uma obra seja posta à disposição do público de modo que as pessoas que o compõem possam ter acesso a ela, sem que seja determinante que utilizem ou não essa possibilidade (Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.o 19, e de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 31 e jurisprudência referida).

21      No caso vertente, a publicação, numa página da Internet, de uma fotografia previamente publicada noutra página da Internet, após ter sido previamente copiada para um servidor privado, deve ser qualificada de «colocação à disposição» e, por conseguinte, de «ato de comunicação», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Com efeito, tal publicação dá aos visitantes da página da Internet em que foi feita a publicação a possibilidade de terem acesso à fotografia nessa mesma página.

22      No que diz respeito ao segundo dos elementos acima mencionados, a saber, que a obra protegida seja efetivamente comunicada a um «público», resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «público» visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, por outro lado, um número considerável de pessoas (Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.o 21, e de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 27 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, afigura‑se que um ato de comunicação como o mencionado no n.o 21 do presente acórdão visa todos os potenciais utilizadores da página da Internet em que foi efetuada a publicação, ou seja, um número indeterminado e considerável de destinatários e deve, nessas condições, ser considerado como uma comunicação a um «público», na aceção da jurisprudência referida.

24      Todavia, conforme também resulta de jurisprudência constante, para ser qualificada de «comunicação ao público» é ainda necessário que a comunicação da obra protegida seja efetuada segundo uma técnica específica, diferente das utilizadas até então ou, na falta deste elemento, junto de um «público novo», isto é, um público que não tenha sido tomado em consideração pelo titular do direito de autor quando autorizou a comunicação inicial da sua obra ao público (Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.o 24; de 8 de setembro de 2016, GS Media, C‑160/15, EU:C:2016:644, n.o 37; e de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 28).

25      No caso vertente, está assente que tanto a comunicação inicial da obra na página da Internet como a sua comunicação ulterior noutra página da Internet foram efetuadas usando a mesma técnica.

26      Todavia, as partes no processo principal e os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que apresentaram observações não estão de acordo quanto à questão de saber se a fotografia foi comunicada a um «público novo».

27      Com efeito, o Land da Renânia do Norte‑Vestefália e o Governo italiano alegam, baseando‑se, nomeadamente, no Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o. (C‑466/12, EU:C:2014:76), que não há que fazer uma distinção entre, por um lado, a comunicação de uma obra através da sua publicação numa página da Internet e, por outro, a comunicação dessa obra através da inserção, numa página da Internet, de uma hiperligação para outra página da Internet, na qual essa obra foi inicialmente comunicada sem restrições e com autorização do titular do direito de autor. Assim, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a obra não é comunicada a um público novo.

28      Em contrapartida, D. Renckhoff e o Governo francês, na audiência, assim como a Comissão, nas suas observações escritas, sustentaram, em substância, que a jurisprudência referida no número precedente do presente acórdão não é aplicável em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal. Em especial, a comunicação de uma obra através, não de uma hiperligação, mas de uma nova publicação numa página da Internet diferente da página em que essa obra foi já comunicada com a autorização do titular do direito de autor deve ser qualificada de «nova comunicação ao público», tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de, na sequência dessa nova colocação à disposição, o referido titular já não poder exercer o seu poder de controlo sobre a comunicação inicial da referida obra.

29      A este respeito, deve recordar‑se, em primeiro lugar, que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, sob reserva das exceções e limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, qualquer ato de reprodução ou de comunicação ao público de uma obra por parte de um terceiro requer o consentimento prévio do seu autor e que os autores dispõem, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, de um direito de natureza preventiva que lhes permite interpor‑se entre eventuais utilizadores da sua obra e a comunicação ao público que esses utilizadores podem pretender fazer, com vista a proibir essa comunicação (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de maio de 2016, Reha Training, C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 30; de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 33; e de 14 de junho de 2017, Stichting Brein, C‑610/15, EU:C:2017:456, n.o 20 e jurisprudência referida).

30      Ora, tal direito de natureza preventiva ficaria privado de efeito útil no caso de se dever considerar que a publicação numa página da Internet de uma obra previamente publicada noutra página da Internet e com a autorização do titular do direito de autor não constitui uma comunicação a um público novo. Com efeito, essa publicação, numa página da Internet diferente daquela em que foi efetuada a comunicação inicial, pode tornar impossível ou, pelo menos, claramente mais difícil o exercício, pelo titular, do seu direito, de natureza preventiva, de exigir que seja posto termo à comunicação dessa obra, se for o caso, retirando a obra da página da internet em que a mesma foi comunicada com a sua autorização ou revogando a autorização anteriormente concedida a um terceiro.

31      Assim, daqui resulta que, mesmo no caso de o titular do direito de autor decidir deixar de comunicar a sua obra na página da Internet em que esta foi inicialmente comunicada com a sua autorização, essa obra continua disponível na página da Internet em que foi efetuada a nova publicação. Ora, o Tribunal de Justiça já salientou que o autor de uma obra deve poder pôr termo ao exercício, por parte de um terceiro, dos direitos de exploração sob forma digital que detém sobre essa obra, proibindo‑o de qualquer utilização futura sob tal forma, sem ter de se submeter previamente a outras formalidades (v., por analogia, Acórdão de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 51).

32      Em segundo lugar, o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 prevê especificamente que o direito de comunicação ao público, previsto no artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, não se esgota por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado nesta disposição legal.

33      Ora, considerar que a publicação numa página da Internet de uma obra previamente comunicada noutra página da Internet com a autorização do titular do direito de autor não constitui uma colocação à disposição de um público novo dessa obra equivale a consagrar uma regra de esgotamento do direito de comunicação.

34      Esta regra, além de ser contrária ao teor literal do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29, privaria esse titular da possibilidade de exigir uma remuneração adequada pela utilização da sua obra, recordada no considerando 10 desta diretiva, apesar de, conforme o Tribunal de Justiça lembrou, o objeto específico da propriedade intelectual visar, nomeadamente, garantir aos titulares dos direitos em causa a proteção da faculdade de explorar comercialmente a colocação em circulação ou a colocação à disposição dos objetos protegidos, através da concessão de licenças mediante o pagamento de uma remuneração adequada por cada utilização dos objetos protegidos (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 107 e 108).

35      Tendo em conta estes elementos, há que considerar, à luz da jurisprudência recordada no n.o 24 do presente acórdão, que a publicação de uma obra protegida pelo direito de autor numa página da Internet diferente daquela em que foi efetuada a comunicação inicial com a autorização do titular do direito de autor deve, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ser qualificada de colocação à disposição de um público novo dessa obra. Com efeito, nessas circunstâncias, o público que foi tomado em consideração pelo titular do direito de autor quando autorizou a comunicação da sua obra na referida página da Internet em que foi inicialmente publicada é constituído apenas por utilizadores da referida página, e não por utilizadores da página da Internet em que a obra foi depois publicada sem a autorização do referido titular, ou por outros utilizadores.

36      É irrelevante para as considerações objetivas expostas nos n.os 29 a 35 do presente acórdão o facto de, como no litígio do processo principal, o titular do direito de autor não ter restringido as possibilidades de utilização da fotografia pelos internautas. Com efeito, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de recordar que o gozo e o exercício do direito previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não podem estar sujeitos a nenhuma formalidade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 50).

37      Por outro lado, é certo que o Tribunal de Justiça considerou, nomeadamente no Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o. (C‑466/12, EU:C:2014:76, n.os 25 e 26), e no Despacho de 21 de outubro de 2014, BestWater International (C‑348/13, não publicado, EU:C:2014:2315, n.o 16), no que se refere à colocação à disposição de obras protegidas através de uma hiperligação para outra página da Internet em que a comunicação inicial tinha sido efetuada, que o público‑alvo da referida comunicação inicial era constituído por todos os visitantes potenciais da página em causa, pois, sabendo que o acesso às obras nessa página não estava sujeito a nenhuma restrição, todos os internautas podiam então aceder‑lhes livremente. Também decidiu que a colocação à disposição das obras em causa através de uma hiperligação, como a que está em causa nos processos que estão na origem destes acórdãos, não se traduzia em comunicar as referidas obras a um público novo.

38      No entanto, esta jurisprudência não pode ser aplicada em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

39      Com efeito, em primeiro lugar, esta jurisprudência foi proferida no contexto específico das hiperligações na Internet para obras protegidas, previamente comunicadas com a autorização dos titulares do direito.

40      Todavia, diferentemente das hiperligações, as quais, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, contribuem nomeadamente para o bom funcionamento da Internet ao permitir a difusão de informações nesta rede, caracterizada pela disponibilidade de imensa quantidade de informação (Acórdão de 8 de setembro de 2016, GS Media, C‑160/15, EU:C:2016:644, n.o 45), a publicação numa página da Internet sem a autorização do titular do direito de autor de uma obra previamente comunicada noutra página da Internet com o acordo do referido titular não contribui, na mesma medida, para esse objetivo.

41      Assim, autorizar essa publicação sem que o titular do direito de autor pudesse invocar os direitos previstos no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 violaria o justo equilíbrio, referido nos considerandos 3 e 31 desta diretiva, que é necessário manter, no ambiente digital, entre, por um lado, o interesse dos titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos na proteção da sua propriedade intelectual, garantida pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, em especial da sua liberdade de expressão e de informação, garantida pelo artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como do interesse geral.

42      Neste contexto, o Land da Renânia do Norte‑Vestefália expõe que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, importa ter em conta, na ponderação dos interesses em presença, o direito à educação enunciado no artigo 14.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Em especial, a ação da aluna em questão decorre do exercício do referido direito, uma vez que a fotografia foi colocada, para fins de ilustração, na primeira página do trabalho que a mesma preparou no âmbito de um ateliê linguístico. Todavia, a este respeito, basta constatar que as considerações expostas no n.o 35 do presente acórdão, relativas ao conceito de «público novo», não se baseiam na natureza educativa ou não da ilustração feita pela aluna do seu trabalho escolar, mas na circunstância de a publicação dessa obra numa página da Internet da escola a ter tornado acessível a todos os visitantes da página.

43      De resto, importa recordar que, no que diz respeito à busca de um equilíbrio entre o direito à educação e a proteção do direito de propriedade intelectual, o legislador da União previu, no artigo 5.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2001/29, a faculdade de os Estados‑Membros preverem exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o desta diretiva, desde que se trate de uma utilização unicamente com fins de ilustração para efeitos de ensino ou investigação científica, na medida justificada pelo objetivo não comercial que se pretende atingir.

44      Em segundo lugar, como foi recordado no n.o 29 do presente acórdão, os direitos garantidos aos autores pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 são de natureza preventiva. Ora, no que diz respeito ao ato de comunicação que constitui a inserção, numa página da Internet, de uma hiperligação para uma obra previamente comunicada com a autorização do titular do direito de autor, a natureza preventiva dos direitos do titular está preservada, uma vez que é possível ao autor, no caso de já não pretender comunicar a sua obra na página da Internet em causa, retirá‑la da página onde foi inicialmente comunicada, caducando qualquer hiperligação para a mesma. Em contrapartida, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a publicação noutra página da Internet gera uma nova comunicação, independente da comunicação inicialmente autorizada. Em consequência dessa publicação, tal obra é suscetível de continuar disponível nesta última página, independentemente do consentimento prévio do autor e apesar de todos os atos praticados pelo titular dos direitos demonstrativos da decisão de já não comunicar a sua obra na página da Internet em que esta foi inicialmente comunicada com a sua autorização.

45      Por último, em terceiro lugar, no Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o. (C‑466/12, EU:C:2014:76, n.os 27 e 28), o Tribunal de Justiça, para considerar que a comunicação em causa no litígio na origem deste acórdão não tinha sido feita a um público novo, salientou a falta de intervenção do administrador da página em que foi inserida a hiperligação, que permitia aceder às obras em causa na página em que foram comunicadas inicialmente com a autorização do titular do direito de autor.

46      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a utilizadora da obra em causa no processo principal fez uma reprodução dessa obra num servidor privado, seguida de uma publicação da mesma numa página da Internet diferente daquela em que foi realizada a comunicação inicial. Ao fazê‑lo, essa utilizadora teve um papel decisivo na comunicação dessa obra ao um público que não foi tido em conta pelo autor desta quando autorizou a comunicação inicial.

47      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange a publicação numa página da Internet de uma fotografia previamente publicada, sem restrições que impeçam que seja descarregada e com a autorização do titular do direito de autor, noutra página da Internet.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a publicação numa página da Internet de uma fotografia previamente publicada, sem restrições que impeçam que seja descarregada e com a autorização do titular do direito de autor, noutra página da Internet.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.