Language of document : ECLI:EU:C:2021:719

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

9 de setembro de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE — Artigo 47.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1206/2001 — Cooperação entre os tribunais dos Estados‑Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial — Artigo 1.o, n.o 1, alínea a) — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Artigo 5.o, n.o 1 — Dívidas não pagas — Decisões judiciais — Injunções de pagamento — Notificação — Devedor que reside num endereço desconhecido num Estado‑Membro distinto do Estado do tribunal chamado a conhecer da causa»

Nos processos apensos C‑208/20 e C‑256/20,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária), por Decisões de 14 de maio de 2020 (C‑208/20) e de 10 de junho de 2020 (C‑256/20), que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 14 de maio de 2020 e 10 de junho de 2020, nos processos

«Toplofikatsia Sofia» EAD,

«CHEZ Elektro Bulgaria» AD,

«Agentsia za control na prosrocheni zadalzhenia» EOOD (C‑208/20),

e

«Toplofikatsia Sofia» EAD (C‑256/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, e M. Safjan, juiz,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de «Agentsia za control na prosrocheni zadalzhenia» EOOD, por Y. B. Yanakiev,

—        em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados‑Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial (JO 2001, L 174, p. 1), bem como do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑208/20, «Toplofikatsia Sofia» EAD, «CHEZ Elektro Bulgaria» AD e «Agentsia za control na prosrocheni zadalzhenia» EOOD e, no processo C‑256/20, Toplofikatsia Sofia, a pessoas singulares, não constituídas partes no processo, a respeito da cobrança de dívidas não pagas.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 1206/2001

3        Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 1206/2001:

«1.       O presente regulamento é aplicável em matéria civil ou comercial, sempre que um tribunal de um Estado‑Membro, requeira, nos termos da sua legislação nacional:

a) Ao tribunal competente de outro Estado‑Membro a obtenção de provas; ou

b) A obtenção de provas diretamente noutro Estado‑Membro.

2.      Não será requerida a obtenção de provas que não se destinem a ser utilizadas num processo judicial já iniciado ou previsto.

[…]»

4        O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento enuncia:

«O pedido deve ser apresentado utilizando o formulário A ou, quando adequado, o formulário [I], que constam do anexo. O pedido deve especificar:

[…]

b) O nome ou designação e o endereço das partes no processo e dos seus representantes, se os houver.»

 Regulamento n.o 1215/2012

5        O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe:

«O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (“acta jure imperii”).»

6        O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento prevê o seguinte:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

7        O artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C208/20

8        O órgão jurisdicional de reenvio, o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária), é chamado a pronunciar‑se sobre três litígios.

9        O primeiro litígio diz respeito a uma ação intentada por Toplofikatsia Sofia com vista a obter a declaração da existência de um crédito relativo ao fornecimento de energia térmica num edifício sito em Sófia (Bulgária) contra uma pessoa singular, depois de, no âmbito de um processo de emissão de uma injunção de pagamento contra essa pessoa, esta última não ter sido encontrada na morada indicada na petição. As investigações efetuadas por este órgão jurisdicional confirmaram que esse endereço era o seu endereço permanente e atual, conforme inscrito no registo nacional da população. No entanto, segundo um vizinho, a referida pessoa vive em França há sete anos.

10      No segundo litígio, o referido órgão jurisdicional emitiu, a pedido de CHEZ Elektro Bulgaria, um fornecedor de eletricidade, uma injunção de pagamento contra uma pessoa singular por faturas não pagas relativas ao fornecimento de eletricidade num edifício sito em Sófia e ordenou que esta lhe fosse notificada no endereço indicado por CHEZ Elektro Bulgaria, que corresponde ao endereço permanente e atual dessa pessoa, conforme figura no registo nacional da população. Todavia, foi impossível encontrar aí a referida pessoa, que, segundo as informações fornecidas por um vizinho, vive na Alemanha há um ano.

11      No terceiro litígio, o órgão jurisdicional de reenvio, a pedido de uma sociedade de cobrança de dívidas, a Agentsia za control na prosrocheni zadalzhenia, emitiu uma injunção de pagamento contra uma pessoa singular, que não reembolsou o seu empréstimo a uma instituição de crédito estabelecida em Sófia, e ordenou que lhe fosse notificada no endereço indicado por essa sociedade, que corresponde ao endereço permanente e atual dessa pessoa, conforme figura no registo nacional da população. Contudo, foi impossível encontrar aí a referida pessoa, que, segundo as informações fornecidas pela sua mãe, vive na Alemanha há três anos.

12      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, do mesmo modo que, por força do direito búlgaro, está obrigado a efetuar verificações oficiosas sobre o endereço na Bulgária das pessoas a quem deve ser notificado um ato judicial, está igualmente obrigado a efetuar essas verificações junto das autoridades competentes de outro Estado‑Membro, quando se verifique que o destinatário de uma decisão judicial como as que estão em causa no processo principal vive neste último Estado‑Membro.

13      Por outro lado, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012. A este respeito, pergunta, em substância, se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que, na hipótese de se afigurar provável ou certo que um devedor não tem a sua residência habitual na sua área de jurisdição, se opõe a que emita uma injunção de pagamento contra esse devedor ou a que essa injunção adquira força executória. Interroga‑se igualmente sobre se, nesta hipótese, a referida disposição lhe impõe que invalide oficiosamente essa injunção.

14      Nestas circunstâncias, o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 20.o, n.o 2, alínea a), do [TFUE], em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta […], os princípios da não [discriminação] e da equivalência das medidas processuais no âmbito de um processo judicial nacional, assim como o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento [n.o 1206/2001], ser interpretados no sentido de que, caso o direito nacional do tribunal chamado a conhecer da causa preveja que este último deve obter informações oficiais sobre o endereço do demandado no seu próprio Estado e se verifique que esse demandado tem domicílio noutro Estado da União Europeia, o tribunal nacional chamado a conhecer da causa é obrigado a obter informações sobre o endereço do [demandado] junto das autoridades competentes do Estado de residência do demandado?

2)      Deve o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1215/2012], em conjugação com o princípio de que o tribunal nacional deve garantir direitos processuais para efeitos da proteção efetiva dos direitos decorrentes do direito da União, ser interpretado no sentido de que, quando averigua a residência habitual de um devedor, o tribunal nacional está obrigado, enquanto requisito previsto pelo direito nacional para a tramitação de um procedimento formal unilateral sem a obtenção de provas, como o procedimento de injunção de pagamento, a interpretar qualquer suspeita razoável de que o devedor tenha a sua residência habitual noutro Estado da União Europeia como uma falta de fundamento jurídico para a emissão de uma injunção de pagamento, ou como fundamento para a injunção de pagamento não transitar em julgado?

3)      Deve o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1215/2012] em conjugação com o princípio de que o tribunal nacional deve garantir direitos processuais para efeitos da proteção efetiva dos direitos decorrentes do direito da União, ser interpretado no sentido de que um tribunal nacional que, após a emissão de uma injunção de pagamento contra um determinado devedor, verifique que é improvável que esse devedor tenha a sua residência habitual no Estado do foro, e desde que tal obste à emissão de uma injunção de pagamento contra esse devedor nos termos do direito nacional, é obrigado a anular oficiosamente a injunção de pagamento emitida, mesmo na falta de qualquer disposição legal expressa nesse sentido?

4)      Em caso de resposta negativa à terceira questão: devem as disposições aí referidas ser interpretadas no sentido de que obrigam o tribunal nacional a anular a injunção de pagamento emitida se tiver procedido a uma reapreciação e apurado com segurança que o devedor não tem a sua residência habitual no Estado do tribunal chamado a conhecer da causa?»

 Processo C256/20

15      Neste processo, o órgão jurisdicional de reenvio, o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia), emitiu, a pedido da Toplofikatsia Sofia, uma injunção de pagamento contra uma pessoa singular por faturas não pagas relativas ao fornecimento de energia térmica num edifício sito em Sófia e ordenou que esta lhe fosse notificada no seu endereço permanente e atual. No entanto, após duas tentativas, não foi possível encontrar essa pessoa, que, segundo as informações prestadas pelo administrador do imóvel, vive na Alemanha e raramente está presente no referido endereço.

16      Foi nestas condições que o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos aos da segunda a quarta questões submetidas no processo C‑208/20.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão no processo C208/20

17      Com a sua primeira questão no processo C‑208/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.o 2, da Carta, os princípios da não discriminação e da equivalência, bem como o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1206/2001 devem ser interpretados no sentido de que, quando, por força da legislação de um Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais deste são obrigados a procurar oficiosamente o endereço, nesse Estado‑Membro, das pessoas às quais um ato judicial deve ser notificado, esses órgãos jurisdicionais são igualmente obrigados, quando se verifique que uma pessoa a quem deve ser feita a notificação do ato judicial reside noutro Estado‑Membro, a procurar o endereço dessa pessoa junto das autoridades competentes deste último Estado‑Membro.

18      No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação solicitada do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.o 2, da Carta, bem como dos princípios da não discriminação e da equivalência, importa recordar, antes de mais, que, no âmbito do processo prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, deve existir entre o litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada uma conexão tal que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que esse órgão jurisdicional deve tomar (Despacho de 20 de janeiro de 2021, Bezirkshauptmannschaft Kirchdorf, C‑293/20, não publicado, EU:C:2021:44, n.o 23 e jurisprudência citada).

19      O Tribunal de Justiça insiste também na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça A este respeito, é indispensável que o juiz nacional forneça, na própria decisão de reenvio, um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 37 e jurisprudência referida).

20      Estas exigências relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE. São recordadas no n.o 15 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 38 e jurisprudência referida).

21      Ora, no caso em apreço, por um lado, não resulta de forma alguma da decisão de reenvio no processo C‑208/20 que os litígios nos processos principais apresentem qualquer conexão com o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.o 2, da Carta, bem como com os princípios da não discriminação e da equivalência.

22      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não indica as razões pelas quais, em seu entender, uma interpretação dessas disposições e desses princípios é necessária para a resolução desses litígios nem explica o nexo que estabelece entre eles e a legislação nacional em causa nos processos principais.

23      Por conseguinte, a primeira questão é inadmissível na medida em que tem por objeto a interpretação das referidas disposições e dos referidos princípios.

24      No que respeita, em segundo lugar, à interpretação do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1206/2001, importa recordar que, segundo esta disposição, este regulamento é aplicável em matéria civil ou comercial, sempre que um tribunal de um Estado‑Membro, requeira, nos termos da sua legislação nacional, ao tribunal competente de outro Estado‑Membro a obtenção de provas.

25      Ora, a pesquisa do endereço de uma pessoa à qual uma decisão judicial deve ser notificada não constitui «obtenção de provas», na aceção de tal disposição, abrangida pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.

26      A este respeito, há que salientar que, por força do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento, esse pedido deve, nomeadamente, indicar o nome e o endereço das partes.

27      Daqui resulta que um pedido de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que tem por objeto a procura, noutro Estado‑Membro, do endereço de uma pessoa à qual deve ser notificada uma decisão judicial não é regido pelo Regulamento n.o 1206/2001, pelo que este último não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

28      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão no processo C‑208/20 que o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1206/2001 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma situação em que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro procura o endereço, noutro Estado‑Membro, de uma pessoa à qual deve ser notificada uma decisão judicial.

 Quanto à segunda a quarta questões no processo C208/20 e quanto às três questões no processo C256/20

29      Com a segunda a quarta questões no processo C‑208/20 e com as três questões no processo C‑256/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro emita uma injunção contra um devedor e, sendo caso disso, a que essa injunção adquira força executória ou lhe imponha a anulação da referida injunção, quando se afigure provável ou certo que esse devedor não tem residência habitual na sua área de jurisdição.

30      Em virtude desta disposição, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do capítulo II deste regulamento.

31      A título preliminar, note‑se que, como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão proferido a título prejudicial [Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documentos), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 27 e jurisprudência referida].

32      Ora, no caso em apreço, resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio já emitiu injunções de pagamento contra os demandados no processo principal e que foi apenas na fase da notificação dessas injunções a esses demandados que esse órgão jurisdicional constatou que estes já não residiam na sua área de jurisdição, mas provavelmente noutro Estado‑Membro, em endereços desconhecidos.

33      Por conseguinte, nestas circunstâncias, uma interpretação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não é manifestamente necessária para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio fundamentar a sua competência para emitir as referidas injunções, uma vez que este órgão jurisdicional já as emitiu e que, por conseguinte, antes de as emitir, reconheceu necessariamente essa competência.

34      Daqui resulta que a segunda questão no processo C‑208/20 e a primeira questão no processo C‑256/20 são inadmissíveis na medida em que visam saber se esta disposição se opõe a que, nessas circunstâncias, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro emita uma injunção contra um devedor, quando seja provável ou certo que esse devedor não tem a sua residência habitual na área de jurisdição desse órgão jurisdicional.

35      No que respeita às questões de saber se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as injunções de pagamento emitidas pelo órgão jurisdicional em causa adquiram força executória ou que impõe a esse órgão jurisdicional que invalide essas injunções, basta constatar que esta disposição não tem nenhuma relação com as regras processuais dos Estados‑Membros que regulam, por um lado, as condições em que as decisões judiciais adquirem força executória e, por outro, a validade dessas decisões.

36      A este respeito, importa recordar que o Regulamento n.o 1215/2012 não tem por objeto unificar as regras processuais dos Estados‑Membros, mas regular as competências jurisdicionais para a resolução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre esses Estados e facilitar a execução das decisões judiciais (Acórdão de 31 de maio de 2018, Nothartová, C‑306/17, EU:C:2018:360, n.o 28 e jurisprudência referida).

37      Uma vez que esse regulamento não estabelece as condições em que as decisões se tornam executórias nem as condições que regem a validade de tais decisões, estas condições são, por conseguinte, uma questão de autonomia processual dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Nothartová, C‑306/17, EU:C:2018:360, n.o 28 e jurisprudência referida).

38      Além disso, uma vez que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, não se pode considerar que a solução a adotar pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à aquisição de força executória de uma injunção de pagamento ou quanto à validade dessa injunção nessa situação é suscetível de privar a aplicação desta disposição de qualquer efetividade.

39      Nestas condições, há que responder à segunda a quarta questões no processo C‑208/20 e às três questões no processo C‑256/20 que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma injunção de pagamento contra um devedor adquira força executória e não exige que essa injunção seja invalidada.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos EstadosMembros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma situação em que um órgão jurisdicional de um EstadoMembro procura o endereço, noutro EstadoMembro, de uma pessoa à qual deve ser notificada uma decisão judicial.

2)      O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma injunção de pagamento contra um devedor adquira força executória e não exige que essa injunção seja invalidada.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.