Language of document : ECLI:EU:C:2006:76

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 1 de Fevereiro de 2006 1(1)

Processo C‑94/04

Federico Cipolla

contra

Rosaria Portolese, nome de casada Fazari

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte d’appello di Torino (Itália)]

Processo C‑202/04

Stefano Macrino,

Claudia Capodarte

contra

Roberto Meloni

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Roma (Itália)]

«Artigo 81.° CE – Medidas estatais – Regimes nacionais relativos aos honorários dos advogados – Tabelamento dos honorários – Livre prestação de serviços»





1.        No processo Arduino (2), o Tribunal de Justiça analisou a regulamentação italiana relativa ao tabelamento dos honorários dos advogados à luz dos artigos 10.° CE e 81.° CE. Na sequência desse acórdão, dois órgãos jurisdicionais italianos questionam o Tribunal de Justiça sobre a conformidade dessa regulamentação com as regras da concorrência e com o princípio da livre prestação de serviços.

I –    Factos, quadro jurídico e questões prejudiciais

2.        No processo C‑94/04, a Corte d’appello di Torino (Itália), no âmbito de um litígio entre F. Cipolla, advogado, e um dos seus clientes, R. Portolese, a respeito do pagamento dos honorários deste último, questionou o Tribunal de Justiça, em 4 de Fevereiro e 5 de Maio de 2004, acerca da compatibilidade dos artigos 10.° CE, 49.° CE e 81.° CE com a regulamentação nacional que tabela os honorários dos advogados. Em Março de 1991, R. Portolese procurou F. Cipolla, para pedir uma indemnização pela ocupação urgente de terrenos de que era proprietária, determinada pela Comune de Moncalieri. Numa reunião, F. Cipolla pediu à sua cliente uma provisão no montante de 1 850 000 ITL, que lhe foi paga. No âmbito do mandato, F. Cipolla intentou uma acção em juízo contra a referida Comune no Tribunale di Torino. Em seguida, foi feita uma transacção entre esta Comune e os proprietários, sem intervenção do advogado. R. Portolese cedeu, assim, o seu terreno à Comune, por acto notarial de 27 de Outubro de 1993.

3.        Numa nota de honorários datada de 18 de Maio de 1995, F. Cipolla solicitou à sua cliente o pagamento do montante total de 4 125 400 ITL (2 130,38 euros), tendo deduzido a provisão paga. R. Portolese contestou essa nota de honorários no Tribunale di Torino, que, por decisão de 12‑20 de Junho de 2003, considerou devido o pagamento de 1 850 000 ITL, julgando improcedentes os outros pedidos de F. Cipolla. Este último interpôs recurso dessa decisão na Corte d’appello di Torino, invocando a aplicação da tabela de honorários dos advogados resultante da deliberação de 30 de Março de 1990 do Consiglio nazionale forense (Conselho Nacional da Ordem dos Advogados, a seguir «CNF»), aprovada pelo Decreto ministerial n.° 392, de 24 de Novembro de 1990 (a seguir «Decreto ministerial de 1990»). Segundo afirma, o advogado e o seu cliente não podem acordar numa remuneração diferente da fixada nessa tabela, que é de aplicação obrigatória.

4.        Em Itália, é o Decreto real n.° 1578, de 27 de Novembro de 1933 (3), convertido na Lei n.° 36, de 22 de Janeiro de 1934 (4), na versão posteriormente alterada (a seguir «decreto‑lei»), que regula a profissão de advogado. Por força dessa regulamentação, nomeadamente do artigo 57.° desse decreto‑lei, os critérios de determinação dos honorários e compensações de despesas devidos aos advogados e aos procuradores em matéria civil, penal e extrajudicial são fixados, de dois em dois anos, por deliberação do CNF. Esta tabela de honorários dos advogados deve, em seguida, ser aprovada pelo Ministro da Justiça, consultados o Comitato interministeriale dei prezzi (Comité Interministerial dos Preços) e o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) (5). O artigo 58.° do decreto‑lei dispõe que os critérios previstos no artigo 57.° do mesmo decreto‑lei são estabelecidos por referência ao valor das acções e à hierarquia da autoridade chamada a pronunciar‑se, bem como, em matéria penal, tendo em conta a duração do processo. Por cada acto ou conjunto de actos, devem ser fixados honorários máximos e mínimos.

5.        Nos termos do artigo 24.° da Lei n.° 794, de 13 de Junho de 1942, que regula a profissão de advogado em Itália, «os honorários […] mínimos fixados para as prestações dos advogados são inderrogáveis. É nula qualquer convenção em contrário». A jurisprudência deu uma interpretação particularmente ampla a este princípio. O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a conformidade com o direito comunitário desta proibição de derrogação dos honorários previstos pela tabela de honorários dos advogados, tal como é interpretada pela jurisprudência. Com efeito, segundo afirmou no acórdão Arduino, já referido, o Tribunal de Justiça apenas se pronunciou sobre o modo de formação da tabela e não sobre este ponto específico.

6.        Por conseguinte, a Corte d’appello di Torino submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O princípio da liberdade de concorrência de direito comunitário, consagrado nos artigos 10.° CE, 81.° CE e 82.° CE, também se aplica à oferta de serviços jurídicos?

2)      O referido princípio engloba a possibilidade de as partes fixarem por acordo o montante da remuneração do advogado, sendo esse acordo vinculativo?

3)      O referido princípio impede, de qualquer modo, a inderrogabilidade absoluta das remunerações dos advogados?

4)      O princípio da livre prestação de serviços, consagrado nos artigos 10.° CE e 49.° CE, também se aplica à oferta de serviços jurídicos?

5)      Em caso de resposta afirmativa, o referido princípio é compatível com a inderrogabilidade absoluta dos honorários dos advogados?»

7.        Paralelamente, no processo C‑202/04, o Tribunale di Roma (Itália) também submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à compatibilidade de um outro aspecto da mesma regulamentação nacional com os artigos 10.° CE e 81.° CE. Os factos do processo principal são os seguintes. S. Macrino e C. Capodarte estão em conflito com R. Meloni, o seu advogado, que reclama o pagamento de honorários cujo montante contestam. Este obteve uma injunção de pagamento contra eles por prestações extrajudiciais relativas a questões de direitos de autor. O montante dos honorários foi fixado segundo a tabela legal aplicável a esse tipo de prestações. Segundo os referidos clientes, as prestações efectuadas pelo seu advogado limitaram‑se ao envio de uma carta genérica de resposta e a uma breve troca de correspondência com o advogado da parte contrária, de modo que os honorários exigidos são desproporcionados aos serviços prestados.

8.        Os honorários aplicáveis a essa prestação foram fixados pela deliberação do CNF de 12 de Junho de 1993, alterada em 29 de Setembro de 1994, na versão aprovada pelo Decreto ministerial n.° 585, de 5 de Outubro de 1994 (a seguir «Decreto ministerial de 1994») (6). A tabela de honorários dos advogados abrange três categorias de prestações: os honorários por prestações judiciárias em matéria civil e administrativa, os honorários por prestações judiciárias em matéria penal e os honorários por prestações extrajudiciais. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o acórdão Arduino, já referido, só tratou de prestações judiciárias e o Tribunal de Justiça não analisou a possibilidade de o legislador italiano fixar honorários para as prestações extrajudiciais.

9.        Por conseguinte, foi nestes termos que o Tribunale di Roma questionou o Tribunal de Justiça:

«Os artigos 5.° e 85.° do Tratado CE (actuais artigos 10.° CE e 81.° CE) opõem‑se a que um Estado‑Membro adopte uma medida legislativa ou regulamentar que aprova, com base num projecto elaborado por uma ordem profissional de advogados, uma tabela que estabelece os honorários mínimos e máximos dos membros da profissão relativamente a prestações que têm por objecto actividades (ditas ‘extrajudiciais’) não reservadas aos membros da ordem profissional dos advogados, mas que podem ser efectuadas por qualquer pessoa?»

10.      Em 25 de Outubro de 2005, teve lugar uma audiência em que estiveram representados R. Meloni, os Governos italiano e alemão, bem como a Comissão das Comunidades Europeias.

11.      Antes de proceder à análise do mérito das questões formuladas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, há que apreciar da sua admissibilidade, que foi contestada por F. Cipolla e pelo Governo alemão, no processo C‑94/04, e por R. Meloni e pelo Governo italiano, no processo C‑202/04.

II – Admissibilidade das questões prejudiciais

12.      Segundo F. Cipolla, as questões submetidas pela Corte d’appello di Torino são inadmissíveis, por um lado, pelo facto de não serem pertinentes para a resolução do litígio no processo principal e, por outro, devido ao seu carácter hipotético.

13.      Quanto ao primeiro argumento, F. Cipolla sustenta que o direito nacional aplicável não pressupõe que o tribunal nacional aprecie a existência e a licitude de um acordo entre o advogado e a sua cliente, contrariamente ao que consta da decisão de reenvio. Segundo o recorrente no processo principal, a inexistência de acordo entre o profissional e a cliente e a qualificação do montante pago como provisão por conta dos honorários têm força de caso julgado, uma vez que não foram contestadas perante o tribunal de recurso.

14.      Resulta de jurisprudência assente que a pertinência da questão prejudicial deve ser apreciada em primeiro lugar pelo juiz de reenvio (7). O Tribunal de Justiça só pode declarar uma questão inadmissível por essa razão se a falta de pertinência for manifesta ou se não existir qualquer relação entre a questão submetida e o objecto do litígio.

15.      No processo principal, pelo contrário, a questão de saber se a primeira soma paga pela cliente ao seu advogado constitui o pagamento integral dos serviços que lhe foram prestados tem influência na resolução do litígio, uma vez que a resposta a esta questão determina se o acordo celebrado entre o advogado e o seu cliente sobre os honorários devidos pode prevalecer sobre a tabela de honorários dos advogados.

16.      Em segundo lugar, F. Cipolla invoca o carácter hipotético da questão colocada. Segundo afirma, a validade do acordo celebrado entre o advogado e a sua cliente só deve ser apreciada se for demonstrado que esse acordo existe, o que não acontece. Por essa razão, segundo defende, as questões formuladas pela Corte d’appello di Torino são assimiláveis a um pedido de parecer consultivo.

17.      É verdade que não faz parte das atribuições do Tribunal de Justiça a formulação de orientações gerais sobre questões teóricas (8). Todavia, o processo principal tem por objectivo determinar se os honorários podem ser fixados por acordo das partes ou apenas por aplicação da tabela de honorários dos advogados. Uma vez que a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio se refere a este aspecto, a mesma não pode ser qualificada como hipotética.

18.      Na medida em que se concluiu que a questão suscitada pelo referido órgão jurisdicional não é de carácter hipotético, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre as regras processuais nacionais aplicáveis ao litígio.

19.      Um último argumento foi invocado pela Comissão e pelo Governo alemão que, nas suas observações escritas no processo Cipolla, referem que a situação factual em causa no processo principal não inclui elementos transfronteiriços. Pode fazer‑se o mesmo reparo relativamente ao processo Macrino e Capodarte. A priori, no âmbito de uma situação puramente interna, pode ser posta em causa a aplicabilidade do artigo 49.° CE, que se destina a impedir restrições à livre prestação de serviços entre Estados‑Membros e, consequentemente, a admissibilidade da questão colocada pelo tribunal nacional. No entanto, em resposta a uma questão relativa à livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça referiu, no n.° 23 do acórdão Guimont (9), que não se pode considerar que a interpretação solicitada do direito comunitário não é necessária ao juiz nacional, apesar de a situação factual em causa ser puramente interna, uma vez que «essa resposta pode ser‑lhe útil no caso de o seu direito nacional impor, num processo como o do caso em apreço, fazer beneficiar um produtor nacional dos mesmos direitos que os [que] um produtor de outro Estado‑Membro retira do direito comunitário na mesma situação». Esta jurisprudência foi seguida no acórdão Anomar e o. (10), em que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional também eram relativas à livre prestação de serviços. Apesar de as questões da Corte d'appello di Torino terem sido submetidas no âmbito de um litígio que não comporta elementos transfronteiriços, o tribunal nacional considerou correctamente que uma resposta seria útil no caso de o direito italiano impor que fossem atribuídos aos cidadãos italianos os mesmos direitos que resultariam do direito comunitário para os cidadãos de outros Estados‑Membros (11). Além disso, o âmbito de aplicação do direito da concorrência, invocado pelo juiz de reenvio, é particularmente amplo, uma vez que é aplicável a qualquer restrição da concorrência que afecte o comércio entre Estados‑Membros. A tabela de honorários dos advogados objecto da questão submetida deveria igualmente ser sujeita a análise à luz do artigo 49.° CE, apesar de a situação factual descrita pelo referido juiz ser uma situação puramente interna, uma vez que pode ter efeitos sobre a livre prestação de serviços, favorecendo as prestações de serviços jurídicos de origem nacional (12).

20.      No estado actual da jurisprudência, os argumentos esgrimidos não são, por conseguinte, susceptíveis de pôr em causa a admissibilidade das questões colocadas pela Corte d’appello di Torino.

21.      No processo Macrino e Capodarte, R. Meloni e o Governo italiano invocam igualmente a inadmissibilidade da questão colocada pelo Tribunale di Roma.

22.      Em primeiro lugar, alegam que a questão suscitada pelo tribunal de reenvio é inadmissível por não ser necessária à resolução do processo principal. Na falta de um acordo entre as partes sobre o montante dos honorários do advogado, o referido juiz deveria, nos termos do artigo 2233.° do Código Civil italiano (Codice civile), fixar o respectivo montante, não estando vinculado pela tabela de honorários dos advogados (13). No entanto, como foi referido na decisão de reenvio, o litígio pendente é relativo à remuneração das prestações efectuadas por R. Meloni, relativamente à qual este último obteve uma injunção de pagamento baseada na tabela de honorários dos advogados para as prestações extrajudiciais, e cujo montante é contestado pelos seus clientes. Assim, verifica‑se que a questão da legalidade, à luz do direito comunitário, da tabela de honorários dos advogados para as prestações extrajudiciais tem uma relação com o referido litígio.

23.      De resto, o Governo italiano contesta a pertinência da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que não se verifica nenhuma prática anticoncorrencial, nem na elaboração da tabela, como foi demonstrado no acórdão Arduino, já referido, nem no comportamento dos operadores. A este respeito, há que recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre o juiz nacional e o juiz comunitário instituído pelo reenvio prejudicial, a pertinência da questão submetida à luz das circunstâncias factuais e do quadro jurídico do litígio pendente é decidida pelo juiz nacional (14), pelo que a objecção do Governo italiano não deve ser acolhida.

24.      R. Meloni alega ainda que o juiz nacional não indicou as razões precisas que o levaram a questionar‑se sobre a interpretação do direito comunitário. Este argumento não é convincente, uma vez que a decisão de reenvio, ao invés, esclarece amplamente em que condições a interpretação do direito comunitário é útil para a resolução do processo principal.

25.      Nestas circunstâncias, verifica‑se que nenhum dos argumentos invocados por R. Meloni ou pelo Governo italiano demonstraram que a questão submetida no processo Macrino e Capodarte é inadmissível.

III – Análise

26.      As três primeiras questões formuladas no processo Cipolla e a questão suscitada no processo Macrino e Capodarte destinam‑se a ver delimitado o âmbito de aplicação do acórdão Arduino, já referido. É necessária uma interpretação desse acórdão para responder às questões colocadas sobre os seus eventuais limites relativamente, por um lado, à inclusão das prestações extrajudiciais e, por outro, à proibição de os advogados e os seus clientes celebrarem acordos que derroguem a tabela.

27.      A este respeito, a Comissão pede expressamente ao Tribunal de Justiça, no processo Macrino e Capodarte, que reveja a sua jurisprudência solidamente assente a respeito da aplicação dos artigos 10.° CE, 81.° CE e 82.° CE e, em particular, que proceda a uma mudança de orientação em relação ao acórdão Arduino, já referido.

28.      O Tribunal de Justiça sempre se mostrou cauteloso em mudar de orientação quanto à interpretação jurídica adoptada nos seus acórdãos anteriores. Embora não se pronunciando sobre a natureza de precedente jurídico desses acórdãos, o Tribunal de Justiça sempre procedeu com deferência perante uma corrente jurisprudencial solidamente assente. A autoridade reconhecida pelo Tribunal de Justiça aos acórdãos que proferiu no passado pode entender‑se como decorrente da necessidade de garantir os valores da coerência, da uniformidade e da segurança jurídica inerente a qualquer sistema jurídico. Estes valores têm uma importância acrescida no âmbito de um sistema de aplicação descentralizada do direito como o da ordem jurídica comunitária. O reconhecimento, no acórdão CILFIT e o., de que a obrigação de reenvio cessa quando a questão suscitada já tiver sido objecto de interpretação pelo Tribunal de Justiça (15) e a possibilidade, prevista no artigo 104.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo, de este decidir por meio de despacho fundamentado «quando uma questão prejudicial for idêntica a uma questão que [o mesmo Tribunal] já tenha decidido» só se compreendem à luz da autoridade interpretativa que lhe é reconhecida para o futuro (16). Apesar de o Tribunal de Justiça não estar formalmente vinculado pelos seus próprios acórdãos, reconhece, pela deferência que lhes dispensa, a importância da estabilidade da sua jurisprudência para a sua autoridade interpretativa e contribui para garantir a uniformidade, a coerência e a segurança jurídica no seio da ordem jurídica comunitária.

29.      É verdade que a estabilidade não é nem deve ser um valor absoluto. O Tribunal de Justiça também reconhece a importância de adaptar a sua jurisprudência, de modo a levar em conta as alterações ocorridas noutros domínios da ordem jurídica ou no contexto social em que as normas se aplicam. De resto, este Tribunal admite que a superveniência de elementos novos pode justificar uma adaptação ou até uma revisão da sua jurisprudência. No entanto, só de modo prudente o Tribunal de Justiça aceitou modificar a orientação decorrente de acórdãos anteriores de modo tão substancial como o sugerido pela Comissão no presente caso (17).

30.      Devido à recente prolação do acórdão Arduino, já referido, ao impacto que o presente processo irá ter sobre a mesma regulamentação, ou seja, a tabela de honorários dos advogados, e ao facto de a Comissão não ter invocado qualquer argumento jurídico novo, não considero adequado que o Tribunal de Justiça altere a sua jurisprudência decorrente do acórdão Arduino. Além disso, pelas razões que desenvolverei adiante, creio que o raciocínio que foi seguido pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão Arduino é compatível com uma interpretação jurídica que responde a algumas das preocupações exprimidas pelos advogados‑gerais P. Léger e F. G. Jacobs nas conclusões que apresentaram nos processos Arduino, já referido, e Pavlov e o. (18), referidas infra.

A –    O controlo das medidas estatais à luz dos artigos 10.° CE e 81.° CE

31.      O artigo 81.° CE faz parte das regras de concorrência aplicáveis à actuação das empresas. Por conseguinte, só a título excepcional as medidas nacionais são abrangidas por este artigo, e apenas no âmbito do dever de cooperação leal dos Estados‑Membros na aplicação do direito comunitário. A preocupação de preservar a neutralidade do Tratado CE em relação às competências reservadas aos Estados‑Membros (19), embora não impeça a fiscalização das medidas regulamentares à luz dos artigos 10.° CE e 81.° CE, todavia, limita‑a. O recurso conjugado, pela jurisprudência, a essas duas normas no acórdão GB‑Inno‑BM (20) enunciou um princípio em termos notavelmente amplos: «se é verdade que o artigo 86.° [do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 82.° CE)] é dirigido às empresas, não o é menos que o Tratado impõe aos Estados‑Membros que não adoptem ou mantenham em vigor medidas susceptíveis de eliminar o efeito útil dessa disposição». Assim enunciado, este princípio poderia ter permitido a sujeição ao direito da concorrência de qualquer medida nacional com efeitos restritivos na concorrência. Consequentemente, o Tribunal de Justiça concretizou posteriormente os requisitos dos artigos 10.° CE e 81.° CE de modo estrito. De acordo com a jurisprudência, só há violação desses artigos em dois casos: quando um Estado‑Membro impõe ou favorece a celebração de acordos contrários ao artigo 81.° CE ou reforça os seus efeitos (21), ou quando esse Estado retira à sua própria regulamentação a sua natureza estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção na prossecução de interesses económicos (22).

32.      Os dois casos são fáceis de distinguir. Na primeira hipótese, o acordo entre empresas precede a medida estatal que o valida ou o reforça. A responsabilidade do Estado decorre do facto de ele agravar, pela sua actuação, um comportamento já de si anticoncorrencial. No segundo caso – a delegação pelo Estado da sua autoridade em entidades privadas –, as empresas adoptam uma decisão, que seguidamente é codificada como medida regulamentar. A aplicação dos artigos 10.° CE e 81.° CE pretende então evitar que só a forma do acto impeça a sua sujeição ao direito da concorrência. A meu ver, isto implica que o conceito de delegação deva ser compreendido de modo material, exigindo‑se uma apreciação do processo decisório conducente à adopção da regulamentação estatal. No conceito de delegação material incluem‑se as duas seguintes hipóteses: por um lado, a delegação pelo Estado numa entidade privada do direito de adoptar um acto e, por outro, a delegação da autoridade pública numa entidade privada do poder de controlar o processo decisório conducente à adopção de um acto regulamentar. Com efeito, pode considerar‑se que o Estado procede a uma delegação da sua autoridade quando a sua intervenção se limita à adopção formal de um acto, uma vez que a tomada em consideração do interesse público depende da maneira como as decisões são adoptadas. Conceber o conceito de «delegação» como abrangendo estes dois casos reforça a exigência de coerência a que a acção estatal está sujeita. Este princípio da coerência garante que, enquanto o Estado agir na prossecução do interesse público, a sua actuação está sujeita aos mecanismos de controlo político e democrático e que se delegar a prossecução de determinados objectivos em operadores privados, deve sujeitá‑los às regras de concorrência que constituem os mecanismos de controlo do poder no seio do mercado. Em contrapartida, o Estado não pode delegar nos operadores privados do mercado determinados poderes e dispensá‑los da aplicação das regras de concorrência. Esta concepção ampla da delegação permite garantir que a não aplicação das regras do direito da concorrência é efectivamente devida a uma sujeição ao interesse público e não a uma apropriação da autoridade pública pelos interesses privados (23).

33.      É por esta razão que deve, sem dúvida, entender‑se que a jurisprudência invocada supra implica saber quais os objectivos prosseguidos pelo Estado para determinar quando é que a sua actuação pode ser sujeita ao direito da concorrência. Há que determinar se a intervenção regulamentar do Estado é dominada pela preocupação de preservação do interesse público ou se, pelo contrário, a consideração dos interesses privados é tal que cria o risco de transformação do objectivo predominante da medida estatal, que seria então a prossecução destes interesses. Com efeito, a participação de operadores privados no processo de regulamentação, na fase da elaboração de uma proposta de uma norma ou através da sua participação num órgão encarregado de a elaborar, pode ter uma influência determinante no conteúdo da norma. O perigo reside na possibilidade de uma disposição formalmente válida ter como único objectivo a protecção de certos interesses privados dos mecanismos da concorrência, em detrimento do interesse público (24).

34.      Está fora de dúvida que não seria justificado sujeitar, por essa razão, toda e qualquer medida estatal aos artigos 10.° CE e 81.° CE. As preocupações expressas pelos advogados‑gerais F. G. Jacobs e P. Léger, respectivamente, nas suas conclusões nos processos, já referidos, Pavlov e o. (25) e Arduino (26), não vão nesse sentido, mantendo‑se antes próximas da jurisprudência. Desenvolvem dois critérios que permitem determinar se medidas estatais se encontram de facto sob o controlo de operadores privados. Segundo afirmam, a medida analisada não constitui uma violação dos artigos 10.° CE e 81.° CE, em primeiro lugar, se a sua adopção se justificar pela prossecução de um interesse público legítimo e, em segundo lugar, se os Estados‑Membros supervisionarem activamente a intervenção de operadores privados no processo decisório (27). Estes critérios destinam‑se a demonstrar em que medida o Estado fiscaliza a delegação feita em operadores privados. Apesar de os critérios desenvolvidos serem apresentados de forma cumulativa, parece‑me que o critério do interesse público inclui o outro critério. É mesmo susceptível de levar o Tribunal de Justiça a apreciar todas as medidas que possam reduzir a concorrência. Talvez por esse motivo o Tribunal de Justiça não tenha adoptado esse critério.

35.      Se bem que, em meu entender, as preocupações subjacentes às propostas dos advogados‑gerais sejam legítimas, parece‑me, todavia, que a jurisprudência actual permite dar‑lhes resposta. Pode mesmo perguntar‑se se o Tribunal de Justiça não terá adoptado implicitamente o critério da supervisão pelo Estado para verificar o carácter regulamentar de uma medida estatal, uma vez que lhe faz referência no n.° 10 do acórdão Arduino, já referido. No entanto, subsistem dúvidas sobre o modo como este critério é apreciado pelo Tribunal de Justiça, designadamente quanto ao carácter efectivo da supervisão exercida pelo Estado, afigurando‑se insuficiente um controlo formal da natureza do acto (28).

36.      Uma comparação com o direito antitrust americano, que aplica a doutrina da actuação estadual («state action doctrine») e sujeita as medidas dos Estados Federados apenas a um controlo limitado à luz do direito da concorrência, vai no mesmo sentido. No direito americano, a referida «state action doctrine» tem origem no acórdão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América Parker v. Brown (29), que excluiu a aplicação do Sherman Act a medidas adoptadas pelos Estados no âmbito do seu poder soberano. A jurisprudência e a prática das autoridades da concorrência evoluíram substancialmente desde esse acórdão (30). Assim, uma medida regulamentar só é excluída do âmbito de aplicação do direito antitrust se preencher dois requisitos cumulativos. Por um lado, exige‑se que a medida controvertida que provoca uma restrição da concorrência seja claramente articulada como uma medida estatal e, por outro, que a sua execução seja enquadrada pelo Estado.

37.      Deparamo‑nos com uma dificuldade suplementar quando domínios idênticos são regulamentados de modo diferente consoante os Estados‑Membros em causa. Com efeito, enquanto as medidas de auto‑regulação permanecem sujeitas ao direito da concorrência devido à sua origem, as medidas estatais escapam‑lhe. Na prática, o Tribunal de Justiça examinou, no processo Wouters e o. (31), a compatibilidade de uma regra aprovada por uma ordem profissional que proibia a constituição de grupos multidisciplinares com o artigo 81.° CE, enquanto declarou, no acórdão Arduino, já referido, que uma medida nacional que fixa uma tabela de honorários dos advogados não está sujeita aos artigos 10.° CE e 81.° CE, conjugados. A única forma de garantir, à luz do direito comunitário, um controlo coerente desses dois tipos de medidas é a adopção de um critério que exija uma supervisão efectiva pelo Estado, incluindo o exame do processo decisório conducente à adopção da norma em causa.

38.      Todavia, não há dúvida de que não é oportuno proceder, no presente processo, a uma mudança de rumo da jurisprudência, uma vez que a legislação italiana em causa no processo principal já foi examinada no acórdão Arduino, já referido. Os factos do litígio que deram lugar a esse acórdão são próximos dos que estão na origem do processo Cipolla. Na sequência de um vulgar acidente de viação causado por M. Arduino, D. Dessi pediu uma indemnização, bem como o reembolso das despesas com o advogado, no Pretore di Pinerolo. O juiz italiano concedeu à vítima o que ela pediu, mas fixou o montante do reembolso das despesas com o advogado abaixo da tabela mínima fixada pelo Decreto ministerial de 1994. Esse acórdão foi anulado pela Corte suprema di cassazione italiana, que considerou que era ilegítimo, no caso concreto, afastar a tabela e remeteu novamente o processo para o primeiro tribunal. Este apresentou um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, que deu lugar ao referido acórdão Arduino.

39.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça examinou se os artigos 10.° CE e 81.° CE se opunham ou não à adopção e à manutenção de uma medida nacional como o Decreto ministerial de 1994. O Tribunal de Justiça considerou que a República Italiana não tinha delegado em operadores privados a tarefa de regulamentar uma actividade uma vez que, no caso, o CNF apenas submetia uma proposta de tabela ao Ministério da Justiça, que tinha o poder de alterar esse projecto ou de diferir a sua aplicação no tempo (32). No n.° 10 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça, todavia, fez referência ao exercício efectivo pelo Estado do seu poder de fiscalização, que conduziu, por exemplo, a diferir a aplicação da tabela aprovada pelo Decreto ministerial de 1994 (33). Na audiência, o Governo italiano recordou que, em 1973, o decreto de aprovação da tabela de honorários dos advogados tinha sido adoptado onze meses depois da data da proposta do CNF. Também em 2004 foi perceptível a fiscalização pelo Estado do processo decisório, uma vez que o Consiglio di Stato, numa primeira fase, recusou a sua aprovação, tendo considerado que não dispunha de todos os elementos necessários para dar o seu parecer sobre o projecto de tabela que lhe foi apresentado. Poder‑se‑ia sustentar que o juiz nacional estava em melhores condições do que o Tribunal de Justiça para proceder a essa apreciação de ordem prática. O Tribunal de Justiça, porém, considerou que dispunha de elementos suficientes para fazer ele próprio essa apreciação. Uma vez que os honorários acordados nos dois processos principais são regulados pelos Decretos ministeriais de 1990 e de 1994, não há que proceder a um novo exame desta questão. No entanto, se, no futuro, fosse submetida à apreciação do Tribunal de Justiça por um órgão jurisdicional italiano uma questão a respeito de um litígio relativo a factos regulados por um decreto posterior, já seria eventualmente apropriado remeter para o tribunal nacional a apreciação do carácter efectivo da fiscalização pelo Estado do processo decisório conducente à adopção desse decreto.

40.      Apesar de a aplicação de uma tabela de honorários de advogados limitar fortemente a concorrência entre advogados, não podem, no entanto, subsistir dúvidas quanto à sua legalidade à luz dos artigos 10.° CE e 81.° CE, uma vez que o Tribunal de Justiça concluiu, no acórdão Arduino, já referido, que essa tabela era estabelecida pelo Estado e não decorria da delegação por este último num agrupamento de empresas. Em contrapartida, resta verificar se esse resultado se mantém seja qual for o âmbito de aplicação da tabela. As questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio dizem precisamente respeito a este aspecto.

B –    A compatibilidade da inclusão das prestações extrajudiciais no âmbito de aplicação da tabela de honorários dos advogados com o direito comunitário da concorrência

41.      As prestações extrajudiciais devem distinguir‑se das prestações efectuadas no âmbito de um litígio num tribunal. O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (34), distingue, aliás, o caso das actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo ou perante autoridades públicas de todas as outras actividades. Poder‑se‑ia argumentar que o mercado das prestações jurídicas extrajudiciais é distinto do mercado das prestações jurídicas no âmbito de um litígio no tribunal. Com efeito, no primeiro caso, a assimetria da informação entre o advogado e os seus clientes é mínima, uma vez que os destinatários dos serviços recorrem a um advogado mais frequentemente, estando em melhores condições de avaliar a qualidade do serviço prestado.

42.      A tabela de honorários dos advogados, tal como resulta dos decretos ministeriais, quer do de 1990 quer do de 1994, prevê, aliás, disposições específicas para as prestações efectuadas no âmbito de um litígio levado a tribunal, quer seja de natureza civil, administrativa ou penal, por um lado, e as prestações efectuadas num quadro não contencioso, por outro. As prestações jurídicas efectuadas no âmbito contencioso afectam directamente o acesso dos particulares ao tribunal. Na prática, de resto, o apoio judiciário está frequentemente associado a este tipo de prestações (35).

43.      Sem fazer especificamente referência às características das prestações extrajudiciais, a Comissão, nas suas observações escritas no processo Macrino e Capodarte, bem como na audiência, defende a tese segundo a qual a solução adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Arduino, já referido, deve ser revista para concluir que uma medida estatal que restringe a concorrência viola os artigos 10.° CE e 81.° CE, a não ser que possa justificar‑se por objectivos de interesse público e que seja proporcionada a esses objectivos. Assim sendo, a Comissão segue a argumentação defendida pelo advogados‑gerais P. Léger e F. G. Jacobs, evocada no n.° 30 das presentes conclusões.

44.      Pelas razões acima expostas, parece‑me que o acórdão Arduino, já referido, não admite outra leitura que não seja a exclusão da aplicação do artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, a este tipo de medidas estatais, apesar de ter um efeito anticoncorrencial agravado relativamente a uma tabela que apenas dissesse respeito a prestações judiciais. Com efeito, as conclusões a que se chegou nesse acórdão baseiam‑se no carácter estatal da regulamentação em causa no seu todo, ou seja, a tabela de honorários dos advogados, e não na natureza específica dos seus potenciais efeitos anticoncorrenciais consoante os diferentes tipos de prestações jurídicas em causa.

45.      Em contrapartida, o juiz nacional tem o dever, quando interpreta o direito nacional, de escolher, uma vez que dispõe de uma certa discricionariedade na matéria, a interpretação mais conforme possível com o direito comunitário e a mais susceptível de atingir os seus objectivos (36). Ora, resulta do artigo 60.° do decreto‑lei que o juiz é livre de fixar de modo discricionário os honorários das prestações extrajudiciais dentro dos limites máximos e mínimos, sem fundamentação; com uma fundamentação adequada, o juiz pode, além disso, ignorar os limites mínimos e máximos da tabela (37). Por conseguinte, no sentido de não reforçar os efeitos anticoncorrenciais da tabela, o juiz nacional deve, na medida do possível, fazer uso do seu poder de apreciação quando decide um litígio relativo ao montante dos honorários previsto na referida tabela para prestações extrajudiciais.

46.      Em conclusão, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que decorre do acórdão Arduino, já referido, que o artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, não se opõe a uma medida nacional que fixa uma tabela de honorários dos advogados, inclusivamente no que diz respeito aos serviços extrajudiciais, desde que essa medida tenha sido sujeita a uma supervisão efectiva pelo Estado e na medida em que o poder do juiz de derrogar os montantes fixados pela tabela seja interpretado em conformidade com o direito comunitário de modo a limitar o efeito anticoncorrencial da referida medida.

C –    Compatibilidade da proibição de derrogação da tabela de honorários dos advogados com o direito comunitário da concorrência

47.      A questão colocada no processo Cipolla tem por objecto a proibição de os advogados e os seus clientes derrogarem a tabela de honorários dos advogados tal como resulta do Decreto ministerial de 1994. Como foi recordado no n.° 5 das presentes conclusões, verifica‑se que, nos termos do artigo 24.° da Lei n.° 794, «os honorários […] mínimos fixados para as prestações dos advogados são inderrogáveis. É nula qualquer convenção em contrário». Todavia, há que observar que esta proibição só é absoluta entre o cliente e o seu advogado, uma vez que é legítimo ao tribunal derrogar a tabela (38).

48.      Resulta do artigo 60.° do decreto‑lei, referido no n.° 45 supra, que o juiz nacional pode fixar os honorários de modo discricionário dentro dos limites máximos e mínimos. Com uma fundamentação adequada, esse juiz pode, além disso, ignorar os limites mínimos e máximos da tabela. O poder do juiz é idêntico relativamente a prestações jurídicas efectuadas no âmbito de litígios perante órgãos jurisdicionais.

49.      É verdade que a questão da compatibilidade da proibição de derrogação da tabela de honorários dos advogados com os artigos 81.° CE e 10.° CE não é especificamente evocada no acórdão Arduino, já referido. Ora, uma interpretação restritiva da possibilidade de o juiz nacional derrogar a referida tabela reforçaria os efeitos anticoncorrenciais da mesma, limitando consideravelmente a concorrência de preços entre advogados. É esta a razão pela qual, a fim de assegurar a observância do efeito útil do direito comunitário da concorrência, o juiz nacional deve interpretar o direito nacional de tal modo que esses efeitos anticoncorrenciais sejam o mais reduzidos possível (39).

50.      Por conseguinte, sugiro que se responda à questão submetida no processo Cipolla no sentido de que decorre do acórdão Arduino, já referido, que o artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, não se opõe a uma medida nacional que proíbe os advogados e os seus clientes de derrogar a tabela de honorários dos advogados, desde que a medida tenha sido sujeita a uma supervisão efectiva pelo Estado e na medida em que o poder do juiz de derrogar os montantes fixados pela tabela seja interpretado em conformidade com o direito comunitário de modo a limitar o efeito anticoncorrencial da referida medida.

D –    Compatibilidade da tabela de honorários dos advogados com o princípio da livre prestação de serviços

51.      Os serviços jurídicos prestados por advogados são prestações de serviços na acepção do artigo 50.° CE (40). O artigo 49.° CE proíbe as restrições à livre prestação de serviços em relação aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o do destinatário da prestação. De um modo mais geral, a jurisprudência condenou as restrições à livre prestação dos serviços que impliquem a deslocação do destinatário da prestação (41) ou a simples deslocação dos serviços (42).

52.      O artigo 52.°, n.° 1, CE habilita o Conselho da União Europeia a adoptar directivas para realizar a liberalização de um determinado serviço. Foi com este fundamento que a Directiva 77/249 foi adoptada. Está especificamente previsto, no artigo 4.°, n.° 1, que as actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo ou perante autoridades públicas serão exercidas em cada Estado‑Membro de acolhimento nas condições previstas quanto aos advogados estabelecidos nesse Estado, com exclusão de qualquer requisito de residência ou de inscrição numa organização profissional no referido Estado.

53.      De acordo com jurisprudência assente, constituem uma restrição «as medidas nacionais susceptíveis de afectar ou de tornar menos atraente o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado» (43).

54.      A fim de decidir se o artigo 49.° CE e a Directiva 77/249 se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, há, em primeiro lugar, que verificar se ela contém uma restrição à livre prestação de serviços, para ver, numa segunda fase, se esta se pode justificar pelas razões mencionadas no artigo 46.°, n.° 1, CE, conjugado com o artigo 55.° CE, ou por razões imperiosas de interesse público.

1.      Existência de uma restrição à livre prestação de serviços

55.      Como as outras liberdades, o princípio da livre prestação de serviços tem por objectivo promover a abertura dos mercados nacionais, através da possibilidade oferecida aos prestadores de serviços e aos seus clientes de beneficiarem plenamente do mercado interno comunitário. Trata‑se simultaneamente de permitir aos referidos prestadores que exerçam a sua actividade num plano transnacional e de permitir aos consumidores que acedam a serviços prestados por prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros. A livre prestação de serviços integra, assim, «o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros» (44) constituído pela cidadania europeia, de que representa a dimensão transnacional.

56.      Para a realização deste objectivo, os Estados‑Membros devem ter em conta os efeitos das medidas que adoptam para regular o seu mercado nacional sobre o exercício pelos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros do seu direito à livre prestação de serviços. Neste quadro, são proibidas não só as discriminações em razão da nacionalidade mas também as discriminações que imponham, para o exercício de uma actividade transnacional, custos acrescidos ou que entravem o acesso ao mercado nacional dos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros (45).

57.      Desenha‑se um quadro idêntico para as quatro liberdades. Em matéria de livre circulação de mercadorias, no acórdão Deutscher Apothekerverband (46), o Tribunal de Justiça condenou uma medida nacional pelo facto de prejudicar mais as farmácias situadas fora da Alemanha do que as situadas em território alemão, privando assim as primeiras de um meio importante de aceder ao mercado alemão. Foi igualmente feita uma referência ao critério do acesso ao mercado no acórdão CaixaBank France (47), que dizia respeito à liberdade de estabelecimento. Um raciocínio próximo foi aplicado ao domínio dos serviços no acórdão Alpine Investments, já referido (48). Também foi decidido que uma regulamentação nacional segundo a qual os rendimentos de capitais de origem não finlandesa são tratados de forma menos favorável que os dividendos distribuídos por sociedades com sede na Finlândia constitui uma restrição à livre circulação de capitais (49).

58.      A orientação comum adoptada por esses acórdãos parece‑me ser a de que qualquer política nacional que conduza a tratar as situações transnacionais de modo menos favorável do que as situações puramente nacionais constitui uma restrição às liberdades de circulação (50). Com esta reserva, os Estados‑Membros permanecem livres de regular a actividade económica no seu território, uma vez que a aplicação das liberdades de circulação não se destina a instituir uma harmonização regulamentar (51).

59.      O tratamento menos favorável das situações transnacionais pode assumir variadas formas. Manifesta‑se frequentemente como um freio ao acesso ao mercado nacional, quer protegendo posições adquiridas nesse mercado quer dificultando a participação no mercado de prestadores transfronteiriços. Há que examinar a legislação italiana em causa no processo principal à luz deste critério.

60.      No caso em apreço, apesar de a tabela de honorários dos advogados estabelecida pela regulamentação em causa ser indistintamente aplicável aos advogados estabelecidos em Itália e aos estabelecidos noutros Estados‑Membros que pretendam prestar serviços em Itália, causa restrições à livre prestação de serviços em várias situações, em que estes últimos são colocados numa situação menos favorável que os seus homólogos italianos.

61.      Desde logo, pode verificar‑se que a tabela é elaborada tendo unicamente em conta a situação dos advogados italianos, sem prever as situações transnacionais (52). Assim, há que examinar se os critérios adoptados para a fixação dos honorários são específicos dos advogados estabelecidos em Itália ou se são aplicáveis aos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros. Com efeito, determinadas disposições da tabela podem criar restrições à livre circulação. Trata‑se, em primeiro lugar, dos honorários mínimos, bem como dos honorários máximos fixados pela tabela. Serão indicadas outras disposições desta tabela na medida em que possam também revelar‑se problemáticas à luz do princípio da livre prestação de serviços. A fim de decidir se restringem a livre prestação de serviços, examinarei sucessivamente os efeitos nas situações transfronteiriças de cada uma dessas disposições.

a)      Honorários mínimos fixados na tabela

62.      Os honorários mínimos fixados na tabela constituem uma restrição à livre prestação de serviços pelos advogados estabelecidos fora da Itália?

63.      Decorre já de há muito da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os regimes estatais de regulamentação de preços que incluem a proibição de vender abaixo de um preço mínimo «não constituem em si mesmos medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, mas podem produzir esse efeito quando os preços se situem a tal nível que os produtos importados seriam desfavorecidos em relação aos produtos nacionais idênticos, quer porque não poderiam ser escoados proveitosamente nas condições estabelecidas, quer porque a vantagem concorrencial resultante dos preços de custo inferiores seria neutralizada» (53).

64.      No acórdão CaixaBank France, já referido, foi feita pelo Tribunal de Justiça uma transposição deste raciocínio da livre circulação de mercadorias para o domínio do direito de estabelecimento. O Tribunal de Justiça observou que a regulamentação francesa que proíbe a remuneração das contas de depósitos à ordem constituía «um obstáculo sério ao exercício das respectivas actividades […] que afecta o [seu] acesso […] ao mercado», uma vez que priva as sociedades estrangeiras da possibilidade de fazerem «uma concorrência mais eficaz às instituições de crédito tradicionalmente instaladas no Estado‑Membro de estabelecimento» (54). Do mesmo modo, para a livre prestação de serviços, há que assegurar que a vantagem concorrencial dos advogados estabelecidos fora da Itália não é neutralizada pela regulamentação deste Estado‑Membro. A comparação deve incidir sobre a situação dos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros em relação aos seus homólogos já estabelecidos em Itália.

65.      Os honorários mínimos fixados na tabela impedem os advogados estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República Italiana de prestar os seus serviços jurídicos neste Estado por honorários inferiores a esses mínimos, mesmo quando tivessem essa possibilidade, por exemplo devido à sua especialização num domínio específico (55). O efeito discriminatório dos honorários mínimos é reforçado pelo facto de o seu nível resultar da tabela elaborada pelo CNF, composto unicamente por advogados inscritos na Ordem dos Advogados italiana, e de, como reconheceu o Governo italiano na audiência, apenas ter em conta as despesas efectuadas pelos advogados nacionais (56). Os honorários mínimos constituem, assim, uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que neutralizam a vantagem concorrencial dos advogados estabelecidos fora da Itália. Contrariamente ao que pretende o Governo alemão, esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a concorrência entre advogados não respeitar unicamente aos preços mas também à qualidade dos serviços prestados. Consequentemente, os cidadãos italianos que pretendam recorrer aos serviços de um advogado estabelecido noutro Estado‑Membro são privados de beneficiar plenamente das vantagens do mercado comum, uma vez que o acesso a serviços jurídicos a custo inferior ao fixado pela tabela italiana lhes é vedado, apesar de esses serviços estarem disponíveis noutro Estado‑Membro.

b)      Honorários máximos fixados na tabela

66.      A tabela em causa comporta igualmente honorários máximos, que os advogados que exercem em Itália não podem ultrapassar, independentemente do lugar onde estejam estabelecidos.

67.      A jurisprudência já examinou regimes de preços que contêm preços máximos. Resulta dessa jurisprudência que quando os efeitos do preço máximo são de reduzir a margem comercial dos importadores que deduzem ao referido preço as suas despesas de importação, esse é contrário à livre circulação de mercadorias (57). A censura aos preços máximos é expressa em termos gerais: conclui‑se pela existência de uma restrição à livre circulação «quando os preços se situam a um nível tal que o escoamento dos produtos importados se torna ou impossível ou mais difícil do que o dos produtos nacionais» (58).

68.      O acórdão AMOK (59), referido pelo Governo alemão na audiência para contestar o facto de a tabela criar uma restrição à livre prestação de serviços, não é pertinente neste caso. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça examinou uma norma processual alemã que estabelecia um montante máximo para o reembolso, ordenado pelo juiz, das despesas com o advogado equivalente aos aplicáveis aos advogados estabelecidos na Alemanha. Diferentemente da presente regulamentação, a tabela alemã não se opunha, todavia, a que os advogados estrangeiros e os seus clientes fixassem livremente o montante dos honorários (60).

69.      Ora, o facto de prestarem serviços em Itália estando estabelecidos noutro Estado‑Membro pode criar custos acrescidos aos advogados, nem que seja em termos de despesas de deslocação para se encontrarem com os seus clientes ou irem pleitear perante um tribunal italiano (61). Mas os honorários máximos são fixados apenas por referência à situação dos advogados estabelecidos em Itália. Por conseguinte, estes honorários reduzem a margem de lucro dos advogados estabelecidos fora da Itália em relação à dos advogados estabelecidos em Itália. Nesta medida, pelo menos, a fixação de honorários máximos pela tabela constitui uma restrição à prestação transfronteiriça de serviços jurídicos.

70.      Além disso, o nível superior da tabela em causa pode também constituir um freio à livre prestação de serviços, impedindo que a qualidade das prestações efectuadas por advogados estabelecidos em Estados‑Membros diferentes da Itália seja correctamente remunerada, de forma que certos advogados que praticam honorários elevados seriam dissuadidos de prestar os seus serviços em Itália.

c)      Outras potenciais restrições à livre prestação de serviços decorrentes da proibição de derrogação da tabela

71.      Nos termos do decreto ministerial, quer do de 1990 quer do de 1994, os advogados que exerçam em Itália devem facturar os seus serviços de acordo com a lista taxativa das prestações jurídicas constante da tabela. Consequentemente, em princípio, é‑lhes vedado fixar o montante dos seus honorários por recurso a outro método, por exemplo em função do tempo dispendido com o estudo do dossier por cada colaborador segundo o seu grau de experiência. Contudo, esses dois sistemas oferecem ao cliente a possibilidade de compreender o montante dos honorários que deve pagar e contribuem, de igual modo, para reduzir a assimetria de informação existente entre o advogado e o seu cliente. De qualquer modo, impor aos advogados estabelecidos fora da Itália, que exercem a sua liberdade de aí prestarem os seus serviços, que facturem os seus honorários a partir de categorias de serviços estabelecidos pela tabela cria‑lhes um custo suplementar. Se utilizarem habitualmente outro sistema de facturação, serão obrigados a abandoná‑lo, pelo menos em relação às prestações efectuadas em Itália. Assim sendo, a obrigação imposta aos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros que prestam serviços em Itália de facturarem as suas intervenções a partir das categorias de serviços estabelecidas pela tabela, na medida em que lhes cria custos suplementares, pode constituir uma restrição à sua liberdade de prestação de serviços.

72.      O artigo 15.° do Decreto ministerial de 1994 relativo aos litígios num tribunal de comércio, civil ou administrativo (62), que dispõe que os advogados podem facturar as suas despesas por um montante fixo de 10% da soma dos seus honorários e das taxas de justiça, não tem em conta a diversidade das situações factuais (63). Este artigo não abrange as situações transfronteiriças, em que as despesas incorridas podem ultrapassar esse montante global. Assim, pode ser desfavorável aos advogados que exercem a sua liberdade de prestação de serviços em Itália.

73.      A fixação dos honorários em função do resultado obtido também é enquadrada pelo Decreto ministerial de 1990, aplicável aos litígios num tribunal de comércio, civil ou administrativo, uma vez que prevê, no artigo 5.°, n.° 3, que esses honorários devem fixar‑se dentro do limite do dobro dos honorários máximos previstos (64). Esta medida impede os advogados estrangeiros que prestam os seus serviços em Itália de fixar livremente os honorários devidos pelos seus clientes. Assim, os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros são privados de um meio particularmente eficaz para aceder ao mercado italiano (65).

74.      De um modo geral, enquanto os advogados estabelecidos em Itália podem organizar a repartição dos custos no seu gabinete em função dos honorários fixados na tabela, ao invés, não é possível, para os advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros, a organização em função da tabela italiana, uma vez que, por definição, apenas exercem uma parte da sua actividade em Itália.

75.      Em todas estas hipóteses, a tabela de honorários dos advogados constitui um obstáculo à livre prestação de serviços no mercado italiano dos advogados estabelecidos noutros Estados‑Membros. Em conclusão, verifica‑se que o decreto‑lei constitui uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE, pelo que há agora que verificar se pode ser justificada. Não tendo sido apresentado nenhum argumento relativo ao artigo 46.°, n.° 1, CE, conjugado com o artigo 55.° CE (66), só vislumbro uma justificação relacionada com razões imperiosas de interesse público. Tendo os intervenientes centrado os seus argumentos na questão dos honorários mínimos, debruçar‑me‑ei em primeiro lugar sobre esse aspecto.

2.      A eventual justificação da restrição à livre prestação de serviços decorrente da fixação de honorários mínimos

76.      Nas suas observações escritas e na audiência, R. Meloni e os Governos italiano e alemão apresentaram argumentos para justificar o prejuízo causado à livre prestação de serviços constituído pela fixação de honorários mínimos pela regulamentação italiana em causa no processo principal. As suas justificações abrangem dois aspectos.

a)      O princípio do acesso à justiça

77.      R. Meloni e o Governo alemão fizeram referência ao princípio do acesso à justiça e à observância dos direitos de defesa enquanto razão imperiosa de interesse público. R. Meloni remete para o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), bem como para o artigo 24.° da Constituição italiana.

78.      O direito de acesso aos tribunais foi efectivamente reconhecido como um princípio fundamental de direito comunitário (67). O Tribunal de Justiça declarou que, em matéria penal, este direito pode também incluir o direito a ser defendido por um advogado (68). O artigo 47.°, n.os 2 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (69) dispõe também que «toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça».

79.      O Governo alemão alega que, se o limite mínimo dos honorários fosse suprimido, os honorários seriam calculados em função do tempo dispendido com o processo, o que teria por consequência que os honorários devidos em acções de indemnização de montante reduzido seriam relativamente elevados em relação ao valor da acção. As pessoas com baixos rendimentos seriam desfavorecidas com um sistema destes. Na audiência, o Governo alemão explicou que os honorários mínimos em processos de baixo valor podem ser fixados abaixo do seu custo, mas que existe uma possibilidade de compensação com os honorários mínimos aplicáveis noutros processos.

80.      Todavia, não se percebe claramente em que é que a fixação de honorários mínimos contribui para garantir um acesso à justiça igual para todos os cidadãos. Pelo contrário, como salientou a Comissão na audiência, se fosse esse o objectivo prosseguido pela regulamentação italiana em causa no processo principal, apenas seria necessário fixar os honorários máximos, para evitar que o montante dos mesmos ultrapassasse determinado limite. Por outro lado, não vejo na referida regulamentação uma ligação clara entre a fixação dos honorários mínimos e a possibilidade de os advogados manterem um nível equilibrado de remuneração compensando os seus custos não cobertos em certos processos com os honorários cobrados noutros processos. A justificação apresentada pelo Governo alemão a este respeito perece‑me puramente hipotética. Nestas condições, parece que a adopção de honorários mínimos para os serviços prestados pelos advogados não é susceptível de atingir o objectivo legítimo de garantir o acesso de todos à justiça. Mais delicada é a questão de determinar se favorece o acesso igual à justiça. Esta questão tem a ver com a segunda justificação apresentada, relativa ao correcto exercício da profissão de advogado.

b)      O correcto exercício da profissão de advogado

81.      Paralelamente, o Governo italiano baseia a sua argumentação nas exigências de organização da profissão de advogado, como referidas nos n.os 97 e 122 do acórdão Wouters e o., já referido. Daí resulta que a necessidade «de conceber regras de organização, de qualificação, de deontologia, de controlo e de responsabilidade, que dão a necessária garantia de integridade e experiência aos consumidores finais dos serviços jurídicos e à boa administração da justiça», pode justificar uma restrição à livre prestação de serviços (70).

82.      Embora os Estados‑Membros sejam livres de organizar o seu sistema processual e contencioso (71) bem como de definir as condições do exercício da profissão de advogado (72), a sua margem de manobra é, todavia, enquadrada pelo direito comunitário. É esta a razão pela qual lhes cabe demonstrar em que é que a fixação de honorários mínimos é adequada para garantir o correcto exercício dessa profissão.

83.      O principal argumento invocado quer pelo Governo italiano quer pelo Governo alemão na audiência tem a ver com o risco de uma concorrência desenfreada entre advogados levar a uma concorrência de preços conducente a uma deterioração da qualidade dos serviços prestados, em detrimento dos consumidores. Esse risco é tanto mais evidente quanto o mercado dos serviços jurídicos é caracterizado por uma assimetria de informação entre advogados e consumidores, não dispondo estes últimos dos parâmetros indispensáveis para avaliar a qualidade dos serviços que lhes são prestados (73).

84.      O Governo italiano acrescenta que só a existência de honorários mínimos permite assegurar uma separação entre os interesses dos advogados e os dos seus clientes. Com efeito, a prestação de serviços de má qualidade a preços baixos pode interessar ao advogado, mas revelar‑se, afinal, contrária aos interesses do seu cliente. Este governo invoca também a necessidade de se preservar a dignidade da profissão de advogado, o que implica a fixação de um montante mínimo dos seus honorários. Relativamente a este último argumento, o referido governo não explica como é que esta medida é apta a proteger a dignidade da profissão de advogado, nem por que é que tal medida é apenas necessária para a profissão de advogado e não para outra profissões liberais.

85.      Apesar de o Tribunal de Justiça não ter examinado esse aspecto no acórdão Arduino, já referido, o advogado‑geral P. Léger questionou‑se, nas suas conclusões, sobre a possibilidade de justificar a adopção de honorários mínimos para garantir a qualidade das prestações efectuadas pelos advogados. No n.° 117 das suas conclusões, exprimiu as suas dúvidas nos seguintes termos: «Não se descortina como é que um regime de preços obrigatórios pode impedir os membros da profissão de oferecer serviços de qualidade medíocre se, além disso, faltarem as qualificações, a competência ou o sentido moral.»

86.      As interrogações do advogado‑geral P. Léger são partilhadas pela doutrina económica, segundo a qual não está demonstrado que a supressão da fixação dos honorários mínimos leve sistematicamente a uma consequente deterioração da qualidade dos serviços jurídicos prestados (74). Na impossibilidade de fornecer elementos de prova, o Governo alemão tentou, todavia, invocar um «nexo de causalidade negativo» decorrente, segundo afirma, do facto de, abaixo de um determinado montante de honorários, a qualidade das prestações deixar de estar garantida. Acontece que isso pressupõe que essa qualidade estaria garantida acima de um determinado montante de honorários. Em si mesmo, isto não é razão suficiente para justificar a fixação de honorários mínimos. Importa demonstrar que a eliminação de limites mínimos de honorários provocaria automaticamente uma diminuição da qualidade das prestações jurídicas.

87.      Para que a justificação invocada pelo Governo italiano seja susceptível de compensar a restrição à livre prestação de serviços a que a regulamentação em causa no processo principal conduz, é indispensável fazer prova de um nexo directo entre esta última e o correcto exercício da profissão de advogado. Com efeito, o impacto discriminatório dessa regulamentação, decorrente do facto de os honorários mínimos serem calculados atendendo às condições materiais em que se encontram os advogados nacionais e com a participação essencial, para a elaboração dessa medida, da CNF, impõe uma obrigação reforçada de justificação. Ora, apesar de o objectivo do correcto exercício dessa profissão ser legítimo, o Governo italiano não demonstrou de que forma a fixação de honorários mínimos é adequada à sua prossecução. Embora exista já uma grande diferença entre os honorários mais baixos e os mais elevados, esse facto não cria incentivo à prestação de serviços jurídicos de baixa qualidade a baixos preços. A República Italiana não demonstrou que existe uma correlação entre o montante dos honorários e a qualidade dos serviços prestados, nem que, designadamente, as prestações de preço baixo são de menor qualidade. A mesma conclusão pode ser reforçada se levarmos em conta a situação nos Estados‑Membros que não têm regime de controlo de preços. Os honorários dos advogados são aparentemente estipulados com base numa série de elementos: o grau de especialização, a organização interna, as economias de escala e não apenas ou de modo predominante em função da qualidade dos serviços prestados.

88.      De qualquer modo, o Governo italiano não procurou saber se existia uma alternativa menos restritiva à livre prestação de serviços do que essa medida (75). Em primeiro lugar, há que salientar que a qualidade pode ser fiscalizada por meio de outros mecanismos alternativos à fixação de honorários pelos poderes públicos, para garantir o correcto exercício da profissão de advogado, reduzindo a assimetria de informação entre este e o seu cliente. A Comissão indica três. O controlo do acesso à profissão de advogado através do recurso a critérios de selecção estritos seria uma primeira via. O reforço da possibilidade de os clientes dos advogados contestarem o montante dos honorários exigidos seria outra possibilidade. Por último, a aplicação severa das regras disciplinares dissuadiria igualmente os advogados de adoptarem para com os seus clientes comportamentos não conformes à deontologia.

89.      A este respeito, é verdade que não é determinante referir que, na maioria dos Estados‑Membros, bem como em vários Estados terceiros, não existem limites mínimos de honorários aplicáveis aos serviços jurídicos prestados pelos advogados (76). Os Governos italiano e alemão responderam correctamente a este argumento que isso conduziria a suprimir a sua liberdade de definirem as modalidades de organização da profissão jurídica no seu direito nacional. No entanto, na falta de prova clara do risco suscitado pela República Italiana e pela República Federal da Alemanha, a experiência dos outros Estados‑Membros pode ser pertinente para pôr em causa, em certa medida, a existência de um nexo de causalidade entre a fixação de honorários mínimos e a maior qualidade dos serviços prestados.

90.      O Governo alemão procura também apresentar a regra dos honorários mínimos como parte de um sistema mais amplo. Considera que os honorários pagos aos advogados devem ser vistos no quadro do pagamento das despesas como forma de permitir ao consumidor prever o custo de um processo judicial. Invoca, a este respeito, o acórdão AMOK, já referido, que analisou uma regra alemã segundo a qual os honorários pagos pela parte vencida no final de um processo não podiam ultrapassar a tabela aplicável aos advogados estabelecidos na Alemanha. No entanto, enquanto a estipulação de um limite máximo, como na norma alemã em causa no processo AMOK, já referido, permite efectivamente aumentar a segurança jurídica, não se pode extrair uma conclusão semelhante de uma norma que prevê honorários mínimos, uma vez que os advogados podem, por definição, fixar os seus honorários acima desse montante. Para satisfazer essa exigência, seria menos restritivo exigir uma informação prévia ao consumidor sobre a forma de cálculo dos honorários que deverá pagar. A assimetria de informação seria assim contrabalançada por meios menos restritivos para a livre prestação de serviços do que a fixação de montantes mínimos.

91.      O Governo alemão acrescenta, nas suas observações escritas, que a inderrogabilidade dos honorários mínimos garante uma aplicação simples e eficaz do princípio do reembolso das despesas. Autorizar os advogados a fixar honorários inferiores a um limite mínimo poderia conduzir a que a parte vencida devesse, afinal, reembolsar um montante mais elevado do que o que a parte vencedora pagou e complicaria a produção de prova neste domínio. A este respeito, basta observar que a supressão dos limites mínimos de honorários não traria com certeza a consequência descrita por este governo, mas sim uma redução das despesas a cargo da parte vencida, que não pode ser obrigada a reembolsar um montante que não foi pedido.

92.      Mesmo que existisse um nexo entre os honorários mínimos e a qualidade dos serviços jurídicos prestados, esses honorários não podem, todavia, valer para todas as prestações jurídicas. Com efeito, uma vez que não advogados podem, com observância de determinadas condições, prestar aconselhamento extrajudicial, não estando sujeitos aos honorários mínimos, a sua manutenção não se justifica para este tipo de prestações. A incoerência que parece decorrer da coexistência no mesmo mercado de operadores sujeitos a honorários mínimos e outros livres desta obrigação impede que possamos considerar que a restrição à livre prestação de serviços poderia justificar‑se em nome da qualidade dos serviços prestados aos respectivos consumidores.

93.      Tendo em conta as considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare que a restrição à livre prestação de serviços constituída pela fixação de honorários mínimos não pode justificar‑se por uma razão imperiosa de interesse público.

94.      Por último, há que abordar dois últimos pontos. Como foi acima desenvolvido, a regulamentação italiana em causa no processo principal levanta questões na medida em que prevê honorários mínimos mas também na medida em que prevê honorários máximos. Todavia, o tribunal nacional não referiu este último aspecto. A esta observação acresce que uma análise das eventuais justificações dos honorários máximos é mais complexa e delicada do que a dos honorários mínimos (77) e que este aspecto não foi debatido. Assim, parece‑me mais apropriado não abordar esta parte da legislação italiana, o que, de resto, não é necessário para decidir o litígio no processo principal. No entanto, a questão da inderrogabilidade dos honorários mínimos suscita também, indirectamente, a da proibição dos honorários em função do resultado obtido. Na realidade, estes podem ser inferiores aos honorários mínimos e são, assim sendo, proibidos. Também é verdade que o raciocínio desenvolvido supra parece ser‑lhes aplicável, uma vez que não existe qualquer nexo entre a menor qualidade dos serviços prestados e o facto de ser permitida a fixação de honorários em função do resultado. Além disso, quanto à justificação relativa ao acesso à justiça, a possibilidade de fixar honorários em função do resultado pode, pelo contrário, melhorá‑lo, permitindo às partes sem meios financeiros aceder à justiça, sendo o risco suportado pelos advogados. Em certos casos, é a própria existência de honorários em função do resultado que permite intentar uma acção colectiva em juízo. De qualquer modo, a análise deste aspecto não é fundamental para permitir ao órgão jurisdicional tomar uma decisão in concreto e, apesar de estar indissociavelmente ligada à dos honorários mínimos, afigura‑se‑me mais prudente, pelas razões já invocadas quanto à questão dos honorários máximos, não haver pronúncia sobre este aspecto.

IV – Conclusão

95.      À luz das considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare:

No processo C‑202/04:

«Como decorre do acórdão de 19 de Fevereiro de 2002, Arduino (C‑35/99, Colect., p. I‑1529), o artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, não se opõe a uma medida nacional que fixa uma tabela de honorários dos advogados como a que está em causa, inclusivamente no que diz respeito aos serviços extrajudiciais, desde que essa medida tenha sido sujeita a uma supervisão efectiva pelo Estado e na medida em que o poder do juiz de derrogar os montantes fixados pela tabela seja interpretado em conformidade com o direito comunitário de modo a limitar o efeito anticoncorrencial da referida medida.»

No processo C‑94/04:

«Como decorre do acórdão Arduino, já referido, o artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, não se opõe a uma medida nacional que proíbe os advogados e os seus clientes de derrogar a tabela de honorários dos advogados como a que está em causa, desde que a medida tenha sido sujeita a uma supervisão efectiva pelo Estado e na medida em que o poder do juiz de derrogar os montantes fixados pela tabela seja interpretado em conformidade com o direito comunitário de modo a limitar o efeito anticoncorrencial da referida medida.

O artigo 49.° CE opõe‑se a uma medida nacional que fixa uma tabela de limites mínimos dos honorários dos advogados como a que está em causa.»


1 – Língua original: português.


2 – Acórdão de 19 de Fevereiro de 2002 (C‑35/99, Colect., p. I‑1529).


3 – GURI n.° 281, de 5 de Dezembro de 1933.


4 – GURI n.° 24, de 30 de Janeiro de 1934.


5 – N.° 6 do acórdão Arduino, já referido.


6 – GURI n.° 247, de 21 de Outubro de 1994, p. 5.


7 – Acórdãos de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763, n.os 33 e 34); de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colect., p. I‑4161, n.° 24), e de 30 de Setembro de 2003, Inspire Art (C‑167/01, Colect., p. I‑10155, n.° 43).


8 – Acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045, n.° 18); de 15 de Junho de 1995, Zabala Erasun e o. (C‑422/93 a C‑424/93, Colect., p. I‑1567, n.° 29), e de 5 de Fevereiro de 2004, Schneider (C‑380/01, Colect., p. I‑1389, n.° 22).


9 – Acórdão de 5 de Dezembro de 2000 (C‑448/98, Colect., p. I‑10663).


10 – Acórdão de 11 de Setembro de 2003 (C‑6/01, Colect., p. I‑8621, n.° 41).


11 – O que resulta do artigo 3.° da Constituição italiana relativo ao princípio da igualdade, tal como interpretado pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) nos seus acórdãos n.° 249, de 16 de Junho de 1995 (GURI, 1.a série especial Corte costituzionale, n.° 26, de 21 de Junho de 1995), e n.° 443, de 30 de Dezembro de 1997 (GURI, 1.a série especial Corte costituzionale, n.° 1, de 7 de Janeiro de 1998).


12 – Relativamente às mercadorias, o Tribunal de Justiça recorreu a este tipo de raciocínio no seu acórdão de 7 de Maio de 1997, Pistre e o. (C‑321/94 a C‑324/94, Colect., p. I‑2343, n.os 44 e 45), que alargou aos serviços nos seus acórdãos de 5 de Junho de 1997, SETTG (C‑398/95, Colect., p. I‑3091); de 29 de Abril de 1999, Ciola (C‑224/97, Colect., p. I‑2517, n.os 11 e 12), e de 8 de Março de 2001, Gourmet International Products (C‑405/98, Colect., p. I‑1795, n.os 37 e 38).


13 – O artigo 2233.° do Código Civil regula a remuneração do contrato de prestação de serviços e dispõe: «[A] remuneração, se não for acordada entre as partes e não puder ser determinada segundo as tabelas ou os usos, será fixada judicialmente, ouvida a opinião da associação profissional a que o prestador de serviços pertence» (p. 3 da tradução portuguesa da decisão de reenvio no processo Cipolla).


14 – V. acórdãos, já referidos, Dzodzi, Leur‑Bloem e Inspire Art.


15 – Acórdão de 6 de Outubro de 1982 (283/81, Recueil., p. 3415, n.° 21).


16 – A lógica subjacente ao sistema é a de garantir uma aplicação uniforme do direito comunitário sem exigir que os tribunais nacionais procedam ao reenvio cada vez que se suscita um problema de direito comunitário, mas sem, no entanto, os impedir de proceder ao reenvio se o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado. Se assim não fosse, os órgãos jurisdicionais nacionais não poderiam pedir a este que alterasse o sentido de interpretações de direito por si pronunciadas, o que poderia, a longo prazo, criar um irreversibilidade absoluta da jurisprudência em determinados domínios jurídicos (uma vez que, muito frequentemente, o Tribunal de Justiça só tem oportunidade de rever a sua jurisprudência quando lhe é submetido um pedido de decisão prejudicial). Tal proibição não existe nem nos sistemas jurídicos em que a regra do precedente é aplicada com o maior dos rigores. A este respeito, não se deve considerar que o artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo impede os tribunais nacionais de pedir expressamente ao Tribunal de Justiça que reveja uma jurisprudência solidamente assente. O Tribunal de Justiça pode, certamente, aceitar essa possibilidade ou proferir um despacho fundamentado nos termos do referido artigo 104.°, n.° 3, confirmando a sua jurisprudência sobre um aspecto jurídico específico.


17 – Pode encontrar‑se uma excepção a esta orientação do Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097), em que o Tribunal de Justiça levou em consideração as consequências da sua jurisprudência anterior no contexto social das normas aplicáveis e dos sistemas jurídicos responsáveis pela sua aplicação. O Tribunal de Justiça pronunciou‑se, no n.° 14 desse acórdão, nos seguintes termos: «Dado que os operadores económicos invocam cada vez mais frequentemente o artigo 30.° do Tratado [CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE)] para impugnar qualquer tipo de regulamentação que tenha por efeito limitar a sua liberdade comercial, mesmo que não abranja os produtos provenientes de outros Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça considera necessário reexaminar e precisar a sua jurisprudência na matéria.»


18 – Acórdão de 12 de Setembro de 2000 (C‑180/98 a C‑184/98, Colect., p. I‑6451).


19 – Triantafyllou, D., «Les règles de la concurrence et l’activité étatique y compris les marchés publics», Revue Trimestrielle de Droit Européen, n.° 1, 1996, p. 57, v. especialmente p. 64.


20 – Acórdão de 16 de Novembro de 1977 (13/77, Colect., p. 753, n.° 31).


21 – Acórdão de 9 de Setembro de 2003, CIF (C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.° 46).


22 – Acórdãos de 3 de Dezembro de 1987, Aubert (136/86, Colect., p. 4789, n.° 23); de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., p. I‑3851); Arduino, já referido, n.° 35, e despacho de 17 de Fevereiro de 2005, Mauri (C‑250/03, Colect., p. I‑1267, n.° 30).


23 – Conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Arduino, já referido, n.° 91, e do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Albany (acórdão de 21 de Setembro de 1999, C‑67/96, Colect., p. I‑5751, n.° 184).


24 – N.° 91 das conclusões no processo Arduino, já referido.


25 – N.os 156 a 165.


26 – N.os 86 a 91.


27 – N.os 161 a 163 das conclusões no processo Pavlov e o., já referido.


28 – N.° 106 das conclusões no processo Arduino, já referido.


29 – 317 U.S. 341 (1943).


30 – Delacourt, J.; Zywicki, T., «The FTC and State Action: Evolving views on the proper role of government», Antitrust Law Journal, 2005, vol. 72, p. 1075.


31 – Acórdão de 19 de Fevereiro de 2002 (C‑309/99, Colect., p. I‑1577).


32 – Acórdão Arduino, já referido, n.° 41.


33 – V. também n.° 107 das conclusões no processo Arduino, já referido.


34 – JO L 78, p. 17; EE 06 F1 p. 224.


35 – Nos termos do artigo 10.° da Directiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios (JO L 26, p. 41), o benefício do apoio judiciário só pode ser extensivo a procedimentos extrajudiciais «desde que a sua utilização seja exigida por lei ou ordenada pelo tribunal».


36 – Quanto à obrigação de o juiz nacional, na medida do possível, interpretar o direito nacional em conformidade com o direito comunitário, ver acórdãos de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891); de 13 de Novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, Colect., p. I‑4135), e de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835).


37 – Interpretação desenvolvida nas observações do Governo italiano no processo Macrino e Capodarte.


38 – Artigo 60.° do decreto‑lei e n.° 42 do acórdão Arduino, já referido.


39 – Acórdãos CIF e Pfeiffer e o., já referidos.


40 – Acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Colect., p. 543).


41 – V., neste sentido, acórdão de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 16).


42 – Acórdãos de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda (C‑288/89, Colect., p. I‑4007); Säger (C‑76/90, Colect., p. I‑4221); de 5 de Outubro de 1994, TV10 (C‑23/93, Colect., p. I‑4795), e de 5 de Outubro de 1995, Alpine Investments (C‑384/93, Colect., p. I‑1141, n.° 21).


43 – Acórdãos de 30 de Novembro de 1995, Gebhard (C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 37), e de 3 de Outubro de 2000, Corsten (C‑58/98, Colect., p. I‑7919, n.° 33). V. igualmente acórdão de 13 de Julho de 2004, Bacardi France (C‑429/02, Colect., p. I‑6613, n.° 31).


44 – Acórdão de 20 de Setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, Colect., p. I‑6193).


45 – V. n.os 37 a 40 das minhas conclusões de 7 de Abril de 2005 no processo Marks & Spencer (acórdão de 13 de Dezembro de 2005, C‑446/03, ainda não publicadas na Colectânea).


46 – Acórdão de 11 de Dezembro de 2003 (C‑322/01, Colect., p. I‑14887, n.° 74).


47 – Acórdão de 5 de Outubro de 2004 (C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.° 12).


48 – No n.° 38 do referido acórdão, observa‑se que a proibição em causa «condiciona directamente o acesso ao mercado dos serviços nos outros Estados‑Membros». No n.° 59 das suas conclusões no processo Bacardi France, já referido, o advogado‑geral A. Tizzano observa que a restrição à livre prestação de serviços decorre do facto de as normas francesas em causa «imped[irem] directamente o acesso ao mercado».


49 – Acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 23).


50 – Conclusões no processo Marks & Spencer, já referidas.


51 – V. n.° 28 das conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Hünermund e o. (acórdão de 15 de Dezembro de 1993, C‑292/92, Colect., p. I‑6787), e n.° 60 das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo CaixaBank France, já referido.


52 – Acórdãos de 29 de Janeiro de 1985, Cullet (231/83, Recueil, p. 305), e de 19 de Março de 1991, Comissão/Bélgica (C‑249/88, Colect., p. I‑1275, n.° 10).


53 – Acórdão de 13 de Novembro de 1986, Edah (80/85 e 159/85, Colect., p. 3359, n.° 11). V. também acórdãos de 26 de Fevereiro de 1976, Tasca (65/75, Recueil, p. 291; Colect., p. 135); de 24 de Janeiro de 1978, Van Tiggele (82/77, Colect., p. 15); Cullet, já referido, n.° 23, e de 7 de Maio de 1991, Comissão/Bélgica (C‑287/89, Colect., p. I‑2233, n.° 17).


54 – Acórdão CaixaBank France, já referido, n.os 12 e 13. Note‑se que mesmo que o acórdão Keck e Mithouard, já referido, fosse aplicável em matéria de direito de estabelecimento, o resultado atingido seria o mesmo, uma vez que haveria, de qualquer modo, uma discriminação de facto que tornaria a noção de modalidade de venda inaplicável (n.° 16 deste acórdão).


55 – V. n.° 48 das conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Comissão/Itália (acórdão de 29 de Maio de 2001, C‑263/99, Colect., p. I‑4195).


56 – Por exemplo, não é levado em conta o facto de os advogados estrangeiros poderem ter despesas fixas menos elevadas.


57 – Acórdãos de 5 de Junho de 1985, Roelstraete (116/84, Recueil., p. 1705, n.° 21), e de 19 de Março de 1991, Comissão/Bélgica, já referido, n.° 7.


58 – Acórdão de 19 de Março de 1991, Comissão/Bélgica, já referido, n.° 15. No acórdão de 29 de Novembro de 1983, Roussel Laboratoria e o. (181/82, Recueil, p. 3849, n.os 21 e 23), o Tribunal de Justiça examinou um regime de preços que sujeitava a um regime distinto os bens importados e os bens produzidos localmente, que indexava o preço dos produtos importados a um índice com um significado diferente de um Estado‑Membro de produção para outro devido às disposições legais e condições económicas de formação do preço de referência. O Tribunal de Justiça declarou que o escoamento dos produtos importados era desfavorecido ou dificultado pelo menos sempre que o nível de preços estabelecido pela regulamentação do Estado‑Membro de importação para os produtos dos outros Estados‑Membros fosse inferior ao nível de preços fixado para os produtos do Estado‑Membro de importação.


59 – Acórdão de 11 de Dezembro de 2003 (C‑289/02, Colect., p. I‑15059).


60 – N.° 46 das conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo AMOK, já referido.


61 – V. n.° 44 das conclusões no processo Comissão/Itália (acórdão de 29 de Maio de 2001, já referido).


62 – Os artigos correspondentes são o artigo 11.° para os litígios extrajudiciais e o artigo 8.° para os litígios num tribunal criminal.


63 – Este montante fixo foi elevado para 15% pelo Decreto ministerial de 2004.


64 – Este limite foi elevado para o quádruplo dos honorários máximos em 1994 e, desde 2004, é necessária a aprovação prévia do CNF.


65 – Acórdão CaixaBank France, já referido.


66 – No acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners (2/74, Colect., p. 325), o Tribunal de Justiça rejeitou a ideia segundo a qual os advogados participam do exercício da autoridade pública na acepção do artigo 45.° CE.


67 – Acórdão de 15 de Maio de 1986, Johnston (222/84, Colect., p. 1651, n.os 17 a 19).


68 – Acórdão de 28 de Março de 2000, Krombach (C‑7/98, Colect., p. I‑1935, n.° 39). De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, este direito aplica‑se aos processos cíveis. No seu acórdão Golder c. Reino Unido (acórdão de 21 de Fevereiro de 1975, série A, n.° 18), aquele tribunal condenou a recusa de conceder o acesso a um advogado a um detido que pretendia intentar uma acção cível, por constituir uma violação do direito de acesso aos tribunais protegido pelo artigo 6.° da CEDH.


69 – Carta proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1). V. também a interpretação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No acórdão Airey c. Irlanda (acórdão de 9 de Outubro de 1979, série A, n.° 32, ponto 26), este último considerou que este artigo pode por vezes vincular o Estado a proporcionar a representação por advogado quando tal se revele indispensável para um acesso efectivo aos tribunais.


70 – V. também acórdãos Van Binsbergen, já referido; de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha (427/85, Colect., p. 1123), e de 12 de Dezembro de 1996, Reisebüro Broede (C‑3/95, Colect., p. I‑6511).


71 – Acórdãos de 15 de Dezembro de 1971, International Fruit Company e o. (51/71 à 54/71, Colect., p. 439), e de 8 de Novembro de 2005, Leffler (C‑443/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49).


72 – Acórdãos de 12 de Julho de 1984, Klopp (107/83, Recueil, p. 2971, n.° 17); Reisebüro Broede, já referido, n.° 37; Wouters e o., já referido, n.° 99, e despacho Mauri, já referido.


73 – Quanto à assimetria da informação que caracteriza os mercados dos serviços profissionais, ver conclusões nos processos, já referidos, Arduino, n.° 112, e Pavlov e o., n.° 85.


74 – Kwoka, J., «The Federal Trade Commission and the professions: a quarter century of accomplishments and some new challenges», Antitrust Law Journal, 2005, p. 997.


75 – V. acórdão de 15 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria (C‑320/03, ainda não publicado na Colectânea, n.os 87 a 89). No caso concreto, a República da Áustria, para demonstrar que não existia qualquer medida menos restritiva à livre circulação de mercadorias do que uma proibição de circulação de veículos pesados, deveria ter procedido à procura de alternativas antes de adoptar essa medida.


76 – Comunicação da Comissão – Relatório sobre concorrência nos serviços das profissões liberais, de 9 de Fevereiro de 2004 [COM(2004) 83 final, p. 13], designa a República da Áustria, a República Federal da Alemanha e a República Italiana como os Estados‑Membros que ainda têm controlo sobre os preços (preços mínimos e máximos) em matéria de honorários de advogados.


77 – Designadamente no que diz respeito às suas consequência para a igualdade de acesso à justiça.