Language of document : ECLI:EU:T:2017:753

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

26 de outubro de 2017 (*)

«Concorrência — Concentrações — Decisão que aplica uma coima pela realização de uma operação de concentração antes da sua notificação e da sua autorização — Artigo 4.o, n.o 1, artigo 7.o, n.os 1 e 2, e artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Negligência — Princípio ne bis in idem — Gravidade da infração — Montante da coima»

No processo T‑704/14,

Marine Harvest ASA, com sede em Bergen (Noruega), representada por R. Subiotto, QC,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Farley, C. Giolito e F. Jimeno Fernández, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido ao abrigo do artigo 263.o TFUE e que visa, a título principal, a anulação da Decisão C(2014) 5089 final da Comissão, de 23 de julho de 2014, que aplica uma coima pela realização de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 (processo COMP/M.7184 — Marine Harvest/Morpol), e, a título subsidiário, a anulação ou a redução do montante da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: A. Dittrich (relator), presidente, J. Schwarcz e V. Tomljenović, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de setembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Marine Harvest ASA, é uma sociedade de direito norueguês cotada na Bolsa de Oslo (Noruega) e na Bolsa de Nova Iorque (Estados Unidos), que se dedica à criação e transformação primária de salmão no Canadá, no Chile, na Escócia, nas Ilhas Féroé, na Irlanda e na Noruega, bem como à criação e à transformação primária do alabote na Noruega. A recorrente dedica‑se igualmente a atividades de transformação secundária na Bélgica, no Chile, nos Estados Unidos, em França, na Irlanda, no Japão, na Noruega, nos Países Baixos, na Polónia e na República Checa.

A.      Aquisição da Morpol pela recorrente

2        Em 14 de dezembro de 2012, a recorrente celebrou um contrato de aquisição de ações («Share Purchase Agreement», a seguir «SPA») com a Friendmall Ltd e a Bazmonta Holding Ltd relativo à cessão das ações que essas sociedades detinham no capital da Morpol ASA.

3        A Morpol é uma empresa norueguesa produtora e transformadora de salmão. Produz salmão de viveiro e oferece um amplo leque de produtos de valor acrescentado derivados do salmão. Dedica‑se à criação e transformação primária do salmão na Escócia e na Noruega. Procede igualmente a atividades de transformação secundária na Polónia, no Reino Unido e no Vietname. Antes da sua aquisição pela recorrente, a Morpol estava cotada na Bolsa de Oslo.

4        A Friendmall e a Bazmonta Holding eram sociedades privadas de responsabilidade limitada constituídas e registadas em Chipre. Ambas as sociedades eram controladas por uma só pessoa, M., fundador e antigo presidente do conselho de administração da Morpol.

5        Graças ao SPA, a recorrente adquiriu uma participação na Morpol que ascende a cerca de 48,5% do capital social da Morpol. O encerramento desta aquisição (a seguir «aquisição de dezembro de 2012») realizou‑se em 18 de dezembro de 2012.

6        Em 17 de dezembro de 2012, a recorrente anunciou, por meio de um comunicado da Bolsa, que ia lançar uma oferta pública de aquisição pelas restantes ações da Morpol. Em 15 de janeiro de 2013, a recorrente apresentou, nos termos da Lei relativa à negociação de títulos norueguesa, tal oferta pública obrigatória de aquisição das restantes ações da Morpol, que representam 51,5% das ações da sociedade. Segundo as disposições da lei norueguesa, o adquirente de mais de um terço das ações de uma sociedade cotada na Bolsa é obrigado a apresentar uma oferta obrigatória para as restantes ações dessa sociedade.

7        Em 23 de janeiro de 2013, o conselho de administração da Morpol nomeou um novo presidente em substituição de M., tendo este último entretanto apresentado a sua demissão, com efeitos em 1 de março de 2013, na sequência de um compromisso nesse sentido previsto no SPA.

8        Na sequência da decisão sobre a oferta pública de aquisição em 12 de março de 2013 e da sua execução, a recorrente passou a deter um total de 87,1% das ações da Morpol. Por conseguinte, graças à oferta pública de aquisição, a recorrente adquiriu ações que representavam cerca de 38,6% do capital da Morpol, além das ações que representavam 48,5% do capital da Morpol, que já tinha obtido pela aquisição de dezembro de 2012.

9        A aquisição das restantes ações da Morpol realizou‑se em 12 de novembro de 2013. Em 15 de novembro de 2013, uma assembleia‑geral extraordinária deliberou solicitar a exclusão da cotação das ações na Bolsa de Oslo, reduzir o número dos membros do conselho de administração e suprimir o comité de nomeação. Em 28 de novembro de 2013, a Morpol já não estava cotada na Bolsa de Oslo.

B.      Fase de pré‑notificação

10      Em 21 de dezembro de 2012, a recorrente enviou à Comissão Europeia um pedido de designação de uma equipa encarregada de tratar do seu dossiê relativo à aquisição do controlo exclusivo da Morpol. Nesse pedido, a recorrente informou a Comissão de que a aquisição de dezembro de 2012 tinha sido encerrada e que não exerceria os seus direitos de voto antes da adoção da decisão da Comissão.

11      A Comissão pediu a realização de uma teleconferência com a recorrente, que se efetuou em 25 de janeiro de 2013. Durante a teleconferência, a Comissão pediu informações sobre a estrutura da operação e esclarecimentos quanto à questão de saber se a aquisição de dezembro de 2012 já podia ter conferido à recorrente o controlo da Morpol.

12      Em 12 de fevereiro de 2013, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações sobre a eventual aquisição de um controlo de facto da Morpol na sequência da aquisição de dezembro de 2012. Solicitou igualmente que lhe fossem fornecidas a ordem do dia e a ata das assembleias‑gerais da Morpol e das reuniões do conselho de administração da Morpol dos três últimos anos. A recorrente respondeu parcialmente a esse pedido em 19 de fevereiro de 2013 e apresentou uma resposta completa ao mesmo em 25 de fevereiro de 2013.

13      Em 5 de março de 2013, a recorrente apresentou um primeiro projeto de formulário de notificação, como figurava no Anexo I do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 133, p. 1) (a seguir «primeiro projeto de formulário CO»). O primeiro projeto de formulário CO referia‑se essencialmente ao mercado global, abrangendo tanto a criação como a transformação primária e a transformação secundária do salmão de qualquer origem.

14      Em 14 de março de 2013, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações complementares relativas ao primeiro projeto de formulário CO. Em 16 de abril de 2013, a recorrente respondeu a esse pedido de informações. A Comissão considerou que essa resposta estava incompleta e enviou outros pedidos de informações em 3 de maio, 14 de junho e 10 de julho de 2013. A recorrente respondeu a esses pedidos, respetivamente, em 6 de junho, 3 e 26 de julho de 2013.

C.      Notificação e decisão que autoriza a concentração sob reserva do respeito de determinados compromissos

15      Em 9 de agosto de 2013, a operação foi oficialmente notificada à Comissão.

16      Numa reunião de balanço que se realizou em 3 de setembro de 2013, a Comissão informou a recorrente e a Morpol de que tinha sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação com o mercado interno no que dizia respeito ao mercado potencial do salmão escocês.

17      A fim de eliminar as sérias dúvidas identificadas pela Comissão, a recorrente propôs, em 9 de setembro de 2013, compromissos, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1). A Comissão submeteu esses compromissos iniciais a uma consulta de mercado. Após algumas alterações, foi apresentada uma série de compromissos finais em 25 de setembro de 2013. A recorrente comprometeu‑se a ceder cerca de três quartos da capacidade de criação do salmão escocês que se sobrepunha entre as partes na concentração, esclarecendo assim as sérias dúvidas identificadas pela Comissão.

18      Em 30 de setembro de 2013, a Comissão adotou a Decisão C(2013) 6449 (processo COMP/M.6850 — Marine Harvest/Morpol) (a seguir «decisão de autorização»), nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, que autoriza a operação de concentração sob reserva do respeito integral dos compromissos propostos.

19      Na decisão de autorização, a Comissão concluiu que a aquisição de dezembro de 2012 já tinha conferido à recorrente o controlo exclusivo de facto da Morpol. A Comissão afirmou que não se podia excluir uma violação da obrigação de statu quo, prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, e da obrigação de notificação, prevista no artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento. Salientou igualmente que podia examinar, no âmbito de um procedimento distinto, se convinha aplicar uma sanção a título do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

D.      Decisão impugnada e tramitação processual que conduziu à sua adoção

20      Numa carta de 30 de janeiro de 2014, a Comissão informou a recorrente de uma investigação em curso relativa a eventuais violações do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

21      Em 31 de março de 2014, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à recorrente, nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 139/2004 (a seguir «comunicação de acusações»). Na comunicação de acusações, a Comissão chegou à conclusão preliminar de que a recorrente tinha violado deliberadamente, ou pelo menos por negligência, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

22      Em 30 de abril de 2014, a recorrente apresentou a sua resposta à comunicação de acusações. Em 6 de maio de 2014, a recorrente apresentou os argumentos que constam da sua resposta no decurso de uma audição. Em 7 de julho de 2014, realizou‑se uma reunião do comité consultivo em matéria concentrações de empresas.

23      Em 23 de julho de 2014, a Comissão adotou a Decisão C(2014) 5089 final, que aplica uma coima pela realização de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (processo COMP/M.7184 — Marine Harvest/Morpol) (a seguir «decisão impugnada»).

24      Os três primeiros artigos do dispositivo da decisão impugnada têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

Ao realizar uma concentração de dimensão comunitária durante o período que se estende de 18 de dezembro de 2012 a 30 de setembro de 2013, antes de ter sido notificada e declarada compatível com o mercado interno, [a recorrente] violou o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004.

Artigo 2.o

É aplicada uma coima de 10 000 000 euros à [recorrente] pela violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 visada no artigo 1.o

Artigo 3.o

É aplicada uma coima de 10 000 000 euros à [recorrente] pela violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 visada no artigo 1.o»

25      Na decisão impugnada, a Comissão considerou, antes de mais, que a recorrente tinha adquirido o controlo exclusivo de facto da Morpol após o encerramento da aquisição de dezembro de 2012, porque a recorrente tinha quase a certeza de obter a maioria nas assembleias‑gerais, tendo em conta a percentagem da sua participação (48,5%) e a percentagem de presenças de outros acionistas na assembleias gerais no decurso dos anos anteriores.

26      A Comissão considerou, em seguida, que a aquisição de dezembro de 2012 não beneficiava da isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A este respeito, salientou que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 apenas se aplicava a ofertas públicas de aquisição ou a operações de aquisição de uma participação de controlo, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, «junto de vários vendedores» por meio de uma série de transações de títulos. Segundo a Comissão, no caso vertente, a participação de controlo foi adquirida junto de um único vendedor, a saber M., através da Friendmall e da Bazmonta Holding, graças à aquisição de dezembro de 2012.

27      Segundo a Comissão, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não se destina a aplicar‑se a situações em que a aquisição de um importante volume de ações é efetuada junto de um único vendedor e em que é fácil demonstrar, com base nos votos expressos nas anteriores assembleias‑gerais ordinárias e extraordinárias, que esse volume de ações confere um controlo exclusivo de facto da sociedade‑alvo.

28      Acresce que a Comissão salientou que a aquisição de dezembro de 2012, encerrada em 18 de dezembro de 2012, não fazia parte da realização da oferta pública de aquisição, que se realizou entre 15 de janeiro e 26 de fevereiro de 2013. A Comissão considerou que o facto de a aquisição de dezembro de 2012 ter sido suscetível de desencadear a obrigação de a recorrente lançar a oferta pública de aquisição sobre as restantes ações restantes da Morpol não tinha qualquer pertinência, uma vez que o controlo de facto já tinha sido adquirido junto de um único vendedor.

29      A Comissão entendeu, além disso, que as remissões da recorrente para fontes de direito segundo as quais se considera que «várias etapas unitárias» constituem uma concentração única quando eram objeto, de direito ou de facto, de uma ligação condicional, parecem ser deslocadas. A Comissão sublinhou que a recorrente adquiriu o controlo da Morpol por meio de uma única aquisição de 48,5% das ações da Morpol, e não por meio de múltiplas operações parciais relativas a elementos de ativos que constituem, afinal, uma única entidade económica.

30      A Comissão salientou que, segundo o artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, na determinação do montante da coima, havia que tomar em consideração a natureza, a gravidade e a duração da infração.

31      A Comissão considerou que qualquer violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 constituía, por natureza, uma infração grave.

32      No âmbito da apreciação da gravidade da infração, a Comissão teve em conta o facto de, em seu entender, a infração ter sido cometida pela recorrente por negligência, que a concentração em causa suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, bem como o facto de existirem processos anteriores de infrações processuais que diziam respeito à recorrente e a outras sociedades.

33      No que se refere à duração da infração, a Comissão salientou que uma violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era uma infração instantânea e que tinha sido cometida no caso em apreço em 18 de dezembro de 2012, a saber, na data da realização da concentração. Além disso, considerou que uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era uma infração contínua e que tinha durado, no caso vertente, de 18 de dezembro de 2012 até 30 de setembro de 2013, a saber, da data da realização da aquisição de dezembro de 2012 até à data da sua autorização. Segundo a Comissão, a duração de nove meses e doze dias era particularmente longa.

34      A Comissão considerou como circunstância atenuante o facto de a recorrente não ter exercido os seus direitos de voto no seio da Morpol e de ter mantido a Morpol como entidade separada da recorrente durante o procedimento de controlo da concentração.

35      A Comissão considerou igualmente como circunstância atenuante o facto de a recorrente ter apresentado um pedido de designação de uma equipa alguns dias antes do encerramento da aquisição de dezembro de 2012.

36      A Comissão não considerou a existência de circunstâncias agravantes.

37      A Comissão considerou que, no caso de uma empresa da dimensão da recorrente, o montante da sanção devia ser significativo a fim de ter um efeito dissuasivo. Esse é tanto mais o caso quando a operação de concentração em causa suscitou sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

38      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de outubro de 2014, a recorrente interpôs o presente recurso.

39      Em requerimento separado, que deu entrada no mesmo dia na Secretaria do Tribunal Geral, a recorrente pediu ao Tribunal Geral para, nos termos do artigo 76.o‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, decidir julgar o processo seguindo uma tramitação acelerada. Por carta de 17 de outubro de 2014, a Comissão apresentou as suas observações quanto a esse pedido. Por decisão de 23 de outubro de 2014, o Tribunal Geral indeferiu o pedido de tramitação acelerada.

40      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu abrir a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização processual previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral colocou questões escritas às partes e pediu à Comissão que apresentasse determinados documentos. As partes responderam às questões escritas e a Comissão apresentou os documentos solicitados.

41      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        subsidiariamente, anular as coimas impostas à recorrente nos termos da decisão impugnada;

–        mais subsidiariamente, reduzir substancialmente as coimas aplicadas à recorrente nos termos da decisão impugnada;

–        em todo o caso, condenar a Comissão nas despesas;

–        tomar quaisquer outras medidas que o Tribunal Geral considere adequadas.

42      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na sua totalidade;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

43      Em apoio do recurso, a recorrente suscita cinco fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a um erro manifesto de direito e de facto, por a decisão impugnada rejeitar a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. O segundo fundamento é relativo a um erro manifesto de direito e de facto por a decisão impugnada concluir que a recorrente foi negligente. O terceiro fundamento é relativo a uma violação do princípio geral ne bis in idem. O quarto fundamento é relativo a um erro manifesto de direito e de facto cometido na aplicação das coimas à recorrente. Por último, o quinto fundamento é relativo a erro manifesto de direito e de facto e a falta de fundamentação no que se refere à fixação dos níveis das coimas.

A.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto, por a decisão impugnada rejeitar a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

44      O primeiro fundamento articula‑se em quatro partes. Na primeira parte, a recorrente alega que a decisão impugnada é errada de direito e de facto na medida em que rejeitou o conceito de concentração única no quadro da sua interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Na segunda parte invoca uma interpretação errada, de facto e de direito, do teor do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Na terceira parte, uma interpretação errada da ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Por último, na quarta parte, a recorrente alega que respeitou o disposto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

45      No caso vertente, há que analisar em conjunto as três primeiras partes do primeiro fundamento, que são todas relativas à questão da interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

1.      Quanto às três primeiras partes do primeiro fundamento

a)      Observações preliminares

46      Há que recordar antes de mais que o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004 prevê o seguinte:

«A Comissão pode, por via de decisão, aplicar às pessoas referidas na alínea b) do n.o 1 do artigo 3.o ou às empresas em causa coimas até 10% do volume de negócios total realizado pela empresa em causa na aceção do artigo 5.o, sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Omitam notificar uma operação de concentração de acordo com o artigo 4.o e com o n.o 3 do artigo 22.o antes da sua realização, a menos que estejam expressamente autorizadas a fazê‑lo ao abrigo do n.o 2 do artigo 7.o ou mediante decisão tomada nos termos do n.o 3 do mesmo artigo;

b)      Realizem uma operação de concentração sem respeitar o artigo 7.o»

47      Segundo o artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, «[as] concentrações de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo».

48      Segundo o artigo 7.o, n.o 1, do mesmo regulamento, «[uma] concentração de dimensão comunitária […] não pode ter lugar nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum por uma decisão tomada nos termos da alínea b) do n.o 1 do artigo 6.o, ou dos n.os 1 ou 2 do artigo 8.o, ou com base na presunção prevista no n.o 6 do artigo 10.o».

49      Além disso, segundo o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004:

«1.      Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

[…]

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»

50      Finalmente, segundo o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, «[o] controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa […]».

51      No caso vertente, há que começar por constatar que, devido à aquisição de dezembro de 2012, a recorrente adquiriu uma participação na Morpol que ascende a cerca de 48,5% do seu capital social.

52      Como a Comissão concluiu no n.o 55 da decisão impugnada, sem ser contrariada nesse ponto pela recorrente, no momento da aquisição de dezembro de 2012, a Morpol era uma sociedade anónima norueguesa e, como tal, os direitos de voto eram atribuídos segundo o princípio «uma ação dá direito a um voto». Portanto, bastava uma maioria simples das ações presentes e com direito de voto nas assembleias‑gerais para adotar uma moção, exceto para algumas operações que careciam de maioria qualificada de dois terços.

53      A Comissão salientou além disso, com razão, no n.o 57 da decisão impugnada, que se pode considerar que um acionista minoritário tem o controlo exclusivo de facto, nomeadamente quando este tem quase a certeza de obter a maioria nas assembleias‑gerais, tendo em conta a percentagem da sua participação e a percentagem de presenças de outros acionistas nas assembleias gerais no decurso dos anos anteriores (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.os 45 a 48).

54      Em seguida, a Comissão assinalou que M. (por intermédio da Friendmall e da Bazmonta Holding) sempre representou uma clara maioria dos votos expressos nas assembleias‑gerais e que o resto do capital da Morpol estava muito disperso, o que implicava que os restantes acionistas não teriam sido capazes de formar uma minoria de bloqueio suscetível de controlar o poder de decisão de M., nomeadamente devido ao reduzido número de acionistas que assistiam às assembleias‑gerais.

55      A Comissão concluiu, portanto, sem ser contrariada quanto a esse ponto pela recorrente, que, antes da aquisição de dezembro de 2012, M. exercia o controlo exclusivo de facto da Morpol por meio dos seus interesses na Friendmall e na Bazmonta Holding.

56      Finalmente, a Comissão concluiu com razão que a aquisição de dezembro de 2012 havia conferido à recorrente os mesmos direitos e as mesmas possibilidades de exercer uma influência determinante sobre a Morpol que aqueles de que M. beneficiava anteriormente por intermédio da Friendmall e da Bazmonta Holding.

57      Resulta do exposto que foi com razão que a Comissão concluiu, no n.o 68 da decisão impugnada, que a recorrente tinha adquirido o controlo da Morpol após o encerramento da aquisição de dezembro de 2012.

58      A recorrente sublinha em várias ocasiões, embora noutros contextos, que não exerceu os seus direitos de voto antes da autorização da concentração pela Comissão. A este respeito, há que constatar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, o controlo decorre nomeadamente dos direitos que conferem a «possibilidade» de exercer uma influência determinante sobre a atividade de uma empresa. O facto determinante é portanto a aquisição desse controlo no sentido formal e não o seu exercício efetivo (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 189). O facto de a detenção dos direitos de voto conferir à recorrente o controlo de facto da Morpol não é posto em causa pela circunstância de a recorrente não ter exercido os seus direitos de voto antes da autorização da concentração.

59      Como a Comissão salientou nos n.os 72 e 73 da decisão impugnada, certas cláusulas do SPA pareciam subentender que a recorrente só exerceria os seus direitos de voto na Morpol depois de ter obtido a autorização das autoridades da concorrência. No entanto, o SPA não contém nenhuma disposição que impeça a recorrente de exercer os seus direitos de voto na expectativa da autorização. Por conseguinte, a recorrente teria tido a liberdade de exercer os seus direitos de voto na Morpol a qualquer momento após o encerramento da aquisição de dezembro de 2012.

60      A recorrente confirmou, aliás, em resposta a uma questão do Tribunal Geral colocada na audiência, que não contestava que a aquisição da participação de 48,5% da Morpol lhe tinha conferido o controlo da Morpol na aceção do Regulamento n.o 139/2004.

61      Como a Comissão salientou nos n.os 8, 13 e 66 da decisão impugnada, o encerramento da aquisição de dezembro de 2012 ocorreu em 18 de dezembro de 2012. A recorrente concede, no n.o 13 da petição, que, em 18 de dezembro de 2012, o SPA foi encerrado e as ações que M. detinha na Morpol foram transferidas para a recorrente.

62      A recorrente não contesta o facto de a concentração em causa ser de dimensão comunitária.

63      Dado que a recorrente obteve o controlo da Morpol graças à aquisição de dezembro de 2012, deveria, em princípio, por força do artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, notificar essa concentração à Comissão antes da sua realização e não a realizar antes de ter sido declarada compatível com o mercado interno pela Comissão.

64      Resulta das conclusões anteriores que a questão pertinente para os fins da análise das três primeiras partes do primeiro fundamento é a de saber se a exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 era aplicável no caso vertente.

b)      Quanto à aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

65      O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 dispõe o seguinte:

«O n.o 1 não prejudica a realização de uma oferta pública de aquisição ou de uma série de transações de títulos, incluindo os que são convertíveis noutros títulos, admitidos à negociação num mercado como uma bolsa de valores, através da qual seja adquirido controlo, na aceção do artigo 3.o, junto de vários vendedores, desde que:

a)      A concentração seja notificada à Comissão nos termos do artigo 4.o, sem demora; e

b)      O adquirente não exerça os direitos de voto inerentes às participações em causa ou os exerça apenas tendo em vista proteger o pleno valor do seu investimento com base numa derrogação concedida pela Comissão nos termos do n.o 3.»

66      O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 prevê portanto dois casos: um ligado a uma oferta pública de aquisição (primeiro caso) e outro ligado a uma série de transações de títulos (segundo caso).

67      Em resposta a uma questão colocada a este respeito na audiência, a recorrente precisou que baseava o seu raciocínio no primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, o que foi objeto de registo na ata da audiência.

1)      Quanto ao facto de a concentração em causa não ser abrangida pela redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

68      Há que recordar que, segundo o primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, «[o] n.o 1 não prejudica a realização de uma oferta pública de aquisição», desde que a concentração seja notificada sem demora e que o adquirente não exerça os seus direitos de voto antes da autorização da concentração.

69      No caso vertente, há que salientar que a Comissão não declarou que a recorrente tinha violado o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 ao realizar a oferta pública de aquisição. A Comissão concluiu que a recorrente tinha violado o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 com a aquisição de dezembro de 2012. Há que recordar que a oferta pública de aquisição apenas foi apresentada em 15 de janeiro de 2013, designadamente, após o encerramento da aquisição de dezembro de 2012.

70      O facto de, segundo o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, o n.o 1 desse mesmo artigo não prejudicar a realização de uma oferta pública de aquisição é portanto, em princípio, um facto sem pertinência no presente processo.

71      O primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 permite, em certas circunstâncias, a realização de uma oferta pública antes da notificação e autorização, mesmo que esta constitua uma concentração de dimensão comunitária. Segundo a sua redação, esta disposição não permite no entanto a realização de uma aquisição privada.

72      Por conseguinte, há que concluir que, segundo a sua redação, a primeira situação prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é aplicável no caso vertente.

73      Apesar de a recorrente ter indicado, na audiência, que se baseava no primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, há que salientar que a concentração em causa já não é abrangida pela redação do segundo caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

74      Nos termos do segundo caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, «[o] n.o 1 não prejudica a realização […] de uma série de transações de títulos, incluindo os que são convertíveis noutros títulos, admitidos à negociação num mercado como uma bolsa de valores, através da qual seja adquirido controlo, na aceção do artigo 3.o, junto de vários vendedores», desde que estejam preenchidas certas condições.

75      Há que concluir que, no caso vertente, a recorrente adquiriu o controlo da Morpol por intermédio de um único vendedor por meio de uma única transação de títulos, designadamente, a aquisição de dezembro de 2012, como a Comissão salientou no n.o 101 da decisão impugnada.

76      Com efeito, dado que M. controlava, à época, a Friendmall e a Bazmonta Holding, o único vendedor das ações da Morpol era M..

77      A este respeito, a recorrente alegou, na audiência, que, na sua Decisão de 26 de fevereiro de 2007 (processo LGI/Telenet — COMP/M.4521) (a seguir «decisão LGI/Telenet»), a Comissão não tinha colocado a questão de saber quem controlava afinal as entidades que tinham vendido as ações da sociedade Telenet. Segundo a recorrente, essas entidades, designadamente intermunicipais, eram controladas afinal pela Região da Flandres. A recorrente sublinhou que, no caso vertente, a Comissão se tinha baseado na circunstância de que a Friendmall e a Bazmonta Holding eram ambas controladas por M., de modo que a recorrente não tinha, segundo a Comissão, adquirido o controlo por intermédio de vários vendedores, mas que não tinha colocado a mesma questão no processo em que foi adotada a decisão LGI/Telenet.

78      Em primeiro lugar, há que salientar que o Tribunal Geral não está vinculado pela prática decisória da Comissão. Em segundo lugar, resulta do quadro relativo à participação nas assembleias‑gerais dos acionistas, que figura no n.o 59 da decisão impugnada, que a Friendmall detinha por si só uma maioria muito clara de votos no decurso de todas essas assembleias‑gerais. A recorrente adquiriu, portanto, o controlo exclusivo de facto da Morpol mesmo por intermédio da aquisição das ações que pertenciam apenas à Friendmall. Além disso, como a Comissão concluiu no n.o 63 da decisão impugnada, a recorrente reconheceu, em resposta ao pedido de informações da Comissão de 12 de fevereiro de 2013, que a Morpol se encontrava sob o controlo exclusivo da Friendmall, tendo em conta as ações representadas nas assembleias‑gerais anuais e extraordinárias. Portanto, não é necessário analisar em pormenor, nesse quadro, os factos que estavam na base da decisão LGI/Telenet (v. n.o 77 supra).

79      Como a Comissão concluiu no n.o 66 da decisão impugnada, a aquisição de dezembro de 2012 foi encerrada em 18 de dezembro de 2012.

80      A oferta pública de aquisição só foi apresentada em 15 de janeiro de 2013, a saber, numa data em que a recorrente já detinha o controlo exclusivo de facto da Morpol.

81      Embora seja verdade que a aquisição total da Morpol pela recorrente se realizou em várias etapas e por intermédio de vários vendedores, a aquisição do controlo efetuou‑se por meio de uma única transação e por intermédio de um único vendedor. Por conseguinte, o controlo não foi adquirido por intermédio de vários vendedores nem por meio de uma série de transações.

82      Daí resulta que, nos termos da sua redação, o segundo caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 também não é aplicável.

83      Por conseguinte, há que concluir que, nos termos da redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, a aquisição de dezembro de 2012 não é abrangida por essa disposição.

84      O raciocínio da recorrente baseia‑se na existência de uma concentração única, no sentido de que a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição ulterior constituíam uma unidade. Portanto, há que analisar os fundamentos dessa argumentação.

2)      Quanto à argumentação da recorrente relativa à pretensa existência de uma concentração única

i)      Observações preliminares

85      A recorrente alega que a decisão impugnada ignora a ligação jurídica essencial e a condicionalidade entre a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública, e que apresenta um raciocínio que está em contradição com o Regulamento n.o 139/2004, a jurisprudência do Tribunal Geral, a Comunicação consolidada da Comissão em matéria de competência ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 139/2004 (versão retificada JO 2009, C 43, p. 10, a seguir «comunicação consolidada em matéria de competência»), a prática decisória da Comissão assim como a prática nos Estados‑Membros.

86      Segundo a recorrente, a Comissão deveria ter concluído que a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição ulterior constituíam etapas de uma concentração única.

87      Há que recordar neste quadro que a recorrente precisou, na audiência, que baseava o seu raciocínio no primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Daí resulta que a recorrente alega, em substância, que a aquisição de dezembro de 2012, embora anterior ao lançamento da oferta pública de aquisição, fazia parte desta, de modo que a Comissão constatou em substância, segundo a recorrente, uma infração que consiste na realização de uma oferta pública de aquisição, e isso embora resultasse do primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 que o artigo 7.o, n.o 1, desse regulamento não prejudicava tal realização.

88      Há que analisar se a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição podem ou não ser consideradas como uma concentração única.

89      Há que precisar, antes de mais, que o conceito de «concentração única» não constava do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1), que antecedeu o Regulamento n.o 139/2004.

90      A Comissão apoiou‑se, em várias decisões, no conceito de «concentração única» e o Tribunal Geral confirmou esse conceito, nomeadamente no acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64).

91      No que se refere ao Regulamento n.o 139/2004, há que concluir que o conceito de «concentração única» figura apenas no considerando 20, e não nos artigos desse regulamento.

92      A terceira frase do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 tem a seguinte redação:

«É, além disso, adequado considerar como uma concentração única operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto.»

93      Na prática, a Comissão apoiou‑se no conceito de concentração única em dois casos.

94      A este respeito, a comunicação consolidada em matéria de competência enuncia, no n.o 44, o seguinte:

«O princípio segundo o qual as várias operações podem ser consideradas uma única concentração, nas condições já expostas, só se aplica se daí resultar que o controlo de uma ou de várias empresas é adquirido pela mesma ou mesmas pessoas ou empresas. Em primeiro lugar, isso pode acontecer se uma atividade ou empresa individual for adquirida mediante várias transações jurídicas. Em segundo lugar, também a aquisição de controlo de várias empresas, suscetíveis, enquanto tal, de constituir concentrações distintas, podem estar ligadas de modo a constituírem uma única concentração.»

95      Existem portanto duas hipóteses, a saber, em primeiro lugar, a aquisição de uma atividade ou de uma empresa individual mediante várias transações jurídicas e, em segundo lugar, a aquisição de controlo de várias empresas que, enquanto tal, pode ser suscetível de constituir concentrações distintas.

96      Aliás, a terceira frase do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 menciona duas possibilidades a fim de comprovar a existência de uma única concentração. As operações devem apresentar ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou na medida em que assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto.

97      Em resposta a uma questão colocada a este respeito na audiência, a recorrente confirmou que se baseava na primeira possibilidade mencionada na terceira frase do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, relativa às transações que são ligadas por uma condição, o que foi registado na ata da audiência.

98      Há que, portanto, analisar a questão de saber se, no caso vertente, a existência de uma concentração única pode ser demonstrada com base na primeira possibilidade mencionada na terceira frase do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004.

99      É manifesto que a concentração em causa no caso vertente não se enquadra na segunda hipótese tal como é definida no n.o 95 supra, designadamente, a hipótese de uma aquisição de controlo de várias empresas.

100    Há portanto que analisar se a concentração em causa é abrangida pela primeira hipótese tal como é definida no n.o 95 supra, a saber, a da aquisição de uma empresa individual mediante várias operações jurídicas.

101    A recorrente considera que várias operações constituem uma concentração única se essas transações forem interdependentes de modo que uma não teria sido realizada sem as outras. A recorrente entende, em substância, que o simples facto de várias transações estarem ligadas por condição basta para considerar que fazem parte de uma concentração única. Assim, a recorrente salienta que a Comissão devia ter considerado que a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública eram de «caráter unitário», tanto do ponto de vista jurídico como de facto, o que impunha a sua análise e apreciação em conjunto, enquanto elementos de uma concentração única.

102    Em contrapartida, a Comissão salientou, no n.o 105 da decisão impugnada, que considerava «como sendo destituído de pertinência o facto de que [a recorrente] talvez [tivesse] talvez compreendido a aquisição de dezembro de 2012 e as etapas seguintes da sua aquisição da Morpol no sentido de fazerem parte, do ponto de vista económico, da mesma operação». Além disso, a Comissão salientou, no n.o 113 da decisão impugnada, que «as remissões [da recorrente] para fontes jurídicas segundo as quais “várias etapas unitárias” se consideram no sentido de que constituem uma concentração única quando são, de direito ou de facto, ligadas por condição, [parecem] deslocadas», o que a recorrente explicou em mais pormenor nos n.os 114 a 117 da decisão impugnada. A Comissão não se pronunciou, na decisão impugnada, sobre a questão de saber se existia ou não uma condicionalidade de direito ou de facto entre a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição posterior.

103    Por conseguinte, há que analisar a questão de saber se, no âmbito da primeira hipótese, a saber, a da aquisição de uma empresa individual mediante várias operações jurídicas, a simples existência de uma condicionalidade de direito ou de facto é suficiente para concluir pela existência de uma concentração única, ainda que o controlo da empresa‑alvo seja adquirido mediante uma única transação privada antes do lançamento de uma oferta pública de aquisição.

104    Nesse quadro, há que analisar, em primeiro lugar, os argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a comunicação consolidada em matéria de competência, em segundo lugar, os argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a jurisprudência do Tribunal Geral e com a prática decisória da Comissão, em terceiro lugar, os argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, em quarto lugar, os argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a prática nos Estados‑Membros e, em quinto lugar, os argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão interpretou de forma errada a ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

ii)    Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a comunicação consolidada em matéria de competência

105    A recorrente considera que a posição adotada pela Comissão na decisão impugnada está em contradição com a comunicação consolidada em matéria de competência. A recorrente afirma que a comunicação consolidada em matéria de competência indica, no n.o 43, que «duas ou várias operações constituem uma concentração única quando estão ligadas juridicamente, isto é, quando os próprios acordos estejam ligados por uma “condicionalidade recíproca”, ou de facto, […]».

106    No entanto, esse argumento da recorrente baseia‑se numa leitura errada do n.o 43 da comunicação consolidada em matéria de competência. Esse ponto tem a seguinte redação:

«A condicionalidade exigida implica que nenhuma das operações teria lugar sem as outras, pelo que o conjunto das operações constitui uma operação única. Tal condicionalidade é normalmente estabelecida quando as operações estão ligadas de direito, ou seja, quando os próprios acordos estão ligados por uma condicionalidade recíproca. Contudo, se puder ser razoavelmente estabelecida uma condicionalidade de facto, esta é igualmente suficiente para considerar as operações como uma única concentração. Neste caso, é necessária uma avaliação económica para se saber qual das operações depende necessariamente da conclusão das outras. A interdependência de várias operações pode igualmente manifestar‑se pelas declarações das partes intervenientes ou pela conclusão simultânea dos acordos em causa. Na ausência dessa simultaneidade, será difícil concluir pela intercondicionalidade de facto das várias operações. A ausência manifesta de simultaneidade em relação a operações de condicionalidade recíproca sob o ponto de vista jurídico também pode suscitar dúvidas quanto à sua interdependência efetiva.»

107    Quanto ao conceito de «concentração única», esse ponto contém unicamente a afirmação de que uma condicionalidade de facto «pode» ser igualmente suficiente para permitir considerar as operações como uma única operação de concentração. Não resulta dessa formulação que uma condicionalidade é sempre suficiente para poder considerar várias operações como uma concentração única.

108    Há que sublinhar que a primeira frase do n.o 45 da comunicação consolidada em matéria de competência é formulada do seguinte modo:

«Poder‑se‑á, portanto, estar na presença de uma única concentração se o mesmo ou mesmos compradores adquirirem o controlo de uma única empresa, ou seja, uma única entidade económica, através de várias operações jurídicas, desde que sejam objeto de condições cruzadas» (sublinhado nosso).

109    Esse número diz respeito, como o seu título indica, à «[aquisição] de uma única empresa» (a saber, a primeira hipótese tal como é definida no n.o 95 supra). É necessário, segundo o n.o 45 da comunicação consolidada em matéria de competência, a fim de poder existir uma concentração única na primeira hipótese, que a aquisição de controlo se efetue através de várias operações jurídicas. No entanto, no caso vertente, a aquisição de controlo foi feita apenas através da aquisição de dezembro de 2012, que encerrou o lançamento da oferta pública de aquisição para as restantes ações da Morpol.

110    A recorrente baseia‑se, além disso, no n.o 40 da comunicação consolidada em matéria de competência, que enuncia, na sua primeira frase, que, «no âmbito do Regulamento [n.o 139/2004], as operações que são aprovadas ou rejeitadas conjuntamente em função dos objetivos económicos das partes intervenientes devem ser igualmente analisadas no quadro do mesmo processo». Todavia, há que salientar que a segunda frase do n.o 40 da comunicação consolidada em matéria de competência precisa que, «[neste] caso, a alteração da estrutura do mercado é induzida pelas operações no seu conjunto». O n.o 40 da comunicação consolidada em matéria de competência refere‑se portanto às situações em que a alteração da estrutura do mercado é induzida pelas operações no seu conjunto, e não às situações em que a alteração da estrutura do mercado, a saber, a aquisição de controlo de uma empresa‑alvo individual se efetua através de uma única operação.

111    Segundo a comunicação consolidada em matéria de competência, quando o controlo de uma única empresa é adquirido através de várias operações, é possível, em determinadas condições, considerar essas operações como uma concentração única. A aquisição de controlo através de varias operações constitui portanto, segundo a comunicação consolidada em matéria de competência, uma condição para aplicar o conceito de concentração única na primeira hipótese tal como é definida no n.o 95 supra, a saber, a da aquisição de uma atividade ou de uma empresa individual através de várias operações jurídicas.

112    A recorrente alega, em substância, que, uma vez que a aquisição de dezembro de 2012 e a posterior oferta pública de aquisição estão ligadas por uma condicionalidade, constituem uma concentração única, e a recorrente deduz daí que adquiriu o controlo da Morpol através de várias operações.

113    No entanto, a aquisição de controlo de uma empresa individual através de várias operações constitui, segundo a comunicação consolidada em matéria de competência, uma condição para poder considerar várias operações como uma concentração única, e não uma consequência do facto de essas operações constituírem uma concentração única.

114    No caso vertente, essa condição não está preenchida, porque o controlo da Morpol não foi adquirido através de várias operações.

115    Na audiência, a recorrente baseou‑se igualmente no n.o 38 da comunicação consolidada em matéria de competência. Sublinhou que resultava desse número que a questão decisiva para apreciar a questão de saber se várias operações constituíam uma concentração única era a de saber se o «resultado final» conduzia a uma concentração única. Segundo a recorrente, o «resultado final» deve ser considerado a aquisição de 100% das ações da Morpol que a recorrente visava desde o início.

116    A este respeito, há que sublinhar que o n.o 38 da comunicação consolidada em matéria de competência constitui em substância um resumo dos n.os 104 a 109 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), aos quais é feita referência na nota de pé de página n.o 43 dessa comunicação. Como resulta do n.o 128 supra, resulta do n.o 104 desse acórdão que a questão pertinente não é a do momento em que ocorreu a aquisição da totalidade das ações de uma empresa‑alvo, mas a do momento em que ocorreu a aquisição do controlo. O n.o 38 da comunicação consolidada em matéria de competência não contém nenhum elemento que permita considerar que, quando uma empresa tem desde o início a intenção de adquirir a totalidade das ações de uma empresa‑alvo, o «resultado final» deve ser definido em relação à aquisição da totalidade das ações e não em relação à aquisição do controlo.

117    Pelo contrário, a primeira frase do n.o 38 da comunicação consolidada em matéria de competência, tal como o n.o 104 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), faz uma referência clara à definição de concentração constante do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, sendo o resultado «a aquisição do controlo» de uma ou várias empresas. Aliás, segundo a terceira frase do n.o 38 da comunicação consolidada em matéria de competência, «[importa] saber, portanto, se o respetivo resultado confere a uma ou a várias empresas o controlo económico direto ou indireto sobre as atividades de uma ou de várias outras empresas». Esta frase confirma que o «resultado» deve ser definido em relação à aquisição de controlo da empresa‑alvo.

118    No caso vertente, esse resultado, designadamente, a aquisição do controlo, foi obtido apenas na sequência da única aquisição de dezembro de 2012.

119    Contrariamente ao que a recorrente afirma, a decisão impugnada está, portanto, em conformidade com a comunicação consolidada em matéria de competência.

iii) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a jurisprudência do Tribunal Geral e a prática decisória da Comissão

120    A recorrente afirma, além disso, que o raciocínio da Comissão na decisão impugnada está em contradição com a jurisprudência do Tribunal Geral e com a prática decisória da Comissão.

121    A este respeito, há que salientar o seguinte.

122    A recorrente baseia‑se, em primeiro lugar, no acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64).

123    No processo em que foi proferido esse acórdão, colocava‑se a questão de saber se vários grupos de transações constituíam várias concentrações distintas ou uma concentração única (acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.os 8, 45 e 91). Por conseguinte, esse processo enquadra‑se na segunda hipótese tal como é definida no n.o 95 supra, a saber, a da aquisição de controlo de várias empresas que, enquanto tal, pode ser equiparada a concentrações distintas. Há que recordar, a este respeito, que o presente processo não se enquadra nessa segunda hipótese (v. n.o 99 supra).

124    O Tribunal Geral concluiu que cabia à Comissão apreciar se várias transações «[apresentavam] um caráter unitário de modo a constituírem uma única operação de concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 4064/89» (acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 105). Além disso, salientou que, «para determinar o caráter unitário das transações em causa, [havia] que apreciar, em cada situação, se essas transações [eram] interdependentes, de modo que uma não teria sido realizada sem a outra» (acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 107).

125    A recorrente baseia‑se no n.o 107 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), e afirma que daí resulta que várias operações juridicamente distintas têm um caráter unitário e constituem, por conseguinte, uma concentração única ao abrigo do Regulamento n.o 139/2004 se «essas transações forem interdependentes de modo que uma não teria sido realizada sem a outra».

126    No entanto, não pode deduzir‑se do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que, sempre que várias transações sejam interdependentes, constituem necessariamente uma concentração única.

127    Há que salientar que, no n.o 104 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), o Tribunal Geral declarou o seguinte:

«Esta definição geral e finalística de uma operação de concentração — sendo o resultado o controlo de uma ou de várias empresas — implica que é indiferente que a aquisição, direta ou indireta, desse controlo tenha sido realizada em uma, duas ou várias etapas através de uma, duas ou várias transações, desde que o resultado atingido constitua uma única operação de concentração.» (sublinhado nosso).

128    O argumento da recorrente, suscitado na audiência, segundo o qual resulta do n.o 104 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que a questão pertinente é a de saber se o controlo é adquirido no fim da série das transações, pouco importando em que momento esse controlo é adquirido, deve ser julgado improcedente. A este respeito, há que sublinhar que o n.o 104 desse acórdão não menciona a aquisição da empresa‑alvo que pode ser feita em uma ou várias etapas, mas a aquisição do controlo que pode ser feita em uma ou várias etapas. A questão pertinente não é portanto a do momento em que ocorreu a aquisição da totalidade das ações de uma empresa‑alvo, mas a do momento em que ocorreu a aquisição do controlo. Há que salientar que, quando a aquisição do controlo exclusivo de facto da única empresa‑alvo ocorreu através de uma primeira e única transação, como no caso vertente, as transações posteriores pelas quais o adquirente obtém partes suplementares dessa empresa já não são pertinentes para adquirir o controlo e, portanto, para realizar a concentração.

129    No n.o 108 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), o Tribunal Geral concluiu que a diligência que consiste em apreciar se as transações eram interdependentes destinava‑se nomeadamente «a garantir às empresas que [notificaram] uma operação de concentração o direito à segurança jurídica relativamente a todas as transações que [realizaram] essa operação».

130    No caso vertente, não existe um conjunto de transações «que realizam [a] operação [de concentração]», porque a operação de concentração foi realizada mediante a única aquisição de dezembro de 2012.

131    Finalmente, o Tribunal Geral assinalou, no n.o 109 do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que uma operação de concentração podia ser «realizada mesmo na presença de uma pluralidade de transações jurídicas formalmente distintas quando essas transações [fossem] interdependentes, pelo que não seriam realizadas umas sem as outras e cujo resultado [consistia] em conferir a uma ou a várias empresas o controlo económico, direto ou indireto, sobre a atividade de uma ou de várias outras empresas» (sublinhado nosso).

132    Esse número do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), confirma que o resultado de uma «pluralidade de transações jurídicas formalmente distintas» deve consistir em conferir o controlo económico sobre a atividade de uma ou de várias empresas. No caso vertente, a aquisição do controlo é o resultado de uma única transação, a saber, da aquisição de dezembro de 2012, e não de várias transações.

133    Resulta de exposto que não pode deduzir‑se do acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que, numa situação na qual a aquisição do controlo de uma única empresa‑alvo ocorreu através de uma única operação, é necessário considerar essa operação como fazendo parte de uma concentração única, quando a aquisição de ações que conduziu à aquisição do controlo e a oferta pública de aquisição obrigatória posterior são interdependentes.

134    Em segundo lugar, a recorrente baseia‑se no acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), e na decisão da Comissão em causa no processo em que foi proferido esse acórdão. Assinala que, naquele processo, a Ryanair Holdings plc (a seguir «Ryanair») tinha adquirido aproximadamente 19% das ações da Aer Lingus Group plc e da Aer Lingus Ltd (a seguir, consideradas conjuntamente, «Aer Lingus») e tinha, em seguida, lançado uma oferta pública, e que a Comissão, apoiada quanto a esse ponto pelo Tribunal Geral, considerou que as duas operações constituíam uma concentração única. Segundo a recorrente, daí resulta que uma aquisição de ações antes de uma oferta pública e a própria oferta pública devem ser consideradas como uma concentração única.

135    Há que salientar que resulta do n.o 16 do acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), que a Comissão considerou, na sua decisão que declara a concentração em questão incompatível com o mercado interno, o seguinte:

«Atendendo a que a Ryanair adquiriu os primeiros 19% do capital social da Aer Lingus menos de dez dias antes do lançamento da oferta pública de aquisição, e mais 6% pouco tempo depois, e tendo em conta as explicações da Ryanair relativas ao objetivo económico por ela prosseguido no momento em que efetuou essas operações, considera‑se que a totalidade da operação de aquisição de ações antes e após o período da oferta pública de aquisição, bem como a própria oferta pública de aquisição, constituem uma concentração única na aceção do artigo 3.o do regulamento das concentrações.»

136    Nesse processo, a Ryanair não obtivera o controlo de Aer Lingus através de uma só transação antes do lançamento da oferta pública de aquisição. Como salienta a Comissão, foi a aquisição dos primeiros 19% do capital social da Aer Lingus, conjugada com a aquisição das ações que a Ryanair esperava obter através da oferta pública de aquisição, que conferiu à Ryanair o controlo da Aer Lingus. Finalmente, a Ryanair nunca adquiriu o controlo da Aer Lingus, porque a oferta pública expirou na sequência da decisão da Comissão de dar início ao procedimento previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004.

137    Por conseguinte, não pode concluir‑se dessa decisão da Comissão que esta tenha considerado que a aquisição de uma parte do capital de uma empresa através de uma operação privada e uma oferta pública de aquisição para as partes restantes deviam ser sempre consideradas como uma concentração única, mesmo quando a aquisição da parte do capital através de uma operação privada tenha conferido ao adquirente o controlo exclusivo da empresa‑alvo antes do lançamento da oferta pública de aquisição.

138    No acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), o Tribunal Geral também não se pronunciou sobre a questão de saber se a aquisição do controlo exclusivo através de uma só operação privada e uma oferta pública obrigatória posterior devem ser consideradas como uma concentração única.

139    A recorrente considera que, se a Comissão tivesse aplicado o raciocínio seguido no n.o 101 da decisão impugnada no processo em que foi proferido o acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), não teria tido em conta de modo nenhum as aquisições de ações da Ryanair efetuadas ao abrigo de uma convenção privada antes do lançamento da oferta pública, especialmente porque tais aquisições privadas não conduziram à aquisição do controlo da empresa‑alvo.

140    Esse argumento não é procedente. Com efeito, foi justamente o facto de, no processo em que foi proferido o acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), a aquisição privada não ter conduzido à aquisição do controlo da empresa‑alvo que teve como consequência que o controlo, se tivesse sido obtido, o teria sido através de várias transações.

141    Em terceiro lugar, a recorrente baseia‑se na decisão LGI/Telenet.

142    No entanto, esse processo não dizia respeito ao caso de uma primeira operação pela qual um adquirente já adquirira o controlo de uma empresa‑alvo, seguida de uma segunda operação pela qual esse mesmo adquirente adquiriu partes suplementares dessa mesma empresa‑alvo.

143    No processo em que foi adotada a decisão LGI/Telenet, a primeira operação foi a «transação Telenet», pela qual a Telenet adquiriu a UPC Belgium. Essa primeira operação não carecia de notificação, porque não atingia os limiares (v. n.o 6 da decisão LGI/Telenet). A segunda operação foi a «transação LGE», pela qual a LGE adquiriu o controlo exclusivo da Telenet, incluindo a UPC Belgium (v. n.o 7 da decisão LGI/Telenet). A Comissão concluiu que essas operações, que estavam ligadas por uma condicionalidade de facto, constituíam uma concentração única.

144    Os factos na origem do processo em que foi adotada a decisão LGI/Telenet eram portanto completamente diferentes dos que estão na origem do presente processo. A recorrente não pode portanto invocar utilmente o facto de que, no processo em que foi adotada a decisão LGI/Telenet, a Comissão concluiu pela existência de uma concentração única, nem retirar daí conclusões para o presente processo.

145    Em quarto lugar, a recorrente invoca a decisão da Comissão de 20 de outubro de 2011 (processo COMP/M.6263, Aelia/Aéroports de Paris/JV). A recorrente sublinha que, nesse processo, a Comissão considerou como uma concentração única as duas primeiras etapas da operação.

146    A este respeito, há que assinalar que esse processo não dizia respeito a uma situação na qual a primeira das transações bastava para desencadear uma alteração do controlo de uma empresa‑alvo e que as operações posteriores consistiam simplesmente em adquirir partes suplementares dessa mesma empresa‑alvo. O facto de a Comissão ter considerado, nesse processo, que as duas primeiras transações constituíam uma concentração única não significa, portanto, que tenha considerado que a aquisição do controlo exclusivo de uma empresa‑alvo através de uma só operação de aquisição de ações junto de um único vendedor, por um lado, e as operações posteriores de aquisição de partes suplementares da empresa‑alvo, por outro, podiam constituir uma concentração única.

147    Há que sublinhar que a recorrente não identifica nenhum exemplo na prática decisória da Comissão ou na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União Europeia em que se tenha constatado que uma operação de aquisição privada junto de um único vendedor que conferia por si só o controlo exclusivo de uma empresa‑alvo, por um lado, e uma oferta pública de aquisição posterior para as restantes ações dessa empresa‑alvo, por outro, constituíam uma concentração única. De uma maneira geral, a recorrente não apresentou nenhum exemplo no qual várias operações de aquisição relativas a participações numa só empresa‑alvo tivessem sido consideradas como uma concentração única quando o controlo exclusivo da empresa‑alvo foi adquirido através da primeira operação de aquisição.

iv)    Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004

148    A recorrente afirma, além disso, que o raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada está em contradição com o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004. A recorrente sublinha que esse considerando indica que «[é], além disso, adequado considerar como uma concentração única operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto». Segundo a recorrente, esse considerando confirma a intenção do legislador de que a Comissão tenha em conta a ligação substancial entre as diversas etapas que constituem uma operação, mais que a sua estrutura formal.

149    Há que recordar que a recorrente se baseia na primeira possibilidade mencionada na terceira frase do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, relativa às transações que estejam ligadas por condição (v. n.o 97 supra).

150    Há que concluir que a frase, em si, muito curta, citada no n.o 148 supra, não é uma definição exaustiva das condições nas quais duas operações constituem uma concentração única. A este respeito, há que salientar que um considerando de um regulamento, embora possa permitir esclarecer a interpretação a dar a uma regra jurídica, não pode constituir, em si mesmo, uma dessas regras (v. acórdão de 11 de junho de 2009, X, C‑429/07, EU:C:2009:359, n.o 31 e jurisprudência referida). O preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo (v. acórdão de 19 de junho de 2014, Karen Millen Fashions, C‑345/13, EU:C:2014:2013, n.o 31 e jurisprudência referida).

151    Aliás, se a frase citada no n.o 148 supra fosse considerada no sentido de que contém uma definição exaustiva das condições nas quais duas operações constituem uma concentração única, isso teria como consequência que todas as operações que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações sobre títulos efetuadas num prazo razoavelmente curto deveriam ser tratadas como uma concentração única, mesmo quando essas operações, vistas no seu conjunto, não são suficientes para transferir o controlo da empresa‑alvo, o que não teria qualquer sentido.

152    Resulta do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 que o legislador pretendia reforçar o conceito de concentração única. Não resulta no entanto desse considerando que o legislador desejava alargar esse conceito.

153    Os argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 devem, portanto, ser julgados improcedentes.

v)      Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a prática dos Estados‑Membros

154    A recorrente considera que o raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada está em contradição com «a prática nos Estados‑Membros». A este respeito, a recorrente afirma que «[os] direitos nacionais refletem igualmente o princípio segundo o qual uma aquisição privada de uma participação de controlo, seguida de uma oferta pública para as restantes ações, deve ser tratada como uma concentração única».

155    No entanto, o único direito nacional a que a recorrente faz concretamente referência é o direito francês. Salienta que, segundo uma carta do ministre de l’Économie, des Finances et de l’Industrie (Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês) de 18 de novembro de 2002 ao conselho de administração da sociedade Atria Capital Partenaires, relativa a uma concentração no setor dos cabeleireiros ao domicílio (processo C2002‑39), «a aquisição por comum acordo de uma participação dita “de controlo” seguida da obrigação de apresentar uma [oferta pública de aquisição] sobre o capital restante» constituem duas etapas de uma mesma concentração.

156    A Comissão sublinha a este respeito que as autoridades francesas comentaram o alcance do artigo 6.o do Decreto n.o 2002‑689, de 30 de abril de 2002, que fixa as condições de aplicação do livro IV do Código Comercial relativo à liberdade de fixação dos preços e de concorrência (JORF de 3 de maio de 2002, p. 8055) (a seguir «decreto»), que teria um alcance materialmente mais amplo que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Assim, o facto de as autoridades francesas terem considerado que o artigo 6.o do decreto se aplicava à aquisição de ações num mercado regulamentado nos termos de um acordo privado que desencadeava uma oferta pública não tem incidência na interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

157    A recorrente replica que, na carta do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês de 18 de novembro de 2002, este estabeleceu antes de mais que a aquisição inicial e a oferta pública obrigatória que se seguiu constituíam uma concentração única, e que só nesse segundo momento é que a análise se referiu ao artigo 6.o do decreto.

158    A recorrente alega além disso que, segundo a jurisprudência, e designadamente segundo o acórdão de 7 de novembro de 2013, Romeo (C‑313/12, EU:C:2013:718, n.o 22), «as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União [devem ser] interpretados de forma uniforme quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, às soluções adotadas pelo referido ato» e que a justificação subjacente é a «de assegurar um tratamento idêntico às situações internas e às situações reguladas pelo direito da União, quaisquer que sejam as condições em que as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União se devem aplicar».

159    A este respeito, há que salientar que o n.o 22 do acórdão de 7 de novembro de 2013, Romeo (C‑313/12, EU:C:2013:718), deve ser lido à luz do n.o 23 desse mesmo acórdão, segundo o qual «[tal] é o caso quando as disposições do direito da União em causa foram tornadas aplicáveis de maneira direta e incondicional, pelo direito nacional, a tais situações».

160    A recorrente não apresenta nenhum elemento que permita considerar que é esse o caso no caso vertente. Apenas refere, no n.o 19 da réplica, certos esforços do legislador francês e das autoridades francesas da concorrência a fim de alinhar certos conceitos relativos ao controlo das concentrações utilizados no Código Comercial francês com os conceitos utilizados no Regulamento n.o 139/2004 e nas diferentes comunicações publicadas pela Comissão. Tais esforços de alinhamento não implicam que as disposições do direito da União foram tornadas aplicáveis de maneira direta e incondicional.

161    Em qualquer caso, o direito nacional ou a prática decisória de um Estado‑Membro não podem vincular a Comissão ou os órgãos jurisdicionais da União. Segundo a jurisprudência, a ordem jurídica da União não pretende, em princípio, definir as suas qualificações inspirando‑se numa ordem jurídica nacional ou em várias de entre elas, sem precisão expressa (v. acórdão de 22 de maio de 2003, Comissão/Alemanha, C‑103/01, EU:C:2003:301, n.o 33 e jurisprudência referida).

162    Por outro lado, há que salientar, no caso vertente, que o quadro jurídico existente em França é diferente do direito da União.

163    Com efeito, o artigo 6.o do decreto dispõe o seguinte:

«Quando uma concentração é realizada por aquisição de títulos num mercado regulamentado, a sua realização efetiva, na aceção do artigo L. 430‑4 do Código Comercial [francês], ocorre quando são exercidos os direitos ligados aos títulos. A falta de decisão do Ministro não obsta à transferência dos referidos títulos.»

164    Assim, quanto a esse ponto, o direito francês diverge significativamente do direito da União. Com efeito, segundo o direito da União, a transferência dos títulos é suficiente para realizar uma concentração (v. n.o 58 supra), ao passo que, segundo o direito francês, a realização ocorre apenas no momento em que são exercidos os direitos ligados aos títulos.

165    A posição adotada na carta do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês de 18 de novembro de 2002 não tem, portanto, como consequência que, por meio da aplicação do conceito de concentração única, seja permitido que um operador adquira o controlo de uma empresa‑alvo sem autorização prévia. Com efeito, resulta claramente dessa carta que «a suspensão da realização efetiva da operação na aceção do artigo 6.o […] aplica‑se quer ao exercício dos direitos ligados aos títulos adquiridos fora do mercado quer aos direitos ligados aos títulos que são objeto da oferta pública».

166    No entanto, no caso vertente, a recorrente baseia‑se no conceito de «concentração única» precisamente para sustentar que tinha direito de realizar a aquisição de dezembro de 2012 sem notificação e autorização prévias.

167    A recorrente não pode, portanto, invocar utilmente a prática seguida em França.

vi)    Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão interpretou de maneira errada a razão de ser do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

168    A recorrente afirma que a Comissão considerou erradamente, no n.o 103 da decisão impugnada, que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não era destinado a aplicar‑se em situações nas quais era simples estabelecer um controlo de facto.

169    A este respeito, há que salientar que o n.o 103 da decisão impugnada é formulado do seguinte modo:

«Em contrapartida, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 139/2004] não é destinado a aplicar‑se a situações nas quais a aquisição de um volume importante de ações é realizada junto de um único vendedor e em que é fácil estabelecer, com base nos votos expressos nas anteriores assembleias gerais ordinárias e extraordinárias, que esse volume de ações confere um controlo exclusivo de facto sobre a sociedade alvo.»

170    A Comissão não afirmou portanto que o simples facto de ser fácil estabelecer a aquisição do controlo exclui, de uma maneira geral, a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. No n.o 103 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se igualmente no facto de que a aquisição de um volume importante de ações que conferem um controlo exclusivo de facto da sociedade‑alvo tinha sido realizada junto de um único vendedor.

171    Além disso, há que concluir que, no n.o 102 da decisão impugnada, a Comissão assinalou que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 era destinado «a abranger situações nas quais é difícil determinar que ações ou que preciso volume de ações adquiridas por intermédio de vários acionistas anteriores colocarão o adquirente numa situação de controlo de facto da sociedade alvo» e que visava «fornecer um grau suficiente de segurança jurídica no caso de ofertas públicas de aquisição ou aquisições progressivas, preservando desse modo a liquidez das [Bolsas] de valores mobiliários, e protegendo os candidatos contra violações involuntárias e imprevistas da obrigação de statu quo».

172    No entanto, há que considerar que, ao fazê‑lo, a Comissão não afirmou que havia que limitar a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 a situações nas quais existiam dificuldades concretas em estabelecer quais as ações adquiridas por intermédio de vários acionistas anteriores que colocarão o adquirente numa situação de controlo de facto da sociedade‑alvo. Na decisão impugnada, a Comissão não se baseou apenas na circunstância de que não era fácil estabelecer que a aquisição de dezembro de 2012 conferia à recorrente o controlo exclusivo de facto da Morpol a fim de excluir a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

173    A recorrente dá vários exemplos para demonstrar que, mesmo em situações nas quais o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 é aplicável, pode ser fácil estabelecer a aquisição do controlo. No entanto, dado que a Comissão não afirmou, na decisão impugnada, que o simples facto de ser fácil estabelecer a aquisição do controlo exclui a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, os argumentos que a recorrente suscita a este respeito não são suscetíveis de demonstrar a existência de um erro cometido pela Comissão na decisão impugnada.

174    A recorrente alega além disso que a verdadeira ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 corresponde àquilo que a própria Comissão formulou expressamente no n.o 66 da exposição de motivos da sua Proposta de regulamento relativo ao controlo das concentrações de empresas [COM(2002) 711 final] (JO 2003, C 20, p. 4) (a seguir «proposta de regulamento»). Aí, indica‑se que:

«Em conformidade com a proposta do Livro Verde, propõe‑se alargar o âmbito de aplicação da derrogação automática prevista no n.o 2 do artigo 7.o (ex‑n.o 3 do artigo 7.o), que passará a abranger, para além das ofertas públicas, todas as aquisições efetuadas junto de diversos vendedores na bolsa de valores, por exemplo as denominadas “aquisições progressivas”, suprimindo assim a incerteza jurídica provocada pelo n.o 1 do artigo 7.o relativamente a tais aquisições.»

175    Resulta desta proposta que a Comissão sugeria estender o âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 às «aquisições progressivas». No entanto, no caso vertente, a aquisição da Morpol pela recorrente não foi «progressiva». Com efeito, a aquisição do controlo da Morpol não foi efetuada em várias etapas. Pelo contrário, a aquisição de controlo foi efetuada por meio de uma só operação de aquisição privada junto de um único vendedor, que ficou encerrada antes do lançamento da oferta pública de aquisição para as restantes ações da Morpol.

176    Além disso, há que recordar que a recorrente precisou que baseava o seu raciocínio no primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, a saber, o caso ligado a uma oferta pública de aquisição (v. n.os 66 e 67 supra). Em contrapartida, resulta do n.o 66 da exposição de motivos da proposta de regulamento que a Comissão propunha acrescentar o segundo caso que se encontra agora previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, relativo às séries de transações sobre títulos, a fim de suprimir qualquer incerteza jurídica. Tendo em consideração o facto de que a concentração em causa é abrangida, segundo a recorrente, pelo âmbito de aplicação do primeiro caso previsto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, não é claro qual o argumento que a recorrente deseja deduzir do facto de a Comissão ter proposto acrescentar o segundo caso a fim de suprimir qualquer incerteza jurídica.

177    A recorrente baseia‑se igualmente no n.o 134 do Livro Verde sobre a revisão do Regulamento n.o 4064/89 (COM/2001/0745 final) (a seguir «Livro Verde»), que tem a seguinte redação:

«As aquisições “furtivas” através da Bolsa constituem um outro exemplo de concentrações com operações múltiplas. Essas operações podem ser executadas sob várias formas mais ou menos sofisticadas, variando de operações relativamente simples de compra direta de ações a anteriores acionistas até estruturas de transação que envolvem vários intermediários financeiros que utilizam uma grande diversidade de instrumentos financeiros. […]. Em tais cenários, será normalmente pouco prático e artificial considerar a concentração como ocorrendo através da aquisição de determinadas ações ou pacotes de ações que colocarão o adquirente numa situação de controlo (de facto) da empresa‑alvo. Em vez disso, será normalmente evidente do ponto de vista de todas as partes envolvidas que algumas das aquisições de direitos legalmente separadas, […] constituem uma unidade, e que a intenção é a de adquirir o controlo da empresa‑alvo […]».

178    A este respeito, antes de mais, há que observar que um documento do tipo do Livro Verde tem apenas o objetivo de estimular uma reflexão sobre determinado assunto a nível europeu.

179    Além disso, há que salientar que resulta da primeira frase do n.o 134 do Livro Verde que este ponto diz respeito às aquisições «furtivas», que constituem um «exemplo de concentrações com operações múltiplas». No entanto, há que recordar que, no caso vertente, a concentração não foi «furtiva» e que o controlo da Morpol foi adquirido através de uma só operação e não por meio de várias operações.

180    Acresce que o n.o 134 do Livro Verde menciona que «a intenção é a de adquirir o controlo da empresa‑alvo» em relação a «algumas das aquisições de direitos legalmente separadas». No caso vertente, só a aquisição de dezembro de 2012 foi realizada com a intenção de tomar o controlo da Morpol. É certo que a recorrente procedeu à aquisição total da Morpol e, para o fazer, foram necessárias várias operações de aquisição, designadamente a aquisição de dezembro de 2012 e as aquisições junto de diversos acionistas da Morpol no âmbito da oferta pública de aquisição. No entanto, dado que a recorrente detinha o controlo exclusivo da Morpol desde a realização da aquisição de dezembro de 2012, as operações de aquisições posteriores já não foram efetuadas com a intenção de tomar o controlo da empresa‑alvo.

181    Há que concluir igualmente que é com razão que o Livro Verde salienta que, «[em] tais cenários, será normalmente pouco prático e artificial considerar a concentração como ocorrendo através da aquisição de determinadas ações ou pacotes de ações que colocarão o adquirente numa situação de controlo (de facto) da empresa‑alvo». No entanto, esta afirmação apenas diz respeito ao cenário de uma aquisição «furtiva». Efetivamente, quando várias aquisições de ações ou de pacotes de ações são necessárias a fim de adquirir o controlo da empresa‑alvo, é artificial considerar, de maneira isolada, a aquisição da ação ou do pacote de ações «decisivo» como uma concentração.

182    No entanto, numa situação como a do caso vertente, na qual o controlo exclusivo de única empresa‑alvo foi adquirido junto de um único vendedor apenas através da primeira operação, não é de modo nenhum artificial considerar que essa operação constitui, por si só, uma concentração.

183    A recorrente sublinha, além disso, que o objetivo da extensão da derrogação prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 era suprimir qualquer incerteza jurídica (v. n.o 174 supra). Segundo a recorrente, resulta do n.o 134 do Livro Verde que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 deve aplicar‑se mesmo a uma estrutura de operações simples para facilitar as ofertas públicas e as aquisições progressivas.

184    A este respeito, há que salientar que, embora seja verdade que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 pode aplicar‑se mesmo no caso de uma estrutura de operações simples, no entanto, no caso vertente, não é a simplicidade da operação enquanto tal que exclui a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, mas o facto de o controlo já ter sido adquirido junto de um único vendedor através da primeira operação.

185    Além disso, há que sublinhar que, nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa às ofertas públicas de aquisição (JO 2004, L 142, p. 12), os Estados‑Membros devem assegurar que uma pessoa que obteve o controlo de uma sociedade, através de uma aquisição de títulos, seja obrigada a lançar uma oferta a fim de proteger os acionistas minoritários dessa sociedade. Essa oferta deve ser dirigida a todos os detentores desses títulos e abranger a totalidade das suas participações. Daí resulta que a obrigação da empresa — que obteve títulos que lhe conferem o controlo de uma empresa‑alvo graças a uma aquisição privada — de apresentar uma oferta pública relativa ao resto das ações da empresa‑alvo diz respeito a todos os Estados‑Membros da União.

186    Se fosse seguido o raciocínio da recorrente, segundo o qual uma aquisição do controlo por meio de uma só operação privada, seguida de uma oferta pública obrigatória, constitui uma concentração única, isso teria como consequência que, no caso de concentrações que implicam sociedades cotadas na Bolsa situadas nos Estados‑Membros, a aquisição privada de títulos que confere o controlo estaria sempre abrangida pela exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, existe sempre a obrigação de apresentar uma oferta pública de aquisição que, segundo o raciocínio da recorrente, faz parte de uma concentração única que engloba a aquisição que confere o controlo, bem como a oferta pública. Isso teria como consequência que o âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 seria demasiado alargado.

187    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 é facilitar as ofertas públicas e as aquisições progressivas, em primeiro lugar, há que recordar que a Comissão não lhe impôs uma coima devido à realização da oferta pública de aquisição, mas sim à realização da aquisição de dezembro de 2012. Em segundo lugar, há que recordar que, como se concluiu no n.o 175 supra, no caso vertente, a aquisição não foi «progressiva».

188    Não se afigura que a posição adotada pela Comissão na decisão impugnada seja contrária ao princípio de segurança jurídica. Há que recordar que a situação do caso vertente não é abrangida pela redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.os 68 a 83 supra). O facto de a Comissão não ter alargado o âmbito de aplicação do conceito de «concentração única» a fim de abranger situações nas quais o controlo de uma só empresa‑alvo é adquirido através de uma primeira operação não é contrário ao princípio da segurança jurídica.

189    Mesmo que se tome como referência o Livro Verde a fim de determinar a ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, como propõe a recorrente, não se afigura ser contrário à ratio desta disposição excluir do seu âmbito de aplicação uma situação na qual uma empresa adquire o controlo exclusivo da única empresa‑alvo através de uma primeira operação privada de aquisição de ações junto de um único vendedor, ainda que esta seja seguida de uma oferta pública de aquisição obrigatória.

190    A recorrente afirma, além disso, que a interpretação da Comissão, nos n.os 102 e 103 da decisão impugnada, sobre a ratio do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 é incompatível com a interpretação efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281, n.o 83). A recorrente assinala que, nesse acórdão, o Tribunal Geral «[…] confirmou a abordagem da Comissão que consiste em aplicar o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 139/2004] à aquisição de uma participação minoritária de 19% na Aer Lingus feita antes do lançamento de uma oferta pública, que o Tribunal Geral considerou que apresentava um caráter unitário e constituía uma concentração única, embora fosse simples de concluir, sem dúvida, que tal participação minoritária não conferia o controlo».

191    A este respeito, há que salientar que, no acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281, n.o 83), o Tribunal Geral assinalou que «a aquisição de uma participação que não confere, por si só, o controlo na aceção do artigo 3.o do regulamento [n.o 139/2004] pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o do referido regulamento». Resulta unicamente desse acórdão que é possível que a aquisição de uma participação minoritária que não confere o controlo da empresa‑alvo, seguida de uma oferta pública de aquisição, possa fazer parte de uma concentração única que é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. O Tribunal Geral, no entanto, não tinha de se pronunciar sobre uma situação na qual a primeira operação conferia desde logo o controlo da empresa‑alvo (v. n.o 138 supra).

192    Há que concluir que, no caso da aquisição de uma participação minoritária, que não confere o controlo da empresa‑alvo e que é seguida de uma oferta pública de aquisição, as duas operações podem ser executadas com a intenção de adquirir o controlo da empresa‑alvo. No entanto, no caso vertente, uma vez que a primeira operação já conferiu à recorrente o controlo exclusivo de facto da Morpol, está excluído que a oferta pública de aquisição tenha sido lançada com a intenção de adquirir o controlo da Morpol (v. n.o 180 supra).

193    Por conseguinte, há que julgar a argumentação da recorrente baseada no acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281) improcedente.

194    A recorrente afirma além disso que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado em seu favor devido ao caráter penal da coima, na aceção do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Segundo a recorrente, a decisão impugnada viola o princípio segundo o qual a lei penal não pode ser aplicada de modo extensivo em prejuízo do arguido. A interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, como é efetuada na decisão impugnada, implicaria a utilização de conceitos de tal modo amplos e de critérios de tal modo vagos que a disposição penal em causa não teria a qualidade exigida a título da CEDH em termos de clareza e de previsibilidade dos seus efeitos.

195    A Comissão sublinha que, segundo o artigo 14.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004, as coimas aplicada ao abrigo dessa disposição não são de caráter penal.

196    Importa assinalar que, ainda que as sanções previstas no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 sejam de caráter penal, a argumentação da recorrente não procede.

197    Em primeiro lugar, no que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual a disposição em causa não tem a qualidade exigida a título da CEDH em termos de clareza e de previsibilidade dos seus efeitos, este argumento refere‑se, em substância, à pretensa violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas, que a recorrente aduz no quadro da primeira parte do quarto fundamento, que será analisada nos n.os 376 a 394 infra.

198    Em segundo lugar, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada viola o princípio segundo o qual a lei penal não deve ser aplicada de modo extensivo em prejuízo do arguido, há que salientar o seguinte.

199    Como a Comissão assinala com razão, não foi aplicada à recorrente uma coima por ter infringido o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Foi‑lhe aplicada uma coima, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004, por ter infringido o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

200    Além disso, há que recordar que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 contém uma exceção ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

201    A Comissão sublinha, com razão, que é jurisprudência constante que as exceções são de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdãos de 17 de junho de 2010, Comissão/França, C‑492/08, EU:C:2010:348, n.o 35, e de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 27). Em especial, no que respeita ao direito da concorrência, e nomeadamente à interpretação das disposições de regulamentos de isenção por categoria, o Tribunal Geral confirmou, no n.o 48 do acórdão de 8 de outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (T‑24/93 à T‑26/93 e T‑28/93, EU:T:1996:139), que, tendo em consideração o princípio geral de proibição dos acordos anticoncorrenciais, as medidas de derrogação constantes de um regulamento de isenção devem, por natureza, ser objeto de interpretação estrita. O simples facto de a Comissão poder impor sanções severas pela violação de uma disposição do direito da concorrência não põe, portanto, em causa o facto de as medidas de derrogação deverem ser objeto de interpretação estrita. Aliás, no acórdão de 22 de março de 1984, Paterson e o. (90/83, EU:C:1984:123), que tinha por objeto questões prejudiciais colocadas no âmbito de ações penais (v. n.o 2 desse acórdão), o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 16, que uma disposição que prevê derrogações à aplicação das regras gerais de um regulamento não pode ser interpretada de modo a estender os seus efeitos para além do que é necessário para a proteção dos interesses que visa garantir. Esse acórdão confirma que o princípio de que as exceções devem ser de interpretação estrita se aplica mesmo em matéria penal.

202    Em qualquer caso, há que salientar que, segundo a sua redação, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é aplicável a situações como a que está em causa no caso vertente (v. n.os 68 a 83 supra).

203    A recorrente tenta, em substância, alargar o âmbito de aplicação do conceito de «concentração única» a fim de alargar o âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

204    Mesmo admitindo que as coimas aplicadas por força do artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004 são de natureza penal, não pode considerar‑se no caso vertente que a Comissão aplicou a lei penal de maneira extensiva em prejuízo do arguido. Com efeito, a Comissão apenas recusou alargar o âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 para além da sua redação e aplicar o conceito de «concentração única» a uma situação na qual o controlo exclusivo da única empresa‑alvo foi adquirido através de uma só operação privada de aquisição junto de um único vendedor, antes do lançamento de uma oferta pública de aquisição obrigatória.

205    O argumento da recorrente deve, portanto, ser julgado improcedente.

206    A recorrente afirma, além disso, que a decisão impugnada é incompatível com o objetivo do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, «que consiste em facilitar as aquisições e em assegurar a liquidez dos mercados bolsistas». A decisão impugnada apenas tem um impacto negativo para as sociedades com um modelo de gestão de empresa geralmente utilizado pelas sociedades estabelecidas na Europa continental e na Escandinávia, o que cria, de facto, uma discriminação entre as sociedades estabelecidas nessas regiões relativamente às sociedades estabelecidas no Reino Unido e nos Estados Unidos, tornando mais difícil de adquirir e, por conseguinte, entravando o investimento em sociedades estabelecidas na Europa continental e na Escandinávia, e tendo um impacto prejudicial sobre os mercados de capitais e as sociedades estabelecidas nestas regiões. A razão disso é que as sociedades estabelecidas na Europa continental e na Escandinávia se caracterizam geralmente por terem acionistas importantes e concentrados, contrariamente às sociedades estabelecidas no Reino Unido e nos Estados Unidos, que têm tendência para ter uma estrutura de acionistas dispersa. A recusa, na decisão impugnada, de aplicar a isenção de oferta pública a título do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 à aquisição inicial de uma participação de controlo, bem como à oferta pública obrigatória que daí resulta, apenas é pertinente para as sociedades que têm acionistas «concentrados».

207    Há que salientar que, ao invocar uma discriminação entre as sociedades estabelecidas na Europa continental e na Escandinávia e as sociedades estabelecidas no Reino Unido e nos Estados Unidos, a recorrente baseia‑se, em substância, no princípio da igualdade de tratamento. Segundo jurisprudência constante, o princípio geral da igualdade de tratamento e da não discriminação exige que situações equiparáveis não sejam tratadas de modo diferente, salvo quando uma diferenciação se justifique objetivamente (v. acórdão de 11 de julho de 2007, Centeno Mediavilla e o./Comissão, T‑58/05, EU:T:2007:218, n.o 75 e jurisprudência referida).

208    No caso vertente, há que salientar que as duas situações, a saber, por um lado, a de uma tomada de controlo da única empresa‑alvo através de uma única operação de aquisição de ações junto de um único vendedor, seguida de uma oferta pública de aquisição obrigatória, e, por outro, a de uma tomada de controlo através de uma oferta pública de aquisição ou por intermédio de vários vendedores através de uma série de transações, não são comparáveis, de modo que nada obsta a um tratamento diferente. Com efeito, numa situação na qual o controlo exclusivo de uma única empresa‑alvo é adquirido através de uma só e primeira operação, não é de modo nenhum artificial considerar que essa operação constitui, por si só, uma concentração (v. n.o 182 supra). O simples facto de ser possível que, na Europa continental e na Escandinávia, a primeira situação se apresente como mais frequente do que no Reino Unido ou nos Estados Unidos não implica que seja necessário tratar de maneira idêntica essas situações.

209    Acresce que o simples facto de que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 visa facilitar as aquisições e assegurar a liquidez dos mercados bolsistas, como alega a recorrente, não implica que seja necessário estender o âmbito de aplicação dessa disposição para além da sua redação a fim de facilitar ainda mais as aquisições.

210    Na decisão impugnada, bem como no articulado de defesa, a Comissão indica várias vias que a recorrente podia ter seguido a fim de executar a concentração em causa sem infringir o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Assim, assinala, no n.o 106 da decisão impugnada, que a recorrente podia ter lançado a oferta pública de aquisição sem ter adquirido previamente as ações de M. (primeira opção) e que a recorrente podia ter assinado um acordo com M. relativo à aquisição das ações antes de lançar a oferta pública de aquisição, adiando todavia o encerramento até à obtenção da autorização das autoridades da concorrência (segunda opção).

211    A recorrente alega a este respeito que essas opções podiam prejudicar os acionistas minoritários da sociedade‑alvo, facilitar os abusos de mercado e contrariar os objetivos da Diretiva 2004/25. No que respeita à primeira opção, a recorrente sublinha que a política da Comissão visa ativamente impedir que o adquirente substitua uma estrutura de oferta obrigatória por uma oferta voluntária porque isso permitiria que os oferentes evitassem dever lançar uma oferta obrigatória a um preço equitativo. Aliás, no caso da Morpol, o lançamento de uma oferta voluntária não era realizável na prática porque a aquisição da Morpol estava ligada comercialmente à aquisição das sociedades auxiliares controladas por M. e essas entidades jurídicas não podiam ser transferidas no âmbito de uma oferta voluntária. Quanto à segunda opção, a recorrente alega que esta cria um preço mínimo que pode ser manipulado e aumentado artificialmente, o que seria contrário ao objetivo da Diretiva 2004/25, que visa evitar os riscos de abuso de mercado.

212    A este respeito, há que salientar que cabia à recorrente estruturar a concentração da maneira que entendia corresponder melhor às suas necessidades, respeitando as suas obrigações previstas no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Como ela própria salienta, a Comissão não recomenda nem prescreve de modo nenhum uma forma específica de acordo com a qual a recorrente deve estruturar a sua transação.

213    Além disso, no caso da segunda opção tal como é definida no n.o 210 supra, há que salientar o seguinte, no que respeita ao argumento da recorrente relativo à existência de um risco de manipulação do preço das ações.

214    A abordagem seguida na decisão impugnada não suscita qualquer problema no que respeita à proteção dos direitos dos acionistas minoritários. Com efeito, como sublinha a recorrente, segundo as normas norueguesas relativas às aquisições, o oferente deve pagar pelas restantes ações um preço que seja o mais elevado dos dois preços seguintes: o preço que o oferente pagou ou que acordou pagar ao longo de um período de seis meses antes do momento em que a oferta obrigatória foi desencadeada (a saber, o preço acordado no SPA), ou o preço de mercado no momento em que a obrigação da oferta obrigatória foi desencadeada. Portanto, os acionistas minoritários podem seguramente obter um preço equitativo pelas suas ações.

215    A recorrente sustenta, todavia, que, se o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não for aplicável, o oferente deveria adiar a oferta pública até receber a autorização de concentração da Comissão, num momento em que o preço mínimo pode ter aumentado em consequência do facto de o preço cotado no mercado exceder o preço acordado no SPA. O preço mínimo fica portanto sujeito a manipulações e a um aumento, impondo potencialmente que o oferente adquira as ações restantes a um preço que excede o preço acordado no SPA, designadamente, o preço equitativo.

216    A este respeito, há que concluir que um risco de manipulação do preço das ações para cima pode, em princípio, existir. No entanto, se a recorrente tivesse considerado que, no caso vertente, esse risco existia, podia ter pedido à Comissão para lhe conceder uma derrogação ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. Segundo esta disposição, a Comissão pode, a pedido, conceder uma derrogação às obrigações previstas no artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 139/2004.

217    A Comissão sublinha a este respeito que já concedeu no passado derrogações ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 precisamente nas situações em que o adiamento do lançamento de uma oferta pública era suscetível de desencadear manipulações de mercado. A Comissão apresenta como exemplo a sua Decisão de 20 de janeiro de 2005 (processo Orkla/Elkem — COMP/M.3709) (a seguir «decisão Orkla/Elkem»), adotada a título do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. No processo em que foi adotada essa decisão, a Orkla, que já detinha 39,85% das ações da Elkem, concluiu acordos individuais com três outros acionistas da Elkem. Em conformidade com esses acordos, a Orkla devia adquirir o controlo exclusivo da Elkem. A execução da transação teria obrigado a Orkla a lançar uma oferta pública obrigatória para as restantes ações da Elkem nos termos do direito norueguês.

218    Antes de executar cada um dos acordos, a Orkla pediu à Comissão uma derrogação em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. Sublinhou que, devido ao volume limitado de ações da Elkem livremente acessível, não seria difícil manipular para cima o preço dessas ações. Seis dias após a receção do pedido da Orkla, a Comissão concedeu uma derrogação declarando que «a suspensão da operação [era] suscetível de ter por efeito que a Orkla, embora respeitando a legislação norueguesa sobre os valores mobiliários aplicável, se expunha a um risco considerável de fazer uma oferta pelas restantes ações da Elkem a um preço claramente mais elevado após a operação ter sido declarada compatível com o mercado [interno]». A Comissão procedeu a uma ponderação dos interesses e salientou que a obrigação de suspensão podia afetar seriamente os interesses financeiros da Orkla, que a operação não parecia apresentar problemas para a concorrência e que uma derrogação não afetava os legítimos direitos de terceiros.

219    O processo em que foi adotada a decisão Orkla/Elkem demonstra portanto que a possibilidade de solicitar derrogações ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 constitui um meio eficaz para responder a situações em que existe um risco de manipulação do preço das ações.

220    A recorrente alega, em substância, que a existência (teórica) de riscos de manipulação do preço das ações para cima obriga a Comissão a interpretar de maneira extensiva o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. No entanto, tal argumento deve ser julgado improcedente, porque o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 permite responder de modo satisfatório a uma situação em que tal risco existe.

221    O artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 prevê a possibilidade de a Comissão derrogar a obrigação de suspensão num dado caso, após a ponderação dos interesses em causa. Tal derrogação num dado caso é um instrumento mais adequado para responder a eventuais riscos de manipulação que uma aplicação extensiva do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, que implicaria uma aplicação automática da exceção sem possibilidade de proceder a uma ponderação dos interesses.

222    Na audiência, a recorrente alegou que, na decisão Orkla/Elkem, a Comissão reconheceu a existência de um imperativo de celeridade e a necessidade de evitar manipulações do mercado em circunstâncias semelhantes às do caso vertente.

223    No entanto, a circunstância de, nesse processo, a Comissão ter tido em conta o imperativo de celeridade e a necessidade de evitar manipulações do mercado a fim de conceder uma derrogação ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 não implica que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 deva ser objeto de interpretação extensiva.

224    Finalmente, a recorrente alegou, na audiência, que, segundo o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89, que precedeu o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, era necessário notificar a oferta pública de aquisição no prazo previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, isto é, dentro de uma semana, e que, segundo o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, só é necessário notificar a concentração à Comissão «sem demora». Segundo a recorrente, essa alteração demonstra uma vontade do legislador de dar prioridade ao processo de aquisições públicas relativamente ao processo de controlo das concentrações.

225    A este respeito, há que salientar que o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 já não prevê, para a notificação das concentrações, o prazo de uma semana a contar da conclusão do acordo ou da publicação da oferta de aquisição que estava previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89.

226    As razões da supressão desse prazo resultam dos n.os 61 a 64 da fundamentação da proposta de regulamento, nos quais a Comissão salientava designadamente que «[a] prática ao longo dos últimos doze anos [revelava] que uma aplicação estrita do prazo de uma semana para a apresentação de notificações […] não [era] nem realista nem necessária» e que, «[dado] o efeito suspensivo do n.o 1 do artigo 7.o, as empresas [tinham] todo o interesse em obter uma autorização regulamentar da Comissão tão cedo quanto possível, para poderem realizar a sua concentração».

227    Contrariamente ao que sustenta a recorrente, as razões da supressão desse prazo não residem portanto numa vontade do legislador de dar prioridade ao processo de aquisições públicas relativamente ao processo de controlo das concentrações.

228    Os argumentos da recorrente que visam estabelecer que a interpretação feita pela Comissão do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 é contrária à ratio dessa disposição devem, portanto, ser julgados improcedentes.

229    À luz da exposição precedente, há que julgar improcedente o argumento da recorrente segundo o qual a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição constituíam uma concentração única. Com efeito, o conceito de concentração única não é destinado a aplicar‑se num caso no qual o controlo exclusivo de facto da única sociedade‑alvo é adquirido junto de um único vendedor através de uma primeira e única transação privada, mesmo quando esta é seguida de uma oferta pública obrigatória.

230    Portanto, não é necessário analisar os argumentos das partes relativos à existência ou não de uma condicionalidade de direito ou de facto entre a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública de aquisição.

2.      Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a recorrente ter respeitado o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

231    No âmbito da quarta parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que respeitou as condições previstas no artigo 7.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004, notificando a concentração à Comissão sem demora e não exercendo os seus direitos de voto na Morpol antes da autorização da concentração pela Comissão.

232    A este respeito, basta concluir que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é aplicável no caso vertente, como resulta da análise das três primeiras partes do primeiro fundamento. Por conseguinte, a questão de saber se a recorrente respeitou as condições previstas no artigo 7.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004 não é pertinente.

233    Resulta da exposição precedente que o primeiro fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

B.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto na medida em que a decisão impugnada conclui que a recorrente foi negligente

234    A recorrente sustenta que a Comissão considerou erradamente, na decisão impugnada, que a recorrente foi negligente. Segundo a recorrente, nenhuma sociedade normalmente avisada e suficientemente atenta podia prever razoavelmente que a aquisição de dezembro de 2012 devia ser notificada e que a participação correspondente não podia ser transferida para a recorrente antes da autorização. Ainterpretação que a recorrente faz do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 foi razoável, o que é confirmado pelo parecer jurídico emitido pelo consultor jurídico externo da recorrente.

235    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

236    Há que recordar que, segundo o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão pode impor coimas apenas relativamente a violações cometidas «deliberada ou negligentemente».

237    Quanto à questão de saber se uma infração foi cometida deliberada ou negligentemente, resulta da jurisprudência que este requisito está preenchido quando a empresa em causa não possa ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, quer tenha tido ou não consciência de violar as regras de concorrência [v., no caso das infrações puníveis por coima por força do artigo 23.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras da concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 37 e jurisprudência referida].

238    O facto de a empresa em causa ter qualificado de modo juridicamente errado o seu comportamento, no qual se baseia a declaração da existência de uma infração, não pode ter por efeito isentá‑la da aplicação de uma coima na medida em que a empresa em causa não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do referido comportamento (v., por analogia, acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 38). Uma empresa não pode escapar à aplicação de uma coima, quando a infração às regras de concorrência tenha origem num erro desta empresa quanto à legalidade do seu comportamento devido ao teor de um parecer jurídico de um advogado (v., por analogia, acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 43).

239    É à luz destas considerações que há que analisar se foi com razão que a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que a recorrente agiu negligentemente ao executar a aquisição de dezembro de 2012 em violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

240    Há que salientar, antes de mais, que a Comissão teve em conta a existência de consultores jurídicos para concluir, no n.o 142 da decisão impugnada, que a recorrente cometeu as infrações por negligência e não de modo intencional.

241    Nos n.os 144 a 148 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se nos seguintes elementos a fim de concluir que a recorrente agiu com negligência:

–        a recorrente é uma grande sociedade europeia que possui uma sólida experiência dos procedimentos de controlo das concentrações e de notificação à Comissão e às autoridades da concorrência nacionais;

–        a recorrente sabia ou devia saber que, ao adquirir uma participação de 48,5% no capital da Morpol, adquiria um controlo de facto desta última;

–        a recorrente não provou que tinha obtido dos seus consultores jurídicos uma apreciação relativa à aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 antes de 18 de dezembro de 2012, data do encerramento da aquisição de dezembro de 2012;

–        a existência de um precedente relativo à interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 [Decisão da Comissão de 21 de setembro de 2007 (processo COMP/M.4730 — Yara/Kemira GrowHow) (a seguir «decisão Yara/Kemira GrowHow»)] devia ter levado a recorrente a concluir que a realização da aquisição de dezembro de 2012 resultaria provavelmente numa violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, ou pelo menos que a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, não era simples no caso vertente, e a recorrente podia e devia ter‑se dirigido à Comissão por meio do procedimento de consulta sobre a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 ou pedir uma derrogação à obrigação de statu quo ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004;

–        já tinha sido aplicada à recorrente uma coima a nível nacional pela realização prematura de uma concentração no âmbito da sua aquisição da sociedade Fjord Seafood, de modo que era de esperar por sua parte que fosse mais diligente.

242    A recorrente contesta a pertinência de todos esses elementos.

243    Deve salientar‑se que, no caso vertente, a recorrente podia facilmente prever que, ao adquirir 48,5% das ações da Morpol, adquiria o controlo exclusivo de facto dessa sociedade. A recorrente não afirma que não teve conhecimento de certos elementos factuais e que por isso não lhe foi possível compreender que, ao realizar a aquisição de dezembro de 2012, realizava uma concentração de dimensão comunitária.

244    Resulta aliás do comunicado da Bolsa de 17 de dezembro de 2012, mencionado no n.o 6 supra, que a recorrente tinha consciência do facto de que a aquisição da Morpol constituía uma concentração de dimensão comunitária. Com efeito, a recorrente assinalou o seguinte:

«A aquisição implicará provavelmente uma obrigação de notificação às autoridades da concorrência da União, e nesse caso a Marine Harvest não será admitida a exercer os seus direitos de voto ligados às suas ações da Morpol até que a operação seja autorizada.»

245    O simples facto de a recorrente ter considerado erradamente que as suas obrigações se limitavam a não exercer os seus direitos de voto antes da autorização não põe em causa o facto de que a recorrente estava bem consciente da circunstância de que se tratava de uma concentração de dimensão comunitária.

246    Há que recordar que resulta claramente da redação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 que uma concentração de dimensão comunitária deve ser notificada antes da sua realização e que não deve ser realizada sem notificação e autorização prévias.

247    A recorrente não podia ignorar essas disposições e, aliás, não afirma que as ignorava.

248    Além disso, há que recordar que, segundo a sua redação, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é aplicável a situações como a que está em causa no caso vertente (v. n.os 68 a 83 supra).

249    A recorrente afirma que a sua interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 era pelo menos razoável, de modo que não agiu de maneira negligente.

250    A este respeito, há que recordar que, com o raciocínio seguido no quadro do primeiro fundamento, a recorrente tenta, em substância, alargar o âmbito de aplicação do conceito de «concentração única», a fim de alargar o âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 203 supra). Além disso, há que recordar que a recorrente não identifica nenhum exemplo na prática decisória da Comissão ou na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União no qual várias operações de aquisição relativas às partes de uma única empresa‑alvo se consideraram como constituindo uma concentração única, quando o controlo exclusivo da empresa‑alvo foi adquirido através da primeira operação de aquisição (v. n.o 147 supra).

251    Em contrapartida, existiu uma decisão da Comissão, designadamente a decisão Yara/Kemira GrowHow, na qual esta concluiu, nos n.os 6 e 7, o seguinte:

«6.      Em 24 de maio de 2007, a Yara adquiriu ao Estado finlandês uma participação de 30,05% na GrowHow. A Yara considera que essa aquisição constitui a primeira etapa da oferta pública em vista da aquisição da GrowHow anunciada em 18 de julho de 2007 e que, enquanto tal, estaria abrangida pela exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 139/2004], à proibição de realizar uma concentração. A Yara indica que, durante a análise da operação pela Comissão, não exercerá os direitos de voto conferidos pela participação de 30,05%. As informações fornecidas pelas partes indicam que a Yara adquiriu o controlo da GrowHow com a aquisição da participação de 30,05%.

7.      O artigo 7.o, n.o 2, [do Regulamento n.o 139/2004] aplica‑se às aquisições de pacotes de ações junto de “vários vendedores”, designadamente, às “ofertas progressivas”. A Comissão considera que a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, [do Regulamento n.o 139/2004] não é, por conseguinte, aplicável num processo em que uma participação de controlo é adquirida pelo adquirente de um único pacote de ações junto de um único vendedor. A Comissão é, portanto, de opinião que não pode ser excluída no caso vertente uma violação da obrigação de statu quo prevista no artigo 7.o, n.o 1, [do Regulamento n.o 139/2004] bem como da obrigação de notificação prevista no artigo 4.o, n.o 1, [do referido regulamento] e que pode analisar no âmbito de um processo distinto se uma sanção a título do artigo 14.o, n.o 2, [do Regulamento n.o 139/2004] é apropriada.»

252    É certo que, como sublinha a recorrente, a constatação de que uma violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 não podia ser excluída constitui um obiter dictum da decisão Yara/Kemira GrowHow, que é uma decisão que autoriza uma concentração sob reserva do respeito de certos compromissos. Finalmente, a Comissão não abriu um processo com vista à aplicação de uma coima a título do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A recorrente sublinha com razão que tal obiter dictum não tem efeitos jurídicos obrigatórios e que não pode ser objeto de fiscalização dos órgãos jurisdicionais da União.

253    Não deixa de ser verdade que tal obiter dictum é suscetível de dar aos operadores indicações sobre a maneira como a Comissão interpreta o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A existência da decisão Yara/Kemira GrowHow, que dizia respeito a uma situação comparável à do caso vertente e na qual a Comissão tinha salientado que considerava que a exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não era aplicável, é um elemento que torna mais difícil para as empresas a justificação do facto de que um erro cometido quanto à interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não constituía um comportamento negligente.

254    É verdade, como a recorrente sublinha no âmbito do quarto fundamento, que a decisão Yara/Kemira GrowHow não foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia e que a versão integral apenas está disponível em inglês.

255    No entanto, foi publicado um aviso no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2007, C 245, p. 7) em cada uma das línguas oficiais, indicando uma ligação da Internet para aceder à versão integral da decisão em inglês. A Comissão sublinha além disso, com razão, que a decisão Yara/Kemira GrowHow, e nomeadamente a interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 efetuada nessa decisão, foi citada em obras de doutrina. Um operador diligente podia portanto ter conhecimento dessa decisão e da interpretação dada ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 pela Comissão.

256    Além disso, há que ter em consideração o facto de que a recorrente podia ter consultado a Comissão sobre a questão da interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Em caso de dúvida quanto às suas obrigações por força do Regulamento n.o 139/2004, o comportamento adequado de uma empresa é o de entrar em contacto com a Comissão (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 255). A recorrente não afirma que não tinha conhecimento dessa possibilidade.

257    A Comissão também tinha direito de tomar em consideração, como fez no n.o 144 da decisão impugnada, o facto de a recorrente ser uma grande empresa europeia que possuía uma sólida experiência dos procedimentos de controlo das concentrações e de notificação à Comissão e às autoridades da concorrência nacionais. Assim, resulta do n.o 252 do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), que a experiência de uma empresa no domínio das concentrações e em matéria de processos de notificação é um elemento pertinente no quadro da apreciação da negligência.

258    A Comissão, além disso, tinha o direito de ter em consideração, como o fez no n.o 148 da decisão impugnada, o facto de que já tinha sido aplicada uma coima à recorrente (então a Pan Fish) a nível nacional pela realização prematura de uma concentração no quadro da sua aquisição da sociedade Fjord Seafood. É verdade que a decisão do Ministro da Economia francês de 8 de dezembro de 2007 (processo Pan Fish/Fjord Seafood) (a seguir «decisão Pan Fish/Fjord Seafood») não dizia respeito à interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. No entanto, deve esperar‑se uma diligência especial por parte de uma empresa europeia de grande dimensão à qual já foi aplicada uma coima, embora a nível nacional, pela realização prematura de uma concentração.

259    No caso vertente, há que concluir que a recorrente agiu de maneira negligente ao proceder a uma interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 que não é abrangida pela sua redação nem pela prática decisória da Comissão ou pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União e que não está em conformidade com o que a Comissão concluiu, embora como obiter dictum, na decisão Yara/Kemira GrowHow, e fê‑lo sem contactar previamente a Comissão a fim de verificar a exatidão da sua interpretação. Ao agir desse modo, a recorrente agiu por sua conta e risco e não pode basear‑se no pretenso caráter «razoável» da sua interpretação.

260    Portanto, deve ser julgado improcedente o argumento da recorrente segundo o qual «nenhuma empresa normalmente avisada e suficientemente atenta podia prever com razoabilidade que a aquisição de dezembro de 2012 devia ser notificada e que a participação correspondente não podia ser transferida à [recorrente] antes da autorização».

261    No que se refere aos argumentos da recorrente relativos à apreciação dos seus consultores jurídicos externos, há que salientar o seguinte.

262    Por um lado, a recorrente afirma que os seus consultores jurídicos externos, que têm muita experiência em questões de direito da concorrência, estavam de acordo em considerar que a aquisição de dezembro de 2012 e a oferta pública constituíam uma concentração única abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, o que confirma o caráter razoável da sua interpretação. Por outro lado, afirma que a sua experiência ligada à operação em que foi tomada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood é um dos fatores que a levaram a pedir e obter garantias, em várias ocasiões, quanto ao facto de a aquisição de uma participação de 48,5% na Morpol ser abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Finalmente, a recorrente afirma que a Comissão considerou erradamente, no n.o 146 da decisão impugnada, que ela não procurou obter, e não recebeu, qualquer parecer sobre o alcance do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 antes de 18 de dezembro de 2012.

263    Portanto, há que analisar o conteúdo dos pareceres emitidos pelos consultores jurídicos externos da recorrente.

264    A recorrente baseia‑se numa mensagem de correio eletrónico que o seu consultor jurídico norueguês lhe dirigiu em 29 de novembro de 2012, na qual este salientava o seguinte:

«6. Concorrência

A aquisição das ações da Friendmall na [Morpol] desencadeará a notificação às autoridades de concorrência competentes.

Não dispomos de um resumo do volume de negócios das duas sociedades repartido por jurisdições nem das outras informações necessárias para analisar de que maneira e onde haverá que proceder a tal notificação.

Recomendamos‑vos vivamente que envidem todos os esforços a fim de dar prioridade à verificação desses elementos, uma vez que nos permitirão redigir e apresentar as notificações de modo relativamente rápido após a eventual data da aquisição.

A nossa experiência demonstra que a obtenção das autorizações necessárias para tais aquisições levará o seu tempo. Não pode excluir‑se que vos possa ser ordenada a venda de partes do negócio a fim de obter a autorização necessária perante certas jurisdições. Logo que saiba onde isso pode ser necessário, deve elaborar estratégias de modo a responder a tais objeções.

Como foi referido anteriormente, [a Marine Harvest] não estará em condições de exercer quaisquer direitos como acionista da [Morpol] ligados às ações adquiridas antes de receberdes todas as autorizações a título do direito da concorrência.»

265    Resulta claramente desta mensagem de correio eletrónico que o consultor jurídico norueguês da recorrente não dispunha das informações necessárias relativas ao volume de negócios das empresas em questão e que por isso não estava em posição de analisar a questão de saber junto de que autoridades da concorrência a operação devia ser notificada. A recorrente não podia esperar que o seu consultor jurídico norueguês procedesse a uma análise exaustiva das implicações da concentração do ponto de vista do direito da União ainda antes de se encontrar na posse dos elementos que lhe permitissem decidir a questão de saber se se tratava de uma concentração de dimensão comunitária.

266    Além disso, há que salientar que alguns parágrafos dessa mensagem de correio eletrónico dedicados ao direito da concorrência, tais como os que são citados no n.o 264 supra, não podem considerar‑se como uma verdadeira análise das obrigações da recorrente no que se refere às notificações e a eventuais obrigações de statu quo. A recorrente não podia deduzir a contrario apenas da frase segundo a qual, «como foi referido anteriormente, [a Marine Harvest] não estará em posição de exercer quaisquer direitos como acionista da [Morpol] ligados às ações adquiridas antes de receberdes todas as autorizações a título do direito da concorrência» que podia encerrar a aquisição de dezembro de 2012 sem notificação nem autorização prévias.

267    A existência dessa mensagem de correio eletrónico do seu consultor jurídico norueguês não pode em caso nenhum isentar a recorrente da sua responsabilidade.

268    Esse mesmo consultor jurídico dirigiu, em 14 de dezembro de 2012, às 10 h 02 m, uma mensagem de correio eletrónico a um consultor jurídico do escritório de advogados F. redigida nos seguintes termos:

«As negociações sobre o projeto [Morpol] estão neste momento quase concluídas e estamos bastante seguros de que chegaremos a um acordo durante o dia e que o [SPA] será assinado ao final da tarde.

Junta‑se o último projeto para vossa análise e comentários sob o ponto de vista do direito da concorrência.

Como é habitual, ninguém se concentrou muito neste aspeto em particular, até agora. Atingimos também uma fase em que eu preferia de longe não introduzir mais alterações ao texto porque isso poderia facilmente distrair as partes.

Por conseguinte, poderia ver esse projeto e comunicar‑me apenas os comentários ou as propostas de alterações que entender serem absolutamente necessárias em relação ao procedimento de autorização a título do direito da concorrência da União?

Naturalmente que isto é um pouco urgente e portanto ficar‑lhe‑ia muito grato se pudesse dar atenção imediata.»

269    Esta mensagem de correio eletrónico demonstra claramente que a recorrente não se comportou como um operador diligente. Com efeito, desta mensagem resulta que «ninguém se concentrou muito» no aspeto do direito da concorrência até ao dia em que esta mensagem de correio eletrónico foi enviada, ou seja, o próprio dia da assinatura do SPA. Um operador diligente concentrar‑se‑ia nas implicações da operação do ponto de vista do direito da concorrência numa fase mais precoce.

270    Interrogada a este respeito na audiência, a recorrente salientou que o autor da mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2012 era o mesmo da mensagem de correio eletrónico de 29 de novembro de 2012 e que esta última mensagem de correio eletrónico demonstra que tinha refletido já nessa fase sobre a questão do direito da concorrência. Além disso, a recorrente assinalou que o consultor jurídico norueguês da recorrente era um advogado especialista em direito das sociedades e não um advogado especialista em matéria de direito da concorrência e que tinha pedido o parecer de um especialista do escritório de advogados F. em 14 de dezembro de 2012.

271    A este respeito, há que recordar que a mensagem de correio eletrónico de 29 de novembro de 2012 não continha uma verdadeira análise das obrigações da recorrente no que se refere às notificações e às eventuais obrigações de statu quo (v. n.o 266 supra). Sendo certo que o consultor jurídico norueguês refletiu sobre o aspeto do direito da concorrência, há que salientar que, como o próprio confessa na mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2012, ninguém se tinha «concentrado muito» sobre esse aspeto até essa data.

272    Além disso, há que concluir que ao referir, na audiência, que o consultor jurídico norueguês da recorrente era um advogado especialista em direito das sociedades e não um advogado especialista em matéria de direito da concorrência, a recorrente matizou a afirmação constante do n.o 71 da petição, no que respeita a esse consultor jurídico, segundo a qual os seus consultores jurídicos externos possuíam muita experiência em questões de direito da concorrência.

273    Em 14 de dezembro de 2012, às 22 h 36 m, o consultor jurídico da sociedade de advogados F. respondeu à mensagem de correio eletrónico citada no n.o 268 supra salientando, nomeadamente, o seguinte:

«Apenas uma questão: não conseguimos encontrar nenhuma disposição que abranja a questão do exercício dos direitos de voto enquanto o processo de autorização está pendente. É evidente que o adquirente não pode exercer os direitos de voto antes da autorização.»

274    Esta mensagem de correio eletrónico, trocada entre dois consultores jurídicos externos da recorrente, não pode ser considerada uma verdadeira análise das implicações da concentração do ponto de vista do direito da concorrência, e o consultor jurídico da sociedade de advogados F. não dispunha, aliás, de tempo suficiente para efetuar essa análise.

275    Além disso, há que assinalar que a mensagem de correio eletrónico de 29 de novembro de 2012 e a mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2012 não mencionam o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

276    O primeiro documento que menciona explicitamente o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 é um memorando do consultor jurídico norueguês da recorrente datado de 18 de dezembro de 2012.

277    Nesse memorando, depois de citar o texto do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 139/2004, esse consultor jurídico assinalou o seguinte:

«Resulta das considerações precedentes que a Marine Harvest pode obter as ações da Morpol, mas não pode exercer os direitos de voto ligados a essas ações antes de a operação ser autorizada pela Comissão. Assim, a Marine Harvest só pode exercer os seus direitos enquanto acionista da Morpol e não controlará portanto, na prática, a sociedade antes de a autorização ser obtida.»

278    Esse memorando não contém no entanto uma verdadeira análise da aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A simples citação do texto do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 139/2004, e a afirmação de que a recorrente podia obter as ações da Morpol se não exercesse os direitos de voto, não podem ser equiparadas a tal análise, nomeadamente à luz da circunstância de que, segundo o seu texto, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é aplicável. Nesse memorando, o consultor jurídico norueguês da recorrente baseou‑se nomeadamente na existência de uma concentração única a fim de justificar a pretensa aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

279    Além disso, há que recordar que o SPA já tinha sido assinado em 14 de dezembro de 2012. O SPA previa, na sua cláusula 7.1, que o encerramento ocorreria o mais rapidamente possível e o mais tardar três dias úteis após a assinatura. Acresce que o SPA previa na sua cláusula 7.2, que, à data do encerramento, a recorrente devia demonstrar ter pagado o preço da aquisição. Finalmente, o SPA previa, na sua cláusula 7.3, que, nessa data, os vendedores deviam demonstrar que tinham transferido as ações para a recorrente.

280    O memorando de 18 de dezembro de 2012 foi portanto redigido num momento em que a recorrente já tinha iniciado o encerramento da aquisição o mais tardar três dias úteis após a assinatura do SPA.

281    No que respeita à constatação da Comissão, constante do n.o 146 da decisão impugnada, segundo a qual a recorrente não apresentou elementos de prova de ter recebido dos seus consultores jurídicos uma apreciação relativa à aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 antes de 18 de dezembro de 2012, o que é contestado pela recorrente, há que salientar o seguinte.

282    É certo que a recorrente indicou implicitamente, na página 14 da sua resposta de 30 de abril de 2014 à comunicação de acusações, que tinha recebido do seu consultor jurídico norueguês, antes de 18 de dezembro de 2012, a informação de que as condições da aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 estavam preenchidas. Com efeito, a recorrente indicou que essa informação tinha sido «reiterada por escrito» no memorando desse consultor de 18 de dezembro de 2012.

283    No entanto, a constatação da Comissão, segundo a qual a recorrente «não apresentou elementos de prova» de ter recebido tal apreciação antes de 18 de dezembro de 2012, é correta. Com efeito, embora a recorrente tenha afirmado implicitamente, na sua resposta à comunicação de acusações, ter recebido do seu consultor jurídico norueguês, antes de 18 de dezembro de 2012, a informação de que as condições da aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 estavam preenchidas, não apresentou nenhum elemento de prova a este respeito. Designadamente, não apresentou, em anexo à sua resposta à comunicação de acusações, as mensagens de correio eletrónico de 29 de novembro e de 14 de dezembro de 2012, citadas nos n.os 264, 268 e 273 supra, que apresentou em anexo à petição.

284    Em qualquer caso, essas mensagens de correio eletrónico não põem em causa a negligência da recorrente. No que respeita à mensagem de correio eletrónico de 29 de novembro de 2012, apresentada ao Tribunal Geral, há que recordar que não menciona o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 e não contém uma verdadeira análise das obrigações da recorrente (v. n.os 264 a 266 supra). O mesmo se diga da mensagem de correio eletrónico do consultor jurídico da sociedade de advogados F. de 14 de dezembro de 2012 (v. n.os 273 a 275 supra).

285    Em qualquer caso, mesmo admitindo que a recorrente obteve, antes de 18 de dezembro de 2012, a informação por parte dos seus consultores jurídicos de que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 era aplicável, isso não punha em causa a conclusão de que o comportamento da recorrente foi negligente.

286    Por um lado, há que recordar que uma empresa não pode escapar à aplicação de uma coima, quando a infração às regras de concorrência tenha origem num erro desta empresa quanto à legalidade do seu comportamento devido ao teor de um parecer jurídico de um advogado (v. n.o 238 supra).

287    Por outro, a mensagem de correio eletrónico do consultor jurídico norueguês da recorrente de 14 de dezembro de 2012, na qual se baseia a recorrente, longe de confirmar que a recorrente fez prova de diligência, é reveladora da sua negligência, porque dela resulta que «ninguém se concentrou muito» no aspeto do direito da concorrência até ao dia da assinatura do SPA.

288    Se a recorrente se tivesse comportado como um operador diligente, ter‑se‑ia assegurado de que fosse efetuada uma análise completa das implicações do SPA do ponto de vista do direito da concorrência antes da assinatura do SPA, tanto mais que o SPA previa que o encerramento da aquisição devia ocorrer o mais tardar três dias úteis após a sua assinatura.

289    A recorrente baseia‑se igualmente numa mensagem de correio eletrónico que o advogado da sociedade F. lhe enviou em 27 de janeiro de 2013. A este respeito, há que concluir que essa mensagem de correio eletrónico foi enviada após o encerramento da aquisição de dezembro de 2012 e que não pode portanto em caso nenhum isentar a recorrente da sua responsabilidade. Aliás, essa mensagem de correio eletrónico não contém uma verdadeira análise das condições previstas no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, limitando‑se em substância a reproduzir o texto dessa disposição. Essa mensagem de correio eletrónico não menciona designadamente o conceito de «concentração única».

290    Resulta da exposição precedente que foi com razão que a Comissão concluiu que a violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 foi cometida por negligência.

291    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violação do princípio geral ne bis in idem

292    A recorrente sustenta que a Comissão lhe impôs, na decisão impugnada, duas coimas por um só comportamento, em violação do princípio geral ne bis in idem. Salienta que uma violação da obrigação de notificação, prevista no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, implica necessariamente uma violação da obrigação de statu quo, prevista no artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento. Segundo a recorrente, a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é a infração mais específica, ao passo que a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento é a infração mais geral, de modo que a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 engloba a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento ou impede, pelo menos, a Comissão de impor uma coima distinta por esta.

293    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

1.      Observações preliminares sobre a relação entre o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004

294    Há que salientar que, como a recorrente alega e a Comissão concede, uma violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 implica automaticamente uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, se uma empresa viola a obrigação, prevista no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, de notificar uma concentração antes da sua realização, isso tem como consequência que infringe a proibição de realizar uma concentração antes da sua notificação e da sua autorização.

295    No entanto, o inverso não é verdadeiro. Com efeito, quando uma empresa notifica uma concentração antes da sua realização, mas realiza essa concentração antes de esta ser declarada compatível com o mercado interno, viola o artigo 7.o, n.o 1, mas não o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

296    Além disso, há que recordar que o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004 prevê a possibilidade de impor coimas, por um lado, por uma violação da obrigação de notificação prevista no artigo 4.o desse regulamento e, por outro, pela realização de uma concentração em violação do artigo 7.o do mesmo regulamento.

297    Resulta da exposição precedente que, quando uma empresa viola o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, viola automaticamente o artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento, o que implica, segundo a redação desse regulamento, a possibilidade de a Comissão impor coimas quer a título do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004 quer a título do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do mesmo regulamento.

298    Há que observar que se trata de uma situação que existe apenas desde a entrada em vigor do Regulamento n.o 139/2004. A este respeito, há que recordar que o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 já não prevê, para a notificação de concentrações, o prazo de uma semana a contar da conclusão do acordo ou da publicação da oferta de aquisição que estava previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89 (v. n.o 225 supra).

299    Era possível, sob a égide do Regulamento n.o 4064/89, infringir o artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento sem infringir o artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento. Com efeito, uma empresa que notificava uma concentração mais de uma semana após a conclusão do acordo, mas que esperava pela autorização da Comissão para a realizar, infringia o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, mas não o artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento.

300    No que se refere às sanções previstas, há que salientar que, segundo o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 4064/89, a falta de notificação em conformidade com o artigo 4.o do mesmo regulamento era passível de coimas de montantes desde 1 000 a 50 000 ecus apenas. A realização de uma operação de concentração em violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89 era, por força do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), desse regulamento, passível de coimas até 10% do volume de negócios total realizado pelas empresas em questão.

301    Em contrapartida, no Regulamento n.o 139/2004, a violação da obrigação de notificação prevista no artigo 4.o já não figura no artigo 14.o, n.o 1, mas no artigo 14.o, n.o 2, desse mesmo regulamento, o que implica que os quadros sancionatórios pela violação do artigo 4.o, n.o 1, e pela violação do artigo 7.o, n.o 1, desse regulamento são agora idênticos e correspondem à possibilidade de impor coimas até 10% do volume de negócios total realizado pelas empresas em questão.

302    Apesar de o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 prever a obrigação de agir (notificar uma concentração antes da sua realização) e de o artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento prever a obrigação de não fazer (não realizar uma concentração antes da sua notificação e da sua autorização), a violação da obrigação de fazer implica automaticamente a violação da obrigação de não fazer prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, segundo o quadro jurídico atual, só no momento da realização da concentração é possível saber definitivamente se uma empresa não notificou a concentração antes da sua realização.

303    Daí resulta que, no momento em que a empresa viola o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, começa automaticamente a violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, no momento da realização da concentração, a empresa em questão viola a obrigação de notificar a concentração antes da sua realização, prevista no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, e a proibição correspondente de realizar a concentração antes da notificação, na primeira situação prevista pelo artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Simultaneamente, viola a proibição de realizar uma concentração antes da autorização, na segunda situação prevista pelo artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, porque uma concentração que não foi notificada não pode ser declarada compatível com o mercado interno.

304    Neste âmbito, deve salientar‑se que não é contestado no caso vertente que uma violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 constitui uma violação instantânea. No entanto, uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é uma infração contínua que dura enquanto a operação não for declarada compatível com o mercado interno pela Comissão, como a Comissão concluiu nos n.os 128, 165 e 166 da decisão impugnada (v., quanto ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 212).

305    No caso vertente, a Comissão salientou, no n.o 127 da decisão impugnada, que o comportamento que deu origem a uma violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e a uma violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento era um só comportamento, a saber, a realização de uma concentração de dimensão comunitária antes da sua notificação e da sua autorização. Em resposta a uma questão escrita colocada a este respeito pelo Tribunal Geral, a Comissão confirmou que não contestava que os factos que desencadearam a violação dessas duas disposições eram idênticos no caso vertente.

306    Há que concluir que o quadro jurídico atual não é habitual, na medida em que existem dois artigos no Regulamento n.o 139/2004 cuja violação é passível de coimas no mesmo quadro sancionatório, mas em que uma violação do primeiro implica necessariamente uma violação do segundo. No entanto, há que salientar que se trata do quadro jurídico que a Comissão teve de aplicar e que a recorrente não suscita nenhuma exceção de ilegalidade no que se refere a certas disposições do Regulamento n.o 139/2004.

2.      Quanto à aplicabilidade no caso vertente do princípio ne bis in idem

307    Segundo jurisprudência constante, o princípio ne bis in idem deve ser respeitado nos processos que visam a aplicação de coimas, no domínio do direito da concorrência. Este princípio proíbe, em matéria de concorrência, que uma empresa seja condenada ou objeto de um processo, uma segunda vez, devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada isenta de responsabilidade por uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso (v. acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.o 94 e jurisprudência referida).

308    O Tribunal de Justiça considerou, nos processos de direito da concorrência, que a aplicação do princípio ne bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, da unidade do infrator e da unidade do interesse jurídico protegido (v. acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.o 97 e jurisprudência referida).

309    Resulta da jurisprudência citada no n.o 307 supra que o princípio ne bis in idem tem duas vertentes. Proíbe que uma empresa seja «objeto de um processo» uma segunda vez e que essa empresa seja «condenada» uma segunda vez. No entanto, segundo a formulação retomada no n.o 307 supra, as duas vertentes pressupõem que a empresa em causa foi punida ou declarada isenta de responsabilidade «por uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso».

310    Além disso, há que recordar que o artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem a seguinte redação:

«Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.»

311    Esta disposição contém igualmente as duas vertentes, designadamente, a proibição de uma dupla ação judicial e de uma dupla punição (julgado ou punido). Há que salientar, além disso, que esta disposição menciona claramente uma sentença «transitada em julgado», sem distinguir as duas vertentes. Acresce que menciona o facto de a pessoa em questão «já» ter sido absolvida ou condenada por sentença, o que confirma que deve tratar‑se de uma sentença anterior.

312    É certo que o princípio ne bis in idem se aplica nos processos que visam a aplicação de coimas, no âmbito do direito da concorrência, e independentemente da qualificação dessas coimas como sendo de natureza penal ou não. Além disso, em matéria de direito da concorrência, em que as coimas são aplicadas pela Comissão, não é necessária a existência de uma «sentença» que aplique uma coima. Como é refletido na formulação reproduzida no n.o 307 supra, basta que exista uma «decisão» anterior que já não seja suscetível de recurso. Assim, a mera existência de uma decisão da Comissão que aplique uma coima, que não tenha sido contestada dentro dos prazos e que, portanto, já não é suscetível de recurso, é suficiente para que o princípio ne bis in idem se aplique. No entanto, o elemento «definitivo» que resulta do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais aplica‑se igualmente em matéria de direito da concorrência, como resulta da formulação «decisão anterior que já não seja suscetível de recurso».

313    Em seguida, o artigo 4.o, n.o 1, do Protocolo n.o 7 da CEDH tem a seguida redação:

«Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.»

314    Esta disposição contém igualmente duas vertentes, designadamente, a proibição de uma dupla ação judicial e de uma dupla punição (julgado ou punido), e pressupõe igualmente a existência de uma sentença «definitiva». Acresce que menciona o facto de a pessoa em questão «já» ter sido absolvida ou condenada, o que confirma a circunstância de que deve tratar‑se de uma sentença anterior.

315    A redação destas disposições não abrange portanto uma situação na qual uma autoridade aplica duas sanções numa só decisão, como acontece no caso vertente.

316    Isso é conforme com a ratio do princípio ne bis in idem. Com efeito, segundo esse princípio, quando contra o infrator é instaurado um processo e é punido, deve saber que, mediante a execução da pena, expiou a sua culpa, sem receio de um novo corretivo (conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nos processos Gözütok e Brügge, C‑187/01 e C‑385/01, EU:C:2002:516, n.o 49).

317    A aplicação de duas sanções numa só decisão não é contrária a esse objetivo. Com efeito, como a Comissão assinalou, em resposta a uma questão escrita apresentada pelas partes a este respeito, quando são aplicadas duas sanções numa só decisão, o interessado pode prosseguir a sua atividade, sabendo que não será punido novamente pela mesma infração.

318    É certo que, na petição, a recorrente não invocou explicitamente o princípio ne bis in idem, mas sim o princípio nemo debet bis puniri pro uno delicto. A recorrente confirmou, no entanto, em resposta a uma questão escrita colocada a este respeito pelo Tribunal Geral, que o princípio que ela invocava correspondia à segunda vertente do princípio ne bis in idem, a saber, a proibição de uma dupla punição, e que não invocou um princípio distinto do princípio ne bis in idem. A Comissão confirmou igualmente, em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral, que o princípio nemo debet bis puniri pro uno delicto correspondia à segunda vertente do princípio ne bis in idem.

319    Há que assinalar que o princípio ne bis in idem não se aplica no caso vertente, porque as sanções foram aplicadas pela mesma autoridade numa só decisão.

320    Esse resultado não é posto em causa pelos argumentos da recorrente nem pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União ou do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»).

321    A recorrente afirmou, em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral, que a jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais da União em matéria de direito da concorrência oferece vários exemplos nos quais o princípio ne bis in idem foi aplicado quando várias coimas foram impostas numa única e mesma decisão.

322    A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente baseia‑se no acórdão de 21 de julho de 2011, Beneo‑Orafti (C‑150/10, EU:C:2011:507). Afirma que resulta do n.o 68 desse acórdão que o Tribunal de Justiça aplicou o princípio ne bis in idem ao analisar a questão de saber se o princípio ne bis in idem se opunha a uma aplicação cumulativa das medidas previstas nos artigos 26.o, n.o 1, e 27.o do Regulamento n.o 968/2006 da Comissão, de 27 de junho de 2006, que define as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 320/2006 do Conselho, que estabelece um regime temporário de reestruturação da indústria açucareira na Comunidade (JO 2006, L 176, p. 32).

323    Há que salientar no entanto que, nesse processo, o Tribunal de Justiça concluiu que o princípio ne bis in idem não era aplicável porque só uma das três medidas em causa nesse processo podia ser qualificada de sanção (acórdão de 21 de julho de 2011, Beneo‑Orafti, C‑150/10, EU:C:2011:507, n.o 74). Tendo o Tribunal de Justiça negado a aplicabilidade do princípio ne bis in idem por outra razão, simplesmente não se pronunciou sobre a questão de saber se esse princípio se aplica numa situação na qual são impostas várias sanções numa única e mesma decisão, ou na qual é imposta uma segunda sanção quando a decisão que impõe a primeira sanção ainda não se tornou definitiva.

324    Na medida em que a recorrente se baseia nas conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Beneo‑Orafti (C‑150/10, EU:C:2011:164), basta concluir que o Tribunal de Justiça não seguiu essas conclusões no que se refere à aplicabilidade do princípio ne bis in idem.

325    Em segundo lugar, a recorrente invoca o acórdão de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão (T‑217/03 e T‑245/03, EU:T:2006:391). Os recorrentes no processo em que foi proferido esse acórdão sustentaram que a Comissão tinha violado o princípio ne bis in idem ao impor, numa só decisão, coimas a diversas associações cujos membros eram em parte idênticos. Segundo esses recorrentes, foram indiretamente aplicadas a esses membros várias coimas.

326    O Tribunal Geral limitou‑se a concluir, no n.o 344 do acórdão de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão (T‑217/03 e T‑245/03, EU:T:2006:391), que não se verificava a identidade dos infratores, na medida em que a decisão impugnada não punia várias vezes as mesmas entidades ou as mesmas pessoas pelos mesmos factos, de modo que o princípio ne bis in idem não foi violado. Portanto, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre a questão de saber se o princípio ne bis in idem pode aplicar‑se no caso de terem sido impostas várias sanções numa única e mesma decisão.

327    No acórdão que decidiu sobre o recurso interposto desse último acórdão, a saber, o acórdão de 18 de dezembro de 2008, Coop de France bétail et viande e o./Comissão (C‑101/07 P e C‑110/07 P, EU:C:2008:741, n.o 130), que é igualmente citado pela recorrente, o Tribunal de Justiça limitou‑se a confirmar a abordagem do Tribunal Geral.

328    Em terceiro lugar, a recorrente baseia‑se no acórdão de 5 de outubro de 2011, Transcatab/Comissão (T‑39/06, EU:T:2011:562). Nesse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que não houve violação do princípio ne bis in idem porque não houve identidade dos factos nem unidade do infrator (v. n.os 255 a 259 desse acórdão). O Tribunal Geral não se pronunciou sobre a questão de saber se o princípio ne bis in idem se aplica numa situação em que várias coimas foram aplicadas numa única e mesma decisão.

329    Finalmente, a recorrente baseia‑se no acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2012:72). Alega que, nesse acórdão, o princípio ne bis in idem foi aplicado a uma decisão da Comissão de 24 de janeiro de 2007 que ainda não era definitiva, pelo menos no que respeitava à Toshiba e a outros principais destinatários, mesmo na data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, em 14 de fevereiro de 2012.

330    Há que salientar no entanto que, no acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2012:72, n.os 98 a 103), o Tribunal de Justiça rejeitou a aplicabilidade do princípio ne bis in idem por outro motivo: a falta de identidade dos factos.

331    A recorrente afirma além disso que, no acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, EU:C:2012:72), o Tribunal de Justiça aplicou o princípio ne bis in idem desde «a adoção da decisão [da Comissão]». Há que concluir que é certo que, no n.o 103 desse acórdão, o Tribunal de Justiça menciona uma «decisão da Comissão tomada antes da adoção da decisão da referida autoridade nacional da concorrência» e não uma decisão «que se tornou definitiva» antes dessa data. Não deixa de ser verdade que, no n.o 94 desse acórdão, o Tribunal de Justiça salienta claramente que o princípio ne bis in idem proíbe «que uma empresa seja condenada ou objeto de um processo, uma segunda vez, devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada isenta de responsabilidade por uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso». Resulta portanto claramente desse acórdão que o princípio ne bis in idem não se aplica na falta de uma decisão definitiva anterior.

332    Há que concluir que a recorrente não identifica nenhum acórdão dos órgãos jurisdicionais da União no qual uma violação do princípio ne bis in idem tenha sido verificada numa situação na qual tenham sido impostas várias sanções numa única e mesma decisão, ou na qual uma segunda sanção tenha sido imposta antes de a decisão que impõe a primeira sanção se ter tornado definitiva.

333    No que respeita à jurisprudência do TEDH, resulta claramente desta que o princípio ne bis in idem não se aplica numa situação na qual são impostas várias sanções numa única e mesma decisão.

334    Assim, resulta do acórdão do TEDH de 7 de dezembro de 2006, Hauser‑Sporn c. Áustria (CE:ECHR:2006:1207JUD003730103), que o simples facto de um ato ser constitutivo de mais que uma infração não é contrário ao artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da CEDH. Segundo esse mesmo acórdão, só na hipótese de várias infrações baseadas nos mesmos factos serem objeto de ação judicial consecutivamente, uma após a decisão final relativa à outra, é que deve analisar‑se, segundo o TEDH, se as infrações têm os mesmos elementos essenciais.

335    Aliás, no seu acórdão de 17 de fevereiro de 2015, Boman c. Finlândia (CE:ECHR:2015:0217JUD004160411), o TEDH salientou que:

«O artigo 4.o do [Protocolo] n.o 7 [da CEDH] visa proibir que as ações penais que deram origem a uma decisão “definitiva” sejam novamente intentadas.

[…]

As decisões suscetíveis de constituírem objeto de recurso ordinário são excluídas do âmbito de aplicação da garantia prevista no artigo 4.o do [Protocolo] n.o 7 [da CEDH] enquanto o prazo de interposição de tal recurso não expirar.»

336    A recorrente concedeu, em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral, que, em caso de sanções sucessivas, o TEDH aplicava o princípio ne bis in idem se a decisão que impunha a primeira sanção se tiver tornado definitiva.

337    A recorrente afirma no entanto que a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União oferece uma proteção mais alargada contra a dupla pena, aplicando esse princípio desde a adoção de uma decisão, ainda que esta não se tenha tornada definitiva.

338    Esse argumento não pode ser acolhido. Com efeito, resulta claramente da jurisprudência citada no n.o 307 supra que o princípio ne bis in idem «proíbe, em matéria de concorrência, que uma empresa seja condenada ou objeto de um processo, uma segunda vez, devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada isenta de responsabilidade por uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso». Como resulta dos n.os 322 a 332 supra, esse princípio não é posto em causa pela jurisprudência em que a recorrente se baseia.

339    Por fim, há que observar que, na petição, a recorrente mencionou igualmente o princípio da imputação (Anrechnungsprinzip). Em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral, a recorrente precisou que o terceiro fundamento era relativo a uma violação do princípio ne bis in idem e que o princípio da imputação constituía um princípio distinto, mas ligado ao princípio ne bis in idem, e que o princípio da imputação tinha sido aplicado em casos nos quais o princípio ne bis in idem não se enquadrava inteiramente. A recorrente precisou além disso que, em sua opinião, o princípio da imputação não precisava de entrar em jogo no caso vertente, porque o princípio ne bis in idem seria aplicável. A recorrente sustenta que, em qualquer caso, ainda que o Tribunal Geral julgue que existem motivos para aplicar o princípio da imputação no caso vertente, o resultado deve ser sem dúvida o mesmo, ou seja, que o montante da primeira coima devia ser deduzido do da segunda.

340    Há que salientar que o princípio da imputação foi discutido, em matéria de direito da concorrência, em situações que dizem respeito a coimas aplicadas num Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

341    No acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4), que foi proferido numa época em que o Regulamento n.o 1/2003 não estava em vigor (v., no caso da situação após a criação da Rede Europeia da Concorrência, acórdão de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, EU:T:2011:364, n.o 187), o Tribunal de Justiça declarou o seguinte. As autoridades da concorrência dos Estados‑Membros podem, em princípio, intervir contra um acordo, em aplicação da sua legislação interna, mesmo quando esteja pendente na Comissão um processo paralelo relativo a esse acordo. O Tribunal de Justiça salientou igualmente, no n.o 11 desse acórdão, a possibilidade de um concurso de sanções na sequência de dois processos paralelos, determinando que uma exigência geral de equidade implica que seja tida em conta qualquer «decisão repressiva anterior» para a determinação de uma eventual sanção (v., igualmente, neste sentido, acórdão de 6 de abril de 1995, Sotralentz/Comissão, T‑149/89, EU:T:1995:69, n.o 29). O Tribunal de Justiça assinalou, além disso, no n.o 3 do acórdão de 14 de dezembro de 1972, Boehringer Mannheim/Comissão (7/72, EU:C:1972:125), que, ao fixar o montante de uma coima, a Comissão era obrigada a ter em conta sanções que «já» tenham sido aplicadas à mesma empresa pela prática do mesmo facto, quando se tratava de sanções aplicadas por infração à regulamentação em matéria dos acordos de um Estado‑Membro.

342    Trata‑se portanto de um princípio que se aplica quando existe uma «decisão repressiva anterior» ou, por outras palavras, no caso de sanções por infrações à regulamentação sobre os acordos de um Estado‑Membro que «já» foram aplicadas à mesma empresa pelo mesmo facto, e não no caso de uma imposição de duas coimas pela mesma autoridade numa única e mesma decisão. Aliás, é perfeitamente adequado tratar esses tipos de situações de maneira diferente. Com efeito, quando a Comissão e a autoridade de um Estado‑Membro impõem sanções pelo mesmo acordo, existe um risco de que cada coima, considerada isoladamente, seja proporcionada, mas que as duas coimas, consideradas em conjunto, sejam desproporcionadas, se a existência da primeira coima não for tida em conta na fixação da segunda coima. No entanto, quando são fixadas várias coimas numa única e mesma decisão, a Comissão pode assegurar‑se de que essas coimas, consideradas em conjunto, sejam proporcionadas, e o Tribunal Geral pode igualmente analisar essa questão.

343    Finalmente, a recorrente alega, em resposta às perguntas escritas colocadas pelo Tribunal Geral, que, à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, a aplicação de uma pena dupla pelo mesmo comportamento era tão injusta em processos paralelos como em processos subsequentes. Esse argumento não pode ser acolhido. Com efeito, quando a mesma autoridade aplica duas sanções numa única e mesma decisão, pode certificar‑se de que as sanções, consideradas no seu conjunto, sejam proporcionadas, e o juiz pode igualmente verificar a proporcionalidade das sanções, consideradas em conjunto (v. n.o 342 supra). A aplicação de duas sanções pelo mesmo comportamento, pela mesma autoridade numa única e mesma decisão, não pode portanto ser considerada, enquanto tal, como sendo contrária aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

344    À luz da exposição precedente, o princípio ne bis in idem e o princípio da imputação não se aplicam a uma situação na qual são aplicadas várias sanções numa única e mesma decisão, ainda que essas sanções sejam aplicadas pelos mesmos factos. Na realidade, quando o mesmo comportamento viola várias disposições passíveis de coimas, a questão de saber se devem ser aplicadas várias coimas numa única e mesma decisão não é abrangida pelo princípio ne bis in idem, mas sim pelos princípios que regem o concurso de infrações (v., no caso dos problemas ligados ao concurso de infrações, n.os 345 a 373 infra).

3.      Quanto aos argumentos da recorrente relativos ao concurso de infrações

345    A recorrente alega que, segundo o direito internacional e o direito alemão, o princípio de «conflito aparente» ou «falso conflito» (unechte Konkurrenz) significa que, quando um ato parece enquadrar‑se em duas disposições legais, a disposição principalmente aplicável exclui todas as outras disposições com base nos princípios da subsidiariedade, da consumação ou da especialidade, e que muitos outros Estados‑Membros aplicam o princípio do conflito aparente sob uma forma ou outra. Segundo a recorrente, um certo número de outros Estados‑Membros não recorrem explicitamente ao conceito de conflito aparente ou de falso conflito, mas proíbem igualmente a aplicação de uma dupla sanção por uma infração mais grave e uma infração menos grave incluída na primeira.

346    Quanto às disposições em causa no caso vertente, a recorrente alega, em especial, que a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é a infração mais específica, ao passo que a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento é a infração mais geral, de modo que a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 engloba a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento, ou pelo menos impede a Comissão de aplicar a esta uma coima distinta.

347    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

348    Há que assinalar que, no direito da concorrência da União, não existem regras específicas relativas ao concurso de infrações. Portanto, há que analisar os argumentos da recorrente relativos aos princípios do direito internacional e dos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros.

349    Há que recordar que, segundo a argumentação da recorrente (v. n.o 345 supra), a «disposição principalmente aplicável» exclui todas as outras disposições.

350    A este respeito, a Comissão sublinha com razão que o legislador não definiu uma infração como sendo mais grave que a outra, estando ambas sujeitas ao mesmo limite máximo em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004. Por conseguinte, não há que considerar uma dessas disposições como sendo «principalmente aplicável».

351    Quanto ao argumento da recorrente, segundo o qual a infração ao artigo 4.o, n.o 1, é a infração mais específica que engloba a violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, há que salientar além disso o seguinte.

352    Há que recordar que uma infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é uma infração instantânea, ao passo que uma infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é uma infração contínua que tem o seu ponto de partida no preciso momento em que é cometida a infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 304 supra).

353    Aliás, há que sublinhar que, segundo o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2988/74 do Conselho, de 26 de novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO 1974, L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), o prazo de prescrição é de três anos no que diz respeito às infrações às disposições relativas às notificações das empresas. Daí resulta que o prazo de prescrição é de três anos para as infrações ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Em contrapartida, para as infrações ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2988/74, o prazo de prescrição é de cinco anos (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 209).

354    Seguir o raciocínio da recorrente teria como consequência que uma empresa que viola quer a obrigação de notificar quer a proibição de realizar uma concentração antes da sua autorização seria beneficiada em relação a uma empresa que viola unicamente a proibição de realizar uma concentração antes da sua autorização.

355    Com efeito, uma empresa que notifica uma concentração antes da sua realização, mas que a realiza antes de ter obtido a respetiva autorização, é passível de coimas por força do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento. Pode portanto ser punida por uma infração contínua, que dura enquanto a operação não é declarada pela Comissão como sendo compatível com o mercado interno, e à qual é aplicável um prazo de prescrição de cinco anos.

356    Se essa mesma empresa nem sequer tiver notificado a concentração antes da sua realização, a Comissão podia, segundo o raciocínio seguido pela recorrente, aplicar uma coima unicamente por força do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004, conjugado com o artigo 4.o, n.o 1, desse mesmo regulamento. A empresa podia portanto ser punida unicamente por uma infração instantânea, à qual se aplica um prazo de prescrição de apenas três anos. Isso significaria que uma empresa teria vantagem ao violar, além da proibição de realizar uma concentração antes da sua autorização, a obrigação de a notificar.

357    No entanto, essa interpretação do Regulamento n.o 139/2004 conduz a um resultado aberrante, pelo que está excluída.

358    O argumento da recorrente, segundo o qual a infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é a infração mais específica que engloba a violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, não pode portanto ser acolhido.

359    Esse resultado não é posto em causa pelos argumentos da recorrente, suscitados na audiência, e que visam pôr em causa o facto de as infrações ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 serem sujeitas a um prazo de prescrição de apenas três anos. Com efeito, segundo a redação muito clara do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2988/74, o prazo de prescrição é de três anos no que respeita às infrações às disposições relativas às notificações das empresas.

360    A circunstância sublinhada pela recorrente de o legislador ter aumentado o limite máximo das coimas previsto para a violação da obrigação de notificação, ao prever, no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, um limite máximo de 10% do volume de negócios total realizado pelas empresas em questão, contra o limite máximo de 50 000 ecus que estava previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 4064/89 (v. n.o 300 supra), não é suscetível de alterar o prazo de prescrição, que continua a ser regulado pelo artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2988/74.

361    Em qualquer caso, mesmo partindo do princípio de que o prazo de prescrição para a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e o prazo de prescrição para a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento sejam idênticos, isso não põe em causa a circunstância, por enquanto incontestada pela recorrente, de que uma infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é uma infração instantânea, ao passo que uma infração ao artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento é uma infração contínua. Mesmo nessa hipótese, o facto de se considerar a infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 como a infração mais específica que engloba a violação do artigo 7.o, n.o 1, desse mesmo regulamento teria portanto como consequência que uma empresa tem vantagem em violar, além da proibição de realizar uma concentração antes da sua autorização, a obrigação de a notificar. Com efeito, se fosse seguido o raciocínio da recorrente, uma empresa que viola unicamente a proibição de realizar uma concentração antes de ter obtido a autorização podia ser punida por uma infração contínua, que dura enquanto a operação não é declarada compatível com o mercado interno, ao passo que uma empresa que viola igualmente a obrigação de notificar a concentração antes da sua realização só pode ser punida por uma infração instantânea. Esta última empresa teria portanto uma vantagem em relação à primeira, por um lado, no que respeita à duração da infração e, por outro, no que respeita à data de início do prazo de prescrição. O argumento da recorrente não pode portanto ser acolhido.

362    Por conseguinte, há que concluir que foi com razão que a Comissão sancionou a recorrente pela violação das duas disposições.

363    Esse resultado não é posto em causa pelos outros argumentos suscitados pela recorrente.

364    A recorrente afirma que «a jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais internacionais proíbe a dupla sanção de uma pessoa por ter violado uma disposição que não pode ser violada sem violar uma outra disposição». A recorrente cita, a este respeito, acórdãos do Tribunal Penal Internacional para a ex‑Jugoslávia (a seguir «TPIJ») e do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda.

365    A recorrente baseia‑se designadamente no acórdão do TPIJ, Le Procureur c/ Vidoje Blagojević & Dragan Jokić, processo n.o IT‑02‑60‑T, 17 de janeiro de 2005, par. 799, que enuncia o seguinte:

«[Apenas] podem ser proferidas diversas declarações de culpabilidade com base em diferentes disposições do Estatuto, pelo mesmo comportamento, quando cada uma dessas disposições comporte um elemento claramente distinto que falta à outra. […] A infração mais específica engloba a menos específica, porque cometer a primeira implica forçosamente que a segunda também foi cometida.»

366    Resulta do acórdão do TPIJ,Le Procureur c/ Dragoljub Kunarac, Radomir Kovač e Zoran Vuković, processo n.o IT‑96‑23 & IT‑96‑23/1‑A, 12 de junho de 2002, par. 168, que esta abordagem é largamente inspirada no acórdão da Supreme Court of the United States (Supremo Tribunal dos Estados Unidos) no processo Blockburger v. United States, 284 U.S. 299 (1932).

367    Além disso, importa salientar que, no acórdão Alfred Musema c/ Le Procureur, processo n.o ICTR‑96‑13‑A, de 16 de novembro de 2001, par. 360, o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda reconheceu que as abordagens nacionais relativamente à questão das múltiplas condenações pelos mesmos factos divergiam.

368    Assinale‑se que o simples facto de o TPIJ aplicar, para os efeitos dos seus acórdãos que aplicam sanções penais, um certo critério de análise, que tem a sua origem no direito dos Estados Unidos, não implica de forma nenhuma que a Comissão ou os órgãos jurisdicionais da União sejam obrigados a aplicar esse mesmo critério. Há que sublinhar que o TPIJ não examina a conformidade das decisões adotadas ou dos acórdãos proferidos a nível nacional com os direitos fundamentais. Limita‑se a enunciar, para os fins das sanções penais que impõe, os princípios que aplica no caso de um mesmo ato violar várias disposições penais. O TPIJ determinou portanto simplesmente, para efeitos dos seus próprios acórdãos, a abordagem que considerava mais apropriada. Isso não implica de modo algum que o TPIJ tenha enunciado um princípio geral de direito internacional que todos os Estados ou a União deveriam seguir. O mesmo se diga quanto à jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda.

369    Os argumentos da recorrente deduzidos da jurisprudência do TPIJ e do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda devem portanto ser julgados improcedentes.

370    A recorrente afirma além disso que o próprio objetivo do princípio ne bis in idem é «impedir o cúmulo de sanções por um comportamento que, como no caso vertente, viola simultaneamente disposições jurídicas distintas».

371    A este respeito, há que recordar que não se trata de uma questão que se enquadra no princípio ne bis in idem. Além disso, as regras relativas ao concurso de infrações não proíbem de uma maneira geral que uma empresa seja punida por uma violação de várias disposições jurídicas distintas, mesmo que essas disposições tenham sido violadas pelo mesmo comportamento.

372    A recorrente limita‑se a fazer referência ao princípio de «conflito aparente» ou «falso conflito» que significa que, quando um ato parece ser abrangido por duas disposições legais, a disposição principalmente aplicável exclui todas as outras disposições (v. n.o 345 supra). A aplicação desse princípio pressupõe todavia que exista uma «disposição principalmente aplicável». Se tal disposição não existir, como no caso vertente, a violação simultânea de disposições jurídicas distintas constitui um concurso ideal de infrações.

373    Dado que, no caso vertente, não existe uma disposição principalmente aplicável, a argumentação da recorrente deve ser considerada improcedente.

374    Resulta do exposto que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

D.      Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de direito e de facto cometido na aplicação de coimas à recorrente

375    O quarto fundamento articula‑se em torno de duas partes, relativas, a primeira, a uma violação dos princípios da segurança jurídica e nullum crimen, nulla poena sine lege e, a segunda, a uma violação do princípio geral da igualdade de tratamento.

1.      Quanto à primeira parte, relativa a violação dos princípios da segurança jurídica e do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege

376    A recorrente alega que a aplicação de uma coima no caso vertente viola o artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 7.o, n.o 1, da CEDH, que preveem que a lei deve definir claramente as infrações e as penas que as punem. Em seu entender, a interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, tal como é efetuada na decisão impugnada, implica a utilização de conceitos tão amplos e de critérios tão vagos que a disposição penal em causa não tem a qualidade exigida a título da CEDH em termos de clareza e de previsibilidade dos seus efeitos.

377    Há que recordar, antes de mais, que, segundo a jurisprudência, o princípio da legalidade dos delitos e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege) exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as punem. Este requisito está preenchido quando a pessoa interessada pode saber, a partir da redação da disposição pertinente e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões pelos quais responde penalmente (v. acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 40 e jurisprudência referida).

378    Do mesmo modo, resulta da jurisprudência que o princípio da legalidade se impõe tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que aplicam ou permitem aplicar sanções administrativas e que o mesmo se aplica não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infração, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infração às primeiras (v. acórdão de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, EU:T:2006:270, n.o 72 e jurisprudência referida).

379    No caso vertente, há que recordar que foi aplicada uma coima à recorrente, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004, por ter violado o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 199 supra). A redação destas disposições é clara. Nenhuma destas disposições contém conceitos amplos ou critérios vagos.

380    A recorrente invoca, em substância, a falta de clareza do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, que prevê uma exceção.

381    A este respeito, há que salientar que, mesmo admitindo que a exigência de clareza decorrente do princípio da legalidade das penas se aplica a disposições que preveem uma exceção a uma proibição cuja infração é passível de coimas, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não é, segundo a sua redação, aplicável a situações como a que está em causa no caso vertente (v. n.os 68 a 83 supra).

382    A recorrente podia portanto saber, a partir da redação das disposições pertinentes, que a realização da aquisição de dezembro de 2012 sem notificação e autorização prévias era passível de coimas.

383    Dado que a recorrente podia saber isso a partir da redação das disposições pertinentes, não era necessário que estas tivessem sido objeto de interpretação pelos tribunais. Com efeito, segundo a formulação citada no n.o 377 supra, é necessário que a pessoa interessada possa saber, a partir da redação da disposição pertinente e, «se necessário», recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões pelos quais responde penalmente.

384    É certo que o obiter dictum da decisão Yara/Kemira GrowHow não corresponde a uma interpretação pelos tribunais, e ainda menos a «jurisprudência constante e publicada». A este respeito, há que salientar que, além do texto da própria lei, há que ter em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram esclarecidos por uma jurisprudência constante e publicada (v. acórdão de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, EU:T:2010:165, n.o 129 e jurisprudência referida).

385    No entanto, os argumentos da recorrente a este respeito são inoperantes, porque não é necessário um esclarecimento pela jurisprudência quando a redação das disposições em causa é clara e não contém conceitos indeterminados que careçam de esclarecimentos.

386    Há que recordar nesse quadro que a recorrente tenta, em substância, alargar o âmbito de aplicação do conceito de «concentração única» e alargar assim o âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 203 supra).

387    O princípio da legalidade dos delitos e das penas não implica que seja necessário interpretar em sentido amplo o âmbito de aplicação de um conceito que não se encontra na redação de uma disposição que prevê uma exceção a uma proibição cuja infração é passível de coimas, a fim de alargar o âmbito de aplicação dessa exceção para além da sua redação.

388    A existência de uma infração e a aplicação das coimas eram previsíveis para a recorrente. Há que recordar que, no quadro da análise do segundo fundamento, a negligência do comportamento da recorrente já foi declarada.

389    Aliás, o simples facto de, no momento em que é cometida a infração, os órgãos jurisdicionais da União ainda não terem tido ocasião de se pronunciar especificamente sobre um determinado comportamento não exclui, enquanto tal, que uma empresa deve, se for caso disso, esperar que o seu comportamento possa ser declarado incompatível com as regras de concorrência do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 43).

390    Resulta igualmente da jurisprudência do TEDH que o caráter inédito, à luz designadamente da jurisprudência, da questão jurídica colocada não constitui em si uma violação das exigências de acessibilidade e de previsibilidade da lei, uma vez que a solução encontrada fazia parte das interpretações possíveis e razoavelmente previsíveis (TEDH, 1 de setembro de 2016, X e Y c. França, CE:ECHR:2016:0901JUD004815811). Resulta além disso do n.o 60 desse mesmo acórdão que, mesmo no caso de a articulação das disposições em causa num determinado caso poder constituir uma séria dificuldade de interpretação, isso não implica que a autoridade competente seja incapaz de qualificar juridicamente as faltas cometidas num determinado caso.

391    O argumento da recorrente, segundo o qual a abordagem da Comissão no presente processo estava em contradição com a abordagem que a Comissão seguiu no processo em que foi adotada a decisão LGI/Telenet, já foi julgado improcedente nos n.os 141 a 144 supra.

392    No que respeita à afirmação da recorrente segundo a qual, na falta de precedentes pertinentes, a prática dos órgãos jurisdicionais da União e da Comissão, de longa data, foi a de se abster de aplicar qualquer coima, ou de apenas aplicar uma coima simbólica, há que salientar que não existe uma prática constante nesse sentido. É certo que existem processos em que a Comissão não aplicou nenhuma coima ou aplicou uma coima simbólica na falta de precedentes. No entanto, noutros processos, a Comissão aplicou coimas elevadas mesmo em situações nas quais não havia precedentes relativos a um comportamento com as mesmas características.

393    Resulta da jurisprudência que o facto de um comportamento que apresenta as mesmas características ainda não ter sido apreciado em decisões anteriores não isenta a empresa de responsabilidade (acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 107, e de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 901). Nos processos em que foram proferidos esses acórdãos, a Comissão aplicou coimas que não eram de montante simbólico.

394    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do quarto fundamento.

2.      Quanto à segunda parte, relativa a violação do princípio geral da igualdade de tratamento

395    No quadro da segunda parte do quarto fundamento, a recorrente invoca, em substância, três casos anteriores e reclama o mesmo tratamento. Trata‑se em primeiro lugar do processo em que foi adotada a decisão Yara/Kemira GrowHow, em segundo lugar, do acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), e, em terceiro lugar, do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245).

396    Como sublinha a recorrente, o presente processo e o processoem que foi adotada a decisão Yara/Kemira GrowHow dizem ambos respeito à aquisição de uma participação inicial «de partida» junto do principal acionista da empresa‑alvo, que deu origem a uma obrigação de lançar uma oferta pública. A oferta pública foi lançada pouco tempo depois da realização da aquisição inicial, e os adquirentes informaram a Comissão sobre a concentração pouco tempo depois desta e abstiveram‑se de exercer os direitos de voto.

397    No processo em que foi adotada a decisão Yara/Kemira GrowHow, a Comissão não abriu nenhuma investigação nem aplicou coimas. Segundo a recorrente, nenhuma diferença objetiva justifica o tratamento diferente da Yara e da recorrente. A recorrente convida o Tribunal Geral a adotar a abordagem seguida no acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 487), no qual concluiu que não se justificava aplicar uma coima porque a Comissão não tinha aplicado nenhuma coima numa decisão anterior relativa a um comportamento semelhante.

398    A este respeito, há que salientar que a circunstância de a Comissão não ter aplicado uma coima ao autor de uma violação das regras de concorrência não pode, por si só, impedir que seja aplicada uma coima ao autor de uma infração de mesma natureza (acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 487). Além disso, quando uma empresa, pelo seu próprio comportamento, cometeu uma violação das regras de concorrência, não pode escapar a uma sanção com o fundamento de que não foi aplicada nenhuma coima a outros operadores económicos, quando, como no caso vertente, a situação desses últimos não foi submetida à apreciação do juiz da União (v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2014, Sasol e o./Comissão, T‑541/08, EU:T:2014:628, n.o 194).

399    Além disso, há que salientar que, no acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), o Tribunal Geral não se limitou a concluir que a Comissão não tinha aplicado uma coima numa decisão anterior relativa a um comportamento semelhante a fim de justificar a anulação da coima. O Tribunal Geral concluiu designadamente que «o tratamento jurídico que devia ser reservado a este tipo de acordos, nomeadamente devido aos seus laços estreitos com o transporte marítimo, que é objeto de uma regulamentação bastante específica e excecional em direito da concorrência, não era óbvio e suscitava questões complexas quer de natureza económica quer jurídica» (acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 484), que «vários elementos podem ter levado as recorrentes a acreditar na legalidade do acordo em causa» (acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 485) e que, «na sua Decisão 94/980, a Comissão não aplicou coimas às companhias que eram parte nesse acordo, apesar de o acordo em causa não só prever igualmente a fixação dos preços do segmento terrestre do transporte multimodal, mas comportar também outras infrações graves às regras da concorrência» (acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 487). No que respeita à Decisão 94/980/CE da Comissão, de 19 de outubro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CE (IV/34.446 — Trans Atlantic Agreement) (JO 1994, L 376, p. 1), o Tribunal Geral concluiu que se tratava de uma decisão «proferida pouco tempo antes da decisão impugnada » (acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 487).

400    Deve assinalar‑se que a Decisão 94/980 data de 19 de outubro de 1994 e que, no processo em que foi proferido o acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), a comunicação de acusações foi notificada por carta de 21 de dezembro de 1992 e a decisão impugnada datava de 21 de dezembro de 1994, como resulta dos n.os 20 e 22 desse acórdão.

401    Daí resulta que os operadores em causa no processo em que foi proferido o acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), não tinham tido possibilidade de ter em consideração os esclarecimentos prestados pela Comissão na sua Decisão 94/980 a fim de evitar uma infração às regras de concorrência. Com efeito, quando puderam ter conhecimento da decisão da Comissão datada de 19 de outubro de 1994, não estavam em posição de alterar de modo retroativo o seu comportamento que deu origem à comunicação de acusações notificada por carta de 21 de dezembro de 1992.

402    No entanto, no caso vertente, a decisão Yara/Kemira GrowHow datava de há mais de cinco anos no momento em que a recorrente cometeu as infrações ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, como a Comissão sublinha com razão. A recorrente podia portanto ter tido em consideração a interpretação efetuada pela Comissão nessa decisão relativa ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, embora como obiter dictum, e, sendo caso disso, contactar a Comissão a respeito da interpretação que devia ser dada a essa disposição.

403    A recorrente afirma a este respeito que a Comissão ignora um elemento essencial do processo em que foi proferido o acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), que torna a diferença temporal sem pertinência ou, pelo menos, insignificante. Este último processo implicou uma decisão de infração a título do artigo 101.o TFUE, por comparação com um simples obiter dictum na decisão Yara/Kemira GrowHow, designadamente uma decisão de autorização de concentração.

404    Esse argumento da recorrente não pode ser acolhido. Com efeito, o simples facto de a Decisão 94/980 declarar a existência de uma infração não podia constituir um auxílio para os operadores a fim de evitar infrações que já tinham cometido à data dessa decisão. No entanto, no caso vertente, a existência do obiter dictum na decisão Yara/Kemira GrowHow era suscetível de fornecer indicações sobre a maneira devida de interpretar o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 e portanto ajudar a recorrente a evitar cometer as infrações em causa.

405    Além disso, há que observar que a recorrente se baseia, por um lado, numa pretensa prática dos órgãos jurisdicionais da União e da Comissão que consiste em abster‑se de impor qualquer coima ou impor apenas uma coima simbólica na falta de antecedentes pertinentes (v. n.o 392 supra) e, por outro, no princípio da igualdade de tratamento relativamente a outra empresa à qual não foi aplicada nenhuma coima.

406    Se seguíssemos a lógica deste raciocínio, a Comissão nunca poderia aplicar coimas que excedessem um montante simbólico. Com efeito, na primeira decisão relativa a um determinado comportamento, a Comissão seria obrigada a não aplicar coimas para além de um montante simbólico, na falta de precedentes pertinentes. Quanto aos processos posteriores, seria obrigada a não aplicar coimas para além de um montante simbólico, em aplicação do princípio da igualdade de tratamento.

407    Há que considerar que o princípio da igualdade de tratamento, em relação a uma empresa à qual não foi aplicada nenhuma coima numa decisão anterior pelo mesmo tipo de comportamento, pode, em princípio, ser utilmente invocado apenas pelos operadores que não tiveram possibilidade de ter em consideração os esclarecimentos prestados na decisão anterior, para evitar infringir as regras de concorrência, porque essa decisão surgiu num momento em que a infração já tinha sido cometida.

408    Aliás, no caso vertente, não existiam vários elementos que pudessem levar a recorrente a acreditar na legalidade do seu comportamento, contrariamente ao que o Tribunal Geral concluiu no acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50, n.o 485).

409    Resulta do exposto que, no caso vertente, não há que seguir a mesma abordagem que foi seguida no acórdão de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão (T‑86/95, EU:T:2002:50), e que a recorrente não pode invocar utilmente esse acórdão a fim de reforçar o seu argumento relativo a uma pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento.

410    No que respeita ao acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), há que salientar que, nesse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que não se justificava a aplicação de coimas (n.o 1633 do acórdão). A recorrente pede que o Tribunal Geral conclua no mesmo sentido no presente processo.

411    No acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), o Tribunal Geral teve em consideração os seguintes elementos para justificar a não aplicação de coimas:

–        em primeiro lugar, as recorrentes no processo em que foi proferido esse acórdão tinham revelado, por iniciativa própria, as práticas que tinham sido consideradas como constituindo práticas abusivas pela Comissão (n.os 1603 a 1610 do acórdão);

–        em segundo lugar, a decisão em causa no processo em que foi proferido esse acórdão constituía a primeira decisão na qual a Comissão tinha apreciado diretamente a legalidade das práticas adotadas pelas conferências marítimas em matéria de contratos de serviços face às das regras de concorrência (n.os 1611 a 1614 do acórdão);

–        em terceiro lugar, o tratamento jurídico que havia que reservar às práticas em causa não apresentava um caráter evidente e suscitava questões complexas no plano jurídico (n.os 1615 e 1616 do acórdão);

–        em quarto lugar, o abuso resultante das práticas em matéria de contratos de serviços não constituía uma forma clássica de prática abusiva (n.os 1617 a 1621 do acórdão);

–        em quinto lugar, as recorrentes no processo em que foi proferido esse acórdão tinham todas as razões para acreditar que, ao longo do procedimento administrativo, a Comissão não lhes aplicaria coimas pelas suas práticas em matéria de contratos de serviços (n.os 1622 a 1632 do acórdão).

412    Há que analisar os argumentos suscitados pela recorrente em apoio da sua afirmação de que a situação de base do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), é comparável à que está na base do presente processo.

413    A recorrente afirma, em primeiro lugar, que, como as recorrentes no processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), chamou a atenção para a pretensa infração por sua própria iniciativa, informando imediatamente a Comissão sobre a operação de concentração.

414    A este respeito, há que salientar que as circunstâncias do presente processo não são de modo nenhum comparáveis às que estão na base do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245).

415    No processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), a notificação do acordo em causa tinha sido efetuada numa base voluntária. O Tribunal Geral concluiu, a este respeito, que nenhum dos regulamentos em causa previa um sistema de notificação obrigatória para a concessão de uma isenção individual, pelo que a notificação do acordo TACA, que era o acordo em causa nesse processo, tinha sido efetuada pelas recorrentes numa base voluntária (acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 1606).

416    No caso vertente, a recorrente era obrigada a notificar a concentração em causa, que constituía uma concentração de dimensão comunitária, e aliás entendeu ser obrigada a notificá‑la por força do artigo 7.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004, conjugado com o artigo 4.o desse mesmo regulamento.

417    Além disso, no caso vertente, a notificação ocorreu após a realização da concentração, ao passo que, no processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), as empresas em causa tinham notificado o acordo em causa antes da sua entrada em vigor. Como resulta dos n.os 34 e 37 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), o acordo em causa no processo em que foi proferido esse acórdão tinha sido notificado em 5 de julho de 1994 e entrou em vigor em 24 de outubro de 1994.

418    A recorrente afirma, em segundo lugar, que a decisão no caso vertente constitui a primeira decisão na qual a Comissão apreciou o alcance do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 da maneira como o fez. Como no processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), a decisão impugnada é portanto a primeira decisão na qual a Comissão apreciou diretamente a legalidade das práticas em questão.

419    A este respeito, há que salientar que, na decisão Yara/Kemira GrowHow, a Comissão já se tinha pronunciado, se bem que num obiter dictum, sobre a maneira como deve ser interpretado artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A situação que se apresenta no presente processo não é portanto comparável à que está na base do processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245).

420    A recorrente baseia‑se além disso no n.o 1614 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245). Nesse número, o Tribunal Geral declarou:

«[Embora] seja certo que, como a Comissão expõe […], na comunicação de acusações no processo TAA indicou às partes no TAA que projetava aplicar coimas por abuso de posição dominante em matéria de contratos de serviço, há que observar que, na decisão final, a Comissão não considerou provada qualquer infração ao artigo 86.o do Tratado quanto a esse ponto. Nestas circunstâncias, tendo em conta o caráter provisório da comunicação de acusações, as recorrentes tiveram razões para acreditar que a Comissão tinha retirado as acusações relativamente à aplicação do artigo 86.o do Tratado às práticas em matéria de contratos de serviço.»

421    A recorrente considera que, por analogia, na falta de atuação da Comissão relativamente à Yara, tinha razões para acreditar que a Comissão tinha retirado as suas acusações relativas à aplicação da isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

422    No entanto, essas situações não são comparáveis. Uma comunicação de acusações constitui unicamente um documento preparatório que, aliás, não é publicado. No processo TAA, mencionado no n.o 1614 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), a Comissão tinha aliás adotado uma decisão, mas não tinha declarado a existência de uma infração relativa a abuso de posição dominante em matéria de contratos de serviços nessa decisão. Foi nessas circunstâncias que o Tribunal Geral declarou que as recorrentes nesse processo tinham razões para acreditar que a Comissão tinha retirado uma parte das suas acusações.

423    Em contrapartida, o obiter dictum na decisão Yara/Kemira GrowHow era suscetível de dar às empresas uma indicação sobre a forma como a Comissão interpretava o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. O facto de a Comissão não ter dado início a procedimentos contra a Yara não permite aos operadores considerar que a Comissão voltou atrás nessa interpretação. Com efeito, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se convém ou não julgar uma infração às regras de concorrência e pode definir as suas próprias prioridades. Não se pode de modo nenhum concluir que a Comissão considera que um comportamento é legal pelo facto de decidir não proceder a uma investigação a este respeito.

424    Em seguida, a recorrente baseia‑se no n.o 1615 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245). Nesse número, o Tribunal Geral salientou que «não se pode contestar seriamente que o tratamento jurídico a dar às práticas das conferências marítimas relativamente aos contratos de serviço não apresentava, particularmente devido às ligações estreitas com os acordos objeto da isenção por categoria prevista numa regulamentação muito específica e excecional do direito da concorrência, um caráter evidente e que suscitava, nomeadamente, questões complexas no plano jurídico». A recorrente considera que a interpretação feita na decisão impugnada sobre a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 estava, do mesmo modo, longe de apresentar um caráter evidente.

425    Há que salientar que, no entanto, no n.o 1615 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), o Tribunal Geral se baseou nomeadamente nas ligações estreitas entre as práticas em causa e «os acordos objeto da isenção por categoria prevista numa regulamentação muito específica e excecional do direito da concorrência». Tratava‑se, portanto, de circunstâncias muito específicas, diferentes do caso vertente.

426    Acresce que a recorrente sublinha que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 1617 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), que «o abuso resultante das práticas em matéria de contratos de serviço não [constituía] uma forma clássica de prática abusiva na aceção do artigo 86.o do Tratado». Segundo a recorrente, o presente processo constitui, quando muito, um processo de interpretação errada de uma isenção, e não uma clara violação clássica da obrigação de statu quo.

427    A este respeito, basta recordar que a obrigação de notificar a concentração em causa e de esperar a sua autorização antes da sua realização decorre claramente da redação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. O facto de a recorrente ter podido interpretar de maneira errada a exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não pode eximi‑la da sua responsabilidade.

428    Finalmente, a recorrente sublinha que o Tribunal Geral salientou, nos n.os 1626 e 1627 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), que, «não obstante uma contínua troca de correspondência com as partes no TACA ao longo do procedimento administrativo dos presentes autos, a Comissão não as informou, até ao envio da comunicação de acusações, de que tencionava qualificar essas práticas não só como restrições da concorrência na aceção do artigo 85.o do Tratado, mas também como abuso de posição dominante na aceção do artigo 86.o do Tratado», e que «[havia] que lembrar que a globalidade das coimas [tinha sido] aplicada pela decisão recorrida relativamente ao período que medeia entre a notificação do TACA e o envio da comunicação de acusações».

429    A recorrente afirma que, por analogia, não obstante uma contínua troca de correspondência entre ela própria e a Comissão a respeito do alcance da isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão não informou a recorrente, até ao envio da decisão de autorização, de que tencionava qualificar a operação de violação da obrigação de statu quo. Além disso, segundo a recorrente, «o conjunto das coimas [foram] aplicadas pela [decisão] relativamente ao período que medeia entre a notificação da [operação] e a [sua autorização]».

430    A este respeito, há que sublinhar que a situação no processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), não é de modo nenhum comparável à situação em causa no caso vertente.

431    Antes de mais, há que salientar que a afirmação da recorrente segundo a qual, por analogia com o processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), no caso vertente, «o conjunto de coimas [foram] aplicadas pela [decisão] relativamente ao período que medeia entre a notificação da [operação] e a [sua autorização]», é desprovida de fundamento.

432    Na decisão impugnada, a Comissão concluiu pela existência de uma infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que tinha sido cometida em 18 de dezembro de 2012, e uma infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que tinha sido cometida no período compreendido entre 18 de dezembro de 2012 e 30 de setembro de 2013.

433    O primeiro contacto da recorrente com a Comissão, a saber, o pedido de designação de uma equipa encarregada de tratar o seu processo relativo à aquisição do controlo exclusivo da Morpol, datava de 21 de dezembro de 2012.

434    Mesmo à data do primeiro contacto da recorrente com a Comissão, a infração ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, por conseguinte, tinha terminado e a infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 tinha começado. Era igualmente o caso, por maioria de razão, à data da notificação formal, em 9 de agosto de 2013.

435    Uma vez que a recorrente contactou a Comissão unicamente após ter cometido as infrações, não podia reclamar o mesmo tratamento que foi concedido às recorrentes no acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), que tinham notificado o acordo TACA, numa base voluntária, antes da sua entrada em vigor (v. n.os 415 e 417 supra).

436    Aliás, resulta do n.o 1620 do acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), que, no processo em que foi proferido esse acórdão, «foi só na comunicação de acusações, depois de três anos de análise das práticas em causa, que a Comissão indicou pela primeira vez às partes no TACA que tencionava aplicar o artigo 86.o do Tratado a essas práticas, apesar de resultar da correspondência trocada ao longo do procedimento administrativo que já as tinha analisado em pormenor no final de 1994 e no início de 1995», e que, «[nessa] fase, porém, a Comissão em momento algum alude a uma eventual aplicação do artigo 86.o do Tratado.».

437    No caso vertente, há que recordar que o primeiro contacto da recorrente com a Comissão, a saber, o pedido de designação de uma equipa encarregada de tratar o seu dossiê relativo à aquisição do controlo exclusivo da Morpol, datava de 21 de dezembro de 2012. Como resulta do n.o 21 da decisão impugnada, na falta de qualquer contacto por parte da recorrente após a apresentação do pedido de designação de uma equipa, a Comissão pediu a realização de uma teleconferência, que teve lugar em 25 de janeiro de 2013. Durante a teleconferência, a Comissão pediu informações relativas à estrutura da operação e esclarecimentos quanto à questão de saber se a aquisição de dezembro de 2012 podia já ter conferido à recorrente o controlo da Morpol.

438    O facto de a Comissão, desde o início, ter mostrado interesse relativamente a uma eventual violação da obrigação de statu quo é confirmado por uma mensagem de correio eletrónico que o consultor jurídico da sociedade de advogados F. escreveu em 27 de janeiro de 2013 à recorrente. Nessa mensagem de correio eletrónico, esse consultor jurídico escreveu que, «[a] pedido da equipa encarregada do processo, explicámos resumidamente a estrutura da operação» e que, «[nesse] quadro, a Comissão manifestou particular interesse no desenvolvimento da operação no que respeita à realização».

439    Acresce que, em 12 de fevereiro de 2013, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações relativo à eventual aquisição do controlo de facto da Morpol na sequência da aquisição de dezembro de 2012. Nesse pedido de informações, a Comissão colocou nomeadamente a seguinte questão:

«É favor explicar, tendo em conta o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 139/2004], as datas que propõem para a notificação. Em especial, é favor explicar por que é que consideram que a obrigação de statu quo prevista no artigo 7.o, n.o 1, desse regulamento não se aplica à aquisição pela Marine Harvest de uma participação de 48,5% na Morpol por intermédio da Friendmall e da Bazmonta.»

440    A Comissão exprimiu portanto, pouco tempo após o primeiro contacto da recorrente, preocupações relativas a uma eventual violação da obrigação de statu quo. Essa situação não é de modo nenhum comparável à que estava em causa no processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), na qual foi só «depois de três anos de análise das práticas em causa, que a Comissão indicou pela primeira vez às partes no TACA que tencionava aplicar o artigo 86.o do Tratado a essas prática» (v. n.o 436 supra).

441    Resulta do exposto que as analogias que a recorrente tenta estabelecer entre o presente processo e o processo em que foi proferido o acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 à T‑214/98, EU:T:2003:245), não podem ser consideradas procedentes.

442    Portanto, há que julgar igualmente improcedente a segunda parte do quarto fundamento e, por conseguinte, o quarto fundamento no seu conjunto.

E.      Quanto ao quinto fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto e a falta de fundamentação no que se refere à fixação dos níveis das coimas

443    O quinto fundamento articula‑se em cinco partes, relativas, a primeira, a falta de fundamentação no que se refere à fixação do montante da coima, a segunda, a uma apreciação errada da gravidade das infrações alegadas, a terceira, a uma apreciação errada da duração da infração alegada, a quarta, ao facto de a coima ser desproporcionada e, a quinta, a que a decisão impugnada não admite, sem razão, circunstâncias atenuantes.

1.      Quanto à primeira parte, relativa a falta de fundamentação no que se refere à fixação do montante da coima

444    A recorrente sustenta que a fundamentação da decisão impugnada no que se refere ao montante da coima se limita a dois números concisos (n.os 206 e 207 da decisão impugnada) que apenas contêm considerações gerais. Segundo a recorrente, a coima aplicada padece de falta de fundamentação adequada e deve ser anulada.

445    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

446    Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve revelar de modo claro e inequívoco o raciocínio da instituição autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. acórdão de 15 de abril de 1997, Irish Farmers Association e o., C‑22/94, EU:C:1997:187, n.o 39 e jurisprudência referida). Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.o 55 e jurisprudência referida).

447    No que respeita às coimas aplicadas por força do artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004, há que recordar que, segundo o n.o 3 dessa mesma disposição, «[para] fixar o montante da coima, há que tomar em consideração a natureza, a gravidade e a duração da infração».

448    Além disso, segundo o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão pode aplicar coimas até 10% do volume de negócios total realizado pelas empresas em causa na aceção do artigo 5.o desse mesmo regulamento pela violação da obrigação de notificação prevista no artigo 4.o do Regulamento n.o 139/2004 e pela realização de uma concentração em violação do artigo 7.o desse mesmo regulamento.

449    Por outro lado, há que salientar que a Comissão não adotou orientações que enunciem o método de cálculo que impõe a si própria na fixação do montante das coimas por força do artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004, o que a recorrente aliás admite.

450    Na falta de tais orientações, o quadro de análise da Comissão deve ser o do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 228). Todavia, na decisão impugnada, é obrigada a deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, os elementos tidos em conta na determinação do montante da coima (acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 228).

451    No caso vertente, figuram sob o título «5. Montante das coimas» da decisão impugnada apenas dois números, a saber, os n.os 206 e 207. Nesses números, a Comissão limita‑se em substância a concluir que, no caso de uma empresa da dimensão da recorrente, o montante da sanção deve ser importante para ter um efeito dissuasivo, que esse é tanto mais o caso quando a operação que foi realizada antes de ser autorizada suscitou sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e que, «[a fim] de aplicar uma coima pela infração e de prevenir a reincidência, e tendo em conta as circunstâncias específicas do caso em apreço», há que aplicar, por força do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, uma coima de 10 000 000 euros pela violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e uma coima de 10 000 000 euros pela violação do artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento.

452    No entanto, como a Comissão sublinha, resulta da referência às «circunstâncias específicas do caso em apreço», feita no n.o 207 da decisão impugnada, que há que ter igualmente em conta os desenvolvimentos que figuram sob o título «4. A decisão de aplicar as coimas» da referida decisão, a saber, os n.os 124 a 205.

453    Nesses números, a Comissão analisou os fatores enumerados no artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, designadamente: a natureza, a gravidade e duração da infração (v., a este respeito, resumo nos n.os 31 a 33 supra). Nesse âmbito, revelou de modo claro e inequívoco os elementos tidos em conta na determinação do montante da coima, permitindo assim à recorrente defender‑se e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização. No âmbito da segunda e terceira partes do quinto fundamento, a recorrente contesta aliás em pormenor as apreciações da Comissão quanto à gravidade e à duração da infração, o que confirma que a análise desses fatores na decisão impugnada é suficientemente rigorosa para permitir que a recorrente se defenda.

454    A recorrente sublinha que a Comissão não mencionou o montante de partida da coima, nem a abordagem seguida para o fixar, nem o peso atribuído aos fatores que influenciam a coima.

455    A este respeito, há que salientar que, uma vez que a Comissão não adotou orientações que enunciem o método de cálculo que estava obrigada a aplicar no âmbito da fixação das coimas ao abrigo de determinada disposição e que o raciocínio da Comissão surge de forma clara e inequívoca na decisão impugnada, não estava obrigada a quantificar, em valor absoluto ou em percentagem, o montante de base da coima e as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes (acórdãos de 15 de dezembro de 2010, E.ON Energie/Comissão, T‑141/08, EU:T:2010:516, n.o 284, e de 26 de novembro de 2014, Energetický a průmyslový e EP Investment Advisors/Comissão, T‑272/12, EU:T:2014:995, n.o 101).

456    O argumento da recorrente segundo o qual a Comissão devia ter especificado o montante de base da coima, bem como o peso atribuído aos diversos fatores, deve portanto ser julgado improcedente.

457    Esse resultado não é posto em causa pela jurisprudência citada pela recorrente.

458    No que respeita aos acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, EU:C:2011:815), e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2014:2062), há que salientar que se trata de acórdãos relativos a violações dos artigos 101.o ou 102.o TFUE e que, nos processos em que foram proferidos esses acórdãos, eram aplicáveis orientações para o cálculo das coimas.

459    É verdade que Tribunal Geral assinalou, no n.o 142 do acórdão de 6 de abril de 1995, Trefilunion/Comissão (T‑148/89, EU:T:1995:68), que era «desejável que as empresas para poderem tomar posição com perfeito conhecimento de causa possam conhecer em pormenor, de acordo com qualquer sistema que a Comissão considere oportuno, o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão».

460    Há que salientar todavia que, no processo em que foi proferido esse acórdão, a recorrente tinha alegado que a Comissão não tinha precisado se considerava como base de cálculo da coima o volume de negócios global da empresa ou apenas o referente a França ou ao Benelux. Nesse processo, só no decurso do processo no Tribunal Geral é que a Comissão precisou que tinha utilizado como base de cálculo da coima o volume de negócios na rede eletrossoldada para betão realizado pelas empresas no mercado geográfico em causa (v., neste sentido, acórdão de 6 de abril de 1995, Trefilunion/Comissão, T‑148/89, EU:T:1995:68, n.os 135, 136 e 142).

461    Nesse processo, a Comissão tinha portanto efetuado um cálculo baseado num volume de negócios realizado num determinado mercado, mas não o tinha especificado na decisão impugnada. É nesse contexto que deve ser lida a citação efetuada no n.o 459 supra. Aliás, no acórdão de 6 de abril de 1995, Trefilunion/Comissão (T‑148/89, EU:T:1995:68, n.os 140 a 144), o Tribunal Geral julgou improcedente o fundamento relativo à violação da obrigação de fundamentação.

462    A recorrente alega além disso, no n.o 104 da petição, que «a decisão [impugnada] não explica como é que o volume de negócios da [recorrente] e o proveito, se for caso disso, que [a recorrente] podia retirar da infração alegada ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 139/2004] influenciaram o nível da coima». Afirma ainda, no n.o 104 da petição, que «a] coima deve ser adequada ao autor da infração e à infração e deve ser determinada tendo em conta, entre outros, o volume de negócios ou o capital da empresa e o proveito retirado da infração alegada». Segundo afirma, a recorrente não retirou nenhum proveito da infração alegada.

463    Em resposta a uma questão colocada na audiência relativa à questão de saber se o n.o 104 da petição dizia respeito à fundamentação da decisão impugnada ou a um erro material na decisão impugnada, a recorrente confirmou que esse número dizia respeito à fundamentação da decisão impugnada, o que foi registado na ata da audiência.

464    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada não explica por que é que o volume de negócios da recorrente influenciou o nível da coima, há que salientar que a Comissão indicou, na nota de pé de página n.o 5 da decisão impugnada, o volume de negócios mundial da recorrente.

465    Além disso, há que salientar que, no quadro da análise dos elementos pertinentes para a determinação da coima, a Comissão fez várias vezes referência à dimensão da recorrente. Assim, a Comissão salientou, no n.o 144 da decisão impugnada, no quadro da apreciação da gravidade da infração, que a recorrente era «uma grande empresa europeia». Além disso, assinalou, no n.o 150 da decisão impugnada, igualmente no quadro da apreciação da gravidade da infração, que «a operação tinha concertado [no] mercado potencial [de salmão escocês] dois dos maiores produtores e transformadores primários do EEE». Esta última constatação foi repetida no n.o 172 da decisão impugnada, no quadro da apreciação da duração da infração. Finalmente, a Comissão assinalou, no n.o 206 da decisão impugnada, que teve em conta a dimensão da recorrente na fixação do montante da coima.

466    Resulta portanto claramente da fundamentação da decisão impugnada que a Comissão teve em conta a dimensão da recorrente no quadro da fixação do montante da coima.

467    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada não explica como é que o proveito, sendo caso disso, que a recorrente podia retirar da infração alegada ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 influenciou o nível da coima, há que concluir que a Comissão não analisou, na decisão impugnada, a eventual existência de um proveito que a recorrente pôde retirar da infração. Daí resulta claramente que a Comissão não teve em conta o eventual proveito ou a eventual falta de proveito que a recorrente pôde retirar da infração a fim de fixar o montante da coima. Não existe portanto falta de fundamentação quanto a esse ponto.

468    Aliás, mesmo admitindo que o argumento suscitado no n.o 104 da petição deva ser interpretado, contrariamente à declaração feita pela recorrente na audiência, no sentido de que a recorrente invoca igualmente um erro material na medida em que a Comissão não teve em consideração a falta de proveito retirado da infração, tal argumento deve ser julgado improcedente por infundado.

469    Resulta da jurisprudência que não existe uma lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração na apreciação da gravidade da infração (v., quanto às infrações ao artigo 101.o TFUE, acórdão de 17 de julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, EU:C:1997:375, n.o 33, e, quanto às infrações ao artigo 102.o TFUE, acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 107).

470    Não existe nomeadamente uma obrigação da Comissão de analisar a questão de saber se um recorrente retirou proveito de uma violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Neste contexto, há que salientar que esse não é um elemento constitutivo de uma infração ao artigo 4.o, n.o 1, ou ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e que nem sempre é possível determinar se um recorrente retirou ou não proveito da realização de uma concentração antes da sua notificação e da sua autorização e ainda menos de quantificar esse proveito.

471    A recorrente cita vários acórdãos em apoio da sua afirmação segundo a qual a coima deve ser determinada tendo em consideração, entre outros, o benefício retirado da infração alegada. Há que salientar que a jurisprudência citada pela recorrente nesse quadro diz respeito a processos relativos a infrações ao artigo 101.o TFUE (acórdãos de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 129; de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 242; de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 96; e de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 56) ou ao artigo 102.o TFUE (conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2013:619, n.o 117).

472    Só as conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo E.ON Energie/Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:375), citadas pela recorrente nesse quadro, diziam respeito a outro tipo de infração, designadamente uma quebra de selo. A este respeito, há que assinalar que o Tribunal de Justiça não seguiu as conclusões do advogado‑geral Y. Bot e negou provimento ao recurso no acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:738), contrariamente ao que tinha proposto o advogado‑geral. Aliás, não resulta das conclusões do advogado‑geral Y. Bot nesse processo que este tenha considerado que a Comissão é obrigada a analisar em todos os casos o lucro obtido com a infração cometida. Limitou‑se a salientar, no n.o 114 dessas conclusões, que sejam tidos em conta todos os elementos que caracterizam o processo, «tais como», inter alia, o lucro que a empresa em questão pôde obter com a infração cometida. Limitou‑se portanto a enumerar exemplos de critérios que podem ser tidos em consideração, recordando, no n.o 113 das suas conclusões, a jurisprudência segundo a qual não existe qualquer lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devam ser obrigatoriamente tomados em consideração.

473    Aliás, há que assinalar que resulta da jurisprudência que, mesmo no quadro de uma infração ao artigo 101.o TFUE, o facto de uma empresa não ter retirado benefício algum da infração não pode impedir que uma coima seja aplicada, sob pena de esta última perder o seu caráter dissuasivo (v. acórdão de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.o 441 e jurisprudência referida). A Comissão não é obrigada, ao fixar o montante das coimas, a tomar em consideração a inexistência de benefícios decorrentes da infração em causa (v. acórdão de 29 de novembro de 2005, SNCZ/Comissão, T‑52/02, EU:T:2005:429, n.o 90 e jurisprudência referida). A Comissão não é obrigada a demonstrar, em todas as circunstâncias, para efeitos de determinação do montante da coima, a vantagem financeira ligada à infração declarada. A inexistência dessa vantagem não pode ser considerada uma circunstância atenuante (v. acórdão de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.o 442 e jurisprudência referida).

474    Do mesmo modo, a Comissão não é obrigada a tomar em consideração, a fim de fixar o montante das coimas, a eventual inexistência de proveito retirado da realização de uma concentração antes da sua notificação e da sua autorização.

475    A apreciação do lucro ilícito gerado pela infração pode efetivamente ser relevante no caso de a Comissão se basear precisamente nesse lucro para avaliar a gravidade dessa infração e/ou para calcular as coimas (acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 à T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 4882). No entanto, não é isso que acontece no caso vertente.

476    Há que sublinhar além disso que, a fim de reforçar a circunstância de a recorrente não ter retirado qualquer proveito da infração alegada, a recorrente baseia‑se, no n.o 71 da réplica, nomeadamente no facto de não ter exercido os seus direitos de voto na Morpol até à autorização da concentração. Esse elemento foi tomado em consideração pela Comissão como circunstância atenuante (n.os 196 e 198 da decisão impugnada).

477    Resulta de exposto que a Comissão não violou a sua obrigação de fundamentação nem cometeu qualquer erro material ao abster‑se de determinar e de tomar em consideração o eventual proveito ou a eventual inexistência de proveito retirado da infração.

2.      Quanto à segunda parte, relativa a uma apreciação errada da gravidade das infrações alegadas

478    A recorrente afirma que nenhum dos fatores tomados em consideração na decisão impugnada para os fins da apreciação da gravidade, designadamente a negligência, as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado interno e a existência de precedentes relativamente à recorrente e a outras empresas, é pertinente.

479    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

480    Há que salientar, antes de mais, que a recorrente não contesta as considerações que constam dos n.os 131 a 136 da decisão impugnada relativas à natureza da infração. Nesses números, a Comissão considerou que qualquer violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era, por natureza, uma infração grave. Essa apreciação, que deve ser confirmada, baseava‑se nomeadamente no n.o 235 do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672). Nesse número, o Tribunal Geral concluiu que foi com razão que a Comissão precisou que, «[a]o fazer depender as concentrações de dimensão comunitária de uma notificação e de uma autorização prévia, o legislador comunitário pretendeu assegurar a efetividade do controlo das concentrações de dimensão comunitária por parte da Comissão, permitindo eventualmente que esta última impeça a realização dessas operações de concentração antes de ser adotada uma decisão final e, portanto, que evite prejuízos irreparáveis e permanentes inerentes à concorrência». O Tribunal Geral salientou igualmente que «[a] Comissão podia, sem cometer qualquer erro, qualificar a infração de grave, tendo em conta a sua natureza».

481    A recorrente contesta, no entanto, a pertinência dos fatores tidos em conta pela Comissão no quadro da apreciação concreta da gravidade das infrações em causa no caso vertente.

482    Há que recordar, a título liminar, que a gravidade das infrações deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 241).

a)      Quanto à tomada em consideração da negligência da recorrente

483    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o seu comportamento não foi negligente, basta recordar que esse argumento foi julgado improcedente no quadro da análise do segundo fundamento.

484    Contrariamente ao que a recorrente afirma, não existia nenhum erro desculpável por sua parte. O conceito de erro desculpável, que encontra a sua fonte diretamente na preocupação do respeito pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, apenas pode visar, segundo jurisprudência constante, circunstâncias excecionais em que, nomeadamente, a instituição em questão adotou um comportamento suscetível, por si só ou numa medida determinante, de provocar uma confusão admissível no espírito de uma pessoa de boa‑fé que faça prova da diligência exigida de uma pessoa normalmente atenta (v. acórdão de 15 de setembro de 2011, CMB e Christof/Comissão, T‑407/07, não publicado na Coletânea, EU:T:2011:477, n.o 99 e jurisprudência referida). No caso vertente, a recorrente não fez prova da diligência exigida de uma pessoa normalmente atenta, o que exclui a existência de um erro desculpável por sua parte.

b)      Quanto à tomada em consideração da existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado interno

485    No que se refere à tomada em consideração pela Comissão da existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado interno, há que salientar o seguinte.

486    No n.o 150 da decisão impugnada, a Comissão recordou que a aquisição da Morpol pela recorrente tinha sido autorizada na sequência da apresentação, pela recorrente, de um amplo leque de medidas retificativas para dissipar as sérias dúvidas suscitadas pela Comissão no que respeita ao mercado potencial do salmão escocês. A Comissão salientou, além disso, que a operação de concentração tinha conjugado nesse mercado potencial dois dos maiores produtores e transformadores primários do Espaço Económico Europeu (EEE).

487    A Comissão considerou que a concentração realizada teve uma influência negativa sobre a concorrência no mercado potencial do salmão escocês ao longo da duração da infração. Segundo a Comissão, apesar de a recorrente não ter exercido os seus direitos de voto na Morpol, é possível, pelo menos, que a interação concorrencial entre a recorrente e a Morpol tenha sido afetada em consequência da aquisição de dezembro de 2012.

488    Sublinhe‑se que a recorrente não suscita nenhum argumento suscetível de pôr em causa a apreciação da Comissão segundo a qual a concentração em causa suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A recorrente contesta no entanto a tomada em consideração desse fator como elemento agravante das infrações. A recorrente considera que a afirmação que consta do n.o 157 da decisão impugnada, segundo a qual «o simples facto de a operação ter suscitado sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno é em si um fator que torna a infração mais grave», desvirtua o raciocínio exposto pelo Tribunal Geral no seu acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 247), segundo o qual «a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave».

489    No que respeita à interpretação do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), há que salientar o seguinte.

490    O processo em que foi proferido esse acórdão dizia respeito a uma concentração que, segundo a Comissão tinha constatado, não colocava problemas de concorrência. A Comissão assinalou, no n.o 194 da Decisão C(2009) 4416 final, de 10 de junho de 2009 (processo COMP/M.4994 — Electrabel/Compagnie nationale du Rhône) (a seguir «decisão Electrabel»), que «a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave» e que «a inexistência de tal dano concorrencial no presente processo [era] um elemento importante a ter em conta na fixação do montante da coima», mas que, «[todavia], o facto de a transação não ter suscitado problemas de concorrência não [era] suscetível de afetar o caráter grave da infração». Esta afirmação deve ser lida à luz do facto de que a Comissão tinha concluído, no n.o 191 dessa mesma decisão, que qualquer infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89 era uma infração grave por natureza.

491    A Comissão concluiu portanto que a infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89 era, por natureza, uma infração grave, embora a concentração não tenha suscitado problemas de concorrência. Não é permitido deduzir daí a contrario, como a recorrente tenta fazer, que a existência de problemas de concorrência não pode aumentar a gravidade da infração alegada. Com efeito, a Comissão não concluiu que a existência ou não de problemas de concorrência não tinha pertinência na apreciação da gravidade da infração, mas apenas que a infração continuava a ser uma infração grave por natureza, mesmo não existindo qualquer problema de concorrência suscitado pela concentração.

492    No acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), o Tribunal Geral aprovou a abordagem da Comissão. Salientou nomeadamente, no n.o 246 do acórdão, que «a Comissão sustenta, com razão, que a análise ex post da inexistência de efeitos de uma operação de concentração no mercado não pode, razoavelmente, ser um fator determinante para qualificar a gravidade do prejuízo para o sistema de fiscalização ex ante». Além disso, concluiu, no n.o 247 do acórdão, o seguinte:

«Isto não impede, no entanto, que a falta de efeitos no mercado seja um elemento pertinente a ter em conta para fixar o montante da coima, como a Comissão reconhece no considerando 194 da decisão impugnada. No mesmo considerando, a Comissão alega aliás, igualmente com razão, que a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave.»

493    Há que salientar que a afirmação constante do n.o 246 do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), segundo a qual «a análise ex post da inexistência de efeitos de uma operação de concentração no mercado não pode, razoavelmente, ser um fator determinante para qualificar a gravidade do prejuízo para o sistema de fiscalização ex ante», não pode ser interpretada no sentido de que a existência ou não de um dano concorrencial não desempenha nenhum papel na apreciação da gravidade da infração. Isso resulta do n.o 247 desse acórdão, no qual o Tribunal Geral declarou que «a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave». A afirmação que figura no n.o 246 desse acórdão deve ser lida à luz da circunstância de que o Tribunal Geral dava resposta ao argumento da Electrabel segundo o qual a infração não podia ser de caráter grave, porque não tinha afetado a concorrência.

494    No processo em que foi adotada a decisão Electrabel, a Comissão e o Tribunal Geral pronunciaram‑se sobre dois casos. Em primeiro lugar, concluíram que a inexistência de efeitos danosos na concorrência, que se apresentava quando a concentração realizada prematuramente não suscitava problemas de concorrência, em nada alterava o caráter grave (por natureza) da infração. Em segundo lugar, salientaram, a título de exemplo, que a existência de efeitos danosos tornou a infração ainda mais grave.

495    Existe, no entanto, um terceiro caso sobre o qual a Comissão e o Tribunal Geral não tomaram posição no processo em que foi adotada a decisão Electrabel. Trata‑se da «situação intermédia», na qual a concentração, realizada prematuramente, colocava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, mas na qual não pode ser determinado se a sua realização sob a forma inicialmente visada e não autorizada pela Comissão teve ou não efeitos danosos na concorrência.

496    Coloca‑se portanto a questão de saber se, nesse terceiro caso, a Comissão pode considerar a circunstância de que a concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno como um fator que torna a infração mais grave.

497    Há que responder afirmativamente. Com efeito, não é adequado tratar da mesma maneira a realização prematura de concentrações que suscitam sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e a realização prematura de concentrações que não suscitam qualquer problema de concorrência.

498    A este respeito, há que salientar que o objetivo do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 é assegurar a eficácia do sistema do controlo ex ante dos efeitos das operações de concentrações de dimensão comunitária (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 246). Além disso, sublinhe‑se que o objetivo da regulamentação da União em matéria de controlo das concentrações é a prevenção de prejuízos irreparáveis e permanentes à concorrência (acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 245). O sistema de controlo das concentrações visa permitir à Comissão exercer «um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência» (sexto considerando do Regulamento n.o 139/2004).

499    No caso de concentrações que suscitam sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, os possíveis riscos para a concorrência ligados a uma realização prematura não são os mesmos que no caso de concentrações que não suscitam problemas de concorrência.

500    O facto de uma concentração suscitar sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno torna, portanto, a realização prematura dessa concentração mais grave que a realização prematura de uma concentração que não suscita problemas de concorrência, salvo se, apesar do facto de suscitar tais dúvidas sérias, puder excluir‑se num determinado caso que a sua realização sob a forma inicialmente prevista e não autorizada pela Comissão possa ter tido efeitos danosos na concorrência.

501    Foi portanto com razão que a Comissão concluiu, no n.o 157 da decisão impugnada, que «o simples facto de a operação ter suscitado sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno é em si um fator que torna a infração mais grave», depois de ter concluído expressamente, no n.o 151 da decisão impugnada, que a concentração realizada podia ter tido uma influência negativa sobre a concorrência no mercado potencial do salmão escocês ao longo de toda a duração da infração e que era possível, pelo menos, que a interação concorrencial entre a recorrente e a Morpol tenha sido afetada em consequência da aquisição de dezembro de 2012.

502    Não é permitido concluir a contrario da conclusão a que se chegou no acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 247), segundo o qual «a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave», que só quando os efeitos danosos efetivos podem ser demonstrados é que isso pode tornar a infração mais grave. Com efeito, o facto de o Tribunal Geral ter assinalado, a título de exemplo, que a presença dos efeitos danosos tornou a infração mais grave não permite concluir que se trata da única hipótese que torna a infração mais grave. No processo em que foi adotada a decisão Electrabel, a Comissão e o Tribunal Geral pura e simplesmente não se pronunciaram sobre a «situação intermédia», como é definida no n.o 495 supra.

503    A recorrente alega que, nos n.os 156 e 157 da decisão impugnada, a Comissão explica paradoxalmente que «a presença de um dano concorrencial torna a infração ainda mais grave», apesar de que «a análise ex post de efeitos de uma operação de concentração no mercado não pode, razoavelmente, ser um fator determinante para qualificar a gravidade do prejuízo para o sistema de fiscalização ex ante».

504    A este respeito, há que salientar que a Comissão retomou o conteúdo das afirmações do Tribunal Geral no acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672, n.os 246 e 247), tal como são citadas no n.o 492 supra. Basta recordar as observações quanto à interpretação dessas passagens do referido acórdão (n.o 493 supra).

505    Há que analisar a questão de saber se foi com razão que a Comissão considerou, no n.o 151 da decisão impugnada, que a concentração realizada podia ter tido uma influência negativa sobre a concorrência no mercado potencial do salmão escocês ao longo de toda a duração da infração e que «[era] possível, pelo menos, que a interação concorrencial entre a Marine Harvest e a Morpol tenha sido afetada em consequência da aquisição de dezembro de 2012».

506    A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão salientou, no n.o 151 da decisão impugnada, que o antigo presidente do conselho de administração da Morpol, M., se tinha demitido com efeitos a contar de 1 de março de 2013 na sequência de uma disposição incluída no SPA que tinha sido assinado com a recorrente. Segundo a Comissão, a aquisição pela recorrente de uma participação de 48,5% no capital da Morpol parecia ter sido suscetível de influenciar as decisões estratégicas no seio da Morpol, tais como a substituição do presidente do conselho de administração, independentemente do exercício efetivo dos direitos de voto nas assembleias‑gerais dos acionistas.

507    A recorrente alega a este respeito que a aquisição de dezembro de 2012 não foi um fator decisivo na decisão de M. de renunciar às suas funções. Pelo contrário, segundo a recorrente, a estrutura de gestão de empresa da Morpol, incluindo a demissão de M., tinha sido objeto de discussões intensas no seio do conselho de administração da Morpol desde há mais de um ano.

508    No caso vertente, não é possível determinar com certeza se a decisão de M. de renunciar às suas funções foi ou não influenciada pela aquisição de dezembro de 2012.

509    É certo que a recorrente demonstra que a eventual demissão de M. tinha sido objeto de discussões mesmo antes da aquisição de dezembro de 2012, apresentando nomeadamente as atas das reuniões do conselho de administração da Morpol de 12 e 15 de setembro de 2011. A recorrente salientou igualmente que a Morpol encontrou graves problemas de gestão da empresa, que o mais importante banco credor da Morpol tinha querido reduzir a sua exposição às dívidas da Morpol e que esses acontecimentos tinham conduzido a uma queda do preço das ações da Morpol, que tinha passado de aproximadamente 21 coroas norueguesas (NOK) no momento da sua cotação na Bolsa de Oslo em 2010 para menos de 8 NOK em de novembro de 2012. A Comissão não contesta essas circunstâncias.

510    No entanto, isso não exclui que o encerramento da aquisição de dezembro de 2012, e designadamente a cláusula incluída no SPA para esse efeito, tenha podido influenciar a decisão de M. de se demitir. Segundo a cláusula 12.1.1 do SPA, M. tinha‑se comprometido a demitir‑se do seu posto de presidente do conselho de administração da Morpol o mais tardar em 1 de março de 2013. Aliás, é bastante provável que a decisão de se demitir precisamente com efeitos em 1 de março de 2013 tenha sido influenciada pela execução do SPA. Como a Comissão sublinha com razão, se a recorrente tivesse suspendido a execução do SPA na expectativa da autorização, M. não teria sido obrigado a conformar‑se com a cláusula 12.1.1 do SPA antes de a transação se ter concretizado.

511    Em segundo lugar, a Comissão salientou, no n.o 151 da decisão impugnada, que a recorrente tinha «integrado uma grande parte dos lucros realizados pela Morpol por via da aquisição de dezembro de 2012». A Comissão considerou que, por conseguinte, «os efeitos financeiros prováveis da aquisição de dezembro de 2012, que [tinham] eliminado os incentivos para [a recorrente] manter a pressão concorrencial exercida sobre a Morpol antes da aquisição, [eram] considerados suficientes para ter causado um prejuízo potencial à concorrência».

512    A recorrente alega que a afirmação da Comissão, segundo a qual a integração pela recorrente de uma parte importante dos lucros da Morpol eliminou os fatores que a incitavam a manter a pressão concorrencial, é desprovida de fundamento e que, em qualquer hipótese, não é uma particularidade da infração. Segundo a recorrente, o mesmo se aplica a qualquer concentração que não foi realizada, dado que, após a autorização, é frequente as empresas adquirentes recuperarem retroativamente os lucros resultantes das atividades entre a assinatura do acordo e o seu encerramento.

513    A este respeito, há que salientar que as situações não são idênticas. Com efeito, no caso vertente, a recorrente integrou uma grande parte dos lucros realizados pela Morpol antes de ter recebido a autorização da concentração. As incitações à manutenção da pressão concorrencial exercida sobre a Morpol eram, portanto, suscetíveis de ser menos fortes que no caso de uma empresa que apenas tem a perspetiva de recuperar retroativamente os lucros resultantes das atividades realizadas após a assinatura do acordo, uma vez obtida a autorização da concentração.

514    Os dois elementos analisados nos n.os 506 a 513 supra eram, por si sós, suficientes para justificar a declaração feita no n.o 151 da decisão impugnada, segundo a qual uma influência negativa sobre a concorrência no mercado potencial do salmão escocês ao longo de toda a duração da infração era possível.

515    Portanto, não é necessário analisar a pertinência do terceiro elemento no qual se baseou a Comissão, no n.o 151 da decisão impugnada, designadamente, que não podia excluir‑se, segundo a Comissão, que a recorrente, enquanto acionista mais importante da Morpol, tinha adquirido um acesso privilegiado a dados comerciais da Morpol durante o período que decorreu entre o encerramento da aquisição de dezembro de 2012 e a adoção da decisão de autorização.

516    Por conseguinte, há que concluir que as medidas tomadas pela recorrente, a saber, o facto de não exercer os direitos de voto e a separação das entidades até à autorização da concentração, não foram suscetíveis de suprimir o risco de um prejuízo para a concorrência causado pela realização da concentração em causa sob a forma inicialmente visada e não autorizada pela Comissão, mesmo que essas medidas possam ter reduzido o eventual efeito anticoncorrencial.

517    Resulta do exposto que a situação do caso vertente se enquadra na «situação intermédia» como definida no n.o 495 supra, a saber, uma situação na qual a concentração, realizada prematuramente, suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, mas relativamente à qual não pode determinar‑se se a sua realização sob a forma inicialmente visada e não autorizada pela Comissão teve, ou não, efeitos danosos sobre a concorrência.

518    O argumento da recorrente, suscitado na audiência, segundo o qual a Comissão se baseou nos elementos mencionados nos n.os 506, 511 e 515 supra apenas na fase do articulado de defesa, não se adequa aos factos. Com efeito, esses elementos constam do n.o 138 da comunicação de acusações, bem como do n.o 151 da decisão impugnada.

519    A recorrente afirma além disso que, quando a Comissão se baseia no pretenso impacto sobre o mercado de uma infração alegada para estabelecer a gravidade desta, deve fazer prova bastante das suas afirmações, designadamente, fornecendo indícios concretos e credíveis que indiquem o impacto com uma probabilidade razoável. Em apoio dessa afirmação, a recorrente cita os acórdãos de 27 de setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão (T‑322/01, EU:T:2006:267, n.o 75), de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão (T‑43/02, EU:T:2006:270), de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão (T‑59/02, EU:T:2006:272, n.o 161), e de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão (T‑127/04, EU:T:2009:142, n.o 68).

520    A este respeito, há que salientar que a jurisprudência citada pela recorrente diz respeito aos acordos. Por exemplo, o Tribunal Geral salientou, no n.o 68 do acórdão de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão (T‑127/04, EU:T:2009:142), que «o Tribunal declarou em várias ocasiões que o impacto concreto de um acordo no mercado [devia] considerar‑se suficientemente demonstrado se a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com probabilidade razoável, que o acordo teve impacto no mercado».

521    Há que salientar além disso que, segundo os termos do n.o 1 A, primeiro parágrafo, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17 e do artigo 65.o, n.o 5, [CA] (JO 1998, C 9, p. 3), que eram aplicáveis nos acórdãos do Tribunal Geral nos quais a recorrente se baseia, citados no n.o 519 supra, para calcular a coima em função da gravidade da infração, a Comissão devia ter em consideração designadamente «o impacto concreto [da infração] sobre o mercado quando [era] mensurável».

522    A jurisprudência citada pela recorrente não pode portanto pôr em causa as considerações que constam dos n.os 495 a 501 supra. Há que recordar, designadamente, que o objetivo da regulamentação da União em matéria de controlo das concentrações é a prevenção de prejuízos irreparáveis e permanentes à concorrência (v. n.o 498 supra).

523    Há que salientar que, no que respeita às infrações ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, o simples facto de os efeitos danosos para a concorrência serem possíveis, porque a concentração realizada sob a forma inicialmente prevista e não autorizada pela Comissão suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, pode ser tido em conta na apreciação da gravidade da infração, mesmo que a Comissão não demonstre a «probabilidade razoável» da existência de tais efeitos.

524    É certo que, quando a existência de efeitos danosos para a concorrência resultantes da realização de uma concentração sob a forma inicialmente prevista e não autorizada pela Comissão pode ser demonstrada, isso é suscetível de tornar a infração ainda mais grave que uma infração abrangida na «situação intermédia». Isso não impede que o simples facto de os efeitos danosos para a concorrência não poderem ser excluídos torne a infração mais grave que a realização prematura de uma concentração que não suscita qualquer problema de concorrência.

525    Finalmente, a recorrente sublinha que nunca retirou e nunca esperou retirar qualquer benefício do que a Comissão considera como uma infração às regras sobre o controlo das concentrações, porque cumpriu as exigências do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, abstendo‑se de exercer os seus direitos de voto na Morpol.

526    A este respeito, há que recordar que o facto de uma empresa não ter retirado benefício algum da infração não pode impedir que uma coima seja aplicada, sob pena de esta perder o seu caráter dissuasivo (v. n.o 473 supra).

527    Há que recordar, além disso, que o facto de a recorrente não ter exercido os seus direitos de voto na Morpol até à autorização da concentração foi tido em conta pela Comissão como circunstância atenuante (v. n.o 476 supra).

528    Resulta do exposto que foi com razão que a Comissão teve em consideração, no caso vertente, a circunstância de a concentração suscitar sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno enquanto fator que torna a infração mais grave.

c)      Quanto à tomada em consideração dos precedentes relativos à recorrente e a outras sociedades

529    A Comissão salientou, no n.o 159 da decisão impugnada, que à recorrente (à época a Pan Fish) já tinha sido aplicada uma coima em 2007 pelas autoridades da concorrência francesas por ter violado a obrigação de statu quo quando adquiriu a Fjord Seafood. Além disso, a Comissão salientou que «[isso significava] que não [era] a primeira vez que [a recorrente] [violava] a obrigação de statu quo no contexto de um procedimento de controlo de uma operação de concentração».

530    A Comissão considerou, no n.o 163 da decisão impugnada, que «a sanção anterior devia ter instigado [a recorrente] a apreciar com especial cuidado as suas obrigações no que respeita ao controlo das operações de concentração no momento da aquisição de dezembro de 2012» e que, «[a] esse título, a existência de uma violação da obrigação de statu quo a nível nacional [tornava] a infração mais grave».

531    A Comissão sublinhou além disso, no n.o 160 da decisão impugnada, que o Regulamento n.o 139/2004 já estava em vigor há mais de dez anos e que existiam disposições semelhantes relativas à obrigação de statu quo no Regulamento n.o 4064/89, que se manteve em vigor durante mais de treze anos. A Comissão assinalou ainda que já tinha dado início a procedimentos contra outras sociedades e lhes tinha aplicado coimas pela violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89 e que tinha igualmente adotado várias outras decisões com base no artigo 14.o do Regulamento n.o 4064/89. Segundo a Comissão, a recorrente deveria por conseguinte «ter plena consciência do quadro jurídico e da aplicação dessas regras pela Comissão».

1)      Quanto à tomada em consideração do processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood

532    A recorrente sustenta que o facto de ser punida de forma mais severa por supostamente ser reincidente, porque já tinha sido punida em França na decisão Pan Fish/Fjord Seafood, não está em conformidade com a jurisprudência segundo a qual a reincidência implica que uma pessoa cometeu novas infrações após ter sido punida por infrações semelhantes.

533    No entanto, como a Comissão sublinha, a existência de infrações processuais anteriores cometidas pela recorrente não foi considerada uma circunstância agravante. A Comissão concluiu expressamente, no n.o 201 da decisão impugnada, que não houve circunstâncias agravantes no caso vertente.

534    Há que salientar além disso que, na decisão impugnada, a Comissão não utilizou os termos «reincidência» ou «reincidente». É certo que, a fim de analisar se a Comissão considerou que a recorrente era reincidente, há que atender à substância da decisão impugnada e não à terminologia.

535    A este respeito, deve assinalar‑se que a tomada em consideração da reincidência «se destina a incentivar as empresas que manifestaram uma propensão a violar as regras da concorrência a alterarem o seu comportamento» (acórdão de 12 de dezembro de 2007, BASF e UCB/Comissão, T‑101/05 e T‑111/05, EU:T:2007:380, n.o 67). No caso vertente, a Comissão não concluiu, nem sequer implicitamente, na decisão impugnada que era necessário impor uma sanção mais agravada porque a sanção imposta na decisão Pan Fish/Fjord Seafood não tinha sido suficiente para dissuadir a recorrente de cometer outras infrações. Nos números consagrados ao necessário efeito dissuasivo da coima, designadamente nos n.os 157, 172 e 206 da decisão impugnada, a Comissão apenas fez referência à dimensão da recorrente, à circunstância de a operação em causa ter suscitado sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e ao facto de não se poder excluir uma restrição da concorrência. Contrariamente ao que considera a recorrente, a Comissão não teve portanto em conta uma pretensa reincidência da recorrente. A argumentação da recorrente baseia‑se, portanto, numa premissa errada.

536    Como resulta do n.o 163 da decisão impugnada, a Comissão considerou que «a sanção anterior devia ter instigado [a recorrente] a apreciar com especial cuidado as suas obrigações no que respeita ao controlo das operações de concentração no momento da aquisição de dezembro de 2012». Foi «[a] esse título» que a Comissão concluiu que a existência de uma violação da obrigação de statu quo a nível nacional tornava a infração mais grave.

537    A este respeito, há que recordar que se concluiu no n.o 258 supra que a Comissão tinha o direito de ter em consideração o facto de que já tinha sido aplicada uma coima à recorrente a nível nacional pela realização prematura de uma concentração, e que deve esperar‑se uma diligência especial por parte de uma empresa europeia de grande dimensão à qual já foi aplicada uma coima, embora a nível nacional, pela realização prematura de uma concentração.

538    Trata‑se de um elemento que pode ser tido em conta na apreciação, por um lado, da existência de negligência por parte da recorrente e, por outro, do grau dessa negligência.

539    Nos n.os 159 e 163 da decisão impugnada, a Comissão teve em conta a existência do precedente no processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood como sendo um elemento que aumentava o grau de negligência da recorrente e que, a esse título, «[tornava] a infração mais grave». Com efeito, a constatação, feita no n.o 163 da decisão impugnada, segundo o qual a sanção anterior devia ter instigado a recorrente a apreciar com especial cuidado as suas obrigações no que respeita ao controlo das operações de concentração, diz respeito, em substância, ao grau de negligência. Na audiência, a Comissão confirmou ter‑se baseado, na decisão impugnada, no processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood unicamente como um fator que dizia respeito ao grau de negligência da recorrente.

540    Na audiência, a recorrente admitiu que a Comissão tinha tido em conta o processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood no âmbito da apreciação da negligência. Todavia, a recorrente sustentou que esse processo não era pertinente no âmbito da apreciação da existência ou do grau de negligência, porque os factos na origem desse processo eram completamente diferentes dos que estão na origem do presente processo, de modo que não podia retirar desse processo conclusões úteis para o presente processo.

541    A este respeito, há que recordar que é verdade que a decisão Pan Fish/Fjord Seafood não dizia respeito à interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 258 supra). No entanto, o facto de já ter sido aplicada uma coima à recorrente pela realização prematura de uma concentração, se bem que a nível nacional, implica que havia a expectativa de uma diligência especial por parte da recorrente (v. n.o 258 supra). A esse título, a existência desse precedente aumentava o grau de negligência da recorrente, o que constituía um fator que tornava a infração mais grave.

542    A Comissão não cometeu, portanto, nenhum erro ao tomar em consideração o processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood no âmbito da apreciação da gravidade da infração.

2)      Quanto à tomada em consideração de processos relativos a outras empresas

543    A recorrente alega que a afirmação constante do n.o 160 da decisão impugnada segundo a qual «a Comissão já tinha dado início a procedimentos contra outras empresas e tinha‑lhes aplicado coimas por violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 4064/89]» não tem em conta o problema essencial: é que nenhum desses procedimentos dizia respeito ao alcance do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 ou do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89.

544    A este respeito, há que concluir que, no n.o 160 da decisão impugnada, a Comissão assinalou que o Regulamento n.o 139/2004 já estava em vigor há mais de dez anos e que existiam no Regulamento n.o 4064/89 disposições semelhantes relativas à obrigação de statu quo, que se manteve em vigor durante mais de treze anos. A Comissão observou, além disso, que já tinha dado início a procedimentos contra outras sociedades e lhes tinha aplicado coimas por violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, e que tinha adotado várias outras decisões igualmente com base no artigo 14.o do Regulamento n.o 4064/89.

545    Ao fazê‑lo, a Comissão justificou, em substância, o facto de já não ter motivos para mostrar «clemência» na fixação de coimas a título do artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004.

546    A este respeito, há que salientar que é certo que a Comissão pode decidir impor coimas de baixo montante quando aplica pela primeira vez ou as primeiras vezes uma disposição que lhe permite impor uma coima. No entanto, a Comissão pode considerar legalmente que já não tem motivos para proceder dessa maneira quando já aplicou várias vezes coimas em aplicação dessa disposição.

547    O argumento da recorrente segundo o qual os precedentes não diziam respeito ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 ou ao artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89 é, nesse quadro, desprovido de pertinência. Com efeito, a existência de precedentes, nos quais as coimas tinham sido aplicadas com base no artigo 14.o do Regulamento n.o 4064/89, era suscetível de prevenir a recorrente que se arriscava a pesadas sanções em caso de violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Designadamente, o facto de a Comissão já ter aplicado uma sanção pesada — uma coima de 20 milhões de euros —, na decisão Electrabel, era suscetível de fornecer à recorrente uma indicação do facto de que se arriscava a que lhe fossem aplicadas sanções pesadas em caso de realização prematura da concentração em causa.

548    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não abriu qualquer investigação nem aplicou qualquer coima no processo em que foi adotada a decisão Yara/Kemira GrowHow, basta concluir que, no n.o 160 da decisão impugnada e nas notas de pé de página n.os 64 e 65 desta última, a Comissão não se baseou nesse processo.

549    Finalmente, a recorrente alega que a conclusão, no n.o 163 da decisão impugnada, segundo a qual a existência de processos precedentes por infrações processuais que diziam respeito à recorrente e a outras empresas torna a infração da recorrente mais grave, padece manifestamente de erros de direito e de facto.

550    No entanto, no n.o 163 da decisão impugnada, a Comissão salientou que «a sanção anterior», designadamente, a sanção imposta na decisão Pan Fish/Fjord Seafood, devia ter instigado a recorrente a apreciar com um cuidado especial as suas obrigações e que, «[a] esse título, a existência de uma violação da obrigação de statu quo a nível nacional [tornava] a infração mais grave». A Comissão, portanto, apenas concluiu, no n.o 163 da decisão impugnada, que a existência de uma infração anterior cometida pela recorrente no processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood tornava a infração mais grave. No entanto, não concluiu que a existência de processos anteriores de infrações processuais que diziam respeito a outras sociedades tornava a infração da recorrente mais grave.

551    Resulta do exposto que há que julgar improcedente a segunda parte do quinto fundamento.

3.      Quanto à terceira parte, relativa a apreciação errada da duração da infração alegada

552    A recorrente afirma que, para justificar a sua recusa de excluir o período de pré‑notificação da duração da infração, a Comissão afirmou erradamente, no n.o 173 da decisão impugnada, que a recorrente não tinha mostrado disposição suficiente para comunicar as informações no decurso da fase de pré‑notificação. Segundo a recorrente, a Comissão não respeitou, na decisão impugnada, o princípio da igualdade de tratamento na sua apreciação da duração da infração, não adotando a mesma abordagem que seguiu na sua decisão Electrabel, que consistiu em excluir da análise da concentração o período de pré‑notificação e o da duração da infração.

553    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

554    Antes de mais, há que recordar que, nos n.os 128 e 165 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que uma violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era uma infração instantânea e que essa violação tinha sido cometida no caso vertente em 18 de dezembro de 2012, designadamente, o dia do encerramento da aquisição de dezembro de 2012.

555    A Comissão salientou, além disso, nos n.os 128 e 166 da decisão impugnada, que uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era uma infração contínua que durava enquanto a operação não fosse declarada compatível com o mercado interno pela Comissão, em conformidade com o Regulamento n.o 139/2004. Segundo a Comissão, no caso vertente, a infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 começou em 18 de dezembro de 2012 e cessou na data da adoção da decisão de autorização, designadamente, em 30 de setembro de 2013.

556    A Comissão considerou, por conseguinte, que a infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 teve a duração de nove meses e doze dias. Entendeu que esse período podia ser considerado particularmente longo, em especial por se tratar de uma operação de concentração que apresenta potenciais efeitos anticoncorrenciais.

557    Finalmente, a Comissão entendeu que se «justificava, no exercício do seu poder de apreciação, ter em consideração o período de pré‑notificação bem como da investigação aprofundada da fase I, para os fins do cálculo da duração da violação do artigo 7.o, n.o 1, [do Regulamento n.o 139/2004]». Em primeiro lugar, a Comissão recordou a este respeito que a operação visada tinha suscitado sérias dúvidas no mercado potencial do salmão escocês e que não podia excluir‑se que se tivesse produzido uma restrição da concorrência. Nessas circunstâncias, uma coima devia, segundo a Comissão, exercer o mais forte efeito dissuasivo possível. Em segundo lugar, a Comissão salientou que a recorrente não tinha mostrado disposição suficiente para comunicar informações no decurso da fase de pré‑notificação para justificar a exclusão desse período da duração total da infração, pelos motivos explicados mais em pormenor nos n.os 174 a 194 da decisão impugnada.

558    A recorrente não contesta o facto de que a violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 constituía uma infração instantânea. A terceira parte do quinto fundamento apenas diz respeito à apreciação pela Comissão da duração da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

559    No que respeita à duração da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, há que recordar que o Tribunal Geral declarou, no n.o 212 do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), que «a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a atividade da empresa controlada [prolongava‑se] necessariamente no tempo, entre a data de aquisição do controlo e o fim deste», e que «a entidade que adquiriu o controlo da empresa[…] [continuava] a exercê‑lo em violação da obrigação de suspensão que decorre do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, até ao momento em que lhe [punha] termo, obtendo autorização da Comissão ou deixando de exercer esse controlo». O Tribunal Geral precisou, além disso, no n.o 212 desse acórdão, que «a infração [persistia] enquanto se mantiver o controlo adquirido em violação do referido artigo 7.o, n.o 1, [do Regulamento n.o 4064/89] e enquanto a concentração não tiver sido autorizada pela Comissão» e que foi «portanto, com razão, que a Comissão qualificou a infração como tendo um caráter continuado até à data da autorização da concentração ou, eventualmente, até uma data anterior tomada em consideração atendendo às circunstâncias do caso concreto».

560    Estas considerações, que diziam respeito ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, aplicam‑se por analogia ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

561    Em aplicação desses princípios, o ponto de partida da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 era o dia 18 de dezembro de 2012, designadamente, a data da realização da concentração em causa, como a Comissão concluiu com razão. A recorrente não contesta aliás o ponto de partida considerado pela Comissão para a infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

562    Quanto à data em que cessou a infração, resulta das considerações que constam do n.o 559 supra que uma infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 cessa no momento em que a Comissão autoriza a concentração ou no momento em que a empresa em causa deixa de exercer o controlo. Uma infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 cessa igualmente no momento em que uma eventual derrogação à obrigação de suspensão seja concedida pela Comissão, a título do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004.

563    No caso vertente, foi portanto com razão que a Comissão concluiu que a infração tinha cessado na data em que a concentração foi autorizada pela Comissão, designadamente, em 30 de setembro de 2013. Com efeito, não tinha sido concedida pela Comissão qualquer derrogação à obrigação de suspensão, nem sequer tinha sido solicitada pela recorrente, e esta última nunca deixou, em nenhum momento, o controlo da Morpol. A infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 durou, portanto, de 18 de dezembro de 2012 a 30 de setembro de 2013, ou seja, teve uma duração de nove meses e doze dias, como a Comissão concluiu.

564    Nos n.os 172 a 195 da decisão impugnada, a Comissão fundamentou detalhadamente a sua decisão de não excluir o período de pré‑notificação nem o período de investigação aprofundada da fase I, a fim de determinar a duração da violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

565    A recorrente considera que a Comissão devia ter excluído o período de pré‑notificação da duração da infração e contesta várias das considerações que constam dos n.os 172 a 195 da decisão impugnada.

566    A este respeito, há que salientar que, quando a Comissão declara a existência de uma infração com uma duração de nove meses e doze dias, é perfeitamente normal que tenha em conta essa duração para os efeitos da fixação da coima. É certo que a Comissão pode decidir, no uso do seu poder discricionário, não ter em conta uma parte da duração de uma infração, tal como tem o direito de decidir não punir uma infração. No entanto, a Comissão não tem, em princípio, obrigação de não ter em consideração uma parte da duração de uma infração.

567    Interrogada na audiência sobre a questão de saber por que razão existia, em seu entender, uma obrigação de excluir o período de pré‑notificação da duração da infração, a recorrente precisou que esse argumento se baseava unicamente no princípio da igualdade de tratamento e que reclamava o mesmo tratamento que foi concedido à sociedade Electrabel na decisão Electrabel.

568    A este respeito, há que salientar que, no n.o 215 da sua decisão Electrabel, a Comissão decidiu, «dentro da sua margem de discricionariedade e sem prejuízo da sua posição de princípio», não tomar em consideração o período que abrange a pré‑notificação e a análise da concentração e constatar a existência de uma infração apenas até ao momento em que a Electrabel informou a Comissão da concentração.

569    Contudo, a Comissão concluiu igualmente, no n.o 211 da sua decisão Electrabel, que uma infração ao artigo 7.o do Regulamento n.o 4064/89 só podia cessar quando a Comissão autorizasse a concentração ou, se fosse caso disso, concedesse uma derrogação.

570    Há que assinalar que o simples facto de a Comissão ter decidido, num determinado caso, não ter em conta uma parte da duração da infração, e expressamente «dentro da sua margem de discricionariedade e sem prejuízo da sua posição de princípio», não é suscetível de alterar o quadro jurídico aplicável.

571    A referência feita, no n.o 212 do acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672), a «uma data anterior [à data da autorização da concentração] tomada em consideração atendendo às circunstâncias do caso concreto» deve ser entendida como uma referência à faculdade da Comissão de, no âmbito do seu poder discricionário, não ter em conta um período da infração a fim de fixar a sua duração. Daí não resulta uma obrigação da Comissão de considerar, como data da cessação da infração, uma data anterior à data da autorização da concentração pela Comissão.

572    A fim de justificar a sua decisão de não excluir a fase de pré‑notificação nem a fase de análise da concentração da duração da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão salientou, no n.o 172 da decisão impugnada, que a operação visada tinha suscitado sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e que não se podia excluir que se tivesse produzido uma restrição da concorrência, pelo menos em certa medida, após a realização da operação visada e antes da sua autorização.

573    Esta consideração, por si só, é suficiente para justificar o facto de a Comissão não ter adotado a mesma abordagem que seguiu na sua decisão Electrabel, que consistiu em excluir o período que abrange a pré‑notificação e a análise da concentração da duração da infração.

574    Nesse âmbito, há que recordar que, no processo em que foi adotada a decisão Electrabel, a Comissão concluiu que a concentração não suscitava nenhum problema de concorrência. Isso implica que a realização prematura dessa concentração não tinha tido qualquer efeito danoso sobre a concorrência.

575    No entanto, no caso vertente, a presença de efeitos danosos sobre a concorrência devido à realização prematura da concentração não pode ser excluída (v. n.os 505 a 517 supra). Nessas circunstâncias, não é adequado que a Comissão exclua o período que abrange a pré‑notificação e a análise da concentração da duração da infração. Com efeito, o risco de efeitos danosos sobre a concorrência aumenta, em tal caso, com a duração da infração. A situação da recorrente e a situação da Electrabel no processo em que foi adotada a decisão Electrabel não são portanto comparáveis, de modo que a recorrente não pode invocar utilmente o princípio da igualdade de tratamento.

576    Daí resulta que não é necessário analisar os argumentos da recorrente que visam contestar a apreciação da Comissão, na decisão impugnada, segundo a qual a recorrente se tinha mostrado reticente em fornecer à Comissão todos os dados pertinentes sobre o mercado. Mesmo admitindo que a recorrente tenha demonstrado uma atitude de cooperação no procedimento de notificação da concentração, como alega, isso não justifica a aplicação da mesma abordagem que foi seguida na decisão Electrabel e a exclusão do período que abrange a pré‑notificação e a análise da concentração da duração da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

577    Resulta do exposto que a Comissão apreciou corretamente a duração da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, e que foi com razão que não excluiu o período de pré‑notificação nem o período de análise da concentração da duração da infração.

578    Por conseguinte, a terceira parte do quinto fundamento é julgada improcedente.

4.      Quanto à quarta parte, relativa ao facto de a coima ser desproporcionada

579    A quarta parte do quinto fundamento articula‑se em torno de três acusações, relativas, a primeira, ao facto de a coima exceder o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido, a segunda, a que a coima é desproporcionada em relação à duração e à gravidade das infrações alegadas e, a terceira, a que a coima é excessiva e deve ser reduzida.

580    Há que recordar, antes de mais, que o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, não devendo os inconvenientes causados ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos. Daqui resulta que os montantes das coimas não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos, ou seja, relativamente ao cumprimento das regras de concorrência, e que o montante da coima aplicada a uma empresa a título de uma infração em matéria de concorrência deve ser proporcionado à infração, apreciada no seu conjunto, tendo em conta, nomeadamente, a gravidade desta (v. acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 279 e jurisprudência referida).

581    Além disso, há que recordar que, segundo o artigo 16.o do Regulamento n.o 139/2004, o Tribunal de Justiça da União Europeia conhece, no exercício da competência de plena jurisdição, dos recursos interpostos contra as decisões da Comissão em que tenha sido aplicada uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória; o Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicadas. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (v. acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, EU:C:2011:810, n.o 103 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 265).

a)      Quanto à primeira acusação, relativa a que a coima excede o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido

582    A recorrente recorda que a Comissão considerou, no n.o 206 da decisão impugnada, que era necessária uma coima importante para garantir um efeito suficientemente dissuasivo. A recorrente concede que, segundo o acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 282), a Comissão «tem razão em tomar em consideração a necessidade de garantir que [as coimas] tenham um efeito suficientemente dissuasivo». No entanto, segundo a recorrente, isso não torna, por si só, uma coima «necessária» para a realização do objetivo prosseguido no caso vertente. Segundo a recorrente, uma decisão que declara a existência de uma infração e clarifica o alcance do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 foi suficiente, no caso vertente, para garantir a segurança jurídica e constituiu a medida menos restritiva.

583    A este respeito, há que recordar que vários argumentos da recorrente que visam demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao impor uma coima que excede uma coima simbólica já foram julgados improcedentes no âmbito da análise do quarto fundamento.

584    No que respeita, em especial, ao efeito dissuasivo da coima, há que salientar que uma simples decisão que declara a existência de uma infração e clarifica o alcance do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não teria manifestamente o mesmo efeito dissuasivo que a decisão impugnada, que aplica uma coima de 20 milhões de euros (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 295). Por conseguinte, era necessário impor uma coima significativa a fim de atingir o objetivo de garantir, no futuro, o respeito das regras de concorrência.

585    O simples facto de as infrações terem sido cometidas por negligência não implica que não fosse necessário impor coimas de montante suficientemente dissuasivo. A este respeito, há que salientar que o processo em que foi adotada a decisão Electrabel dizia igualmente respeito a uma infração cometida por negligência (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 276).

586    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual o presente processo diz respeito a uma eventual infração cometida devido a uma interpretação incorreta, desculpável, do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, basta recordar que o comportamento da recorrente foi negligente e que não existia nenhum erro desculpável por sua parte (v. análise do segundo fundamento e n.o 484 supra).

587    A recorrente não suscitou, portanto, nenhum argumento, no âmbito da primeira acusação da quarta parte do quinto fundamento, suscetível de pôr em causa a proporcionalidade da coima imposta.

b)      Quanto à segunda acusação, relativa à desproporcionalidade da coima relativamente à duração e à gravidade das infrações alegadas

588    A recorrente sustenta que, devido a erros de direito e de facto cometidos na apreciação da gravidade e da duração da infração alegada, a coima é manifestamente desproporcionada em relação à gravidade e à duração reais da infração alegada.

589    A este respeito, basta recordar que os argumentos da recorrente relativos aos pretensos erros cometidos pela Comissão na apreciação da gravidade e da duração das infrações foram julgados improcedentes no âmbito da análise da segunda e terceira partes do quinto fundamento.

590    Portanto, há que julgar improcedente a segunda acusação da quarta parte do quinto fundamento.

c)      Quanto à terceira acusação, relativa ao facto de a coima ser excessiva e dever ser reduzida

591    A recorrente salienta que, na decisão impugnada, a Comissão aplicou uma coima idêntica à que foi imposta na decisão Electrabel, ainda que existam diferenças significativas entre os dois processos, designadamente em termos de duração das infrações alegadas e de volume de negócios global das empresas. Sublinha que a duração da infração no processo em que foi adotada a decisão Electrabel era mais de 4,5 vezes superior à da infração ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 no caso vertente. A recorrente salienta, além disso, que a coima imposta na decisão Electrabel equivalia a 0,04% dos rendimentos globais do autor da infração, contra 1% no caso vertente. Sublinha, além disso, que a coima imposta na decisão Electrabel equivalia apenas a 0,42% da coima máxima autorizada, contra 10% no caso vertente. Além disso, a coima imposta à Electrabel equivalia a cerca de 1/13 do valor da operação, ao passo que era de cerca de 1/6 do valor da operação no presente processo.

592    A este respeito, há que recordar que, como a recorrente admite, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 259 e jurisprudência referida).

593    A recorrente sublinha a este respeito que não pede que o Tribunal Geral aplique a mesma fórmula matemática que foi aplicada na decisão Electrabel, o que implicaria uma redução da coima imposta à recorrente segundo um coeficiente de 25. Pede, no entanto, que o Tribunal Geral se digne, no exercício da sua competência de plena jurisdição, ter em consideração a diferença de tratamento entre a Electrabel e a recorrente, que é surpreendente, e ter em devida conta as circunstâncias do caso vertente.

594    Há que salientar que a coima no caso vertente é, com efeito, muito mais elevada em relação ao volume de negócios da recorrente que a coima aplicada na decisão Electrabel, embora essas duas coimas sejam idênticas em termos absolutos (20 milhões de euros nos dois processos). No entanto, há que recordar que as decisões anteriores da Comissão em matéria de coimas só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões são comparáveis com os do caso em apreço (v. acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, EU:T:2012:332, n.o 262 e jurisprudência referida).

595    No caso vertente, em primeiro lugar, há que ter em conta o facto de que, na decisão Electrabel, a Comissão apenas tinha aplicado uma coima por violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89. No caso vertente, a Comissão podia com razão aplicar duas coimas pelas violações do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

596    Em segundo lugar, há que ter em conta o facto de que, no caso vertente, a operação visada suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e que a realização prematura da concentração pode ter tido efeitos negativos sobre a concorrência, contrariamente ao que acontecia no processo em que foi adotada a decisão Electrabel. Esse facto, por si só, justifica a aplicação de uma coima muito mais significativa que a que foi aplicada na decisão Electrabel.

597    A recorrente alega a este respeito que a Comissão tinha sublinhado, na sua decisão Electrabel, que o facto de a transação não ter suscitado problemas de concorrência não era suscetível de afetar a seriedade da infração e que a presença de um dano concorrencial teria tornado a infração mais séria. Segundo a recorrente, o processo em que foi adotada a decisão Electrabel e o presente processo não implicaram qualquer dano efetivo para a concorrência.

598    A este respeito, basta recordar, por um lado, que o facto de uma concentração suscitar sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno torna a realização prematura dessa concentração mais grave que a realização prematura de uma concentração que não suscita problemas de concorrência, salvo se puder excluir‑se num determinado caso que a sua realização sob a forma inicialmente prevista e não autorizada pela Comissão possa ter tido efeitos danosos sobre a concorrência (v. n.o 500 supra), e, por outro lado, que, no caso vertente, não pode excluir‑se a influência negativa da realização prematura da concentração sobre a concorrência (v. n.o 514 supra).

599    Além disso, a recorrente alega que o contexto do presente processo, designadamente, em primeiro lugar, o recurso à isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, em segundo lugar, o respeito concomitante das condições previstas no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 e, em terceiro lugar, a plena cooperação com a Comissão quando da elaboração de um conjunto de medidas corretivas apropriadas, torna insignificante qualquer eventual diferença factual em relação ao processo em que foi adotada a decisão Electrabel.

600    No que respeita ao primeiro elemento, há que recordar que o presente processo diz respeito a uma infração cometida por negligência, como a infração em causa no processo em que foi adotada a decisão Electrabel. A circunstância de o erro da recorrente ter porventura tido por objeto o alcance da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não torna a infração menos grave.

601    No que respeita ao segundo elemento, há que salientar que a Comissão considerou como atenuantes as circunstâncias de que a recorrente não exerceu os seus direitos de voto na Morpol e que tinha mantido a Morpol como entidade separada da recorrente durante o procedimento de controlo da concentração (n.os 196 e 198 da decisão impugnada). No entanto, há que recordar que essas medidas não excluem que a realização prematura da concentração tenha produzido efeitos negativos sobre a concorrência (v. n.o 516 supra).

602    No que respeita ao terceiro elemento, a Comissão sublinha com razão que era do próprio interesse comercial da recorrente propor medidas corretivas. Se a recorrente não tivesse proposto tais medidas, a Comissão teria iniciado os procedimentos da segunda fase, que teriam prolongado a infração e poderiam no fim de contas ter levado à proibição da concentração. O facto de a recorrente ter proposto medidas corretivas apropriadas não torna, portanto, a infração menos grave.

603    Há que salientar, além disso, quanto à comparação entre o presente processo e o processo em que foi adotada a decisão Electrabel, que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a certos tipos de infrações não a pode privar da possibilidade de subir esse nível dentro dos limites indicados na regulamentação em causa, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. Com efeito, a aplicação eficaz das regras de concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v. acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão, T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 286 e jurisprudência referida).

604    A este respeito, a recorrente alega que o presente processo não diz respeito a uma violação clara da obrigação de statu quo e que diz respeito quando muito a uma interpretação errada do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 devida a um erro desculpável. Por conseguinte, segundo a recorrente, nenhum argumento de política da concorrência pode justificar o nível da coima no caso vertente.

605    Quanto a esse argumento da recorrente, basta recordar que o comportamento da recorrente foi negligente e que não havia erro desculpável por sua parte (v. análise do segundo fundamento e n.o 484 supra).

606    Além disso, há que salientar que o montante global das duas coimas impostas no caso vertente corresponde a cerca de 1% do volume de negócios da recorrente. A Comissão indica, a este respeito, que esse montante corresponde a 10% do montante máximo autorizado.

607    A Comissão sublinha com razão, no articulado de defesa, que a escolha de fixar a coima num montante situado no extremo inferior do intervalo autorizado reflete o equilíbrio procurado pela Comissão entre, por um lado, a gravidade das infrações cometidas, o potencial efeito negativo sobre a concorrência que a operação de concentração podia ter causado, a dimensão e a complexidade da estrutura da recorrente e a necessidade de aplicar uma sanção suficientemente dissuasiva e, por outro, certas circunstâncias atenuantes, como a atitude mais negligente do que deliberada da recorrente, o facto de ter pedido conselhos jurídicos, o facto de não ter exercido os direitos de voto que lhe conferia a sua participação no capital e a separação das duas atividades até à autorização da operação.

608    À luz dos elementos mencionados no n.o 607 supra, o montante das coimas não pode ser considerado desproporcionado. Efetivamente, o montante das coimas, mesmo consideradas em conjunto, situa‑se no extremo inferior do intervalo autorizado, o que reflete um justo equilíbrio entre os fatores a ter em conta e o que é proporcionado à luz das circunstâncias do caso vertente. Por essas razões, há que considerar que o montante das coimas impostas é apropriado à luz das circunstâncias do caso vertente.

609    Nenhum dos argumentos e das provas aduzidos pela recorrente permite ao Tribunal Geral, no âmbito do exercício da sua plena jurisdição, concluir que as coimas impostas não são adequadas.

610    Quanto à argumentação da recorrente segundo a qual os órgãos jurisdicionais da União reduziram significativamente as coimas impostas pela Comissão em circunstâncias semelhantes às do presente processo, há que concluir que, como sublinha a Comissão, os factos na origem desses processos não eram comparáveis aos que estão na origem do presente processo.

611    Em primeiro lugar, no que respeita ao acórdão de 28 de março de 1984, Officine Bertoli/Comissão (8/83, EU:C:1984:129), há que salientar que o Tribunal de Justiça reduziu em 75% a coima imposta à recorrente por uma infração ao artigo 60.o CECA. O Tribunal de Justiça assinalou, no n.o 29 desse acórdão, o seguinte:

«[Certas] circunstâncias especiais do caso vertente justificam uma redução, por motivos de equidade. No decurso dos últimos trinta anos, a recorrente, apesar de vários controlos efetuados pela Comissão, nunca foi objeto, até à presente data, de sanções por infração às regras em matéria de preços, de contribuições ou mesmo de cotizações. A essa circunstância acresce o caráter incerto dos comunicados da Comissão que, advertindo as empresas em questão do reforço e da extensão dos controlos sobre o respeito dos preços e das condições de venda impostos pelo artigo 60.o do Tratado CECA, não chamou a sua atenção para a intenção da Comissão de punir mais severamente, como podia fazê‑lo, as infrações constatadas.»

612    A recorrente afirma a este respeito que, «[de] maneira semelhante, a isenção da obrigação de statu quo foi introduzida cerca de 25 anos antes da decisão» e que «nunca foi imposta nenhuma sanção por uma aplicação errada da isenção».

613    A este respeito, há que salientar que a Comissão não impôs uma coima por uma aplicação errada da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, mas pela violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Não se trata do primeiro processo no qual a Comissão impôs coimas pela realização de uma concentração antes da sua notificação e antes da sua autorização.

614    Aliás, as considerações que constam do n.o 29 do acórdão de 28 de março de 1984, Officine Bertoli/Comissão (8/83, EU:C:1984:129), diziam respeito à situação de uma única e mesma empresa à qual não tinha sido aplicada nenhuma coima, apesar de vários controlos. Essas considerações não podiam ser transpostas para a situação da totalidade das empresas, quando não foi aplicada qualquer sanção a qualquer empresa.

615    Além disso, no que se refere ao respeito das regras de concorrência, não existe um sistema de controlos regulares, contrariamente à situação que se apresenta no acórdão de 28 de março de 1984, Officine Bertoli/Comissão (8/83, EU:C:1984:129).

616    Em segundo lugar, no que respeita ao acórdão de 19 de outubro de 1983, Lucchini Siderurgica/Comissão (179/82, EU:C:1983:280), a recorrente sublinha que o Tribunal de Justiça reduziu em 50% a coima que tinha sido aplicada devido à ultrapassagem da quota de produção de aço.

617    O Tribunal de Justiça concluiu que «circunstâncias excecionais» justificavam o afastamento da taxa normal aplicada pela Comissão. A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que, no trimestre em questão, a recorrente no processo em que foi proferido esse acórdão se tinha confrontado com dificuldades excecionais em respeitar a quota atribuída e que tinha procedido à diminuição da sua produção posterior. O Tribunal de Justiça concluiu, além disso, que a recorrente nesse processo tinha proposto antecipadamente, por telex, a compensação da ultrapassagem da quota através de uma redução da sua produção posterior e que a Comissão não tinha respondido a esse telex, em violação das regras da boa administração, deixando a recorrente na incerteza sobre a questão de saber se aceitava a sua proposta (acórdão de 19 de outubro de 1983, Lucchini Siderurgica/Comissão, 179/82, EU:C:1983:280, n.os 25 a 27).

618    A recorrente afirma que minimizou igualmente qualquer consequência negativa da sua eventual infração, abstendo‑se de exercer os seus direitos de voto e mantendo a Morpol como entidade separada durante o procedimento de autorização da Comissão. Além disso, segundo a recorrente, a Comissão deixou a recorrente na incerteza quanto à questão de saber se a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 se aplicava até à conclusão pela Comissão do procedimento de controlo da concentração.

619    No entanto, no caso vertente, contrário da situação na origem do acórdão de 19 de outubro de 1983, Lucchini Siderurgica/Comissão (179/82, EU:C:1983:280), não existe uma taxa normal para a aplicação de uma coima pela infração ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Como resulta do n.o 25 do acórdão de 19 de outubro de 1983, Lucchini Siderurgica/Comissão (179/82, EU:C:1983:280), a coima devia ser fixada, segundo uma decisão geral, num montante de 75 ecus por tonelada de ultrapassagem, salvo em casos excecionais que justifiquem o afastamento dessa taxa normal.

620    No caso vertente, o facto de a recorrente ter reduzido o risco de efeitos negativos sobre a concorrência, abstendo‑se de exercer os seus direitos de voto e mantendo a Morpol como entidade separada no decurso do período de análise da concentração, foi tido em devida conta pela Comissão, nos n.os 196 e 198 da decisão impugnada, a título de circunstâncias atenuantes. Por conseguinte, não é necessário ter em conta essa circunstância pela segunda vez, reduzindo o montante das coimas impostas pela Comissão.

621    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão deixou a recorrente na incerteza sobre a questão de saber se a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 se aplicava, basta constatar que, uma vez que a recorrente não abordou a Comissão a fim de obter esclarecimentos quanto à aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 no caso vertente, não pode censurar a Comissão por a ter deixado na incerteza quando a esse assunto. Contrariamente ao processo em que foi proferido o acórdão de 19 de outubro de 1983, Lucchini Siderurgica/Comissão (179/82, EU:C:1983:280), não houve, no caso vertente, um contacto da recorrente que tenha ficado sem resposta por parte da Comissão.

622    Em terceiro lugar, a recorrente baseia‑se no acórdão de 16 de maio de 1984, Eisen und Metall/Comissão (9/83, EU:C:1984:177), no qual o Tribunal de Justiça reduziu em 50% o montante da coima imposta pela Comissão à recorrente, um comerciante de aço, por ter praticado preços inferiores aos da lista publicada e por ter, por isso, aplicado condições desiguais no âmbito de transações comparáveis (v. n.os 27 e 41 a 46 do acórdão).

623    Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, quando a violação foi cometida por um comerciante, a influência mais reduzida que este pode exercer sobre a situação do mercado constitui uma circunstância que atenua a gravidade da infração e que, nessas circunstâncias, a aplicação de uma coima muito elevada só pode ser justificada por circunstâncias que demonstrem uma gravidade especial da violação cometida por um comerciante (acórdão de 16 de maio de 1984, Eisen und Metall/Comissão, 9/83, EU:C:1984:177, n.os 43 e 44). Foi nessas circunstâncias que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 45 desse acórdão, que não se justificava uma coima igual a 110% das subcotações, tendo a Comissão fundamentado o montante da coima apenas com referência ao facto de o montante da coima dever ser de nível suficiente para dissuadir a empresa de cometer novas subcotações.

624    Portanto, do acórdão de 16 de maio de 1984, Eisen und Metall/Comissão (9/83, EU:C:1984:177), resulta apenas que a referência à necessidade de um efeito suficientemente dissuasivo não basta para demonstrar a gravidade especial de uma violação cometida por um comerciante.

625    No caso vertente, a Comissão não era obrigada a demonstrar a especial gravidade da infração a fim de justificar a aplicação de uma coima elevada. Com efeito, não pode afirmar‑se que a recorrente apenas podia exercer uma influência reduzida no mercado.

626    Na medida em que a recorrente se baseia num erro desculpável cometido na interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, basta recordar que esse argumento já foi julgado improcedente no n.o 484 supra.

627    Em quarto lugar, a recorrente baseia‑se no acórdão de 14 de julho de 1994, Parker Pen/Comissão (T‑77/92, EU:T:1994:85). No n.o 94 desse acórdão, o Tribunal Geral salientou que «a Comissão não teve em conta o facto de o volume de negócios realizado com os produtos a que a infração diz respeito ser relativamente baixo quando comparado com o que resulta do conjunto das vendas realizadas pela Parker» e que «a fixação de uma coima apropriada não [podia] ser resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global». O Tribunal Geral reduziu portanto a coima em cerca de 43%, de 700 000 ecus para 400 000 ecus (n.o 95 do acórdão).

628    A recorrente alega que, de modo semelhante, as vendas de salmão escocês de viveiro realizadas em 2012 pela Morpol, setor no qual a Comissão identificou problemas de concorrência, eram relativamente fracas quando comparadas com o conjunto das suas vendas, a saber, 5%.

629    A este respeito, há que salientar que o acórdão de 14 de julho de 1994, Parker Pen/Comissão (T‑77/92, EU:T:1994:85), dizia respeito a uma infração ao artigo 101.o TFUE. No que respeita às violações ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, não é adequado calcular o montante da coima com base no valor das vendas no setor em questão por eventuais problemas de concorrência. Com efeito, a realização de uma concentração antes da notificação e autorização não diz exclusivamente respeito ao setor do mercado no qual a Comissão pôde identificar problemas de concorrência. Caso contrário, a coima devia, em princípio, ser fixada em 0 euros no caso de uma concentração que não suscita qualquer problema de concorrência.

630    Aliás, no caso vertente, a Comissão não efetuou um «simples cálculo baseado no volume de negócios global», mas teve em conta uma multiplicidade de elementos no âmbito da apreciação da natureza, da gravidade e da duração da infração.

631    Portanto, a quarta parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

5.      Quanto à quintaparte, relativa a que a decisão impugnada não admite, erradamente, circunstâncias atenuantes

632    A recorrente alega que a Comissão devia ter admitido a título de circunstâncias atenuantes os elementos seguintes:

–        a cooperação da recorrente no âmbito do procedimento de controlo das concentrações;

–        a falta de precedentes pertinentes;

–        a existência de um erro desculpável que estava na origem das infrações alegadas.

633    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

634    Em primeiro lugar, no que respeita à pretensa cooperação da recorrente no âmbito do procedimento de controlo das concentrações, admitindo que essa cooperação se verifica, há que sublinhar que não se trata de uma circunstância atenuante no quadro de um procedimento relativo às infrações ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

635    É verdade que, nos procedimentos relativos às infrações aos artigos 101.o ou 102.o TFUE, a cooperação de um recorrente no quadro do procedimento administrativo pode, se for caso disso, ser tida em conta como circunstância atenuante. Em tais procedimentos, nos quais a Comissão visa apurar a existência de infrações, não é de todo evidente que as empresas visadas pela investigação mostrem uma atitude de cooperação e ajudem ativamente a Comissão a demonstrar a infração.

636    No entanto, no caso vertente, a recorrente não se baseia numa pretensa cooperação no procedimento administrativo que visa apurar a existência das infrações ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

637    A recorrente afirma simplesmente que cooperou no procedimento de controlo das concentrações. A este respeito, há que sublinhar que é lógico que uma empresa que deseja obter autorização para uma concentração coopere com a Comissão a fim de acelerar o processo, no seu próprio interesse (v., quanto à proposta de medidas corretivas pela recorrente, n.o 602 supra).

638    A Comissão não pode, portanto, ser censurada por não ter em conta tal cooperação a título de circunstância atenuante.

639    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Comissão devia ter‑lhe concedido o benefício de uma circunstância atenuante ligada à falta de precedentes pertinentes que verifiquem uma violação da obrigação de statu quo relacionada com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. A recorrente sublinha a este respeito que, na sua Decisão de 18 de fevereiro de 1998 (processo n.o IV/M.920 — Samsung/AST) (a seguir «decisão Samsung/AST»), bem como na sua Decisão de 10 de fevereiro de 1999 (processo n.o IV/M.969 — A. P. Møller) (a seguir «decisão A. P. Møller»), a Comissão admitiu como fator atenuante o facto de o comportamento em causa ter ocorrido num momento em que ainda não tinha tomado qualquer decisão de declaração da existência de uma infração a respeito do comportamento em questão.

640    A este respeito, deve salientar‑se que a Comissão não tem a obrigação de tomar em consideração, a título de circunstância atenuante, o facto de um comportamento que tenha exatamente as mesmas características que aquele que está em causa ainda não ter conduzido à aplicação de uma coima. Além disso, em primeiro lugar, há que recordar que, na decisão Yara/Kemira GrowHow, a Comissão já se pronunciou sobre a maneira como deve ser interpretado o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, se bem que num obiter dictum (v. n.o 419 supra). Em segundo lugar, a Comissão aplicou em vários processos coimas a título do artigo 14.o do Regulamento n.o 4064/89, mesmo que esses processos não digam respeito à interpretação da exceção prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

641    No que respeita à decisão Samsung/AST, há que salientar que a Comissão concluiu, no seu considerando 28, ponto 5, que essa decisão era «a primeira [que tinha] tomado […] em aplicação do artigo 14.o do Regulamento [n.o 4064/89]». No considerando 21 da decisão A. P. Møller, a Comissão concluiu que «as infrações [tinham] sido cometidas ao mesmo tempo que a infração que foi objeto da decisão Samsung, quando a Comissão ainda não tinha tomado uma decisão ao abrigo do […] artigo 14.o do Regulamento [n.o 4064/89]», que «[esse] facto [tinha] sido considerado uma circunstância atenuante na decisão Samsung» e que «o mesmo raciocínio [era] aplicável no caso vertente.»

642    Nessas decisões, a Comissão não se limitou, portanto, a assinalar que ainda não tinha aplicado nenhuma coima por um comportamento que apresentava exatamente as mesmas características, mas assinalou que não tinha sido tomada uma decisão ao abrigo do artigo 14.o do Regulamento n.o 4064/89. A situação no caso vertente não é, por conseguinte, comparável às que estiveram na origem das decisões Samsung/AST e A. P. Møller.

643    Em terceiro lugar, a recorrente alega que, mesmo admitindo que a decisão impugnada possa, com razão, qualificar de negligentes as pretensas violações pela recorrente do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, a decisão não deixa a recorrente beneficiar da circunstância atenuante que resulta do facto de a infração alegada ter sido causada por um erro desculpável e de que não visava contornar o controlo da Comissão.

644    A este respeito, basta concluir que a existência de um erro desculpável pressupõe que a pessoa em questão fez prova de toda a diligência exigida por uma pessoa normalmente atenta (v. n.o 484 supra). A constatação de uma negligência por parte da recorrente exclui portanto necessariamente a existência de um erro desculpável por sua parte.

645    Por conseguinte, a quinta parte do quinto fundamento, bem como o quinto fundamento no seu conjunto, devem ser julgados improcedentes.

646    À luz de todas as considerações precedentes, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

647    Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Marine Harvest ASA é condenada nas despesas.

DittrichSchwarczTomljenović

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de outubro de 2017.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Aquisição da Morpol pela recorrente

B. Fase de prénotificação

C. Notificação e decisão que autoriza a concentração sob reserva do respeito de determinados compromissos

D. Decisão impugnada e tramitação processual que conduziu à sua adoção

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto, por a decisão impugnada rejeitar a aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

1. Quanto às três primeiras partes do primeiro fundamento

a) Observações preliminares

b) Quanto à aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

1) Quanto ao facto de a concentração em causa não ser abrangida pela redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

2) Quanto à argumentação da recorrente relativa à pretensa existência de uma concentração única

i) Observações preliminares

ii) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a comunicação consolidada em matéria de competência

iii) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a jurisprudência do Tribunal Geral e a prática decisória da Comissão

iv) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004

v) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a posição da Comissão está em contradição com a prática dos EstadosMembros

vi) Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão interpretou de maneira errada a razão de ser do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

2. Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a recorrente ter respeitado o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004

B. Quanto ao segundo fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto na medida em que a decisão impugnada conclui que a recorrente foi negligente

C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violação do princípio geral ne bis in idem

1. Observações preliminares sobre a relação entre o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004

2. Quanto à aplicabilidade no caso vertente do princípio ne bis in idem

3. Quanto aos argumentos da recorrente relativos ao concurso de infrações

D. Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de direito e de facto cometido na aplicação de coimas à recorrente

1. Quanto à primeira parte, relativa a violação dos princípios da segurança jurídica e do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege

2. Quanto à segunda parte, relativa a violação do princípio geral da igualdade de tratamento

E. Quanto ao quinto fundamento, relativo a erro manifesto de direito e de facto e a falta de fundamentação no que se refere à fixação dos níveis das coimas

1. Quanto à primeira parte, relativa a falta de fundamentação no que se refere à fixação do montante da coima

2. Quanto à segunda parte, relativa a uma apreciação errada da gravidade das infrações alegadas

a) Quanto à tomada em consideração da negligência da recorrente

b) Quanto à tomada em consideração da existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado interno

c) Quanto à tomada em consideração dos precedentes relativos à recorrente e a outras sociedades

1) Quanto à tomada em consideração do processo em que foi adotada a decisão Pan Fish/Fjord Seafood

2) Quanto à tomada em consideração de processos relativos a outras empresas

3. Quanto à terceira parte, relativa a apreciação errada da duração da infração alegada

4. Quanto à quarta parte, relativa ao facto de a coima ser desproporcionada

a) Quanto à primeira acusação, relativa a que a coima excede o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido

b) Quanto à segunda acusação, relativa à desproporcionalidade da coima relativamente à duração e à gravidade das infrações alegadas

c) Quanto à terceira acusação, relativa ao facto de a coima ser excessiva e dever ser reduzida

5. Quanto à quinta parte, relativa a que a decisão impugnada não admite, erradamente, circunstâncias atenuantes

Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.