Language of document : ECLI:EU:C:2000:336

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

22 de Junho de 2000 (1)

«Acordo de Associação CEE/Turquia - Livre circulação dos trabalhadores - Artigo 7.°, primeiro parágrafo, da decisão n.° 1/80 do Conselho da Associação - Membro da família dum trabalhador turco - Conceito de residência regular - Períodos durante os quais a pessoa autorizada a visitar o trabalhador viveu com ele em concubinato - Direito a ter um emprego - Pedido de medidas provisórias»

No processo C-65/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Safet Eyüp

e

Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Vorarlberg,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: R. Schintgen (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, P. J. G. Kapteyn, G. Hirsch, H. Ragnemalm e V. Skouris, juízes,

advogado-geral: A. La Pergola,


secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação de S. Eyüp, par W. L. Weh, advogado em Bregenz,

-    em representação do Governo austríaco, por W. Okresek, Sektionschef na Chancelaria, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo alemão, por E. Röder e C.-D. Quassowski, Ministerialrat e Regierungsdirector, respectivamente, no Ministério federal da Economia, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ridley, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistido por D. Anderson, barrister,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. J. Kuijper, consultor jurídico, e B. Brandtner, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de S. Eyüp, representada por W. L. Weh, do Governo austríaco, representado por G. Hesse, da Chancelaria, e por I. Nowotny, Ministerialrätin na Chancelaria, na qualidade de agentes, do Governo do Reino Unido, representado por R. V. Magrill, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, eD. Anderson, e da Comissão, representada por P. J. Kuijper e B. Brandtner, na audiência de 9 de Setembro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Novembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 18 de Dezembro de 1997, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de Março de 1998, o Verwaltungsgerichtshof apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), cinco questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n.° 1/80»). O Conselho de Associação foi instituído pelo acordo que criou uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, que foi assinado, em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados-Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18).

2.
    Estas questões foram suscitadas num litígio que opõe S. Eyüp, nacional turca, ao Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Vorarlberg, a propósito duma decisão pela qual foi indeferido o seu pedido que visava o reconhecimento de que preenchia as condições previstas no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 para exercer uma actividade por conta de outrem na Áustria.

A Decisão n.° 1/80

3.
    Os artigos 6.° e 7.° da Decisão n.° 1/80 constam do respectivo Capítulo II intitulado «Disposições sociais», secção 1, referente às «Questões relativas ao emprego e livre circulação dos trabalhadores».

4.
    O artigo 6.°, n.° 1, tem a seguinte redacção:

«Sem prejuízo do disposto do artigo 7.° relativamente ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro:

-    tem direito, nesse Estado-Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

-    tem direito, nesse Estado-Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, a responder, dentro da mesma profissão, a uma entidade patronal de sua escolha, a outra oferta de emprego, feita em condições normais e registada nos serviços de emprego desse Estado-Membro;

-    beneficia, nesse Estado-Membro, após quatro anos de emprego regular, de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha.»

5.
    O artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 prevê:

«Os membros da família de um trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro, que tenham sido autorizados a reunir-se-lhe:

-    têm o direito de responder - sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade - a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado-Membro há pelo menos três anos;

-    beneficiam, nesse Estado-Membro, de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.»

Processo principal

6.
    Resulta dos autos do processo principal que, em 23 de Setembro de 1983, S. Eyüp, nascida em 1963, casou em Lauterach (Áustria) com um trabalhador turco integrado no mercado regular do trabalho deste Estado-Membro desde 1975.

7.
    Na sequência deste casamento, as autoridades austríacas emitiram à demandante no processo principal uma autorização de permanência por razões de reagrupamento familiar.

8.
    Em 13 de Novembro de 1985, o Tribunal de Trabzon (Turquia) decretou o divórcio do casal.

9.
    Todavia, está provado que o casal Eyüp continuou a viver junto em regime de concubinato, de forma que a sua vida em comum na Áustria perdura desde a data do seu casamento. Quatro dos sete filhos do casal nasceram no decurso do período durante o qual coabitaram sem estarem casados.

10.
    Em 7 de Maio de 1993, S. Eyüp casou pela segunda vez com o seu ex-marido em Egg (Áustria). C. Eyüp reconheceu então os quatro filhos do casal nascidos fora da constância do matrimónio.

11.
    C. Eyüp dispõe na Áustria de um «Befreiungsschein», um documento emitido pela administração que o autoriza a empregar-se em todo o território deste Estado-Membro sem autorização de trabalho, segundo as mesmas regras que as aplicáveis aos cidadãos nacionais.

12.
    S. Eyüp que se dedicou essencialmente às tarefas domésticas, apenas exerceu no Estado-Membro de acolhimento algumas actividades de curta duração durante um período total de 877 dias, e não preenche as condições de emprego regular previstas no artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

13.
    Tendo uma entidade patronal para quem S. Eyüp já tinha trabalhado e que se propunha contratá-la de novo exigido que esta última apresentasse a autorização de trabalho exigida, para evitar expor-se a um procedimento penal por emprego ilegal de um cidadão estrangeiro, a demandante no processo principal apresentou, em 23 de Abril de 1997, no Arbeitsmarkservice Bregenz (Áustria), um pedido de que se declarasse que preenchia as condições previstas no artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Decisão n.° 1/80.

14.
    Tendo este pedido sido indeferido em 7 de Julho seguinte, S. Eyüp interpôs recurso desta decisão para o Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Vorarlberg.

15.
    Em 24 de Setembro de 1997, porém, este último confirmou a decisão recorrida.

16.
    Com efeito, as autoridades austríacas consideraram que, por um lado, só a esposa - e não a concubina - do trabalhador turco devia ser considerada como um membro da família deste na acepção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 e que o concubinato de C. Eyüp e de S. Eyüp tinha feito perder a esta última o benefício do período de casamento situado entre 23 de Setembro de 1983 e 13 de Novembro de 1985. Por outro lado, se se tomasse como ponto de partida a data do seu segundo casamento, a demandante no processo principal ainda não preenchia a condição de prazo prevista no segundo travessão da referida disposição, uma vez que não residia na Áustria pelo menos há mais de cinco anos na qualidade de membro da família de um trabalhador turco.

17.
    S. Eyüp interpôs então recurso judicial para o Verwaltungsgerichtshof no qual censurava as autoridades administrativas competentes designadamente por terem omitido o reconhecimento de que preenchia, pelo menos, as condições constantes do artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80.

18.
    Paralelamente a este recurso, S. Eyüp apresentou um pedido de medidas provisórias para que o Verwaltungsgerichtshof conservasse o seu direito de exercer uma actividade por conta de outrem até à declaração definitiva do seu direito de acesso ao mercado de trabalho austríaco. A este propósito, S. Eyüp sustenta que o facto de ser impedida de exercer uma actividade remunerada põe em causa não apenas a sua própria existência mas também a da sua família e lhe causa um prejuízo irreparável. Comefeito, sem autorização, a sua entidade patronal arriscar-se-ia a procedimento penal, de forma que ela não teria qualquer possibilidade de ser contratada.

19.
    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, ainda não definiu o conjunto de pessoas que podem considerar-se membros da família dum trabalhador turco. Na hipótese de o concubino não se incluir entre os membros da família para efeitos do primeiro período do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80, colocar-se-ia também a questão da cumulação dos períodos de casamento interrompidos por um período de concubinato ou a da perda do período de estada cumprido antes do segundo casamento.

20.
    Além disso, o recurso de S. Eyüp suscita problemas relativos ao pedido de medidas provisórias, que apenas pode basear-se no direito comunitário. Com efeito, nos termos do direito nacional, haveria que indeferir esse pedido, na medida em que o Verwaltungsgerichtshof, na qualidade de instância de cassação, não tem competência para conceder aos particulares uma protecção jurisdicional provisória que preserve os seus direitos contra actos praticados pela administração.

As questões prejudiciais

21.
    Considerando que, nestas condições, a solução do litígio necessitava da interpretação do direito comunitário, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    O conceito de membro da família nos termos do primeiro período do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 do Conselho da Associação CEE/Turquia de 19 de Setembro de 1980, sobre o desenvolvimento da associação entre a Comunidade Europeia e a Turquia deve ser interpretado no sentido de que também o concubino (que viva em comunidade conjugal mas sem casamento formal) de um trabalhador turco reúne os pressupostos de facto naquele conceito exigidos?

2)    No caso de o concubino não ser considerado membro da família:

    O artigo 7.°, primeiro período, segundo travessão, da Decisão 1/80 deve ser interpretado no sentido de que, para preenchimento dos pressupostos nele referidos, a união conjugal formal entre o trabalhador turco e o membro da família deve subsistir, sem interrupção, durante cinco anos ou é também admissível que os períodos de união formal com o mesmo cônjuge sejam entrecortados por períodos de vida em comum durante vários anos?

3)    O artigo 7.°, primeiro período, segundo travessão, da Decisão 1/80 deve ser interpretado no sentido de que a dissolução formal do casamento (nomeadamente por divórcio), com o trabalhador turco elimina os pressupostos existentes até aquela altura?

4)    Impõem-se, em termos de direito comunitário, que os direitos resultantes num Estado-Membro do disposto nos artigos 6.° e 7.° da Decisão 1/80 para o grupo de pessoas seu objecto devem ser garantidos, de forma positiva, no plano individual mediante a concessão de tutela jurídica temporária sob a forma de uma decisão provisória (a configurar)?

5)    No caso de resposta afirmativa à questão 4:

    A decisão positiva provisória a proferir com base no direito comunitário deve ter como conteúdo a declaração, no caso particular (de uma parte que invoca os direitos decorrentes dos artigos 6.° e 7.° da Decisão 1/80), da manutenção transitória do pretendido direito à liberdade de circulação decorrente do acordo de associação durante o período do decurso do processo perante as competentes autoridades administrativas, do processo judicial de apreciação da decisão daquelas autoridades ou do processo de decisão da questão prejudicial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, até garantia definitiva da protecção jurídica, manutenção necessária para evitar danos graves e irreparáveis, devendo tais danos ser de recear por, no caso particular, uma decisão com força obrigatória sobre a manutenção dos pressupostos da liberdade de circulação decorrente do acordo de associação não intervir imediatamente mas apenas em momento ulterior?»

Quanto à primeira, à segunda e à terceira questões

22.
    É importante reconhecer antes de mais que resulta do despacho de reenvio que, em 13 de Novembro de 1985, data em que foi decretado o divórcio entre C. e S. Eyüp, esta última ainda não cumpria a condição de residência regular há mais de três anos , pelo menos, no Estado-Membro de acolhimento, condição referida no artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80. Com efeito, a interessada só foi autorizada a entrar na Áustria por razões de reagrupamento familiar na sequência do seu casamento com C. Eyüp, que ocorreu em 23 de Setembro de 1983.

23.
    Por conseguinte, S. Eyüp não pode invocar direitos que lhe confere o artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro ou segundo travessões, da Decisão n.° 1/80, a não ser que os períodos de residência na Áustria posteriores a 13 de Novembro de 1985 possam ser considerados como regulares na acepção dessa disposição.

24.
    Nestas condições, devem as três primeiras questões ser entendidas no sentido de que perguntam essencialmente se artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação de uma cidadã turca que, tal como a demandante no processo principal, foi autorizada, na qualidade de cônjuge de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho do Estado-Membro de acolhimento, a juntar-se a ele, quando esta última, depois de se ter divorciado antes do termo do período de permanência de três anos previsto no primeiro travessão da referida disposição, continuou todavia a viver com o seu ex-marido de forma interruptaaté à data em que os dois se casaram de novo. Na hipótese de esta interpretação não poder ser considerada, deveria então determinar-se se, abstraindo do período no decurso do qual os interessados viveram em concubinato, os períodos de casamento anterior e posterior a este podem ser cumulados para efeitos de cálculo dos períodos de residência regular na acepção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80.

25.
    A este propósito, deve recordar-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 goza de efeito directo nos Estados-Membros, de modo que os nacionais turcos que preencham as condições nele estabelecidas podem invocar directamente os direitos que esta disposição lhes confere; em especial, têm direito, por força do primeiro travessão da referida disposição, a responder, sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros, a qualquer oferta de trabalho quando tenham residido regularmente no Estado-Membro de acolhimento desde há pelo menos três anos, bem como, de acordo com o segundo travessão, o direito de livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha no Estado-Membro em cujo território tenham residido regularmente há pelo menos cinco anos (acórdãos de 17 de Abril de 1997, Kadiman, C-351/95, Colect., p. I-2133, n.os 27 e 28 e de 16 de Março de 2000, Ergat, C-329/97, ainda não publicado, n.° 34).

26.
    Além disso, o Tribunal de Justiça também já afirmou que o referido artigo 7.°, primeiro parágrafo, tem por objectivo favorecer o reagrupamento familiar no Estado-Membro de acolhimento, para facilitar o emprego e a permanência do trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho do mesmo Estado-Membro, permitindo, num primeiro momento, aos membros da família que foram autorizados a juntar-se ao trabalhador migrante residirem com ele, e consolidando seguidamente a sua posição através do direito de exercerem um emprego nesse Estado (acórdão Kadiman, já referido, n.os 34, 35 e 36).

27.
    Por isso, embora esta disposição preveja o direito de os membros da família de um trabalhador turco que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-Membro aí exercerem uma actividade por conta de outrem depois de terem residido regularmente nesse Estado-Membro durante certo tempo, a mesma não afecta a competência do Estado-Membro em causa para autorizar os interessados a reunirem-se ao trabalhador turco que aí exerça um emprego regular e para regulamentar a sua estada até ao momento em que tenham o direito de responder a qualquer oferta de trabalho (acórdão Kadiman, já referido, n.os 32 e 51, e Ergat, n.° 35).

28.
    O Tribunal de Justiça deduziu daqui que o primeiro parágrafo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 exige que o reagrupamento familiar, que motivou a entrada do interessado no território do Estado-Membro em causa, se manifeste durante um certo tempo através da coabitação efectiva em comunhão doméstica com o trabalhador, e que tal deve suceder sempre que o interessado não preencha, ele próprio, as condições para aceder ao mercado de trabalho nesse Estado (acórdão Kadiman, já referido, n.os 33, 37 e 40 e Ergat, n.° 36).

29.
Em consequência, o Tribunal de Justiça interpretou a Decisão n.° 1/80 no sentido de que não se opõe, em princípio, a que as autoridades de um Estado-Membro subordinem o benefício do direito de acesso a uma actividade por conta de outrem e do correspondente direito de residência que a mesma confere ao membro da família dum trabalhador turco à condição de o interessado manter efectivamente vida em comum com o trabalhador durante o período de três anos previsto pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da mesma decisão (acórdão Kadiman, já referido, n.os 41 e 44, e Ergat, n.° 37).

30.
    Nos n.os 47 a 50 e 54 do referido acórdão Kadiman, o Tribunal decidiu também que, embora o espírito e a finalidade do artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80 impliquem que o membro da família deve, em princípio, residir de modo ininterrupto, durante um período inicial de três anos, com o trabalhador turco, devem ser tidas em consideração para efeitos do cálculo do período de residência regular de três anos, na acepção desta disposição, as interrupções de curta duração da vida em comum, efectuadas sem intenção de pôr em causa a residência comum no Estado-Membro de acolhimento, tais como a ausência da residência comum durante um período razoável e por razões legítimas ou uma estadia de menos de seis meses que o interessado tenha efectuado no seu país de origem, quando isso não dependeu da sua vontade.

31.
    Ora, os autos do processo principal mostram que S. Eyüp foi autorizada a juntar-se a C. Eyüp para efeitos de reagrupamento familiar na Áustria, Estado em que este último trabalhava legalmente.

32.
    Apesar de ter sido decretado o divórcio entre os cônjuges, C. e S. Eyüp não interromperam em momento nenhum a sua vida em comum, visto que nunca deixaram de viver juntos na mesma habitação. No decurso do período de coabitação fora da constância do matrimónio nasceram quatro filhos do casal. C. Eyüp sempre providenciou pelo sustento da sua família, enquanto S. Eyüp se dedicou essencialmente às tarefas domésticas, só ocasionalmente tendo exercido algumas actividades por conta de outrem de curta duração.

33.
    Em seguida, C. e S. Eyüp casaram-se de novo e continuaram a viver em comum, tendo C. Eyüp legitimado os filhos do casal nascidos fora da constância do matrimónio.

34.
    Resulta do exposto que C. e S. Eyüp em nenhum momento residiram separadamente ou deixaram de fazer vida em comum na Áustria, de forma que os interessados mantiveram constantemente uma residência comum regular na acepção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80. Assim, o comportamento destes últimos foi permanentemente conforme com o objectivo que constitui o fundamento dessa disposição, a saber, o reagrupamento familiar efectivo no Estado-Membro de acolhimento.

35.
    Diga-se de passagem que está provado que as autoridades nacionais competentes nunca puseram em causa durante o período de vida em comum dos ex-cônjuges, o direito de residência de S. Eyüp no Estado-Membro de acolhimento.

36.
    Nestas condições, dados os elementos de facto particulares do processo principal e nomeadamente o facto de o período de coabitação fora do casamento de C. e de S. Eyüp se ter situado entre os seus dois casamentos, esse período não pode ser considerado como uma interrupção da sua vida familiar comum na Áustria, de forma que deve ser inteiramente tomado em consideração para efeitos do cálculo dos períodos de residência regular na acepção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80.

37.
    Embora, tal como se recordou no n.° 30 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça tenha decidido, nos n.os 48 a 50 e 54 do acórdão Kadiman, já referido, que as autoridades nacionais competentes devem ter em conta certas interrupções da vida comum para efeitos do cálculo do período de residência regular na acepção do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, a interpretação desta disposição feita no número precedente impõe-se com efeito, por maioria de razão, num caso como o do processo principal, em que a coabitação de um trabalhador migrante turco com uma pessoa que solicita o benefício da referida disposição não sofreu qualquer interrupção.

38.
    Ora, relativamente a uma situação como a do processo principal, resulta das informações do órgão jurisdicional de reenvio que, em Abril de 1987, quando apresentou um pedido para que fosse declarado que tinha o direito, em conformidade com o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, exercer uma actividade assalariada na Áustria, S. Eyüp nunca tinha deixado, durante mais de três anos, de coabitar com C. Eyüp no Estado-Membro de acolhimento - quer nos períodos durante os quais estiveram casados, quer durante os anos no decurso dos quais viveram sob o regime de concubinato - de forma que, à data da apresentação do referido pedido, ela tinha o direito de aceder livremente a qualquer actividade por conta de outrem da sua escolha, em conformidade com o segundo travessão da referida disposição.

39.
    À luz da interpretação precedente, já não é necessário decidir quanto à questão subsidiária da possibilidade de cumular os períodos de casamento quando estes são interrompidos por um período de concubinato de vários anos.

40.
    Tendo em conta os argumentos invocados pelas partes no processo principal, é importante acrescentar que resulta do efeito directo que se deve reconhecer ao artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 que um nacional turco que, tal como a demandante no processo principal, preencha as condições referidas por esta disposição pode invocar directamente os direitos individuais que a mesma confere em matéria de emprego e, correlativamente, de residência.

41.
    A este propósito, é jurisprudência constante que um Estado-Membro não pode modificar unilateralmente o alcance do sistema de integração progressiva dos cidadãos turcos no mercado do emprego do Estado-Membro de acolhimento, de modo que esteEstado já não dispõe da faculdade de adoptar medidas susceptíveis de impedirem o exercício dos direitos expressamente concedidos pela Decisão n.° 1/80 (v., em último lugar, acórdão de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli C-340/97, Colect. p. 0000, n.° 30).

42.
    Além disso, resulta também da jurisprudência que qualquer juiz nacional tem o dever de, no âmbito das suas competências, aplicar integralmente o direito comunitário e proteger os direitos que este confere aos particulares, considerando inaplicável qualquer disposição eventualmente contrária de direito interno (v., por analogia, o acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.° 21).

43.
    No decurso da audiência, o Governo austríaco precisou neste contexto que, em 5 de Novembro de 1998, as autoridades nacionais competentes tinham concedido uma autorização de trabalho a S. Eyüp, em virtude de, tomando como ponto de partida a data do seu segundo casamento com C. Eyüp, ela satisfazer, à data da atribuição da referida autorização, as condições previstas no artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Decisão n.° 1/80; desde então, ela podia, portanto, aceder a qualquer actividade por conta de outrem no Estado-Membro de acolhimento.

44.
    A este propósito, é importante, todavia, notar que resulta dos n.os 36 a 38 do presente acórdão que os períodos de coabitação ininterruptos de nacionais turcos tais como C. e S. Eyüp devem ser plenamente tomados em consideração para efeitos da determinação do período de residência regular exigida pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, de forma que a demandante no processo principal já beneficiava, ao fim de um prazo de três anos a contar da sua entrada no território austríaco, do direito referido no primeiro travessão do primeiro parágrafo do referido artigo 7.°, e, dois anos mais tarde, do direito previsto no segundo travessão da referida disposição

45.
    Além disso, constitui jurisprudência assente que a concessão de uma autorização de trabalho ou de residência não constitui, em qualquer caso, o fundamento do direito ao emprego ou do direito de residência do cidadão turco, já que estes direitos são directamente conferidos pela Decisão n.° 1/80, independentemente da emissão pelas autoridades do Estado-Membro de acolhimento destes documentos específicos, que têm mero valor declaratório e probatório para atestar a existência de tais direitos (v., em último lugar, o acórdão Ergat, já referido, n.os 61 e 62).

46.
    Daí resulta que a argumentação de S. Eyüp, segundo a qual ela não tinha qualquer possibilidade de ser contratada pelo facto de a entidade patronal potencial dever temer procedimento penal em razão do emprego de um estrangeiro que não possuía a autorizações requeridas pela regulamentação nacional aplicável e em que sustentava que as medidas provisórias eram indispensáveis para preservar o seu direito de exercer uma actividade por conta doutrem até ao termo do litígio, não tem pertinência.

47.
    Com efeito, uma vez que a interessada preenchia as condições para invocar directamente os direitos que lhe confere o artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro ousegundo travessões, da Decisão n.° 1/80, por um lado, estes são independentes da posse de qualquer autorização e, por outro, qualquer autoridade nacional é obrigada a reconhecer e aplicar os referidos direitos conferidos directamente pela regulamentação comunitária.

48.
    Dadas as considerações precedentes, deve responder-se às três primeiras questões que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação duma cidadã turca que, como a demandante no processo principal, foi autorizada, na qualidade de cônjuge dum trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho no Estado-Membro de acolhimento, a juntar-se a ele neste Estado, quando esta, após se ter divorciado antes de terminado o período de permanência de três anos previsto no primeiro travessão da referida disposição, continuou, apesar disso, a viver com o seu ex-marido de forma ininterrupta até à data em que os dois vieram a casar-se de novo. Deve, pois, considerar-se que essa cidadã turca reside legalmente no referido Estado-Membro na acepção da referida disposição, de forma que pode aí invocar directamente, decorridos três anos, o seu direito a responder a qualquer oferta de emprego e, após cinco anos, o de aceder directamente a qualquer actividade por conta de outrem da sua escolha.

Quanto à quarta e à quinta questões

49.
    Tendo em conta a resposta dada às três primeiras questões, não há necessidade de responder às outras questões, que se referem essencialmente à questão de saber se, na hipótese de o direito interno não permitir conceder uma protecção jurisdicional provisória, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro são obrigados, por força do direito comunitário, a ordenar medidas provisórias de forma a preservarem o direito de acesso ao emprego dos nacionais turcos no Estado-Membro de acolhimento, enquanto não for decidido definitivamente quanto à legalidade da recusa das autoridades nacionais competentes em autorizarem tal acesso.

Quanto às despesas

50.
    As despesas efectuadas pelos Governos austríaco, alemão e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof, por despacho de 18 de Dezembro de 1997, declara:

O artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação duma cidadã turca que, como a demandante no processo principal, foi autorizada, na qualidade de cônjuge dum trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho no Estado-Membro de acolhimento, a juntar-se a ele neste Estado, quando esta , após se ter divorciado antes de terminado o período de permanência de três anos previsto no primeiro travessão da referida disposição, continuou, apesar disso, a viver com o seu ex-marido de forma ininterrupta até à data em que os dois vieram a casar-se de novo. Deve, pois, considerar-se que essa cidadã turca reside legalmente no referido Estado-Membro na acepção da referida disposição, de forma que pode aí invocar directamente, decorridos três anos, o seu direito a responder a qualquer oferta de emprego e, após cinco anos, o de aceder directamente a qualquer actividade por conta de outrem da sua escolha.

Schintgen
Kapteyn
Hirsch

            Ragnemalm                    Skouris

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de Junho de 2000.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

J. C. Moitinho de Almeida


1: Língua do processo: alemão.