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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 8 de setembro de 2016 (1)

Parecer 3/15

Pedido de parecer apresentado pela Comissão Europeia

«Celebração de acordos internacionais pela União Europeia — Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso a obras publicadas por parte das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos — Competência da União Europeia — Bases jurídicas — Artigo 19.° TFUE — Artigo 114.° TFUE — Artigo 153.° TFUE — Artigo 207.° TFUE — Artigo 209.° TFUE — Diretiva 2001/29/CE»





1.        Os acordos internacionais podem prosseguir simultaneamente vários objetivos, o que explica por que motivo a celebração de tais acordos pela União Europeia poderá suscitar, no contexto do ordenamento jurídico da União, certas questões de direito específicas. Em especial, a identificação da base jurídica correta para a celebração de um acordo internacional e a determinação da natureza da competência exercida pela União Europeia quando celebra tal acordo podem revelar‑se, por vezes, tarefas muito complexas. Infelizmente, mas talvez não surpreendente, as instituições da União e os governos dos Estados‑Membros cheguem por vezes a conclusões diferentes sobre essas questões.

2.        Essa situação é ilustrada pelo presente caso, em que a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se a União Europeia tem competência exclusiva para celebrar o Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso a obras publicadas por parte das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos (2) (a seguir «Tratado de Marraquexe»), negociado no contexto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (a seguir «OMPI»).

I –    Quadro jurídico

A –    Tratado de Marraquexe

3.        No preâmbulo do Tratado de Marraquexe, as partes contratantes estabelecem, designadamente, as razões e o objetivo desse tratado. Em especial, começam por recordar «os princípios da não discriminação, da igualdade de oportunidades, da acessibilidade e da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, proclamados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência». Conscientes «dos desafios prejudiciais ao pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos», salientam «a importância assumida pela proteção dos direitos de autor para incentivar e recompensar a criação literária e artística». Declaram‑se conscientes «dos obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos para aceder às obras publicadas», bem como «da necessidade não só de aumentar o número de obras em formato acessível, mas também de melhorar a circulação dessas obras». Reconhecem que, «não obstante as divergências entre as legislações nacionais em matéria de direito de autor, o impacto positivo das novas tecnologias da informação e da comunicação nas vidas das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos pode ser reforçado por um melhor quadro normativo a nível internacional».

4.        O preâmbulo salienta ainda que, apesar de «muitos Estados‑Membros [terem estabelecido] limitações e exceções nas respetivas legislações nacionais em matéria de direito de autor a favor das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos», «continu[a] a persistir uma escassez de obras disponíveis em formato acessível em benefício das mesmas». Com efeito, são necessários recursos substanciais para tornar acessíveis as obras a essas pessoas e o limitado intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível acarreta a duplicação dos esforços desenvolvidos nesse sentido.

5.        As partes contratantes reconhecem ainda «tanto o papel importante desempenhado pelos titulares do direito de autor em termos de disponibilização das suas obras às pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos, como a importância de prever limitações e exceções adequadas a fim de tornar as obras acessíveis a estas pessoas, nomeadamente quando o mercado não permite garantir esse acesso». Além disso, reconhecem «a necessidade de manter um equilíbrio entre a proteção efetiva dos direitos dos autores e o interesse público mais lato […] e que esse equilíbrio deve facilitar o acesso efetivo e atempado às obras em benefício das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos».

6.        O artigo 2.° do Tratado de Marraquexe define os termos «obras» (3), «cópia em formato acessível» (4) e «entidade autorizada» (5) para efeitos do tratado. Por seu turno, o artigo 3.° define o conceito de «pessoa beneficiária» ‑ essencialmente, uma pessoa afetada por uma ou mais deficiências que prejudiquem a leitura de material impresso. Esta definição ampla inclui as pessoas com deficiência visual ou com incapacidade física que as impeça de segurar ou manipular um livro.

7.        As obrigações das partes contratantes encontram‑se estabelecidas, em especial, nos artigos 4.° a 6.° do Tratado de Marraquexe. Mais concretamente, o artigo 4.°, n.° 1, prevê uma exceção ou limitação à legislação nacional em matéria de direito de autor para permitir que sejam feitas, sob certas condições, cópias em formato acessível, a fim de facilitar a disponibilidade de cópias de obras em formato acessível a favor das pessoas beneficiárias. Essa disposição refere ainda que as partes contratantes podem prever uma limitação ou exceção ao direito de prestação pública, a fim de facilitar o acesso às obras por parte das pessoas beneficiárias. O artigo 5.°, n.° 1, regula o intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível: as partes contratantes estabelecerão que, «caso seja realizada uma cópia num formato acessível ao abrigo de uma exceção ou uma limitação ou nos termos da lei, essa cópia em formato acessível pode ser distribuída ou disponibilizada a uma pessoa beneficiária ou a uma entidade autorizada no território de outra parte contratante por uma entidade autorizada». O artigo 6.° diz respeito à importação de cópias em formato acessível e dispõe que «[n]a medida em que o direito nacional de uma parte contratante autorize uma pessoa beneficiária, uma pessoa que atue em seu nome ou uma entidade autorizada, a realizar uma cópia de uma obra em formato acessível, a legislação nacional dessa parte contratante autorizará igualmente a importação de cópias em formato acessível a favor das pessoas beneficiárias, sem a autorização do titular do direito».

8.        O artigo 7.° do Tratado de Marraquexe estabelece que as partes contratantes assegurarão o acesso das pessoas beneficiárias nos casos em que os titulares do direito tomem medidas de caráter tecnológico de proteção do direito de autor. O artigo 8.° deste tratado visa a proteção da vida privada das pessoas beneficiárias, enquanto o artigo 9.° respeita à cooperação destinada a facilitar o intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível.

9.        Os artigos 10.°, 11.° e 12.° do Tratado de Marraquexe fornecem orientações gerais sobre a interpretação e aplicação do tratado. O artigo 11.° dispõe, designadamente, que as partes contratantes devem cumprir as obrigações que lhes incumbem ao abrigo da Convenção de Berna, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo ADPIC») e do Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor (a seguir «TDA») (6).

10.      Por último, os artigos 13.° a 22.° do Tratado de Marraquexe contêm disposições administrativas e processuais. Em especial, o artigo 15.°, n.° 3, tem a seguinte redação: «Tendo feito a declaração referida no número precedente na conferência diplomática que adotou o presente Tratado, a União Europeia pode tornar‑se parte no presente Tratado». O artigo 18.° especifica que o tratado entrará em vigor «três meses após o depósito dos […] instrumentos de ratificação ou de adesão pelas vinte partes elegíveis». O artigo 21.°, n.° 1, dispõe que o Tratado é «assinado numa única cópia nas línguas inglesa, árabe, chinesa, francesa, russa e espanhola, fazendo fé qualquer destas versões linguísticas».

B –    Direito da União

11.      A Diretiva 2001/29/CE (7) harmoniza certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação. Em especial, este instrumento harmoniza, relativamente aos autores, o direito exclusivo de reprodução [artigo 2.°, alínea a)], o direito de comunicação das suas obras ao público, incluindo o direito de as colocar à sua disposição (artigo 3.°, n.° 1), e o direito exclusivo de distribuição das suas obras (artigo 4.°).

12.      O artigo 5.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29 enumera os casos em que os Estados‑Membros estão autorizados a prever exceções ou limitações, respetivamente, ao direito de reprodução estabelecido no artigo 2.° e aos outros direitos previstos nos artigos 2.° e 3.° dessa diretiva. Em especial, o artigo 5.°, n.° 3, na alínea b), refere‑se à «[u]tilização a favor de pessoas portadoras de deficiências, que esteja diretamente relacionada com essas deficiências e que apresente caráter não comercial, na medida exigida por cada deficiência específica» (8). O artigo 5.°, n.° 4, acrescenta que «[q]uando os Estados‑Membros possam prever uma exceção ou limitação ao direito de reprodução por força dos n.os 2 ou 3 do presente artigo, poderão igualmente prever uma exceção ou limitação ao direito de distribuição referido no artigo 4.° na medida justificada pelo objetivo do ato de reprodução autorizado». Por seu turno, o artigo 5.°, n.° 5, estabelece que as exceções e limitações previstas «só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito».

13.      O artigo 6.°, n.os 1 e 4, da Diretiva 2001/29 estabelece:

«1. Os Estados‑Membros assegurarão proteção jurídica adequada contra a neutralização de qualquer medida eficaz de caráter tecnológico por pessoas que saibam ou devam razoavelmente saber que é esse o seu objetivo.

[…]

4. Não obstante a proteção jurídica prevista no n.° 1, na falta de medidas voluntárias tomadas pelos titulares de direitos, nomeadamente de acordos entre titulares de direitos e outras partes interessadas, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para assegurar que os titulares de direitos coloquem à disposição dos beneficiários de exceções ou limitações previstas na legislação nacional, nos termos das alíneas a), c), d), e e) do n.° 2 do artigo 5.° e das alíneas a), b) ou e) do n.° 3 do artigo 5.°, os meios que lhes permitam beneficiar dessa exceção ou limitação, sempre que os beneficiários em questão tenham legalmente acesso à obra ou a outro material protegido em causa.

[…]»

II – Factos, pedido de parecer e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

A –    Enquadramento factual

14.      Em 2009, iniciaram‑se negociações na OMPI para a eventual celebração de um tratado internacional destinado a introduzir limitações e exceções ao direito de autor em benefício das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos, com o objetivo de facilitar o intercâmbio transfronteiras de livros e outro material impresso em formato acessível.

15.      Em 26 de novembro de 2012, o Conselho adotou uma decisão que autorizava a Comissão a participar nessas negociações, em nome da União Europeia (9). As negociações na OMPI foram concluídas com êxito na conferência diplomática realizada em Marraquexe entre 17 e 28 de junho de 2013 e conduziram à adoção do Tratado de Marraquexe em 27 de junho de 2013.

16.      Em 14 de abril de 2014, o Conselho autorizou a assinatura do Tratado de Marraquexe em nome da União Europeia (10). A decisão do Conselho baseou‑se nos artigos 114.° e 207.° TFUE. Porém, nessa ocasião, foram feitas várias declarações: a Comissão declarou que considerava que a matéria objeto do Tratado de Marraquexe estava abrangida pela competência exclusiva da União, ao passo que diversos Estados‑Membros entenderam que essa competência era partilhada entre os Estados‑Membros e a União Europeia.

17.      Em 21 de outubro de 2014, a Comissão adotou uma proposta de decisão sobre a celebração do Tratado de Marraquexe em nome da União Europeia (a seguir «decisão em causa») (11). A proposta de decisão do Conselho baseou‑se nos artigos 114.°, 207.° e 218.°, n.° 6, alínea a), v), TFUE. Depois de numerosos debates, especialmente no âmbito do Comité de Representantes Permanentes (Coreper), a proposta não obteve, no entanto, a maioria necessária no Conselho, em razão de divergências entre os Estados‑Membros quanto à questão de saber se o Tratado de Marraquexe estava ou não abrangido pela competência exclusiva da União. Por conseguinte, a União ainda não celebrou o Tratado de Marraquexe.

18.      Não obstante, em 19 de maio de 2015, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 241.° TFUE, solicitar à Comissão que lhe apresentasse, sem demora, uma proposta legislativa de alteração do quadro jurídico da União, a fim de dar cumprimento ao Tratado de Marraquexe.

19.      Neste contexto, a Comissão decidiu, em 17 de julho de 2015, apresentar ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE, um pedido de parecer sobre a natureza da competência da União em relação ao Tratado de Marraquexe.

20.      Em 6 de outubro de 2015, a Comissão respondeu favoravelmente ao pedido apresentado pelo Conselho nos termos do artigo 241.° TFUE, declarando que apresentaria uma proposta legislativa com vista a assegurar a conformidade do direito da União com o Tratado de Marraquexe.

B –    Pedido de parecer

21.      O pedido de parecer apresentado pela Comissão ao Tribunal de Justiça tem a seguinte redação:

«Tem a União Europeia competência exclusiva para celebrar o [Tratado de Marraquexe]?»

22.      O texto do Tratado de Marraquexe, em três versões que fazem fé (inglês, francês e espanhol), foi anexado ao pedido de parecer apresentado pela Comissão.

C –    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

23.      Apresentaram observações escritas no presente processo os Governos checo, francês, lituano, húngaro, romeno, finlandês e do Reino Unido, bem como o Parlamento Europeu. Os Governos checo, francês, húngaro, italiano, romeno, finlandês e do Reino Unido, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 7 de junho de 2016.

D –    Resumo das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

24.      A Comissão propõe que o Tribunal de Justiça responda ao pedido de parecer no sentido de que o Tratado de Marraquexe está abrangido pela competência exclusiva da União. A Comissão entende que as bases jurídicas substantivas são, por um lado, o artigo 114.° TFUE e, por outro, o artigo 207.° TFUE. A primeira disposição é invocada devido ao efeito harmonizador que a Comissão considera que o Tratado de Marraquexe terá em relação a certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos. A última disposição é considerada relevante na medida em que o Tratado de Marraquexe visa, em especial, assegurar o intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível entre as partes contratantes, nomeadamente entre a União Europeia e países terceiros. Independentemente das bases jurídicas substantivas aplicáveis, a Comissão entende que a competência da União é exclusiva por força do artigo 3.°, n.° 2, TFUE, dado que a celebração do Tratado de Marraquexe pode afetar ou alterar o alcance das disposições da Diretiva 2001/29.

25.      O Parlamento Europeu apoia a posição assumida pela Comissão. No seu entender, os artigos 114.° e 207.° TFUE constituem as bases jurídicas substantivas corretas da decisão em causa. A competência exclusiva da União para celebrar o Tratado de Marraquexe decorre do artigo 3.°, n.° 2, TFUE: a obrigação de prever limitações ou exceções na legislação nacional em matéria de direito de autor está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29, em geral, e do seu artigo 5.°, n.° 3, alínea b), em especial. O Conselho, por seu turno, não toma posição sobre a natureza da competência da União ou sobre a base jurídica substantiva da decisão em causa. Limita‑se a negar que o facto de ter solicitado formalmente à Comissão para apresentar uma proposta legislativa nos termos do artigo 241.° TFUE possa ter alguma incidência na apreciação da competência da União.

26.      Em contrapartida, os Governos checo, francês, lituano, húngaro, romeno, finlandês e do Reino Unido consideram que a União não tem competência exclusiva para celebrar o Tratado de Marraquexe. Todos esses Governos alegam, em especial, que não estão preenchidas as condições estabelecidas no artigo 3.°, n.° 2, TFUE para que a competência da União seja exclusiva. No entanto, não existe consenso entre esses Governos no tocante às bases jurídicas substantivas da decisão em causa.

27.      O Governo lituano perfilha o entendimento da Comissão e do Parlamento Europeu de que as bases jurídicas corretas são os artigos 114.° e 207.° TFUE. Inicialmente, nas suas observações escritas, o Governo francês defendeu que apenas o artigo 114.° TFUE constituía a base jurídica correta, porém subsequentemente, na audiência, declarou que tinha mudado de posição e que considerava ser igualmente necessário invocar o artigo 209.° TFUE.

28.      Os Governos checo e finlandês também consideram relevante o artigo 114.° TFUE, mas propõem incluir o artigo 19.° TFUE como base jurídica adicional. O Governo húngaro alega que a referência ao artigo 114.° TFUE está correta, mas propõe, pela sua parte, que seja acrescentada uma referência ao artigo 4.°, n.° 2, alínea b), TFUE, uma vez que o Tratado de Marraquexe prossegue principalmente um objetivo de política social.

29.      Por outro lado, o Governo do Reino Unido considera que o artigo 114.° TFUE não pode constituir a base da decisão em causa: na sua opinião, esta decisão deveria basear‑se unicamente no artigo 19.° TFUE ou, em alternativa, nesta disposição em conjugação com o artigo 207.° TFUE. Por último, o Governo romeno não toma qualquer posição sobre a base jurídica correta da decisão em causa, mas contesta a aplicabilidade do artigo 207.° TFUE.

III – Apreciação

A –    Introdução

30.      No seu pedido de parecer, a Comissão pede unicamente ao Tribunal de Justiça que esclareça se a União Europeia tem competência exclusiva para celebrar o Tratado de Marraquexe.

31.      Contudo, para responder a esta questão, é necessário identificar a base ou as bases jurídicas substantivas corretas da decisão em causa. No sistema criado pelos Tratados da União, que assenta no princípio da atribuição, a escolha da base jurídica correta de um ato proposto pelas instituições assume importância constitucional (12). Essa escolha determina se a União tem competência para agir, para que finalidades e o procedimento que deverá seguir no caso de ter competência para agir.

32.      Esta questão reveste‑se de especial importância no contexto da celebração de acordos internacionais pela União. Como declarou o Tribunal de Justiça, a questão de saber se a União dispõe sozinha da competência para celebrar um acordo ou se tal competência é partilhada com os Estados‑Membros depende, designadamente, do alcance das disposições de direito da União que atribuem às instituições da União o poder de participar em tal acordo (13). Com efeito, em alguns domínios, a União não pode adquirir competência externa exclusiva superveniente nos termos do artigo 3.°, n.° 2, TFUE, ainda que já tenha exercido a sua competência internamente. Por conseguinte, a indicação da base jurídica fixa a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros (14).

33.      Segundo jurisprudência constante, a escolha da base jurídica de um ato da União, incluindo um ato adotado tendo em vista a celebração de um acordo internacional, deve fundar‑se em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, em especial, a finalidade e o conteúdo do ato. Se o exame de um ato da União demonstrar que este prossegue duas finalidades ou que tem duas componentes e se uma dessas finalidades ou dessas componentes for identificável como principal e a outra apenas acessória, o ato deve assentar numa única base jurídica, a saber, a exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante. A título de exceção, se estiver assente que o ato prossegue simultaneamente várias finalidades ou que tem várias componentes que estão indissociavelmente ligadas, sem que uma seja acessória da outra, esse ato deve assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes (15).

34.      Assim, decorre de jurisprudência constante data que, no caso da celebração de acordos internacionais, como em relação a qualquer outro ato da União Europeia, o intérprete deve procurar identificar, sempre que possível, apenas uma base jurídica ou, pelo menos, o menor número possível de bases jurídicas. É certo que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa — que simplifica os procedimentos de tomada de decisão e generaliza o recurso ao procedimento legislativo ordinário para a grande maioria dos domínios de intervenção da União — poderá minimizar os problemas resultantes da coexistência de várias bases jurídicas para os atos da União. Porém, permanece, sem dúvida, válido o princípio básico de que há que evitar qualquer multiplicação desnecessária de bases jurídicas.

35.      Na minha perspetiva, isto é particularmente verdade em relação aos acordos internacionais que incidem sobre um domínio específico e tendem a ter um objetivo único e claramente definido. O recurso a várias bases jurídicas é mais fácil de justificar relativamente aos acordos internacionais que visam regular a relação entre as partes contratantes em domínios muito diversos (muitas vezes designados por «acordos‑quadro», «acordos de parceria» ou «acordos de cooperação») do que nos casos em que o objeto do acordo é mais limitado e específico.

36.      A identificação do chamado centro (ou centros) de gravidade de um instrumento jurídico proposto poderá, não obstante, revelar‑se uma tarefa complexa. Com efeito, os domínios da competência da União são definidos, nos Tratados, de várias formas. Em todas as categorias, as competências são predominantemente expressas por referência aos objetivos a atingir (por exemplo, o mercado interno ou a preservação e proteção do ambiente). Por seu turno, estes podem ser limitados a certos «temas», como setores económicos específicos (por exemplo, os transportes) ou domínios de intervenção específicos (por exemplo, a defesa do consumidor), ou, pelo contrário, serem formulados em termos genéricos (por exemplo, o mercado interno) ou abranger diversos domínios de intervenção (por exemplo, o espaço de liberdade, segurança e justiça). Noutros casos, porém, as competências são principalmente expressas por referência aos tipos de instrumentos que a União Europeia pode adotar num determinado domínio (como acontece, por exemplo, nos domínios da união aduaneira, da concorrência ou da política comercial comum). Por último, a ação externa da União pauta‑se sempre pelos mesmos princípios e aspirações, independentemente do tipo de competência exercida.

37.      As dificuldades supramencionadas na identificação da base jurídica correta de um ato da União também se colocam no caso em apreço. Conforme referido nos n.os 24 a 29, supra, os Estados‑Membros e as instituições da União que apresentaram observações no presente processo identificaram nada menos do que cinco disposições diferentes do Tratado FUE que, consideradas isoladamente ou em diversas combinações, podem, no seu entender, constituir as bases jurídicas substantivas da decisão em causa: artigos 4.°, n.° 2, alínea b), 19.°, n.° 1, 114.°, 207.° e 209.° TFUE.

38.      É verdade que os argumentos aduzidos em apoio de cada uma dessas disposições têm uma certa solidez. No entanto, tendo em conta todos os fatores, considero que a decisão em causa deveria ter uma dupla base jurídica, como sugere a maioria dos Estados‑Membros que apresentaram observações. As duas disposições aplicáveis são, no meu entender, os artigos 19.°, n.° 1, e 207.° TFUE. Na secção que se segue, explicarei as razões por que defendo este entendimento. Nesse contexto, explicarei também por que motivo, em última análise, não me convencem os argumentos aduzidos em apoio das outras três disposições, apesar de não serem despropositados. Por último, debruçar‑me‑ei sobre a questão essencial do presente pedido de parecer: a natureza exclusiva ou partilhada da competência da União para celebrar o Tratado de Marraquexe.

B –    Bases jurídicas substantivas

1.      Artigo 207.° TFUE

a)      Observações gerais

39.      A Comissão, apoiada pelo Parlamento Europeu e pelos Governos lituano e do Reino Unido (16), considera que o Tratado de Marraquexe constitui um instrumento de política comercial comum e, consequentemente, que o artigo 207.° TFUE deveria ser uma das bases jurídicas substantivas da decisão em causa.

40.      Subscrevo este entendimento.

41.      A política comercial comum é um dos principais pilares das relações da União com o resto do mundo. De acordo com o artigo 207.°, n.° 1, TFUE, esta política «assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito às modificações pautais, à celebração de acordos pautais e comerciais sobre comércio de mercadorias e serviços, e aos aspetos comerciais da propriedade intelectual, ao investimento estrangeiro direto, à uniformização das medidas de liberalização, à política de exportação, bem como às medidas de defesa comercial, tais como as medidas a tomar em caso de dumping e de subsídios».

42.      Constitui jurisprudência assente que a mera circunstância de um ato da União poder ter determinadas implicações nas trocas internacionais não basta para que esse ato seja classificado na categoria dos atos que integram a política comercial comum. Com efeito, um ato da União insere‑se nesta política quando verse especificamente sobre as trocas comerciais internacionais, na medida em que se destine essencialmente a promover, a facilitar ou a regular as trocas comerciais e tenha efeitos diretos e imediatos nestas (17).

43.      O objeto das trocas comerciais internacionais não pode ser determinado em abstrato nem identificado de forma estática e rígida. O comércio internacional está sujeito a mudanças constantes: as práticas, os padrões e as tendências comerciais evoluem ao longo do tempo. A União deve estar sempre em posição de desempenhar o seu papel como interveniente no comércio internacional perante os seus parceiros comerciais, tanto em contextos bilaterais como em fóruns multilaterais. É por esse motivo que o Tribunal de Justiça tem entendido sistematicamente, desde o início, que a política comercial comum deve ser definida em termos amplos, rejeitando interpretações restritivas das disposições do Tratado que condenariam essa política a tornar‑se «gradualmente insignificante» (18). A política comercial comum foi concebida, como já afirmou o Tribunal de Justiça, com um «caráter aberto» (19). Ao definir as características e os instrumentos da política comercial comum, o Tratado teve em conta as possíveis evoluções: assim, o artigo 207.° TFUE «pressupõe que esta política se adapte às mudanças eventuais das conceções na sociedade internacional» (20).

44.      À luz desses princípios, afigura‑se‑me claro que a decisão em causa se enquadra, pelo menos parcialmente, na política comercial comum.

45.      De acordo com o artigo 207.°, n.° 1, TFUE, entre os setores abrangidos pelo âmbito da política comercial comum figuram os «aspetos comerciais da propriedade intelectual». Ao interpretar esse conceito no acórdão Daiichi Sankyo, o Tribunal de Justiça sustentou que, entre as normas da União em matéria de propriedade intelectual, só as que apresentam uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais são suscetíveis de se integrarem no domínio da política comercial comum (21).

46.      Algumas das disposições centrais do Tratado de Marraquexe apresentam manifestamente uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais, em especial o artigo 5.° («Intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível»), o artigo 6.° («Importação de cópias em formato acessível») e o artigo 9.° («Cooperação destinada a facilitar o intercâmbio transfronteiras»). Estas disposições estabelecem algumas das principais obrigações assumidas pelas partes contratantes e afiguram‑se cruciais para atingir os objetivos, enunciados no preâmbulo do Tratado de Marraquexe, de «aumentar o número de obras em formato acessível» e de «melhorar a circulação dessas obras» (22). De acordo com este preâmbulo, um dos motivos «persistir uma escassez de obras disponíveis em formato acessível» é precisamente o facto de o intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível ser limitado.

47.      Além disso, o Tratado de Marraquexe contém outras disposições (como o artigo 4.°) que também visam facilitar as trocas comerciais internacionais, harmonizando certas normas em matéria de disponibilização, âmbito e exercício dos direitos de propriedade intelectual entre as partes contratantes. Por conseguinte, embora num contexto diferente e numa escala muito menor, o Tratado de Marraquexe também prossegue um dos objetivos do Acordo TRIPS, o que, no acórdão Daiichi Sankyo (23), o Tribunal de Justiça considerou crucial para que esse acordo estivesse abrangido pelo artigo 207.° TFUE.

48.      Assim, longe de ter implicações pouco significativas para as trocas comerciais internacionais, o Tratado de Marraquexe possui uma vasta e importante componente especificamente relacionada com essas trocas. As suas disposições visam promover, facilitar e regular as trocas comerciais de um tipo específico de mercadorias: cópias em formato acessível. Na economia geral do Tratado de Marraquexe, a abertura dos mercados nacionais a cópias em formato acessível oriundas de outros países é um dos principais meios de concretização dos objetivos prosseguidos pelas partes contratantes.

49.      Essa conclusão não é posta em causa por certos argumentos aduzidos por alguns Estados‑Membros que negam que o artigo 207.° TFUE constitua uma base jurídica adequada, e que abordarei agora sucessivamente.

b)      Aspetos não comerciais da propriedade intelectual

50.      Em primeiro lugar, os Governos checo, francês, húngaro e finlandês não reconhecem que o intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível tem lugar num quadro comercial. Invocam, em especial, o artigo 4.°, n.° 2, do Tratado de Marraquexe, segundo o qual as partes contratantes devem prever limitações ou exceções na sua legislação nacional relativa ao direito de autor quando, designadamente, «a atividade seja empreendida sem fins lucrativos». Referem igualmente o artigo 4.°, n.° 4, deste tratado, nos termos do qual «[u]ma parte contratante pode circunscrever as limitações ou exceções previstas pelo presente artigo às obras que não possam ser adquiridas no formato acessível em causa para fins comerciais e em condições razoáveis pelas pessoas beneficiárias no seu mercado».

51.      Porém, segundo jurisprudência assente, uma atividade só está sujeita ao direito da União na medida em que constitua uma atividade económica (24). Só em circunstâncias muito excecionais é que uma atividade que aparentemente possui natureza económica não estará abrangida pelo direito da União em virtude do princípio da solidariedade (25). Além disso, embora tenha sustentado que os Estados‑Membros possuem uma ampla margem de apreciação no domínio da saúde pública e da segurança social e, em especial, podem recorrer a organizações sem fins lucrativos nesse contexto, o Tribunal de Justiça não excluiu categoricamente essas atividades do âmbito de aplicação do direito da União (26). Em especial, o Tribunal de Justiça tem entendido reiteradamente que qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento, está, em princípio, sujeita às normas da União em matéria de concorrência (27). Consequentemente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não parece excluir a aplicabilidade do direito da União a atividades empreendidas sem fins lucrativos ou com prejuízo, ou com vista a alcançar objetivos não económicos. Refira‑se ainda que os Estados‑Membros que contestam a aplicabilidade do artigo 207.° TFUE não explicam por que motivo consideram que essa abordagem não é válida no contexto das trocas comerciais internacionais.

52.      Essas partes parecem entender que as mercadorias transacionadas sem fins lucrativos estariam abrangidas pelo conceito de «aspetos não comerciais da propriedade intelectual» e, consequentemente, estariam excluídas do âmbito da política comercial comum.

53.      Na minha perspetiva, esse entendimento assenta numa interpretação incorreta do artigo 207.° TFUE. Esta disposição não exclui do seu âmbito de aplicação transações ou atividades de natureza não comercial. Com efeito, o facto de alguns bens ou serviços poderem, em certos casos, ser transacionados para fins diferentes do lucro (nomeadamente quando são fornecidos ou prestados a título gratuito) não significa que não sejam objeto de trocas comerciais. Ao fazer referência às «obras que não possam ser adquiridas no formato acessível em causa para fins comerciais e em condições razoáveis [no] mercado», o artigo 4.°, n.° 4, do Tratado de Marraquexe tem implícita a ideia de que existe um mercado em que esse tipo de bens é transacionado em condições comerciais. Como observou a Comissão na audiência, os operadores económicos ativos nesse mercado serão necessariamente afetados pelas disposições do Tratado de Marraquexe.

54.      É significativo que, no acórdão Daiichi Sankyo (28), o Tribunal de Justiça tenha confirmado que o Acordo TRIPS estava abrangido, sua globalidade, pelo âmbito de aplicação do artigo 207.° TFUE. No entanto, o Acordo TRIPS também contém regras sobre bens e serviços fornecidos para fins não comerciais (29). Do mesmo modo, a Convenção de Berna, para que remete o artigo 2.°, n.° 2, do Acordo TRIPS e, por conseguinte, pode ser considerada parcialmente incorporada neste último, também contém disposições que regulam a utilização de obras protegidas no exercício de certas atividades não comerciais (30). Importa referir que nenhum desses instrumentos exclui in toto do seu âmbito de aplicação as transações ou utilizações de obras protegidas para fins não comerciais.

55.      Neste contexto, é interessante constatar que, nas decisões dos órgãos jurisdicionais da OMC, as obras artísticas e outras obras intelectuais são geralmente tratadas do mesmo modo que outros bens comerciais, mesmo quando são transacionadas em condições não comerciais ou exploradas para fins não comerciais (31). Mesmo quando é utilizado nos acordos da OMC, o termo «comércio» é interpretado de forma muito lata, considerando‑se que abrange «todas as trocas de mercadorias», independentemente da «natureza ou tipo de ‘comércio’, ou do motivo ou função da transação» (32). A aplicabilidade das regras da OMC não pode depender da decisão de um operador privado quanto ao modo como conduz as suas atividades comerciais. Na verdade, certas regras da OMC parecem pressupor que algumas transações têm lugar em condições não comerciais. Por exemplo, o Acordo Antidumping (33) da OMC diz respeito, entre outras matérias, à exportação de produtos vendidos por um preço inferior ao seu custo total de produção (34). Assim, longe de exigirem um lucro, as regras da OMC também se aplicam a transações realizadas com prejuízo, salvo disposição em contrário.

56.      O que o artigo 207.° TFUE exclui do âmbito da política comercial comum são apenas os aspetos não comerciais dos direitos de propriedade intelectual, ou seja, os setores do direito da propriedade intelectual que não estão estrita ou diretamente relacionados com as trocas comerciais internacionais. Trata‑se claramente de uma categoria residual. Com efeito, em termos gerais, as regras sobre propriedade intelectual destinam‑se a conferir certos direitos exclusivos relativamente à exploração de criações intelectuais, com vista a fomentar a criatividade e a inovação. Esses direitos exclusivos não são nada mais do que formas sui generis de monopólios, suscetíveis de restringir a livre circulação de bens ou serviços. Consequentemente, pela sua própria natureza, as regras sobre propriedade intelectual estão, na sua maioria, relacionadas com o comércio. Um exemplo de um aspeto da propriedade intelectual não relacionado com o comércio diz respeito aos direitos morais, que estão efetivamente excluídos do âmbito de aplicação do Acordo TRIPS (35). De qualquer modo, o presente caso não exige uma análise mais aprofundada desse conceito: basta afirmar que o Tratado de Marraquexe não regula os direitos morais nem qualquer outro aspeto da propriedade intelectual que não esteja relacionado com o comércio.

57.      Seja como for, considero que os argumentos agora examinados se baseiam numa falsa premissa. Como observa a Comissão, o Tratado de Marraquexe não exige de modo algum que a reprodução, a distribuição ou a disponibilização de cópias em formato acessível sejam gratuitas. Conforme estabelece o artigo 4.°, n.° 5, deste tratado, «[i]ncumbe ao direito nacional determinar se as limitações ou exceções previstas pelo presente artigo são objeto ou não de remuneração».

58.      Na audiência, porém, o Governo italiano defendeu que o termo «remuneração» utilizado no artigo 4.°, n.° 5, do Tratado de Marraquexe não deveria ser entendido como uma verdadeira «remuneração», mas mais como uma simples compensação dos titulares do direito de autor.

59.      No meu entender, esta alegação carece de qualquer fundamento. Em primeiro lugar, chamo a atenção para o facto de o Governo italiano não ter apresentado qualquer elemento em apoio da sua interpretação do artigo 4.°, n.° 5, que parece contrariar a letra dessa disposição. Em segundo lugar, e mais importante, o facto de a quantia a pagar aos titulares do direito de autor nem sempre corresponder ao preço integral de mercado não exclui, de modo algum, à natureza comercial das transações subjacentes (36).

60.      No essencial, o Tratado de Marraquexe exige que as partes contratantes adotem um determinado conjunto de limitações e exceções à legislação em matéria de direito de autor, a fim de permitir a reprodução, distribuição e disponibilização de cópias em formato acessível, bem como o intercâmbio transfronteiras dessas obras. Este tratado não regula o caráter comercial ou não comercial das transações através das quais têm lugar essas operações. Em qualquer caso, algumas das transações abrangidas pelo Tratado de Marraquexe têm certamente caráter comercial.

61.      Por uma questão de exaustividade, acrescentaria que, por força dos artigos 4.°, n.° 4, e 5.°, n.° 3, do Tratado de Marraquexe, as partes contratantes também podem cumprir as obrigações estabelecidas nos artigos 4.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, do mesmo tratado prevendo exceções ou limitações na legislação relativa ao direito de autor que não se restrinjam às atividades das entidades sem fins lucrativos.

c)      Ligações com o Acordo TRIPS

62.      Em segundo lugar, os Governos francês, húngaro, romeno e finlandês salientam que o Tratado de Marraquexe foi negociado na OMPI, uma agência das Nações Unidas cuja missão não é a liberalização e a promoção das trocas comerciais. Os Governos húngaro e do Reino Unido chamam também a atenção para o facto de, aparentemente, existirem apenas ténues ligações entre o Tratado de Marraquexe e o Acordo TRIPS.

63.      Estes argumentos também não me convencem.

64.      Antes de mais, a relevância do local e do contexto em que um acordo internacional é negociado é limitada. Embora esses elementos possam, em alguns casos, fornecer indicações úteis sobre as intenções dos autores do acordo, o que verdadeiramente importa é a finalidade e o conteúdo do acordo, tal como resultam do seu texto.

65.      Por exemplo, o Tribunal de Justiça determinou que a Decisão do Conselho relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção Europeia sobre a Proteção Jurídica dos Serviços que se Baseiem ou Consistam num Acesso Condicional (37) tinha de se basear no artigo 207.° TFUE, não obstante essa convenção ter sido adotada pelo Conselho da Europa, uma organização que tem como principal missão a proteção dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito (38). Por outro lado, a OMPI gere outros acordos internacionais que, aparentemente, possuem ligações claras com as trocas comerciais internacionais: por exemplo, o Acordo de Madrid relativo à repressão das falsas indicações de proveniência das mercadorias (39).

66.      Acrescentaria apenas que o Tribunal de Justiça já confirmou que os aspetos comerciais da propriedade intelectual estão abrangidos pelo âmbito da política comercial comum, independentemente de estarem ou não previstos em acordos internacionais que façam parte dos acordos da OMC (ou terem sido negociados no contexto da OMC) (40).

d)      Objetivo do Tratado de Marraquexe

67.      Em terceiro lugar, os Governos finlandês e do Reino Unido salientam que o objetivo do Tratado de Marraquexe não é liberalizar as trocas comerciais, mas contribuir para o pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência visual. Estes governos consideram que a questão jurídica que se coloca no presente processo é, mutatis mutandis, semelhante à que foi apreciada pelo Tribunal de Justiça nos processos relacionados com o Protocolo de Cartagena sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos (41) e com a Convenção de Basileia sobre o controlo dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação (42). Nesses processos, o Tribunal de Justiça considerou que a componente ambiental do acordo era predominante em relação à componente comercial.

68.      Gostaria de recordar, antes de mais, que o artigo 207.° TFUE deixa bem claro que a «política comercial comum é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União». Por seu turno, o artigo 21.° TUE — que estabelece esses princípios e objetivos — dispõe que a ação da União na cena internacional assenta, designadamente, nos princípios da igualdade e da solidariedade e deverá ter como objetivo, entre outros, «[a]poiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza».

69.      Como referido acima, muitas vezes os acordos modernos sobre trocas comerciais prosseguem simultaneamente uma multiplicidade de objetivos. Os objetivos puramente económicos são apenas alguns desses objetivos. Os objetivos humanitários, ambientais e de desenvolvimento, por exemplo, desempenham frequentemente um papel central na negociação de acordos internacionais cujo conteúdo essencial permanece, não obstante, claramente relacionado com o comércio (43). Para dar um exemplo, nos últimos anos, dando continuidade a um processo que teve início com a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública (44), os membros da OMC adotaram uma série de decisões que alteram ou dão cumprimento ao Acordo TRIPS em matéria de patenteabilidade (45) e licenciamento (46) de produtos farmacêuticos, em benefício dos países menos desenvolvidos. Essas medidas prosseguem inquestionavelmente objetivos em matéria de desenvolvimento e de saúde: assegurar o acesso a medicamentos (em especial, produtos contra o VIH) nos países mais pobres. No entanto, à luz do seu conteúdo e do seu contexto, creio que a existência de uma ligação específica entre essas medidas e as trocas comerciais internacionais é praticamente consensual (47).

70.      É por esse motivo que os Tratados da União, especialmente após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, atribuem à ação externa da União (incluindo no domínio da política comercial comum) (48) uma série de objetivos, tanto de natureza económica como não económica. Essa circunstância também explica por que razão, mesmo antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça entendeu reiteradamente que era possível prosseguir objetivos relacionados, por exemplo, com o desenvolvimento económico (49), a proteção do ambiente (50) ou a política externa (51), no contexto da política comercial comum.

71.      Em última análise, a política comercial comum consiste essencialmente na dimensão externa do mercado interno e da união aduaneira. A esse propósito, recordo que o artigo 114.° TFUE constitui a principal disposição utilizada pelo legislador da União para adotar as medidas necessárias ao estabelecimento e ao funcionamento do mercado interno. É jurisprudência assente que, quando estejam preenchidas as condições de recurso ao artigo 114.° TFUE como base jurídica, o legislador da União não pode ser impedido de se fundar nessa base jurídica pelo facto de outros objetivos de interesse público (52) (como, por exemplo, a saúde pública (53) ou a defesa do consumidor (54)) ser determinante nas opções a tomar. Por uma questão de coerência, entendo que o mesmo princípio se deve aplicar à política comercial comum.

72.      Considero que os Governos finlandês e do Reino Unidos laboram num equívoco ao estabelecerem um paralelismo entre o Tratado de Marraquexe e os acima referidos Protocolo de Cartagena e Convenção de Basileia. Nesses processos, o Tribunal de Justiça entendeu que a componente comercial desses acordos era meramente secundária em relação à sua componente ambiental. Uma rápida leitura do texto desses acordos não pode deixar de confirmar que o número, o alcance e pessoa importância das disposições relacionadas com o comércio na economia global dos acordos não eram nem preponderantes nem assumiam a mesma importância que os das disposições relacionadas com o ambiente. Com efeito, a maioria das disposições desses acordos dizia respeito a regulamentação ambiental, sendo a regulamentação comercial apenas um dos instrumentos utilizados para prosseguir objetivos relacionados com o ambiente.

73.      Pelo contrário, como explicado anteriormente, o aumento das trocas comerciais internacionais de cópias em formato acessível ocupa um lugar central no sistema instituído pelo Tratado de Marraquexe. A simplificação e expansão do intercâmbio transfronteiras de cópias em formato acessível é um dos principais meios previstos pelos autores do tratado para promoverem os seus objetivos.

74.      Poderíamos mesmo dizer, simplesmente, que o Tratado de Marraquexe tem por efeito substituir um tipo de trocas comerciais de cópias em formato acessível por outro. Atualmente, o intercâmbio transfronteiras dessas mercadorias é muito limitado, uma vez que tem lugar em conformidade com as regras normais de mercado. No futuro, as trocas comerciais dessas mercadorias estarão facilitadas, dado que os direitos de os titulares do direito de autor se oporem à reprodução, distribuição e circulação das suas obras ficarão limitados às situações previstas no Tratado de Marraquexe.

75.      Por conseguinte, é sem razão que Governo francês alega que o Tratado de Marraquexe não visa liberalizar ou promover as trocas comerciais. Em qualquer caso, segundo jurisprudência assente, basta que um acordo regule as trocas comerciais, por exemplo, restringindo‑as ou até mesmo proibindo‑as, para que esteja abrangido pelo âmbito da política comercial comum (55).

76.      Dito isto, conforme observam vários governos, a verdade é que os objetivos do Tratado de Marraquexe relacionados com o comércio servem uma finalidade de natureza diferente. É por este motivo que entendo que o artigo 207.° TFUE não pode constituir a única base da decisão em causa.

2.      Artigo 19.°, n.° 1, TFUE

77.      O preâmbulo do Tratado de Marraquexe deixa bem claro que, como alegam os Governos checo, finlandês e do Reino Unido, o derradeiro objetivo do tratado é contribuir para o pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos. São destacados, em especial, os princípios da não discriminação, da igualdade de oportunidades, da acessibilidade, e da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade. Neste contexto, o segundo considerando refere a intenção de que as pessoas com deficiência visual recebam informações em condições de igualdade com as demais. O quarto considerando, por seu turno, faz referência aos obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos para aceder às obras publicadas e beneficiar da igualdade de oportunidades na sociedade.

78.      O preâmbulo também faz referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem e à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (a seguir «Convenção da ONU»). A ligação entre a Convenção da ONU e o Tratado de Marraquexe é, na verdade, óbvia. O artigo 30.°, n.° 3, da primeira dispõe: «Os Estados Partes adotam todas as medidas apropriadas, em conformidade com o direito internacional, para garantir que as leis que protegem os direitos de propriedade intelectual não constituem uma barreira irracional ou discriminatória ao acesso por parte das pessoas com deficiência a materiais culturais.» Por conseguinte, o Tratado de Marraquexe pode ser considerado um meio de dar cumprimento ao compromisso assumido naquela disposição.

79.      A esse propósito, importa observar que a Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência (a seguir «Comissão da ONU»), criada no quadro da Convenção da ONU, referiu expressamente a ligação entre os dois acordos. No seu comentário ao artigo 9.° da Convenção da ONU (com a epígrafe «Acessibilidade»), a Comissão da ONU referiu que o Tratado de Marraquexe deveria «assegurar o acesso das pessoas com deficiência a materiais culturais, sem barreiras irracionais ou discriminatórias» (56).

80.      Neste Contexto, entendo que o Tratado de Marraquexe prossegue um dos objetivos referidos no artigo 19.°, n.° 1, TFUE. Nos termos desta disposição, «o Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual». A deficiência é, portanto, um dos motivos de discriminação enumerados nessa disposição contra os quais a União pode tomar as medidas necessárias.

81.      Neste contexto, observo que foi precisamente com base no artigo 19.° TFUE que a União adotou diversos instrumentos jurídicos destinados a combater a discriminação, assegurando a igualdade de tratamento e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Refiro‑me, em especial, à Diretiva 2000/43/CE sobre a igualdade racial (57) e à Diretiva 2004/113/CE sobre a igualdade de género (58).

82.      Refiro‑me também, acima de tudo, à Diretiva 2000/78/CE, relativa à igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (59). Nos termos do seu artigo 1.°, esta diretiva tem por objetivo «estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento» (60).

83.      Entendo que os atos da União que acabei de mencionar — tal como os instrumentos internacionais referidos no n.° 78, supra — possuem em comum com o Tratado de Marraquexe uma forte componente de combate à discriminação.

84.      No entanto, a Comissão refuta essa conclusão, alegando que o Tratado de Marraquexe não é um ato de caráter geral destinado a combater todas as formas possíveis de discriminação de que as pessoas com deficiência possam ser alvo: o tratado tem unicamente por objeto o direito de autor. Além disso, a Comissão salienta que os artigos 9.° e 10.° TFUE exigem que, na definição e execução de todas as suas políticas e atividades, a União combata, nomeadamente, a exclusão social e a discriminação.

85.      Não considero que estes argumentos sejam convincentes. Em primeiro lugar, nada no texto do artigo 19.°, n.° 1, TFUE indica que no seu âmbito se incluam apenas atos de natureza genérica ou de alcance amplo. Em segundo lugar, o Tratado de Marraquexe não se limita a exigir que as partes contratantes alterem a sua legislação em matéria de direito de autor em benefício das pessoas com deficiência visual. Também lhes impõe outras obrigações: por exemplo, estabelecer medidas específicas para proteger a vida privada das pessoas com deficiência visual (artigo 8.°) ou cooperar com os órgãos da OMPI para facilitar o intercâmbio de cópias em formato acessível (artigo 9.°). O artigo 13.° institui ainda uma assembleia, à qual é atribuída, entre outras, a função de desenvolver as regras do Tratado de Marraquexe. Em terceiro lugar, a necessidade de combater a discriminação, assegurando a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência visual, não foi meramente tomada em consideração nas negociações do Tratado de Marraquexe, mas constitui a própria razão de ser deste tratado.

86.      À luz do exposto, considero que o artigo 19.°, n.° 1, TFUE deveria ser uma das bases jurídicas da decisão em causa.

3.      Artigo 114.° TFUE

87.      A Comissão, apoiada neste ponto pelos Governos checo, finlandês, francês e lituano e pelo Parlamento Europeu, considera que o artigo 114.° TFUE deveria ser uma das bases jurídicas da decisão em causa.

88.      Não subscrevo esse entendimento.

89.      Não há dúvida de que a celebração do Tratado de Marraquexe poderá reforçar a harmonização das regras da União em matéria de direito de autor. É igualmente inquestionável que, a nível interno, os atos relativos a estas matérias podem genericamente basear‑se no artigo 114.° TFUE. Por último, é evidente que a implementação pela União das disposições estabelecidas no Tratado de Marraquexe terá um efeito positivo nas trocas comerciais transfronteiras dentro da União.

90.      Não obstante, estes elementos não se me afiguram suficientes para concluir que a componente do Tratado de Marraquexe relacionada com o mercado interno seja predominante ou, pelo menos, que tenha o mesmo peso que as componentes relacionadas com o comércio e com o combate à discriminação.

91.      É jurisprudência assente que um ato adotado com base no artigo 114.° TFUE deve ter efetivamente por objeto a melhoria das condições do estabelecimento e do funcionamento do mercado interno (61). A simples constatação de disparidades entre as regulamentações nacionais não é suficiente para justificar o recurso ao artigo 114.° TFUE. Esta disposição requer a existência de divergências entre as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros suscetíveis de colocar entraves às liberdades fundamentais e de ter, assim, influência direta no funcionamento do mercado interno (62).

92.      No presente caso, nenhuma das partes demonstrou a existência de divergências significativas entre as legislações nacionais dos Estados‑Membros relativamente aos aspetos do direito de autor regulados pelo Tratado de Marraquexe. É evidente que, à luz do artigo 5.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, é possível (ou mesmo provável) que existam divergências entre as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros em relação às exceções ou limitações aos direitos dos autores estabelecidas em benefício das pessoas com deficiência visual. Porém, a mera possibilidade não é suficiente para justificar o recurso ao artigo 114.° TFUE.

93.      Com efeito, como observa o Governo do Reino Unido, não foi realizada qualquer análise sobre o efeito dessas supostas divergências no funcionamento do mercado interno. No entanto, o considerando 31 da Diretiva 2001/29 dispõe que o grau de harmonização alcançado relativamente às exceções e limitações devia «depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno». Daqui depreendo que, quando a Diretiva 2001/29 foi adotada, o legislador da União considerou que as exceções e limitações a favor das pessoas com deficiência não tinham um impacto significativo no bom funcionamento do mercado interno. Caso contrário, o legislador da União teria, provavelmente, exigido um maior nível de aproximação das legislações dos Estados‑Membros nesta matéria. Existem motivos razoáveis para supor que atualmente a situação não seria diferente.

94.      O facto de estes aspetos não terem sido objeto de um exame detalhado por parte da Comissão ou do legislador da União corrobora o entendimento de que a harmonização do mercado interno não era um dos principais objetivos que levou a União a negociar (e, potencialmente, a celebrar) o Tratado de Marraquexe. Por conseguinte, o contributo positivo que a celebração desse tratado poderá dar para o reforço do mercado interno afigura‑se um objetivo claramente secundário ou um efeito indireto.

95.      O facto de que qualquer ato interno com o mesmo conteúdo se basearia provavelmente no artigo 114.° TFUE (isoladamente ou em conjugação com outras bases jurídicas) assume, neste contexto, uma relevância reduzida. Como já referido, uma vez que a política comercial comum constitui a dimensão externa do mercado interno, é frequente que atos equivalentes se baseiem no artigo 114.° TFUE, quando os seus efeitos são puramente internos, e no artigo 207.° TFUE, quando são adotados para regular a relação entre a União Europeia e países terceiros.

96.      Na verdade, a União poderia atingir resultados equivalentes a nível interno, bastando‑lhe para tal alterar a Diretiva 2001/29 (como o Conselho pediu à Comissão, em 19 de maio de 2015). Todavia, os objetivos prosseguidos pelo Tratado de Marraquexe só podem ser eficazmente alcançados se as regras nele previstas forem aplicadas em muitos outros países, muito além das fronteiras da União. Com efeito, o sétimo considerando deste tratado dispõe que continua a persistir uma escassez de obras em formato acessível, não obstante o facto de «muitos Estados‑Membros [terem já estabelecido] limitações e exceções nas respetivas legislações nacionais em matéria de direito de autor a favor das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos».

97.      À luz do exposto, entendo que o artigo 114.° TFUE não deveria ser incluído como uma das bases jurídicas da decisão em causa.

4.      Política social

98.      Por último, o Governo húngaro considera que a decisão em causa também deveria mencionar o artigo 4.°, n.° 2, alínea b), TFUE, uma vez que o Tratado de Marraquexe prossegue um objetivo de política social.

99.      Gostaria de salientar, antes de mais, que o artigo 4.° TFUE, tal como os artigos 3.°, 5.° e 6.° TFUE, limita‑se a enumerar os domínios da competência da União, de acordo com a natureza dessa competência. Em contrapartida, a definição e a delimitação desses domínios de competência, bem como as regras aplicáveis ao exercício dessas competências por parte da União constam de outras disposições dos Tratados da União. Os artigos 3.° a 6.° não podem, assim, constituir a base jurídica substantiva de nenhum ato da União.

100. Por conseguinte, os argumentos aduzidos pelo Governo húngaro devem, no meu entender, ser apreciados como se remetessem para as disposições sobre política social: os artigos 151.° a 161.° TFUE. De entre estas disposições, creio que uma possível base jurídica da decisão em causa poderia ser o artigo 153.° TFUE.

101. O artigo 153.° TFUE estabelece os atos e os procedimentos que a União deve seguir para alcançar os objetivos do artigo 151.° TFUE. Por seu turno, esta última disposição identifica os objetivos de política social da União do seguinte modo: «a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma proteção social adequada, o diálogo entre parceiros sociais, o desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões (63)».

102. À luz desta disposição, é certamente possível encontrar um elemento de política social no Tratado de Marraquexe. Com efeito, o nono considerando do tratado reconhece «a necessidade de manter um equilíbrio entre a proteção efetiva dos direitos dos autores e o interesse público mais lato, nomeadamente no domínio da educação, da investigação e do acesso à informação, e que esse equilíbrio deve facilitar o acesso efetivo e atempado às obras em benefício das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos» (64).

103. Não obstante, não creio que tal objetivo desempenhe um papel central na economia do Tratado de Marraquexe. O verdadeiro objetivo «social» deste tratado é melhorar, de um modo geral, a vida das pessoas com deficiência visual. O facto de essas pessoas passarem a ter um acesso mais eficaz ao emprego seria meramente uma consequência da eliminação de determinados obstáculos que limitam a sua liberdade de expressão, incluindo a liberdade de solicitar, receber e transmitir informações e ideias de qualquer tipo, o seu exercício do direito à educação e a oportunidade de efetuar pesquisas.

104. A política social da União visa, sobretudo, melhorar, de um modo geral, o que pode ser designado por vida profissional ou económica dos seus cidadãos (65), ao passo que, como referido anteriormente, o objeto das medidas de combate à discriminação previstas no artigo 19.° TFUE é a garantia de igualdade de tratamento e de oportunidades às pessoas com deficiência, entre outras.

105. Por conseguinte, uma vez que existe uma sobreposição parcial entre as duas disposições (66), entendo que, no que respeita à componente social do Tratado de Marraquexe, o centro de gravidade encontra‑se mais no artigo 19.° TFUE do que no artigo 153.° TFUE.

5.      Artigo 209.° TFUE

106. Na audiência, o Governo francês alterou a sua posição, alegando que o artigo 209.° TFUE também deveria ser incluído como base jurídica da decisão em causa, juntamente com o artigo 114.° TFUE. Com efeito, no seu entender, o Tratado de Marraquexe prossegue um objetivo de desenvolvimento.

107. É certo que o preâmbulo do Tratado de Marraquexe reconhece que «a maioria das pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos vivem em países em desenvolvimento e nos países menos desenvolvidos» e refere expressamente a agenda da OMPI para o desenvolvimento.

108. No entanto, afigura‑se‑me claro que, na economia global do Tratado de Marraquexe, o objetivo de desenvolvimento desempenha um papel puramente acessório ou, pelo menos, secundário, em relação aos outros objetivos. A este respeito, importa recordar que o principal objetivo da cooperação para o desenvolvimento é a erradicação da pobreza no contexto do desenvolvimento sustentável (67). É evidente que este o objetivo não está no cerne do Tratado de Marraquexe.

109. Em primeiro lugar, o objetivo de desenvolvimento é apenas referido de passagem no preâmbulo, enquanto os objetivos comerciais e de combate à discriminação do Tratado de Marraquexe são objeto de uma explicação mais aprofundada.

110. Em segundo lugar, nenhuma disposição concreta deste tratado aborda especificamente a política de desenvolvimento. Encontramos apenas uma breve referência às necessidades dos países menos desenvolvidos nos artigos 12.° e 13.° do Tratado de Marraquexe. Porém, nenhuma destas disposições assume uma importância central. O artigo 12.° desempenha uma função meramente interpretativa: reconhece o direito das partes contratantes de aplicarem, no âmbito do seu direito nacional, outras limitações e exceções, além das previstas no tratado, ao direito de autor a favor das pessoas beneficiárias. No caso dos países menos desenvolvidos, é feita referência às suas «necessidades específicas, bem como aos direitos e obrigações que [lhes] incumbem no plano internacional e aos elementos de flexibilidade a eles inerentes». Por sua vez, o artigo 13.° estabelece que as partes contratantes dispõem de uma assembleia. Estabelece ainda que, embora as despesas de cada delegação sejam suportadas pela parte contratante que a tenha designado, no caso de delegações de partes contratantes que sejam consideradas países em desenvolvimento, a assembleia pode pedir à OMPI a concessão de assistência financeira para facilitar a sua participação.

111. Em terceiro lugar, como referido no n.° 69, supra, o Tribunal de Justiça afirmou expressamente que também é possível prosseguir objetivos de desenvolvimento no contexto da política comercial comum da União.

112. Em quarto lugar, e mais importante, as regras estabelecidas no Tratado de Marraquexe visam claramente melhorar as condições dos beneficiários em todas as partes contratantes e não apenas (nem sobretudo) as dos beneficiários que vivem em países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos.

6.      Conclusão intercalar

113. À luz do exposto, considero que a decisão em causa se deve basear nos artigos 19.° e 207.° TFUE. Além disso, não há, no meu entender, razão para considerar que os procedimentos previstos nessas duas disposições são incompatíveis: a única eventual diferença é o sistema de votação do Conselho.

114. Os acordos internacionais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 19.° TFUE devem, por força do artigo 218.°, n.° 6, alínea a), v) e n.° 8, TFUE, ser celebrados mediante a adoção de uma decisão do Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, após aprovação do Parlamento Europeu.

115. Os acordos internacionais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 207.° TFUE devem, nos termos dos artigos 207.°, n.° 4, e artigo 218.°, n.° 6, alínea a), v), TFUE, ser celebrados mediante a adoção de uma decisão do Conselho, sob proposta da Comissão, após aprovação do Parlamento Europeu. Quanto ao sistema de votação do Conselho, a regra é a votação por maioria qualificada, sendo a unanimidade excecionalmente exigida em três situações previstas no segundo e terceiro parágrafos do artigo 207.°, n.° 4, TFUE.

116. No entanto, para efeitos do presente processo, não é necessário determinar se, relativamente à sua componente comercial, o artigo 207.° TFUE teria, em princípio, imposto ao Conselho a votação por unanimidade ou por maioria qualificada. Prevalece inevitavelmente o sistema mais exigente previsto no artigo 19.° (68).

117. Consequentemente, a decisão em causa, se tiver por base os artigos 19.° e 207.° TFUE, deve ser adotada pelo Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, após aprovação do Parlamento Europeu.

C –    Natureza da competência da União

118. Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE, que codifica jurisprudência há muito consolidada (69), a política comercial comum é um domínio da competência exclusiva da União. Em contrapartida, não existe qualquer referência a um domínio de competência que abranja ou inclua medidas de combate à discriminação em nenhuma das disposições do título I da parte I do Tratado FUE, intitulado «As categorias e os domínios de competências da União» (artigos 2.° a 6.°). Assim, por força do artigo 4.°, n.° 1, TFUE (70), este domínio de competência deve ser considerado partilhado entre a União e os Estados‑Membros.

119. Não obstante, diferentemente do que o Governo húngaro defende, isso não significa necessariamente que o Tratado de Marraquexe tenha de ser celebrado como um acordo misto, como alega o Governo húngaro. Antes de mais, importa salientar que, ainda que o artigo 3.°, n.° 2, TFUE não fosse aplicável em relação ao Tratado de Marraquexe (71), a celebração do tratado exigiria inevitavelmente um acordo misto. Quando o objeto do acordo está abrangido por um domínio de competência partilhada (ou competência paralela) (72), a escolha entre um acordo misto ou um acordo celebrado unicamente pela União cabe, em geral, no poder discricionário do legislador da União.

120. Essa decisão, por ser de natureza predominantemente política, está sujeita a uma fiscalização jurisdicional limitada. O Tribunal de Justiça tem sustentado reiteradamente que há que reconhecer ao legislador da União um amplo poder de apreciação em domínios que implicam, da sua parte, opções de natureza política, económica e social, e em que é chamado a efetuar apreciações complexas. Daqui inferiu que só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesses domínios, em relação ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (73).

121. Tal pode ser o caso, por exemplo, em que a decisão de celebrar um acordo misto possa, em virtude da urgência da situação e do tempo necessário para concluir os 28 processos de ratificação a nível nacional, comprometer gravemente o objetivo prosseguido ou implicar a violação do princípio pacta sunt servanda por parte da União.

122. Pelo contrário, de um modo geral, seria necessário um acordo misto nos casos em que um acordo internacional diga respeito a competências coexistentes: ou seja, em que uma parte esteja abrangida pela competência exclusiva da União e outra parte pela competência exclusiva dos Estados‑Membros, sem que uma parte seja acessória em relação à outra (74). No entanto, é evidente que não é esse o caso do Tratado de Marraquexe.

123. Porém, o que é mais importante, um acordo que, por força do seu objetivo e conteúdo, esteja abrangido por um domínio de competência que seja, em princípio, partilhado tem necessariamente de ser celebrado unicamente pela União quando essa competência, em virtude de ter sido exercida pela União, se tenha tornado exclusiva a nível externo. Como explicarei de seguida, é precisamente esse o caso do Tratado de Marraquexe.

1.      Artigo 3.°, n.° 2, TFUE

124. O artigo 3.°, n.° 2, TFUE prevê o seguinte: «A União dispõe igualmente de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas».

125. Esta disposição confere à União uma fonte adicional de competência exclusiva, no que respeita especificamente à celebração de acordos internacionais. Por conseguinte, uma competência partilhada a nível interno poderá assumir natureza exclusiva para efeitos da celebração de acordos internacionais. A razão é óbvia: a nível interno, o princípio do primado determina que, quando existam diferenças entre a regulamentação da União e a regulamentação nacional, prevalecerá a primeira (75). Em caso de litígio, o Tribunal de Justiça poderá ser chamado a esclarecer a matéria, por exemplo, com base nos artigos 258.° a 260.° TFUE. A situação é totalmente diferente quando os Estados‑Membros celebram acordos internacionais com países terceiros. Esses acordos podem facilmente criar obstáculos, tanto a nível político como jurídico, ao correto funcionamento e, possivelmente, à futura evolução do direito da União (76).

126. Apenas a última parte do artigo 3.°, n.° 2, TFUE é relevante para o presente processo. A Comissão Europeia e o Parlamento alegam que a União goza de competência exclusiva para celebrar o Tratado de Marraquexe porque essa celebração é suscetível de afetar ou alterar o alcance das disposições da Diretiva 2001/29.

127. A última parte do artigo 3.°, n.° 2, TFUE codifica a jurisprudência dita AETR (77). No acórdão AETR, o Tribunal de Justiça estabeleceu o princípio de que, sempre que tenham sido adotadas regras comuns, os Estados‑Membros, quer agindo individual quer coletivamente, deixam de ter o direito de contrair com Estados terceiros obrigações que afetem essas regras. Nesse caso, a União tem competência exclusiva para celebrar acordos internacionais (78).

128. Naturalmente, as regras comuns são afetadas quando a União tenha harmonizado completamente o domínio objeto do acordo internacional (79). Além disso, há um risco de violação das regras comuns da União, através de compromissos internacionais assumidos pelos Estados‑Membros, ou de alteração do alcance destas regras, quando esses compromissos se enquadrem no âmbito de aplicação das referidas regras (80).

129. Por conseguinte, a harmonização completa do domínio abrangido pelo acordo internacional não é uma condição prévia da competência exclusiva da União nessa matéria. Basta que esse domínio esteja já em grande parte coberto pelas regras em causa da União (81). Por outras palavras, não é necessária uma concordância total entre as regras pertinentes internacionais e da UE para que tal aconteça (82). O Tribunal de Justiça já rejeitou a abordagem segundo a qual cada disposição do acordo internacional seria examinada individualmente, a fim de determinar se correspondia a uma disposição análoga de direito da União. O Tribunal de Justiça declarou que a natureza da competência deve ser determinada com base numa análise global e concreta da relação existente entre o acordo internacional previsto e o direito da União em vigor (83).

130. No entanto, esta jurisprudência suscita a seguinte questão: quando é que um domínio se considera suficientemente coberto por regras da União para excluir a competência dos Estados‑Membros para agirem externamente (a menos, obviamente, que o façam ao abrigo de uma autorização ou delegação da União para o efeito)?

131. Para responder a esta questão, é necessário voltar à própria razão de ser da jurisprudência AETR e, de um modo mais geral, do artigo 3.°, n.° 2, TFUE. Como explicou o Tribunal de Justiça, essa jurisprudência (e, consequentemente, a nova disposição do Tratado que a codifica) visa assegurar uma aplicação uniforme e coerente das regras da União e um bom funcionamento do sistema que instituem, a fim de preservar a plena eficácia do direito da União (84).

132. À luz deste princípio, importa determinar se as regras previstas num determinado acordo internacional podem afetar a aplicação uniforme e coerente ou a eficácia das regras da União. Obviamente, essa análise só pode ser realizada caso a caso, examinando os dois conjuntos de regras (da União e internacionais) com base no seu alcance, natureza e conteúdo (85).

133. Para o efeito, há que ter em conta não apenas o estado do direito da União no momento da celebração do acordo, mas também as suas perspetivas de evolução, quando estas forem previsíveis no momento dessa análise (86). Caso contrário, existiria o risco de impedir ou, pelo menos, dificultar significativamente a futura evolução do direito da União (87).

134. Foi por esse motivo que o Tribunal de Justiça concluiu pela existência de competência exclusiva da União nos casos em que, por exemplo, a celebração de um acordo pelos Estados‑Membros comprometesse a unidade do mercado comum e a aplicação uniforme do direito da União (88); ou quando, em virtude da natureza e do conteúdo das disposições da União em vigor, um acordo nesse domínio afetasse necessariamente o funcionamento do sistema instituído pelas regras da União (89).

135. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça considerou que a União não tinha competência exclusiva nos casos em que, por exemplo, tanto as disposições da União como as de uma convenção internacional estabeleciam normas mínimas, pelo que nada obstava à plena aplicação do direito da União pelos Estados‑Membros (90); ou nos casos em que, apesar de existir a possibilidade de os acordos bilaterais resultarem em distorções nos fluxos de serviços no mercado interno, no entender do Tribunal de Justiça, nada no Tratado impedia as instituições de organizarem, nas regras comuns por elas adotadas, ações concertadas relativamente a países terceiros nem de determinarem as atitudes a tomar pelos Estados‑Membros relativamente ao exterior (91).

136. À luz destes princípios, analisarei agora a possibilidade de o Tratado de Marraquexe estar abrangido pela competência exclusiva da União.

2.      Tratado de Marraquexe e Diretiva 2001/29

137. Como referido anteriormente, o Tratado de Marraquexe regula certos aspetos do direito de autor, exigindo que as partes contratantes adotem um determinado conjunto de limitações e exceções às regras em matéria de direito de autor, a fim de permitir a reprodução, distribuição e disponibilização de obras publicadas em formatos acessíveis a pessoas com deficiência visual e de facilitar o intercâmbio transfronteiras dessas obras.

138. Ao nível da União, o direito de autor é regulado pela Diretiva 2001/29, que estabelece um quadro jurídico para a proteção do direito de autor e dos direitos conexos. Este instrumento harmoniza certos aspetos da legislação dos Estados‑Membros relativa ao direito de autor, com vista à implementação das quatro liberdades nesse domínio, deixando inalteradas as diferenças legislativas que não afetem negativamente o funcionamento do mercado interno (92).

139. Vários dos Estados‑Membros que apresentaram observações no presente processo discutem se a Diretiva 2001/29, no artigo 5.°, alcança uma harmonização completa das exceções e limitações. Abordam ainda a questão de saber se se a margem de apreciação conferida por essa disposição aos Estados‑Membros significa que estes mantiveram a competência sobre esses aspetos (como alegam alguns governos), ou se forem autorizados a agir ou lhes foram concedidos poderes para esse efeito pela União (como alegam a Comissão e o Parlamento Europeu).

140. No meu entender, essas questões não são pertinentes para efeitos do presente processo. Importa salientar, antes de mais, que nem no acórdão Padawan (93) nem no acórdão Copydan Båndkopi (94) o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 só procede a uma harmonização mínima. Mais importante, conforme expliquei no n.° 129, supra, a competência exclusiva da União não exige uma harmonização completa. O que é crucial nesta matéria é se o domínio abrangido pelo acordo internacional já está em grande parte coberto por regras da União, caso em que a competência dos Estados‑Membros para agirem externamente nesse domínio seria suscetível de afetar essas regras.

141. É incontestável que as exceções e limitações são um aspeto do direito de autor que está amplamente regulado na Diretiva 2001/29. Como refere o considerando 32 desta diretiva, essas exceções e limitações são exaustivas. Acresce que, nos termos do artigo 5.°, n.° 5, e do considerando 44, as exceções e limitações devem ser aplicadas em conformidade com a chamada «tripla condição» (95). Além disso, o Tribunal de Justiça deixou bem claro que a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem quando fazem uso das exceções previstas no artigo 5.° da Diretiva 2001/29 «deve ser exercida nos limites impostos pelo direito da União» (96). Por último, o Tribunal de Justiça também afirmou que muitos dos conceitos presentes no artigo 5.° constituem conceitos autónomos de direito da União, que devem ser interpretados de maneira uniforme em todos os Estados‑Membros, independentemente da respetiva legislação interna (97).

142. Com efeito, no acórdão Broadcasting, o Tribunal de Justiça observou que, relativamente ao acordo internacional em causa naquele processo, os elementos respeitantes, designadamente, às limitações e exceções a direitos relacionados com o direito de autor estavam abrangidos por regras comuns da União, e que as negociações sobre estes elementos podiam afetar ou alterar o alcance dessas regras comuns (98). Não vislumbro qualquer motivo que justifique a não aplicação dessa conclusão no presente processo.

143. É evidente que a celebração do Tratado de Marraquexe exigirá que o legislador da União altere o artigo 5.° da Diretiva 2001/29. Atualmente, o n.° 3, alínea b), desta disposição deixa ao critério dos Estados‑Membros a decisão de prever ou não exceções ou limitações nos casos de «[u]tilização a favor de pessoas portadoras de deficiências, que esteja diretamente relacionada com essas deficiências e que apresente caráter não comercial, na medida exigida por cada deficiência específica». Consequentemente, para dar cumprimento as regras constantes do Tratado de Marraquexe, as exceções e limitações estabelecidas em benefício de uma categoria específica de pessoas com deficiência (pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos) deixariam de ser facultativas, passando a ter caráter obrigatório.

144. É certo que existem várias formas de dar cumprimento ao Tratado de Marraquexe e o legislador da União poderia perfeitamente decidir que não é necessário realizar uma harmonização completa da matéria objeto deste tratado. Não obstante, essa é uma decisão que compete ao legislador da União, dado que, em qualquer caso, o texto da Diretiva 2001/29 teria de ser alterado. Em especial, a atual redação do artigo 5.°, n.° 3, alínea b), dessa não reflete nem a letra nem o espírito do Tratado de Marraquexe e os Estados‑Membros não podem, na prática, alterar ou pôr em causa essa regra da União ao assumir compromissos internacionais autónomos (99).

145. Nesse contexto, afigura‑se relevante observar que o considerando 44 da Diretiva 2001/29 dispõe que, quando aplicadas, as exceções e limitações previstas nesta diretiva «deverão ser exercidas em conformidade com as obrigações internacionais».

146. Além disso, o alcance do artigo 6.° da Diretiva 2001/29, relativo às obrigações em relação a medidas de caráter tecnológico, e em especial o seu n.° 4, também seriam afetados pelo artigo 7.° do Tratado de Marraquexe. Esta última disposição exige que as partes contratantes tomem as medidas adequadas para garantir que, quando asseguram uma proteção jurídica adequada e sanções eficazes para evitar que medidas eficientes de caráter tecnológico sejam eludidas, essa proteção jurídica não impeça as pessoas beneficiárias de tirarem partido das limitações e exceções previstas nesse tratado.

147. Por conseguinte, considero que a celebração do Tratado de Marraquexe irá inevitavelmente, para utilizar os termos do artigo 3.°, n.° 2, TFUE, «afetar regras comuns ou […] alterar o alcance das mesmas».

148. É esta a questão que está no cerne do artigo 3.°, n.° 2, TFUE. Com efeito, o Tribunal de Justiça confirmou recentemente que o facto de as regras da União em causa concederem aos Estados‑Membros uma latitude considerável para efeitos da sua transposição e execução não afasta a competência exclusiva (100). Tão pouco é relevante, contextua este respeito, que tanto a União como os Estados‑Membros possam ser forçados a alterar a sua regulamentação nacional para dar cumprimento a um acordo internacional. Como referido anteriormente, uma competência pode ser exclusiva a nível externo e ser partilhada a nível interno. Nesse caso, o exercício da competência interna é regulado pelo artigo 2.°, n.° 2, TFUE e não pelo artigo 3.°, n.° 2, TFUE.

149. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, como observa o Governo do Reino Unido, os Estados‑Membros poderem dar cumprimento ao Tratado de Marraquexe alterando a sua legislação em matéria de direito de autor, sem violarem formalmente a Diretiva 2001/29. Conforme sustentou reiteradamente o Tribunal de Justiça, as regras da União podem ser afetadas por compromissos internacionais, ainda que não exista contradição possível entre eles (101). Em qualquer caso, como referido no n.° 143, supra, a natureza opcional das exceções e limitações previstas no artigo 5.°, n.° 3, alínea b), contraria claramente o espírito e a letra do Tratado de Marraquexe: a execução deste tratado ao nível da União implicaria necessariamente a alteração desta disposição.

150. A natureza exclusiva da competência a exercer para celebrar o Tratado de Marraquexe também é confirmada pelo facto de o Tribunal de Justiça, em resposta a um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2001/29, ter sustentado que, ao adotar esta diretiva, o legislador da União «exerceu as competências anteriormente atribuídas aos Estados‑Membros em matéria de propriedade intelectual». Em consequência, concluiu que, no âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29, deve entender‑se que a União Europeia se substituiu aos Estados‑Membros, que deixaram de ter competência para aplicar as disposições pertinentes da Convenção de Berna que inspiraram as regras estabelecidas nesta diretiva (102). Estas conclusões afiguram‑se mutatis mutandis muito pertinentes para o presente processo.

151. Por último, na medida em que a evolução previsível do direito da União deva ser tida em conta para determinar se a competência em causa possui natureza exclusiva ou partilhada, não é possível ignorar que, em 19 de maio de 2015, o Conselho decidiu solicitar à Comissão, nos termos do artigo 241.° TFUE, que lhe apresentasse, sem demora, uma proposta legislativa de alteração do quadro jurídico da União, a fim de dar cumprimento ao Tratado de Marraquexe.

152. Na minha opinião, uma vez adotada essa alteração, será indiscutível que a União terá exercido a sua competência de modo incompatível com a existência de uma competência externa residual dos Estados‑Membros. Qualquer ação dos Estados‑Membros, individual ou coletiva, no sentido de assumir obrigações perante países terceiros no domínio abrangido pelo Tratado de Marraquexe afetará efetivamente as regras adotadas pela União para lhe dar cumprimento.

153. Em qualquer caso, independentemente dessa eventual alteração, a própria Diretiva 2001/29 parece prever, no seu preâmbulo, uma possível ação futura para reforçar a coerência no domínio das exceções e limitações. Com efeito, o considerando 32 expressa a necessidade de os Estados‑Membros progressivamente «aplicar[em] essas exceções e limitações de uma forma coerente, o que será apreciado quando for examinada futuramente a legislação de transposição» (103).

154. Afigura‑se, assim, que as condições estabelecidas na última parte do artigo 3.°, n.° 2, TFUE estão satisfeitas.

IV – Conclusão

155. Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda nos seguintes termos à questão submetida pela Comissão no seu pedido de parecer apresentado nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE:

A União Europeia tem competência exclusiva para celebrar o Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso a obras publicadas por parte das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos, adotado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em 27 de junho de 2013.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso a obras publicadas por parte das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos, Organização Mundial da Propriedade Intelectual, 27 de junho de 2003, TRT/MARRAKESH/001.


3 —      Entende‑se por «obras» as obras literárias e artísticas, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (a seguir «Convenção de Berna»), sob a forma de texto, notações e/ou ilustrações conexas, que sejam publicadas ou disponibilizadas ao público de outro modo, independentemente do respetivo suporte. O conceito abrange as obras sob forma sonora, como os audiolivros.


4 —      Entende‑se por «cópia em formato acessível» uma cópia de uma obra num suporte ou formato alternativo que faculte à pessoa beneficiária o acesso à obra. Esta cópia deve ser utilizada exclusivamente pelas pessoas beneficiárias e deve respeitar a integridade da obra original.


5 —      Uma «entidade autorizada» é uma instituição pública ou outra organização reconhecida pelos poderes públicos que presta às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos serviços sem fins lucrativos em matéria de educação, formação pedagógica, leitura adaptada ou acesso à informação.


6 —      O artigo 11.° deve ser lido à luz do décimo considerando, nos termos do qual as partes contratantes reiteram as obrigações que lhes incumbem nos termos dos atuais tratados internacionais relativos à proteção do direito de autor, bem como a importância da dita «tripla condição» aplicável às limitações e exceções estabelecida no artigo 9.°, n.° 2, da Convenção de Berna.


7—      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).


8 —      O considerando 34 da Diretiva 2001/29 tem também a seguinte redação: «Deve ser dada aos Estados‑Membros a opção de preverem certas exceções e limitações em determinados casos, nomeadamente para fins de ensino ou de investigação científica, a favor de instituições públicas como bibliotecas e arquivos, para efeitos de notícias, citações, para utilização por pessoas deficientes, para utilização relacionada com a segurança pública e para utilização em processos administrativos e judiciais» (o sublinhado é meu).


9 —      Decisão do Conselho relativa à participação da União Europeia nas negociações de um acordo internacional, no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, com vista a melhorar o acesso aos livros por parte das pessoas com incapacidade de leitura de material impresso; 16259/12.


10 —      Decisão 2014/221/UE do Conselho, de 14 de abril de 2014, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, do Tratado de Marraquexe para facilitar o acesso a obras publicadas por parte das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de leitura de material impresso (JO 2014, L 115, p. 1).


11 —      COM(2014) 638 final.


12 —      V., neste sentido, parecer 2/00, de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664, n.° 5).


13 —      V. parecer 2/92, de 24 de março de 1995 (EU:C:1995:83, n.° 12), e Parecer 1/08, de 30 de novembro de 2009 (EU:C:2009:739, n.° 112).


14 —      V. acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07 (EU:C:2009:590, n.° 49).


15 —      V., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho, C‑263/14 (EU:C:2016:435, n.os 43 e 44), e Parecer 2/00, de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664, n.os 22 e 23 e jurisprudência aí referida).


16 —      Este último Governo perfilha este entendimento a título subsidiário, na eventualidade de o artigo 19.° TFUE não ser considerado, por si só, uma base jurídica suficiente para celebrar o Tratado de Marraquexe.


17 —      V., entre outros, acórdãos de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12 (EU:C:2013:675, n.° 57); de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11 (EU:C:2013:520, n.° 51); e de 12 de maio de 2005, Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e ERSA, C‑347/03 (EU:C:2005:285, n.° 75).


18 —      Parecer 1/78, de 4 de outubro de 1979 (EU:C:1979:224, n.os 44 e 45). Relativamente a esta questão, v., também, acórdão de 17 de outubro de 1995, Werner, C‑70/94 (EU:C:1995:328, n.° 9) et seq., e conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Parlamento e Conselho, C‑178/03 (EU:C:2005:312, n.° 32).


19 —      V. Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.° 41).


20 —      V. acórdão de 26 de março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86 (EU:C:1987:163, n.° 19).


21 —      V. acórdão de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11 (EU:C:2013:520, n.° 52).


22 —      V. quarto considerando.


23 —      V. acórdão de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11 (EU:C:2013:520, n.os 58 e 59). V., também, acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12 (EU:C:2013:675, n.os 60 a 67).


24 —      V., por exemplo, acórdão de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P (EU:C:2006:492, n.° 22).


25 —      V. acórdão de 17 de fevereiro de 1993, Poucet e Pistre, C‑159/91 e C‑160/91 (EU:C:1993:63).


26 —      V. acórdãos de 17 de junho de 1997, Sodemare e o., C‑70/95 (EU:C:1997:301), e de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.° 5 «Spezzino» e o., C‑113/13 (EU:C:2014:2440).


27 —      V. acórdão de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90 (EU:C:1991:161, n.° 21).


28 —      Acórdão de 18 de julho de 2013, Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland, C‑414/11 (EU:C:2013:520).


29 —      V., por exemplo, artigo 31.°, alíneas b) e c), e artigo 60.° do Acordo TRIPS.


30 —      V., por exemplo, artigos II, n.° 9, e IV, n.° 4, do anexo.


31 —      Por exemplo, no processo DS160, US — Section 110(5) Copyright Act, o Painel prestou pouquíssima atenção aos argumentos das partes sobre a necessidade de as exceções previstas na legislação dos Estados Unidos aos direitos dos autores e compositores se deviam restringir a utilizações não comerciais das obras para estarem em conformidade com o Acordo TRIPS. V. relatório do Painel, de 15 de junho de 2000 (WT/DS160/R), ponto 6.58.


32 —      V. relatório do Órgão de Recurso de 7 de junho de 2016 no processo DS461, Colombia Measures Relating to the Importation of Textiles, Apparel and Footwear (WT/DS461/AB/R), pontos 5.34 a 5.36.


33 —      Acordo relativo à aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994.


34 —      V. artigo 2.°, n.° 2, do Acordo Antidumping da OMC e, no que respeita à ordem jurídica da União, artigo 2.°, n.os 3 a 6, do Regulamento antidumping de base [Regulamento (CE) n.° 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 343, p. 51)].


35 —      V., especificamente, artigo 9.°, n.° 1, do Acordo TRIPS. Sobre esta questão, v. Dimopoulos, A., «An Institutional Perspective II: The Role of the CJEU in the Unitary (EU) Patent System», The Unitary EU Patent System, Hart Publishing, Oxford, 2015, p. 75.


36 —      V., por analogia, acórdãos de 19 de dezembro de 2012, Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., C‑159/11 (EU:C:2012:817, n.° 29), e de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C‑22/08 e C‑23/08 (EU:C:2009:344, n.° 27).


37 —      Decisão 2014/243/UE do Conselho, de 14 de abril de 2014 (JO 2014, L 128, p. 61).


38 —      V. acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12 (EU:C:2013:675).


39 —      Segundo este acordo (que foi assinado em 14 de julho de 1967 e entrou em vigor em 26 de abril de 1970), todos os produtos que contenham uma falsa indicação de proveniência pela qual um dos Estados contratantes, ou um lugar neles situado, seja direta ou indiretamente indicado como país ou lugar de origem devem ser apreendidos no ato da importação, podendo essa apreensão ser substituída pela proibição de importação ou por outras ações ou sanções relacionadas com tal importação.


40 —      V. acórdãos de 12 de maio de 2005, Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e ERSA, C‑347/03 (EU:C:2005:285, n.os 71 a 83), e de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho, C‑137/12 (EU:C:2013:675, n.os 60 a 67).


41 —      V. Parecer 2/00, de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664).


42 —      V. acórdão de 8 de setembro de 2009, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑411/06 (EU:C:2009:518).


43 —      A este respeito, refira‑se que alguns dos governos que apresentaram observações no presente processo parecem atribuir mais importância ao objetivo do Tratado de Marraquexe do que ao seu conteúdo. No meu entender, esta abordagem é incorreta. Conforme referido no n.° 33, supra, a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige que o intérprete de uma medida examine tanto o seu objetivo como o seu conteúdo. Afinal, as diferentes partes num acordo internacional (incluindo, num acordo misto, a União e os seus Estados‑Membros) podem efetivamente ter entendimentos diferentes sobre os objetivos prosseguidos por esse acordo, ou atribuir maior ou menor importância às suas diferentes componentes (v. De Baere, G., Van den Sanden, T., «Interinstitutional Gravity and Pirates of the Parliament on Stranger Tides: the Continued Constitutional Significance of the Choice of Legal Basis in Post‑Lisbon External Action», E.C.L. Review, vol. 12(1), Cambridge University Press, 2016, pp. 85‑113).


44 —      Conferência ministerial da OMC de Doha, 20 de novembro de 2001, WT/MIN(01)/DEC/2.


45 —      V. Decisões do Conselho para os TRIPS, de 25‑27 de junho de 2002 (IP/C/25) e de 6 de novembro de 2015 (IP/C/73), relativas à prorrogação do período de transição previsto no artigo 66.°, n.° 1, do Acordo TRIPS a favor dos países membros menos desenvolvidos em relação a determinadas obrigações referentes a produtos farmacêuticos.


46 —      V., em especial, Decisão do Conselho Geral, de 6 de dezembro de 2005, relativa à alteração do Acordo TRIPS (WT/L/641).


47 —      A esse propósito, refira‑se que os atos da União relacionados com essas decisões da OMC foram adotados com base no artigo 207.° TFUE, quer isoladamente quer em conjugação com outros artigos do Tratado. V., por exemplo, Decisão do Conselho, de 19 de novembro de 2007, relativa à aceitação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo que altera o Acordo TRIPS, feito em Genebra em 6 de dezembro de 2005 (2007/768/CE) (JO 2007, L 311, p. 35); e Decisão (UE) 2015/1855 do Conselho, de 13 de outubro de 2015, que define a posição a tomar em nome da União Europeia no âmbito do Conselho para os [TRIPS] e do Conselho Geral da [OMC] sobre o pedido apresentado pelos países membros menos desenvolvidos de prorrogação do período de transição, ao abrigo do artigo 66.°, n.° 1, do Acordo [TRIPS] em relação a determinadas obrigações referentes a produtos farmacêuticos e de derrogação às obrigações, ao abrigo do artigo 70.°, n.os 8 e 9, desse Acordo (JO 2015 L 271, p 33).


48 —      Relativamente à política comercial comum, v., em especial, artigo 206.° TFUE.


49 —      Parecer 1/78, de 4 de outubro de 1979 (EU:C:1979:224, n.os 41 e 46).


50 —      V., por exemplo, acórdão de 29 de março de 1990, Grécia/Conselho, C‑62/88 (EU:C:1990:153, n.os 15 a 19).


51 —      V. acórdão de 17 de outubro de 1995, Werner, C‑70/94 (EU:C:1995:328, n.os 9 a 12).


52 —      Sobre esta questão, em geral, v. conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Irlanda/Parlamento e Conselho, C‑301/06 (EU:C:2008:558, n.° 97).


53 —      V. acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14 (EU:C:2016:325, n.° 60 e jurisprudência aí referida).


54 —      V. acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08 (EU:C:2010:321, n.° 36).


55 —      V., nesse sentido, acórdão de 9 de março de 2006, Aulinger, C‑371/03 (EU:C:2006:160), e Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.° 51).


56 —      V. Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência, 11.a sessão, 31 de março — 11 de abril de 2014, Comentário geral n.° 2 (2014) (CRPD/c/GC/2), p. 13.


57 —      Diretiva do Conselho de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22).


58 —      Diretiva do Conselho de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO 2004, L 373, p. 37).


59 —      Diretiva do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).


60 —      O sublinhado é meu.


61 —      V., em especial, acórdão de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑376/98 (EU:C:2000:544, n.° 84).


62 —      Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14 (EU:C:2016:325, n.° 58 e jurisprudência aí referida).


63 —      O sublinhado é meu.


64 —      O sublinhado é meu.


65 —      A grande maioria dos objetivos enunciados no artigo 151.°, n.° 1, TFUE, assim como a referência à Carta Social Europeia de 1961 e à Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais Sociais dos Trabalhadores de 1989, não deixam dúvidas quanto a esse ponto.


66 —      A este respeito, v., por exemplo, acórdãos de 11 de julho de 2006, Chacón Navas, C‑13/05 (EU:C:2006:456); de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14 (EU:C:2016:278); e de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso, C‑307/05 (EU:C:2007:509).


67 —      V. acórdão de 11 de junho de 2014, Comissão/Conselho (EU:C:2014:1903, n.os 36 e 42).


68 —      V., neste sentido, acórdão de 3 de setembro de 2009, Parlamento/Conselho, C‑166/07 (EU:C:2009:499). É verdade que, como alega a Comissão, o Tribunal de Justiça parece ter considerado incompatível a conjugação da votação por unanimidade com a votação por maioria qualificada no seu acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01 (EU:C:2004:253). Contudo, neste último processo, as diferenças entre os dois procedimentos não se restringiam ao sistema de votação do Conselho, mas diziam também respeito à intervenção do Parlamento Europeu. A esse propósito, v. conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Comissão/Conselho, C‑338/01 (EU:C:2003:433, n.° 55).


69 —      Parecer 1/75, de 11 de novembro de 1975 (EU:C:1975:145).


70 —      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, TFUE, «[a] União dispõe de competência partilhada com os Estados‑Membros quando os Tratados lhe atribuam competência em domínios não contemplados nos artigos 3.° e 6.°».


71 —      Esta questão será analisada na secção seguinte das presentes conclusões.


72 —      Como os referidos no artigo 4.°, n.os 3 e 4, TFUE: respetivamente, desenvolvimento tecnológico e espaço, e cooperação para o desenvolvimento e ajuda humanitária. V., neste sentido, acórdão de 3 de dezembro de 1996, Portugal/Conselho, C‑268/94 (EU:C:1996:461).


73 —      V. acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho, C‑440/14 P (EU:C:2016:128, n.° 77 e jurisprudência aí referida).


74 —      Relativamente à «absorção» dos aspetos acessórios pela componente principal, v. Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.os 66 a 68), e acórdão de 3 de dezembro de 1996, Portugal/Conselho, C‑268/94 (EU:C:1996:461, n.os 75 a 77).


75 —      V. conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Comissão/Áustria, C‑205/06 (EU:C:2008:391, n.° 41).


76 —      V. Louis, J.V., «La compétence de la CE de conclure des accords internationaux», Commentaire Mégret, vol. 12: Relations extérieures, Éditions de l’Université Libre de Bruxelles, Bruxelas, 2005, pp. 57‑75. V. também Azoulai, L., «The Many Visions of Europe: Insights from the Reasoning of the European Court of Justice in external relations Law», in Cremona, M., Thies, A. (eds), The European Court of Justice and External Relations Law, Hart Publishing, Oxford, 2014, pp. 172‑182.


77 —      V., neste sentido, acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho, C‑114/12 (EU:C:2014:2151, n.os 66 e 67), e Parecer 1/13, de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.° 71).


78 —      Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho («AETR»), 22/70 (EU:C:1971:32).


79 —      Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.° 96).


80 —      Acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:2399, n.° 29 e jurisprudência aí referida).


81 —      V. parecer 2/91, de 19 de março de 1993 (EU:C:1993:106, n.° 25); Parecer 1/13, de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.° 73); e acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:2399, n.° 31).


82 —      Acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:2399, n.° 30 e jurisprudência aí referida).


83 —      Acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:2399, n.° 33).


84 —      V. parecer 1/03, de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.° 128), e acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:2399).


85 —      V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Green Network, C‑66/13 (EU:C:2014:156, n.° 49).


86 —      V. parecer 1/13, de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.° 74 e jurisprudência aí referida).


87 —      V., neste sentido, as declarações expressas no n.° 125, supra.


88 —      Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70 (EU:C:1971:32, n.° 31).


89 —      Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.os 95 e 96), e acórdão de 5 de novembro de 2002, Comissão/Dinamarca, C‑467/98 (EU:C:2002:625, n.os 83 e 84).


90 —      Parecer 2/91, de 19 de março de 1993 (EU:C:1993:106, n.° 18).


91 —      Parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (EU:C:1994:384, n.os 78 e 79), e acórdão de 5 de novembro de 2002, Comissão/Dinamarca, C‑467/98 (EU:C:2002:625, n.os 85 e 86).


92 —      Considerandos 1 a 7.


93 —      No seu acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08 (EU:C:2010:620, n.° 27), o Tribunal de Justiça limita‑se a reproduzir um argumento avançado por uma das partes.


94 —      No seu acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12 (EU:C:2015:144, n.° 88), o Tribunal de Justiça faz referência a uma «harmonização parcial».


95 —      V. nota 6, supra.


96 —      Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10 (EU:C:2011:798, n.° 104).


97 —      V., entre outros, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08 (EU:C:2010:620, n.° 37), e de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13 (EU:C:2014:2132, n.° 15).


98 —      V. acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho, C‑114/12 (EU:C:2014:2151, n.° 88).


99 —      V., neste sentido, conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Comissão/Conselho, C‑114/12 (EU:C:2014:224, n.° 157).


100 —      Acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13 [EU:C:2014:2399, n.os 50 a 60 (em especial, n.° 54)].


101 —      Parecer 1/13, de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.° 86 e jurisprudência aí referida).


102 —      Acórdão de 26 de abril de 2012, DR e TV2 Danmark, C‑510/10 (EU:C:2012:244, n.° 31 e jurisprudência aí referida).


103 —      Relativamente ao considerando 32, v., também, acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08 (EU:C:2010:620, n.° 35).