Language of document : ECLI:EU:C:2019:427

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 16 de maio de 2019 (1)

Processo C314/18

Openbaar Ministerie

contra

SF

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisões‑Quadro 2002/584/JAI e 2008/909/JAI — Entrega duma pessoa procurada ao Estado‑Membro mediante garantia de devolução ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir uma pena ou uma medida privativas de liberdade — Momento da devolução — Pena ou medida acessória»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 3, e do artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (3), bem como do artigo 1.o, alíneas a) e b), do artigo 3.o, n.os 3 e 4, e do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (4).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, nos Países Baixos, de um mandado de detenção europeu, emitido em 3 de março de 2017, para efeitos de procedimento penal por um juiz da Canterbury Crown Court (Tribunal da Coroa de Canterbury, Reino Unido), contra SF.

3.        O artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê a possibilidade de o Estado‑Membro de execução de um mandado de detenção europeu sujeitar a execução deste último à formulação pelo Estado‑Membro de emissão de uma garantia de devolução ao primeiro Estado‑Membro da pessoa que foi condenada numa pena ou numa medida privativas de liberdade no segundo Estado‑Membro, a fim de aí cumprir essa pena. O presente processo proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar o alcance desta garantia de devolução e de reafirmar as exigências decorrentes do princípio do reconhecimento mútuo que guia a cooperação judiciária em matéria penal na União.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      DecisãoQuadro 2002/584

4.        O artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.       A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

5.        O artigo 2.o, n.o 1, desta decisão‑quadro enuncia:

«O mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado‑Membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver sido decretada uma pena ou aplicada uma medida de segurança, por sanções de duração não inferior a quatro meses.»

6.        Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro:

«A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução a uma das seguintes condições:

[…]

3)      Quando a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão.»

2.      DecisãoQuadro 2008/909

7.        O artigo 1.o, alíneas a) e b), da Decisão‑Quadro 2008/909 tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente decisão‑quadro, entende‑se por:

a)      “Sentença”, uma decisão transitada em julgado ou uma ordem de um tribunal do Estado de emissão que imponha uma condenação a uma pessoa singular;

b)      “Condenação”, qualquer pena ou medida de segurança privativa de liberdade, proferida por um período determinado ou indeterminado, em virtude da prática de uma infração penal, no âmbito de um processo penal;»

8.        O artigo 3.o desta decisão‑quadro enuncia:

«1.      A presente decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhece uma sentença e executa a condenação imposta.

2.      A presente decisão‑quadro é aplicável independentemente de a pessoa condenada se encontrar no Estado de emissão ou no Estado de execução.

3.      A presente decisão‑quadro aplica‑se apenas ao reconhecimento de sentenças e à execução de condenações, na aceção da presente decisão‑quadro. O facto de, além da condenação, também ter sido imposta uma multa e/ou uma decisão de perda de bens que ainda não tenha sido paga, cobrada ou executada, não deve impedir que a sentença seja transmitida. O reconhecimento e a execução de tais multas e decisões de perda noutro Estado‑Membro deve basear‑se nos instrumentos aplicáveis entre os Estados‑Membros, nomeadamente na Decisão‑Quadro 2005/214/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sanções pecuniárias [(5)] e na Decisão‑Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de outubro de 2006, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda [(6)].

4.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE].»

9.        Segundo o artigo 8.o da referida decisão‑quadro:

«1.      A autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença enviada nos termos do artigo 4.o e segundo os procedimentos previstos no artigo 5.o e tomar imediatamente todas as medidas necessárias à execução da condenação, exceto se a autoridade competente decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da execução previstos no artigo 9.o

2.      Caso a duração da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente do Estado de execução só pode adaptá‑la se essa condenação exceder a pena máxima prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. A condenação adaptada não pode ser inferior à pena máxima prevista na legislação nacional do Estado de execução para infrações semelhantes.

3.      Caso a natureza da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente desse Estado pode adaptá‑la à pena ou medida prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. Essa pena ou medida deve corresponder tão exatamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão, o que significa, por conseguinte, que a condenação não pode ser convertida em sanção pecuniária.

4.      A condenação adaptada não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a condenação imposta no Estado de emissão.»

10.      O artigo 25.o da mesma decisão‑quadro dispõe:

«Sem prejuízo da Decisão‑Quadro [2002/584], o disposto na presente decisão‑quadro deve aplicar‑se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições dessa mesma decisão‑quadro, à execução de condenações, se um Estado‑Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o daquela decisão‑quadro ou se, nos termos do disposto no n.o 3 do artigo 5.o da mesma decisão‑quadro, tiver estabelecido como condição que a pessoa seja devolvida ao Estado‑Membro em questão para nele cumprir a pena, de forma a evitar a impunidade da pessoa em causa.»

B.      Direito neerlandês

11.      A Overleveringswet (Lei relativa à Entrega) (7), de 29 de abril de 2004, dá execução à Decisão‑Quadro 2002/584. O artigo 6.o, n.o 1, tem a seguinte redação:

«Pode ser autorizada a entrega de um cidadão neerlandês desde que a mesma seja pedida para efeitos de um inquérito penal contra esse cidadão e que, na opinião da autoridade judiciária de execução, esteja garantido que, se for condenado a uma pena privativa de liberdade incondicional no Estado‑Membro de emissão pelos factos pelos quais a entrega pode ser autorizada, poderá cumprir esta pena nos Países Baixos.»

12.      O artigo 28.o, n.o 2, da OLW prevê:

«Se o rechtbank [Tribunal de Primeira Instância] constatar […] que não pode ser autorizada a entrega […], compete‑lhe indeferir o pedido de entrega na sua decisão.»

13.      A Wet wederzijdse erkenning en tenuitvoerlegging vrijheidsbenemende en voorwaardelijke sancties (Lei relativa ao Reconhecimento e à Execução Mútuos de Condenações em Penas Privativas de Liberdade com ou sem Suspensão) (8), de 12 de julho de 2012, dá execução à Decisão‑Quadro 2008/909. O seu artigo 2:2, com a epígrafe «autoridade competente» dispõe, no seu n.o 1:

«O ministro é competente para reconhecer uma decisão judicial transmitida por um dos Estados‑Membros de emissão, para efeito da sua execução nos Países Baixos.»

14.      O artigo 2:11 da WETS, com a epígrafe «competência do juiz, adaptação da condenação», enuncia:

«1.      O ministro transmite a decisão judicial e o certificado ao advogado‑geral do Ministério Público junto do Tribunal de Recurso, salvo se considerar liminarmente que existem motivos de recusa do reconhecimento da decisão judicial.

2.      O advogado‑geral apresenta imediatamente a decisão judicial à secção especializada do Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden [Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos] […]

3.       A secção especializada do Gerechtshof [Tribunal de Recurso] decide:

[…]

c.      Qual é a adaptação da pena privativa de liberdade imposta a que dá lugar o [n.o 4, 5 ou 6].

4.       Se a duração da pena privativa de liberdade imposta for superior a duração máxima da pena aplicável em direito neerlandês para a infração penal em causa, a duração da pena privativa de liberdade é reduzida para esta duração máxima.

5.      Quando a pessoa condenada for entregue mediante a garantia de devolução na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da [OLW], o n.o 4 não é aplicável, mas convém então determinar se a pena privativa de liberdade imposta corresponde à condenação imposta nos Países Baixos para uma infração semelhante. Se for necessário, a pena será adaptada em conformidade, tendo em conta a valoração da gravidade da infração em causa do ponto de vista do Estado‑Membro de emissão.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

15.      Em 3 de março de 2017, um juiz do Canterbury Crown Court (Tribunal da Coroa de Canterbury) emitiu um mandado de detenção europeu contra SF, um cidadão dos Países Baixos, com vista à entrega deste para efeitos de procedimento criminal relativamente a duas infrações, a conspiração para introduzir no Reino Unido, por um lado, 4 kg de heroína e, por outro, 14 kg de cocaína.

16.      Em 30 de março de 2017, o officier van justitie (Ministério público, Países Baixos) requereu à autoridade judicial de emissão  a prestação da garantia, prevista no artigo 6.o, n.o 1, da OLW, que transpõe o artigo 5.o, n.o 3 da Decisão‑Quadro 2002/584.

17.      A carta de 20 de abril de 2017 do Home Office (Ministério do Interior, Reino Unido) refere o seguinte:

«[…]

O Reino Unido obriga‑se, se for aplicada a SF uma pena privativa de liberdade no Reino Unido, a devolvê‑lo aos Países Baixos, nos termos da section 153C do Extradition Act 2003 (Lei de 2003 relativa à Extradição), logo que seja razoavelmente possível após concluído no Reino Unido o processo‑crime ou quaisquer outros processos relacionados com o crime objeto do pedido de entrega.

As informações pormenorizadas relativas à eventual pena aplicada a SF serão comunicadas aquando da sua devolução aos Países Baixos. Consideramos que a devolução no âmbito da Decisão‑Quadro [2002/584] não permite aos Países Baixos alterar a duração da pena aplicada por um tribunal britânico.»

18.      Após lhe ter sido solicitado que precisasse quais os processos abrangidos pela expressão «quaisquer outros processos» na aceção da section 153C(4) da Lei de 2003 relativa à Extradição, o ministro do Interior respondeu o seguinte num correio eletrónico de 19 de fevereiro de 2018:

«Posso indicar que a expressão “outros processos” é suscetível de incluir:

a)      O exame de uma medida de perda;

b)      O processo que visa determinar a duração da pena de prisão a executar em caso de falta de pagamento da eventual sanção pecuniária;

c)      O esgotamento das eventuais vias de recurso; e

d)      A expiração de qualquer prazo de pagamento de uma decisão de perda de bens ou de uma sanção pecuniária.»

19.      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que a passagem «[c]onsideramos que a entrega no âmbito da Decisão‑Quadro [2002/584] não permite aos Países Baixos alterar a duração da pena aplicada por um tribunal britânico» está ligada à circunstância de que o pedido do Openbaar Ministerie (Ministério Público, Países Baixos) de conceder uma garantia em processos anteriores semelhantes incluía a observação segundo a qual o Reino dos Países Baixos pode adaptar a pena ou a medida privativas de liberdade às disposições nacionais, em conformidade com o artigo 2:11, n.o 5, da WETS.

20.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a garantia do Estado‑Membro de emissão, tal como foi formulada por este, suscita interrogações quanto à sua compatibilidade com várias disposições das Decisões‑Quadro 2002/584 e 2008/909. Ora, caso se verifique que esta garantia é incompatível com essas decisões‑quadro, a entrega de SF deverá ser recusada.

21.      A primeira parte destas questões é relativa ao momento em que o Estado‑Membro de emissão deve cumprir a garantia de devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade, tal como prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. Em especial, coloca‑se a questão de saber se o Estado‑Membro de emissão pode, depois de a condenação a uma pena privativa de liberdade se ter tornado definitiva, adiar a devolução da pessoa ao Estado‑Membro de execução até que qualquer outro processo relacionado com a infração pela qual a entrega foi pedida, como um processo relativo à perda, esteja definitivamente encerrado.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio observa a este propósito que, embora o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada a uma pena ou uma medida privativas de liberdade milite a favor da devolução desta pessoa ao Estado‑Membro de execução logo que a condenação se torne definitiva, sem aguardar pelo resultado de outros processos relativos à infração com fundamento na qual a devolução foi pedida, existem argumentos que militam no sentido da interpretação inversa, tais como a eficácia do combate da criminalidade e a proteção dos direitos da defesa da pessoa em causa.

23.      A segunda parte das interrogações suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio tem origem na referência, que consta da formulação da garantia de devolução prestada pelo Estado‑Membro de emissão, segundo a qual «uma entrega por força da Decisão‑Quadro [2002/584] não autoriza os Países Baixos a alterar a duração da pena que possa vir a ser pronunciada por um órgão jurisdicional britânico».

24.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta referência leva a perguntar se o Estado‑Membro de execução, após ter procedido à entrega da pessoa sob condição de garantia da sua devolução e uma vez que deve executar a condenação dessa pessoa a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade, pode proceder à adaptação dessa pena e, em caso afirmativo, com que limites.

25.      Nestas circunstâncias, o rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 1.o, n.o 3, e 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro [2002/584] e os artigos 1.o, alíneas a) e b), 3.o, n.os 3 e 4, e 25.o da Decisão‑Quadro [2008/909] ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro que emite o mandado, como Estado competente para o julgamento, no caso de o Estado‑Membro que executa o mandado fazer depender a entrega de um seu próprio cidadão da garantia, prevista no artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro [2002/584] de que a pessoa em causa, após o julgamento, será devolvida ao Estado‑Membro que executou o mandado para nele cumprir a pena privativa da liberdade que lhe tenha eventualmente sido aplicada no Estado‑Membro que emitiu o mandado, só está realmente obrigado a devolver a pessoa em causa — após trânsito em julgado da sentença condenatória em pena privativa da liberdade — quando “quaisquer outros processos relacionados com o crime objeto do pedido de entrega” — como um processo relativo à perda de bens — estiverem definitivamente extintos?

2)      Deve o artigo 25.o da Decisão‑Quadro [2008/909] ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro, se tiver entregado um seu cidadão ao abrigo da garantia prevista no artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro [2002/584], como Estado que executou o mandado de detenção, ao reconhecer e executar uma sentença proferida contra esse cidadão pode avaliar — em contradição com o disposto no artigo 8.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro [2008/909] — se a pena privativa da liberdade aplicada a essa pessoa corresponde à pena que o Estado‑Membro de execução aplicaria aos mesmos factos e, se necessário, adaptar em conformidade a pena privativa da liberdade que lhe tiver sido aplicada?»

IV.    Análise

26.      Antes de analisar a substância das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa responder aos argumentos formulados pelo Reino dos Países Baixos em apoio da inadmissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

A.      Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

27.      O Reino dos Países Baixos contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial argumentando, em substância, que as respostas às questões submetidas não são necessárias para que o órgão jurisdicional de reenvio possa decidir da execução do mandado de detenção europeu em causa no processo principal e salientando o caráter hipotético dessas questões.

28.      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se» (9).

29.      Daqui resulta que «as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar responder a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas» (10).

30.      Ora, neste caso, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a situação em apreço corresponda a uma destas hipóteses. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio deve pronunciar‑se sobre a execução de um mandado de detenção europeu. Para tal, deve necessariamente avaliar se a garantia de devolução, tal como formulada pela autoridade judiciária de emissão, está conforme ao que permite o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, de forma que possa dar seguimento ao pedido de entrega de SF. Ora, para proceder a esta análise, o órgão jurisdicional de reenvio necessita que o Tribunal de Justiça esclareça o alcance do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. O mesmo se verifica quanto ao alcance do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909. Decorre do que precede que o seguimento a dar pelo órgão jurisdicional de reenvio ao mandado de detenção europeu em causa no processo principal depende diretamente das respostas do Tribunal de Justiça às questões submetidas.

31.      Acrescento que, evidentemente, nesta fase do processo, não se sabe se SF será ou não declarado culpado das infrações que lhe são imputadas e muito menos quais serão as penas que, caso assim seja, lhe serão impostas. Nesta perspetiva, a dimensão hipotética é inerente ao desenrolar normal de um processo penal e à presunção de inocência. No entanto, há uma certeza: o órgão jurisdicional de reenvio deve pronunciar‑se sobre a execução do mandado de detenção europeu em causa no processo principal e necessita, para tal, que o Tribunal de Justiça esclareça o alcance da garantia de devolução prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, que condiciona essa execução.

32.      Por conseguinte, entendo que o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

B.      Quanto à primeira questão

33.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que a garantia segundo a qual a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal, será devolvida, após ter sido ouvida, ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade suscetível de proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão significa que tal devolução pode ser adiada até que tenha sido proferida uma decisão definitiva sobre uma pena ou sobre uma medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens.

34.      A título preliminar, importa recordar que «a Decisão‑Quadro 2002/584 tem por objeto, como resulta, em particular, do seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, lidos à luz dos seus considerandos 5 e 7, substituir o sistema de extradição multilateral baseado na Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris em 13 de dezembro de 1957, por um sistema de entrega, entre as autoridades judiciárias, das pessoas condenadas ou suspeitas, para efeitos da execução de sentenças ou de procedimentos criminais, baseando‑se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo» (11).

35.      A Decisão‑Quadro 2002/584 «pretende, assim, através da instauração de um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, atribuído à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros» (12).

36.      Assim, «em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, o objeto do mecanismo do mandado de detenção europeu é permitir a detenção e a entrega duma pessoa procurada, para que, tendo em conta o objetivo prosseguido pela referida decisão‑quadro, a infração cometida não fique impune e essa pessoa seja julgada ou cumpra a pena privativa de liberdade pronunciada contra ela» (13).

37.      No domínio regido pela Decisão‑Quadro 2002/584, o princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, como resulta designadamente do considerando 6 dessa decisão‑quadro, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra aplicação no artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro, que consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições dessa mesma decisão‑quadro. Portanto, as autoridades judiciárias de execução «apenas podem, em princípio, recusar executar esse mandado pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos pela Decisão‑Quadro 2002/584, e a execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser subordinada a uma das condições taxativamente previstas no artigo 5.o desta decisão‑quadro. Por conseguinte, ao passo que a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita» (14).

38.      A Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia expressamente os motivos de não execução obrigatória (artigo 3.o) e facultativa (artigos 4.o e 4.o‑A) do mandado de detenção europeu, bem como as garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais (artigo 5.o) (15).

39.      Assim, «embora o princípio do reconhecimento mútuo esteja subjacente à economia da Decisão‑Quadro 2002/584, esse reconhecimento não implica, no entanto, uma obrigação absoluta de execução do mandado de detenção emitido. Com efeito, o sistema da referida decisão‑quadro […] deixa aos Estados‑Membros a possibilidade de permitir, em situações específicas, às autoridades judiciárias competentes decidirem que uma pena imposta deve ser executada no território do Estado‑Membro de execução» (16).

40.      É o que se verifica, em especial, por força do artigo 4.o, n.o 6, e do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. Para os dois tipos de mandado de detenção europeu que constituem o objeto desta última, «estas disposições têm, designadamente, por objetivo dar especial importância à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa que é procurada» (17).

41.      Em especial, o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê que, «[q]uando a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão».

42.      Porém, esta disposição não precisa o momento em que se deve proceder ao reenvio ao Estado‑Membro de execução da pessoa que foi condenada a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade no Estado‑Membro de emissão.

43.      Em face desta imprecisão, há que escolher entre duas teses.

44.      Segundo a primeira tese, que é defendida por SF e pelos Governos italiano e polaco, há que dar prioridade prosseguido pelo artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, ou seja, aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal. Nesta ótica, o Estado‑Membro de emissão deverá garantir ao Estado‑Membro de execução que a pessoa contra quem foi emitido este mandado de detenção europeu será devolvida a este Estado‑Membro logo que a condenação a uma pena ou uma medida privativas de liberdade se torne definitiva, dado que essa pessoa será definitivamente declarada culpada. O facto de a condenação a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade poder ser seguido de uma outra fase do procedimento criminal suscetível de resultar numa pena ou numa medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens, é, a este respeito, indiferente. Com efeito, seria contrário ao objetivo de favorecer a reinserção social das pessoas condenadas adiar a devolução das pessoas condenadas a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade definitiva enquanto se aguarda a adoção eventual, e isso num prazo indeterminado, de uma pena ou de uma medida acessória. A execução da pena ou da medida privativas de liberdade no Estado‑Membro de nacionalidade ou de residência da pessoa condenada, que visa o artigo 5.o, n.o 3, desta decisão‑quadro, não pode depender deste risco que resulta das particularidades do processo penal do Estado‑Membro de emissão.

45.      No entanto, de acordo com a segunda tese, que é sustentada, com ligeiras diferenças entre as partes, pelo Ministério Público, pelos Governos neerlandês, austríaco e do Reino Unido, bem como pela Comissão Europeia, a efetividade dos procedimentos criminais e a proteção dos direitos processuais da pessoa procurada implicam que a devolução dessa pessoa ao Estado ‑Membro de execução só se pode verificar a partir do momento em que estejam definitivamente encerradas as restantes fases do processo penal suscetíveis de resultar na aplicação de uma pena ou de uma medida acessória, tal como a perda de bens.

46.      É esta segunda tese que me convence. Acrescentaria, no entanto, algumas precisões destinadas a garantir que o objetivo de facilitar a reinserção social das pessoas condenadas não seja aniquilado em razão das especificidades ou da duração excessiva do processo penal no Estado‑Membro de emissão.

47.      Como ponto de partida da minha análise, recordo que resulta do artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 que um mandado de detenção europeu pode ser emitido quer para exercício de procedimento criminal quer para execução de uma pena ou de medida de segurança privativas de liberdade.

48.      Resulta do artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 que um mandado de detenção europeu só pode ser emitido por infrações puníveis no Estado‑Membro de emissão com uma pena ou com uma medida de segurança privativas de liberdade.

49.      Se um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal apenas puder ser emitido para infrações puníveis com uma pena ou com medida de segurança privativas de liberdade, tal não significa que esse procedimento possa unicamente resultar na aplicação dessa pena ou dessa medida. Com efeito, é frequente que uma pena ou uma medida privativas de liberdade, que constitui a pena principal, seja acompanhada de uma pena ou por uma medida acessória, tal como uma multa ou uma decisão de perda de bens.

50.      É este último tipo de pena ou de medida acessória que o órgão jurisdicional de reenvio destaca no seu pedido de decisão prejudicial.

51.      Tendo em conta que o procedimento criminal no Estado‑Membro de emissão pode resultar numa pena principal e numa ou em várias penas ou medidas acessórias, e isso no âmbito de um procedimento criminal que pode ser dividido em várias etapas, coloca‑se a questão de saber quando deve proceder‑se à devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade para que esta cumpra aí a sua pena. A este respeito, saliento que, por falta de harmonização suficiente, existe na União uma pluralidade de modelos processuais, que se traduz, nomeadamente, em diferenças entre os Estados‑Membros no que respeita ao desenrolar dos procedimentos criminais.

52.      Para responder a esta questão, há que ter em conta as regras contidas na Decisão‑Quadro 2008/909. Com efeito, decorre do artigo 25.o desta decisão‑quadro que as suas disposições se aplicam, em princípio, no âmbito da devolução para execução da pena, regulada pelo artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

53.      O artigo 1.o, alínea a), da Decisão‑Quadro 2008/909, define «[s]entença» como «uma decisão transitada em julgado ou uma ordem de um tribunal do Estado de emissão que imponha uma condenação a uma pessoa singular» (18). Nos termos do artigo 1.o, alínea b), dessa decisão‑quadro, o conceito de «[c]ondenação» abrange «qualquer pena ou medida de segurança privativa de liberdade, proferida por um período determinado ou indeterminado, em virtude da prática de uma infração penal, no âmbito de um processo penal» (19). Assim, a aplicação da Decisão‑Quadro 2008/909 requer a existência de uma condenação definitiva a uma pena privativa de liberdade (20).

54.      Decorre que a devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada a uma pena ou uma medida privativas de liberdade, prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão de condenação, nos termos do artigo 1.o, alíneas a) e b), da Decisão‑Quadro 2008/909.

55.      Significará isso, no entanto, que a devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada a uma pena ou uma medida privativas de liberdade no Estado‑Membro de emissão deve sempre ser feita imediatamente depois de essa condenação ter adquirido caráter definitivo?

56.      Penso que não.

57.      Com efeito, considero que o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 possibilita ao Estado‑Membro de emissão prever que a devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa que lhe foi entregue só pode ser feita a partir do momento em que tiver sido proferida decisão definitiva sobre as penas ou as medidas acessórias relativas à infração com base na qual o mandado de detenção europeu foi emitido.

58.      Por outras palavras, embora o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 permita à autoridade judicial de execução fazer depender a execução de um mandado de detenção europeu de uma condição de devolução da pessoa em causa, esta disposição não autoriza que essa autoridade exija que essa devolução se realize imediatamente após a condenação definitiva desta pessoa a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade. Assim, a falta de garantia de devolução imediata não constitui uma situação em que deveria ser possível à autoridade judicial de execução recusar entregar uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

59.      Baseio esta opinião na consideração principal segundo a qual, embora o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deva efetivamente ser interpretado de forma que o seu objetivo principal, a saber, favorecer as oportunidades de reinserção social de uma pessoa condenada, seja alcançado, é igualmente importante adotar uma interpretação que permita conciliar este objetivo com aqueles que consistem, por um lado, em garantir a repressão completa e eficaz da infração com fundamento na qual o mandado de detenção europeu foi emitido e, por outro, assegurar a proteção dos direitos processuais dessa pessoa. Recordo igualmente que a Decisão‑Quadro 2002/584 tem como objetivo primordial a luta contra a impunidade (21).

60.      Em apoio desta opinião, realço os elementos seguintes.

61.      Em primeiro lugar, por analogia com o que o Tribunal de Justiça declarou a propósito do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, assinale‑se que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação certa quando aplicam o artigo 5.o, n.o 3, desta decisão‑quadro (22). Por outro lado, há que realçar que, se a garantia de devolução prevista nesta disposição tem nomeadamente como objetivo permitir dar especial relevância à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada, uma vez cumprida a pena na qual esta última foi condenada, tal objetivo, por mais importante que seja, não pode excluir que os Estados‑Membros, ao aplicar esta Decisão‑quadro, limitem, no sentido indicado pela regra essencial enunciada no artigo 1.o, n.o 2, desta, as situações em que deveria ser possível recusar a entrega de uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação do referido artigo 5.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro (23). O objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada não reveste caráter absoluto e pode ser ponderado juntamente com outras exigências

62.      Em segundo lugar, importa precisar que uma pena ou uma medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens, desempenha um papel essencial na repressão das infrações como as que estão em causa no processo principal, com fundamento nas quais o mandado de detenção europeu foi emitido (24).

63.      Como resulta do considerando 1 da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia (25), «[a] criminalidade internacional organizada, incluindo organizações criminosas do tipo máfia, tem por principal objetivo o lucro». Por isso «para prevenir eficazmente e combater a criminalidade organizada haverá que neutralizar os produtos do crime, alargando, em certos casos, as ações desenvolvidas a quaisquer bens que resultem de atividades de natureza criminosa».

64.      No considerando 3 desta diretiva, o legislador da União sublinha que «[a] estatuição de severas consequências legais para a criminalidade organizada, bem como a deteção eficaz e o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime constituem alguns dos meios mais eficazes para combater esse tipo de criminalidade» (26).

65.      Face à importância das decisões de perda para combater a criminalidade, deve ser acolhida uma interpretação que permita a adoção sem entraves de tais decisões, inclusive posteriormente a uma condenação efetiva da pessoa perseguida de uma pena ou uma medida privativas de liberdade. Tal pressupõe que essa pessoa permaneça à disposição das autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão, tanto no âmbito do inquérito que visa identificar as vantagens patrimoniais que esta pessoa obteve com a infração e avaliar o alcance dessas vantagens como durante o processo que possa levar à aplicação de uma decisão de perda de bens. Por outras palavras, uma boa administração da justiça com vista a uma repressão eficaz e completa do comportamento repreensível que está na origem do mandado de detenção europeu exige a presença da pessoa em causa até ao enceramento definitivo dessa fase processual que faz parte integrante do procedimento criminal. Com efeito, é primordial que as autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão não sejam confrontadas com problemas de prova ou de ordem prática ligadas à ausência da pessoa em causa, que possam obstar à pronúncia de uma decisão de perda de bens.

66.      Em terceiro lugar, a presença da pessoa perseguida no âmbito do processo que pode levar a uma decisão de perda constitui uma garantia processual essencial para esta pessoa.

67.      Realço, a este respeito, que, nos termos do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, esta «não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE]» (27). Na medida em que uma decisão de perda de bens pode prejudicar sensivelmente os direitos das pessoas perseguidas (28) e em que esta decisão faz parte do processo penal com vista à fixação da pena, importa assegurar a proteção dos direitos processuais de que beneficiam estas pessoas, entre os quais o direito do acusado de comparecer pessoalmente no seu processo, que faz parte do direito a um processo equitativo.

68.      A este respeito, conforme o Tribunal de Justiça indicou no seu Acórdão de 10 de agosto de 2017 (29), «resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que as garantias do artigo 6.o da CEDH se aplicam não apenas à declaração de culpabilidade mas também à determinação da pena (v., neste sentido, TEDH, 28 de novembro de 2013, Dementyev c. Rússia, CE:ECHR:2013:1128JUD004309505, § 23). Assim, o respeito do caráter equitativo do processo implica que o interessado tenha o direito de assistir aos debates em razão das consequências importantes que estes podem ter no quantum da pena que virá a ser‑lhe aplicada (v., neste sentido, TEDH, 21 de setembro de 1993, Kremzov c. Áustria, CE:ECHR:1993:0921JUD001235086, § 67)» (30). Dado que faz parte da determinação da pena, o processo penal que é instaurado com vista à pronúncia eventual de uma decisão de perda de bens deve respeitar este direito processual do acusado (31).

69.      Perante esses elementos, o Estado‑Membro de emissão pode, na minha opinião, dar, por força do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, uma garantia que preveja que a devolução da pessoa em causa só se verificará a partir do momento em que tiver sido definitivamente decidido sobre uma pena ou sobre uma medida acessória tal como uma decisão de perda de bens.

70.      Daqui decorre que a autoridade judicial de execução não pode recusar a execução do mandado de detenção europeu arguindo que tal garantia é contrária ao artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

71.      Para bem delimitar o alcance da solução que proponho, insisto, todavia, nos elementos seguintes.

72.      Em primeiro lugar, é claro que a fase do processo penal que pode conduzir à aplicação de uma pena ou de uma medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens, deve respeitar à mesma infração que a que está na origem da emissão de um mandado de detenção europeu para efeito de procedimento criminal.

73.      Em segundo lugar, a fixação de uma pena ou de uma medida acessória, tal como a decisão de perda de bens, deve inscrever‑se no quadro dos procedimentos criminais em vista dos quais o mandado de detenção europeu foi emitido. Em especial, deve tratar‑se de uma decisão de perda de bens aplicada no âmbito de um processo em matéria penal e não no âmbito de um processo em matéria civil ou administrativa.

74.      Em terceiro lugar, importa sublinhar que a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão Quadro 2002/584 que proponho não deve levar a que, em razão das especificidades dos processos penais dos Estados‑Membros, seja posto em causa o objetivo perseguido por esta disposição e pela Decisão‑Quadro 2008/909 (32), isto é, facilitar a reinserção social da pessoa condenada. Este objetivo não pode, por conseguinte, ser ignorado pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão depois de a pessoa visada pelo mandado de detenção europeu ter sido entregue. Importa sublinhar, a este respeito, que o Tribunal de Justiça já decidiu que «a reinserção social do cidadão da União no Estado em que está verdadeiramente integrado é no interesse não apenas deste último mas igualmente da União […] em geral» (33). Por conseguinte, se admito, pelos motivos precedentemente indicados, que a devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade possa ser adiada até que uma pena ou uma medida acessória tal como uma decisão perda de bens seja definitivamente fixada, tal adiamento não pode exceder um prazo razoável.

75.      Com efeito, é preciso não esquecer que, a partir do momento em que a condenação a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade se torna definitiva, qualquer continuação da detenção da pessoa condenada no Estado‑Membro de emissão faz parte da execução dessa pena. Tendo em conta a finalidade do artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, a execução da referida pena no Estado‑Membro de emissão só é aceitável durante um prazo curto. Quando um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal é executado sob reserva da garantia de devolução prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, as autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão devem, por conseguinte, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que o prazo que separa a condenação definitiva a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade e a determinação de penas ou de medidas acessórias, como a decisão de perda de bens, seja tão reduzido quanto possível, de maneira a acelerar a devolução da pessoa condenada ao Estado‑Membro de execução. Nesta perspetiva, essas autoridades devem privilegiar, quando o seu direito nacional o permita, a fixação de uma pena ou de uma medida acessória, tal como a decisão de perda de bens, de forma concomitante com a pronúncia da pena principal privativa da liberdade, de modo que a devolução ao Estado‑Membro de execução da pessoa condenada definitivamente a tais penas possa ser feita o mais rapidamente possível.

76.      Em quarto lugar, de qualquer modo, esta devolução não pode ser adiada até à execução de uma pena ou uma medida acessória, com a decisão de perda de bens. O artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2008/909 é claro a este respeito, na medida em que dispõe, nomeadamente, que «[o] facto de, além da condenação, também ter sido imposta uma multa e/ou uma decisão de perda que ainda não tenha sido paga, cobrada ou executada, não deve impedir que a sentença seja transmitida». Por outro lado, resulta desta disposição que o reconhecimento e a execução das multas e decisões de perda de bens noutro Estado‑Membro obedecem a regimes particulares em direito da União.

77.      Por conseguinte, considero que a precisão feita pelo Reino Unido, segundo a qual a expressão «outro processo» é suscetível de incluir «a expiração de qualquer prazo de pagamento de uma decisão de perda de bens ou de uma sanção pecuniária» (34), não é conforme com o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. Com efeito, ainda que a devolução possa, em minha opinião, ser adiada até à pronúncia da decisão de perda de bens, está excluído prorrogar a duração desse adiamento até à fase de execução dessa decisão. O Reino Unido deve, portanto, neste ponto, rever a formulação da garantia de devolução, sob pena de a autoridade judiciária de execução poder, a meu ver, considerar que esta não é conforme com o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

78.      Resulta dos anteriores desenvolvimentos que, a meu ver, o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que a garantia segundo a qual a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal, após ter sido ouvida, deve ser devolvida ao Estado‑Membro de execução a fim de aí cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade suscetível de ser proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão, significa que tal devolução pode ser adiada até que uma pena ou uma medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens, desde que esta seja pronunciada no âmbito de um processo penal e que essa fase do processo diga respeito à mesma infração que a que está na origem do mandado de detenção europeu em causa. Tendo em conta o objetivo prosseguido por esta disposição, isto é, facilitar a reinserção social das pessoas condenadas, as autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão devem, no entanto, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que tal devolução ocorra o mais rapidamente possível.

C.      Quanto à segunda questão prejudicial

79.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro de execução, após ter procedido à entrega da pessoa procurada sob condição de uma garantia de devolução desta última e uma vez que deva executar a condenação da referida pessoa a uma pena ou a uma medida privativas de liberdade, pode proceder à adaptação desta pena de maneira a corresponder à pena que teria sido aplicada nesse Estado‑Membro pela infração em causa.

80.      Esta questão tem origem na conceção defendida pelo Reino dos Países Baixos, que me parece ser contrária ao princípio de territorialidade do direito penal, segundo a qual as condenações penais estrangeiras pronunciadas contra os cidadãos neerlandeses que foram entregues a um outro Estado‑Membro sob condição de uma garantia de devolução devem ser convertidas numa condenação habitualmente aplicável nos Países Baixos por uma infração semelhante. Esta conceção assenta na vontade do Reino dos Países Baixos de garantir uma igualdade de tratamento entre tais cidadãos e os cidadãos neerlandeses que são julgados neste Estado‑Membro.

81.      A referida conceção encontra expressão no artigo 2:11, n.o 5, da WETS, do qual resulta que o artigo 2:11, n.o 4, desta lei, que transpõe o artigo 8.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909, não se aplica quando o interessado tiver sido entregue pelo Reino dos Países Baixos mediante a garantia referida no artigo 6.o, n.o 1, da OLW, que transpõe o artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. O artigo 2:11, n.o 5, da WETS prevê que «importa, portanto, determinar se a sanção privativa de liberdade imposta corresponde a uma condenação que teria sido proferida nos Países Baixos para uma infração em questão» e que, «[s]endo caso disso, a pena é adaptada em conformidade, tendo em conta as opiniões emitidas no Estado‑Membro de emissão relativas à gravidade da infração cometida».

82.      Segundo o Reino dos Países Baixos, o artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 autoriza, caso uma pessoa tenha sido entregue mediante uma garantia de devolução, uma adaptação da pena além da prevista pelo artigo 8.o, n.o 2, desta decisão‑quadro.

83.      Não partilho desta leitura do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909, o qual não contém, em minha opinião, nenhuma base jurídica que sustente essa prática.

84.      Recordo que decorre deste artigo que as disposições da Decisão‑Quadro 2008/909 se aplicam, em princípio no âmbito da devolução para execução da pena regulada pelo artigo 5.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

85.      Ora, a Decisão‑Quadro 2008/909 impõe uma obrigação de reconhecimento da sentença proferida num outro Estado‑Membro e a execução da condenação que consta dessa sentença. Como o Tribunal de Justiça referiu no seu Acórdão de 8 de novembro de 2016, Ognyanov (35), «o artigo 8.o desta mesma decisão‑quadro estabelece requisitos estritos para a adaptação, por parte da autoridade competente do Estado de execução, da condenação proferida no Estado de emissão, que constituem as únicas exceções à obrigação de princípio que impende sobre a referida autoridade de reconhecer a sentença que lhe foi transmitida e de executar a condenação cuja duração e natureza correspondem às previstas na sentença proferida nesse Estado de emissão» (36).

86.      Por outro lado, O Tribunal de Justiça já destacou o facto de que a autoridade judicial competente no Estado‑Membro de execução não pode reapreciar quanto ao mérito a análise já efetuada no âmbito da decisão judicial proferida no Estado‑Membro de emissão. Com efeito, «tal reexame violaria e privaria de qualquer efeito útil o princípio do reconhecimento mútuo que implica a existência de confiança recíproca de que cada Estado‑Membro aceita a aplicação do direito penal em vigor nos outros Estados‑Membros, mesmo quando a aplicação do seu próprio direito nacional conduza a uma solução diferente, e, portanto, não permite à autoridade judiciária de execução substituir pela sua própria apreciação quanto à responsabilidade penal [da pessoa em causa] [aquela que já foi efetuada no Estado‑Membro de emissão]» (37).

87.      Além disso, conforme o Tribunal de Justiça precisou no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena ou de uma medida privativas de liberdade, «[o] fundamento da execução [dessa pena] assenta na sentença com força executiva proferida no Estado‑Membro de emissão» (38).

88.      Deduzo de todos estes elementos que só dentro das condições estritas impostas pelo artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2008/909 é que a condenação numa pena ou numa medida privativas de liberdade pronunciada no Estado‑Membro de emissão poderia, sendo caso disso, ser adaptada pelo Estado‑Membro de execução. Em especial, tendo em conta a diferença de duração da pena ou da medida privativas de liberdade em que se incorre nestes dois Estados‑Membros por infrações semelhantes às que são imputadas a SF (39), o artigo 8.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909 parece ser a única disposição suscetível de permitir uma adaptação da pena pronunciada no Reino Unido contra SF. Recordo que, nos termos desta disposição, «[c]aso a duração da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente do Estado de execução só pode decidir adaptar essa condenação quando esta seja superior à pena máxima prevista pelo seu direito nacional para infrações da mesma natureza. A duração da condenação adaptada não pode ser inferior à da pena máxima prevista pelo direito nacional do Estado de execução para infrações da mesma natureza».

89.      É provável que o Reino Unido tivesse conhecimento de que o direito neerlandês permitia uma ampla possibilidade de adaptação das penas após a devolução da pessoa condenada e quis comunicar ao Reino dos Países Baixos a sua oposição a uma adaptação da pena tão amplamente permitida, ao incluir, na formulação da garantia de devolução, a indicação segundo a qual «uma devolução ao abrigo da Decisão‑Quadro 2002/584 não autoriza os Países Baixos a alterar a duração da pena que será eventualmente pronunciada por um órgão jurisdicional britânico». Assim sendo, há que precisar que tal indicação não pode obstar a que o Reino dos Países Baixos aplique a possibilidade de adaptação expressamente permitida pelo artigo 8.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909.

90.      Resulta dos desenvolvimentos que precedem que, em minha opinião, o artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro de execução, após ter procedido à entrega da pessoa procurada sob condição de uma garantia de devolução desta última e uma vez que deve executar a condenação da referida pessoa numa pena ou numa medida privativas de liberdade, não pode proceder à adaptação desta pena de maneira a corresponder à pena que teria sido aplicada nesse Estado‑Membro pela infração em causa. Só dentro das condições estritas impostas pelo artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2008/909 e, em especial, vistas as circunstâncias do litígio no processo principal, pelo n.o 2 deste artigo, é que a condenação proferida no Estado‑Membro de emissão pode, caso seja necessário, ser adaptado no Estado‑Membro de execução.

V.      Conclusão

91.      Atentas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), nos seguintes termos:

1)      O artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI, Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que a garantia segundo a qual a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal, após ter sido ouvida, deve ser devolvida ao Estado‑Membro de execução a fim de aí cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade suscetível de ser proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão significa que tal devolução pode ser adiada até que uma pena ou uma medida acessória, tal como uma decisão de perda de bens, desde que esta seja pronunciada no âmbito de um processo penal e que essa fase do processo diga respeito à mesma infração que a que está na origem do mandado de detenção europeu em causa. Tendo em conta o objetivo prosseguido por esta disposição, isto é, facilitar a reinserção social das pessoas condenadas, as autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão devem, no entanto, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que tal devolução ocorra o mais rapidamente possível.

2)      O artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro de execução, após ter procedido à entrega da pessoa procurada sob condição de uma garantia de devolução desta última e uma vez que deve executar a condenação da referida pessoa numa pena ou numa medida privativas de liberdade, não pode proceder à adaptação desta pena de maneira a corresponder à pena que teria sido aplicada nesse Estado‑Membro pela infração em causa. Só dentro das condições estritas impostas pelo artigo 8.o da Decisão Quadro 2008/909 e, em especial, vistas as circunstâncias do litígio no processo principal, pelo n.o 2 deste artigo, é que a condenação proferida no Estado‑Membro de emissão pode, caso seja necessário, ser adaptada no Estado‑Membro de execução.


1      Língua original: francês.


2      JO 2002, L 190, p. 1.


3      JO 2009, L 81, p. 24; a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584».


4      JO 2008, L 327, p. 27.


5      JO 2005, L 76, p. 16.


6      JO 2006, L 328, p. 59.


7      Stb. 2004, n.o 195; a seguir «OLW».


8      Stb. 2012, n.o 333; a seguir «WETS».


9      V., designadamente, Acórdão de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha) (C‑268/17, EU:C:2018:602, n.o 24 e jurisprudência referida).


10      Ibidem (n.o 25 e jurisprudência referida).


11      V., designadamente, Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, TC (C‑492/18 PPU, EU:C:2019:108, n.o 40 e jurisprudência referida).


12      Ibidem (n.o 41 e jurisprudência referida).


13      V. Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória) (C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 39).


14      V., designadamente, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 28 e jurisprudência referida).


15      Ibidem (n.o 29 e jurisprudência referida).


16      V., designadamente, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 30 e jurisprudência referida), bem como o Acórdão de 21 de outubro de 2010, B. (C‑306/09, EU:C:2010:626, n.o 51).


17      V., designadamente, Acórdão de 21 de outubro de 2010, B. (C‑306/09, EU:C:2010:626, n.o 52 e jurisprudência referida).


18      O sublinhado é meu.


19      O sublinhado é meu.


20      V., a este respeito, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, van Vemde (C‑582/15, EU:C:2017:37, n.os 24 e 27).


21      V. n.o 36 das presentes conclusões.


22      V., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616, n.o 61).


23      Ibidem (n.o 62).


24      Recordo que o mandado de detenção europeu em causa no processo principal foi emitido para efeito de procedimento relativamente a duas infrações, a saber, a conspiração para importar para o Reino Unido, por um lado, 4 kg de heroína e, por outro, 14 kg de cocaína.


25      JO 2014, L 127, p. 39.


26      V., igualmente, considerando 3 do Regulamento (UE) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda (JO 2018, L 303, p. 1), segundo o qual «[a] apreensão e a perda dos instrumentos e produtos do crime constituem um dos meios mais eficazes de luta contra a criminalidade».


27      V., igualmente, no que respeita à Decisão‑Quadro 2008/909, o seu artigo 3.o, n.o 4. Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as regras do direito derivado da União devem ser interpretadas e aplicadas no respeito dos direitos fundamentais, dos quais faz parte integrante o respeito dos direitos de defesa que derivam do direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH») (v., designadamente, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 60 e jurisprudência referida).


28      V., neste sentido, considerando 33 da Diretiva 2014/42.


29      C‑271/17 PPU, EU:C:2017:629.


30      Acórdão de 10 de agosto de 2017, Zdziaszek (C‑271/17 PPU, EU:C:2017:629, n.o 87).


31      De sublinhar igualmente que o facto de a pessoa contra quem foi proferida uma decisão de perda de bens não comparecer pessoalmente no julgamento que conduziu a esta decisão é suscetível de, sob certas reservas, constituir ulteriormente um motivo de não reconhecimento e de não execução da referida decisão: v., a esse respeito, considerando 32 e artigo 19.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento 2018/1805


32      V. artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro.


33      V., nomeadamente, Acórdão de 17 de abril de 2018, B e Vomero (C‑316/16 e C‑424/16, EU:C:2018:256, n.o 75 e jurisprudência referida).


34      V. n.o 18 das presentes conclusões.


35      C‑554/14, EU:C:2016:835.


36      N.o 36 deste acórdão.


37      V., por analogia, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski (C‑367/16, EU:C:2018:27, n.o 52). V., igualmente, Acórdão de 8 de novembro de 2016, Ognyanov (C‑554/14, EU:C:2016:835, n.os 46 a 49), e, relativamente à Decisão‑Quadro 2006/783, Acórdão de 10 de janeiro de 2019, ET (C‑97/18, EU:C:2019:7, n.o 33).


38      V. Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória) (C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 56).


39      A este propósito, resulta das observações escritas apresentadas por SF que os factos pelos quais este deve ser entregue [«associação com vista a contornar a proibição de introdução de estupefacientes da categoria A, ou seja, a diamorfina (heroína)» e «associação para contornar a proibição de importação de estupefacientes da categoria A, ou seja, a cocaína (cloridrato de cocaína)»] são ambos passíveis de pena de prisão perpétua no Reino Unido. Nos Países Baixos, a importação destas substâncias estupefacientes é punida pelo artigo 2.o, alínea a), do Opiumwet (Lei sobre o Ópio, de 1 de outubro de 1928), e é passível, por força do artigo 10.o, n.o 5, desta lei, de uma pena de prisão máxima de doze anos. Por conseguinte, o Reino Unido prevê uma pena máxima superior à que os Países Baixos preveem para os mesmos factos.