Language of document : ECLI:EU:C:2020:479

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 18 de junho de 2020(1)

Processo C16/19

VL

sendo interveniente:

Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Proibição de discriminação em razão da deficiência — Diferença de tratamento na categoria dos trabalhadores deficientes»






1.        Pode qualificar‑se de discriminatório na aceção da Diretiva 2000/78/CE o comportamento de um empregador que, apenas para obter uma vantagem económica sob a forma de uma redução contributiva, remunere com um subsídio mensal apenas alguns dos trabalhadores deficientes ao serviço, diferenciando‑os dos outros trabalhadores deficientes em razão da data em que foi comunicada a declaração de deficiência?

2.        Um empregador negou a uma trabalhadora polaca deficiente um subsídio que, pelo contrário, foi pago a outros trabalhadores deficientes, apenas pelo facto de aquela ter apresentado a sua declaração de deficiência numa data anterior a uma reunião com a direção. Nessa reunião, o Hospital, a fim de incentivar o aumento do número de trabalhadores deficientes ao seu serviço para obter uma redução de uma contribuição para um fundo para a deficiência, tinha prometido o aumento de retribuição controvertido apenas àqueles que a partir daquela data tivessem apresentado uma declaração de deficiência.

3.        A questão jurídica que está na origem do presente processo, que é inédita para o Tribunal de Justiça, respeita, pois, à aplicabilidade da proibição de atos discriminatórios (diretos ou indiretos) ao comportamento de um empregador que trate de maneira diferente dois grupos de pessoas deficientes com base num critério aparentemente neutro (no caso vertente, a data de apresentação da declaração de deficiência).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito internacional

4.        O artigo 1.o da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão do Conselho de 26 de novembro de 2009, 2010/48/CE (2) (a seguir «Convenção das Nações Unidas»), dispõe o seguinte:

«1.      O objeto da presente Convenção é promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

2.      As pessoas com deficiência incluem aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.»

5.        Além disso, nos termos do artigo 5.o da referida Convenção das Nações Unidas, com a epígrafe «Igualdade e não discriminação»:

«1.      Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e nos termos da lei e que têm direito, sem qualquer discriminação, a igual proteção e benefício da lei.

2.      Os Estados Partes proíbem toda a discriminação com base na deficiência e garantem às pessoas com deficiência proteção jurídica igual e efetiva contra a discriminação de qualquer natureza.

3.      De modo a promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para garantir a disponibilização de adaptações razoáveis.

4.      As medidas específicas que são necessárias para acelerar ou alcançar a igualdade de facto das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminação nos termos da presente Convenção.»

6.        Por último, nos termos do artigo 27.o da Convenção das Nações Unidas, com a epígrafe «Trabalho e emprego»:

«Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a trabalhar, em condições de igualdade com as demais; isto inclui o direito à oportunidade de ganhar a vida através de um trabalho livremente escolhido ou aceite num mercado e ambiente de trabalho aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardam e promovem o exercício do direito ao trabalho, incluindo para aqueles que adquirem uma deficiência durante o curso do emprego, adotando medidas apropriadas, incluindo através da legislação, para, inter alia: […] h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado através de políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação positiva, incentivos e outras medidas; […]»

B.      Direito da União

7.        Os considerandos 11, 12 e 27 da Diretiva 2000/78 (3) afirmam:

«(11)      A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

(12)      Para o efeito, devem ser proibidas em toda a Comunidade quaisquer formas de discriminação direta ou indireta baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual, nos domínios abrangidos pela presente diretiva. […]

[…]

(27)      Na Recomendação 86/379/CEE, de 24 de julho de 1986 sobre o emprego dos deficientes na Comunidade, o Conselho estabeleceu um quadro de orientação que enumera exemplos de ações positivas destinadas a promover o emprego e a formação das pessoas deficientes e, na sua Resolução de 17 de junho de 1999 sobre a igualdade de oportunidades de emprego para pessoas deficientes, afirmou a importância de prestar especial atenção, nomeadamente, ao recrutamento, à manutenção no emprego, à formação e à aprendizagem ao longo da vida, das pessoas deficientes.»

8.        O artigo 1.o da Diretiva 2000/78, com a epígrafe «Objetivo», dispõe que «[a] presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

9.        O artigo 2.o da Diretiva 2000/78, com a epígrafe «Conceito de discriminação», prevê o seguinte:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.      Para efeitos do n.o 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, ou que,

ii)      relativamente às pessoas com uma determinada deficiência, a entidade patronal, ou qualquer pessoa ou organização a que se aplique a presente diretiva, seja obrigada, por força da legislação nacional, a tomar medidas adequadas, de acordo com os princípios previstos no artigo 5.o, a fim de eliminar as desvantagens decorrentes dessa disposição, critério ou prática.

[…]

5.      A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

10.      Por último, o artigo 7.o da Diretiva 2000/78 dispõe:

«2.      No que respeita às pessoas deficientes, o princípio da igualdade de tratamento não afeta o direito dos Estados‑Membros de manterem ou adotarem disposições em matéria de proteção da saúde e da segurança no local de trabalho nem medidas destinadas a criar ou a manter disposições ou facilidades para salvaguardar ou fomentar a sua inserção no mundo do trabalho.»

C.      Direito polaco

11.      O artigo 113.o da ustawa z dnia 26 czerwca 1974 r. Kodeks pracy [Lei de 26 de junho de 1974 — Código do Trabalho] (texto consolidado: Dziennik Ustaw de 2018, posição 917, conforme alterado; a seguir: «k.p.») prevê o seguinte:

«É inadmissível qualquer forma de discriminação direta ou indireta no emprego, especialmente em razão do género, idade, deficiência, raça, religião, nacionalidade, filiação política, filiação sindical, origem étnica, crença, orientação sexual, ou em razão de um contrato de trabalho com ou sem termo, a tempo inteiro ou parcial.»

12.      Nos termos do artigo 183a do Código do Trabalho polaco:

«§ 1.      Os trabalhadores devem ser alvo de tratamento igual no que respeita à celebração e cessação de contratos de trabalho, condições de trabalho, de progressão na carreira e de acesso à formação a fim de melhorar as qualificações profissionais, independentemente, em especial, do género, idade, deficiência, raça, religião, nacionalidade, filiação política, filiação sindical, origem étnica, crença, orientação sexual, ou de prestarem trabalho mediante contrato com ou sem termo, ou a tempo inteiro ou parcial.

§ 2.      A igualdade de tratamento no emprego significa que não pode haver qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, pelos motivos referidos no § 1.

§ 3.      Há discriminação direta sempre que um trabalhador, por um ou vários dos motivos referidos no § 1, seja, tenha sido ou possa vir a ser tratado, numa situação comparável, de modo menos favorável do que os outros trabalhadores.

§ 4.      Há discriminação indireta quando, na sequência de uma disposição aparentemente neutra, de um critério aplicado ou de uma prática utilizada ocorram ou possam ocorrer desequilíbrios desfavoráveis ou uma situação particularmente desfavorável no que respeita à celebração e cessação de contratos de trabalho, condições de trabalho, de progressão na carreira e de acesso à formação a fim de melhorar as qualificações profissionais, em relação a todos ou a um número considerável de trabalhadores pertencentes a um determinado grupo, por um ou vários dos motivos indicados no § 1, a menos que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.»

13.      Além disso, o artigo 183b do referido Código do Trabalho prevê:

«§ 1.      Entende‑se por violação do princípio da igualdade de tratamento no trabalho, sob reserva dos n.os 2 a 4, a diferenciação pelo empregador da situação de um trabalhador por um ou mais motivos referidos no artigo 183a, § 1, que tenha por efeito, em especial: […]

2)      A configuração desfavorável da retribuição pelo trabalho prestado ou outras condições de trabalho, ou a não promoção ou não concessão de outros benefícios relacionados com o trabalho,

3)      […]

–        a menos que o empregador prove que se orientou por razões objetivas.

[…]»

14.      O artigo 183d do mesmo código dispõe:

«Quem tenha sido alvo de violação do princípio da igualdade de tratamento no trabalho praticada pelo empregador tem direito a uma indemnização no valor de, pelo menos, a retribuição mínima estabelecida com base nas disposições relevantes.»

15.      A Ustawa z dnia 27 sierpnia 1997 r. o rehabilitacji zawodowej i społecznej oraz zatrudnianiu osób niepełnosprawnych (Lei de 27 de agosto de 1997, sobre a Reabilitação Profissional e Social e o Emprego das Pessoas Portadoras de Deficiência) (Dz. U. n.o 123 de 1997, ato 776), conforme subsequentemente alterada, prevê o seguinte no seu artigo 2a:

«1.      Uma pessoa portadora de deficiência é considerada parte da força de trabalho deficiente a partir da data em que apresenta ao empregador uma declaração de reconhecimento da sua deficiência. […]»

16.      O capítulo 5 da referida lei tem por epígrafe «Direitos e obrigações dos trabalhadores em relação ao emprego de pessoas [deficientes]». Nos termos do artigo 21.o, os empregadores que empregam 25 ou mais trabalhadores devem contribuir para o Fundusz Rehabilitacji Osób Niepełnosprawnych (Fundo Estatal para a Reabilitação das Pessoas Deficientes, a seguir «PFRON»):

«1.      Um empregador que emprega 25 ou mais trabalhadores a tempo inteiro está obrigado, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 5 e no artigo 22.o, a pagar contribuições mensais ao [PFRON] no montante de 40,65 % do salário médio multiplicado pelo número de trabalhadores igual à diferença entre o número de trabalhadores que garantem o respeito da taxa de emprego de 6 % das pessoas portadoras de deficiência e o número efetivo de pessoas deficientes empregadas.

[…]

2.      Os empregadores que empreguem pelo menos 6 % de trabalhadores portadores de deficiência são isentos das contribuições referidas no n.o 1. […]»

II.    Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

17.      VL foi contratada como psicóloga pelo Szpital Kliniczny im. dr. J. Babińskiego, Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie (Hospital Clínico Dr. J. Babiński, instituição pública independente de cuidados de saúde, Cracóvia; a seguir «Hospital»), pela última vez, de 3 de outubro de 2011 a 30 de setembro de 2016. Em 8 dezembro de 2011, obteve uma declaração de reconhecimento de deficiência, qualificada como moderada e permanente, que transmitiu ao seu empregador em 21 de dezembro de 2011.

18.      Na sequência de uma reunião com o pessoal realizada no segundo semestre de 2013, o diretor do Hospital decidiu conceder um subsídio de 250 PLN (cerca de 60 euros) aos trabalhadores que lhe tivessem apresentado uma declaração de reconhecimento do grau de deficiência.

19.      A data decisiva para a concessão deste subsídio era a da comunicação da declaração ao diretor do Hospital e não a data da obtenção da declaração. Por conseguinte, o referido subsídio, não previsto pela legislação polaca, foi concedido por decisão unilateral do diretor do Hospital a treze trabalhadores, ou seja, exclusivamente àqueles que tinham apresentado a declaração de deficiência numa data posterior à referida reunião com os trabalhadores. Pelo contrário, não beneficiaram do subsídio os 16 trabalhadores que já tinham transmitido a sua declaração de deficiência antes da referida reunião, entre os quais VL.

20.      À luz do exposto e do resultado de uma fiscalização efetuada pela Inspeção Nacional do Trabalho, que evidenciou o caráter discriminatório do critério utilizado para a concessão do subsídio, VL impugnou a medida adotada pelo seu empregador no Sąd Rejonowy dla Krakowa — Nowej Huty w Krakowie IV Wydział Pracy i Ubezpieczeń Społecznych (Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia — Nowa Huta em Cracóvia, IV Secção do Trabalho e da Segurança Social, Polónia).

21.      O recurso destinava‑se a obter tanto o pagamento do referido subsídio (no montante de 6000 PLN — cerca de 1 400 euros — relativo ao período entre 1 de setembro de 2014, data a partir da qual o subsídio foi pago aos 13 trabalhadores deficientes, e 31 de agosto de 2016), como a indemnização pelos danos sofridos por violação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego.

22.      Por Sentença de 5 de dezembro de 2017, o Tribunal Distrital de Cracóvia (Sąd Rejonowy dla Krakowa) negou provimento ao recurso. Quanto ao subsídio, o juiz salientou que o direito de VL não tinha sido formalizado em nenhum ato interno em vigor no Hospital e não tinha sido reconhecido nem pelo contrato de trabalho individual de VL, nem por um procedimento específico do próprio empregador. Quanto ao pedido de indemnização por discriminação, o juiz de primeira instância considerou que o subsídio referido não constitui uma remuneração pelo trabalho prestado, e que o critério utilizado pelo diretor do Hospital para diferenciar os trabalhadores, ou seja, a data de transmissão da declaração de reconhecimento do grau de deficiência, não está abrangido pela proibição do artigo 183a do Código do Trabalho polaco.

23.      Em especial, segundo o juiz de primeira instância, o empregador não diferenciou VL em razão da deficiência, uma vez que essa diferenciação pressupõe o confronto com trabalhadores não deficientes.

24.      VL recorreu da sentença de primeira instância no órgão jurisdicional de recurso, o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia; a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»), sustentando que a Diretiva 2000/78 proíbe qualquer discriminação direta ou indireta das pessoas deficientes.

25.      Segundo VL, com efeito, a utilização pelo Hospital, como elemento decisivo para o reconhecimento do subsídio, do critério arbitrário e injustificado da data de entrega da declaração de deficiência assumiu caráter discriminatório face à recorrente, tendo sido efetuada uma distinção injustificada entre a situação desta e a dos outros trabalhadores deficientes do Hospital, em violação, de modo definitivo, do princípio da não discriminação. VL pediu expressamente ao órgão jurisdicional de recurso que procedesse ao reenvio da questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia para decisão a título prejudicial.

26.      Nesse contexto, tendo dúvidas acerca da interpretação do artigo 2.o da Diretiva 2000/78 e, em especial, sobre se a discriminação — direta ou indireta referida na diretiva — pode verificar‑se numa situação em que o empregador efetua uma diferenciação dos trabalhadores dentro de um grupo que se distingue pela mesma característica protegida, no caso vertente a deficiência, o Sąd Okręgowy (Tribunal Regional) suspendeu a instância no processo principal e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.o da Diretiva 2000/78/CE, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, ser interpretado no sentido de que a diferenciação efetuada na situação de certas pessoas pertencentes a um grupo definido por uma característica protegida (a deficiência) constitui uma forma de violação do princípio da igualdade de tratamento, caso a diferenciação feita pela entidade empregadora dentro desse grupo tenha sido feita com base num critério aparentemente neutro mas esse critério não possa ser objetivamente justificado por um objetivo compatível com a lei e as medidas tomadas com vista a alcançar esse objetivo não sejam adequadas nem necessárias?»

III. Análise jurídica

A.      Observações preliminares

27.      O órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que precise a interpretação do artigo 2.o da Diretiva 2000/78 e especifique se uma diferenciação de situações dentro de um grupo que partilha a mesma característica protegida (no caso vertente, a deficiência) pode considerar‑se «uma forma de violação do princípio da igualdade de tratamento».

28.      O Tribunal de Justiça é, portanto, chamado a decidir se o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, tradicionalmente limitado à proibição de atos discriminatórios entre pessoas que são definidas por uma determinada característica protegida e pessoas que não o são, pode ser interpretado no sentido de que abrange situações de diferenciações entre pessoas com a característica protegida (no caso vertente, a deficiência).

29.      A recorrente no processo principal, a República da Polónia e a República Portuguesa propõem, embora com argumentos não inteiramente coincidentes, que seja dada uma resposta afirmativa à questão submetida: uma conduta como a que foi adotada pelo empregador no caso vertente corresponde, em sua opinião, a uma situação de discriminação proibida pela Diretiva 2000/78. Pelo contrário, o recorrido no processo principal e a Comissão propõem que se responda negativamente porque o caso em análise não entra no âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

B.      Princípios gerais da igualdade de tratamento e da não discriminação e objetivo da Diretiva 2000/78

30.      O princípio da igualdade de tratamento, consagrado pelo artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), é um princípio geral do direito da União e o princípio da não discriminação enunciado no artigo 21.o, n.o 1, da Carta é a particular expressão deste (4). Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esse princípio exige ao legislador da União, em conformidade com o disposto no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (5).

31.      Com as disposições da Diretiva 2000/78, concretizam‑se a nível do direito derivado os limites a que está sujeito, como todos os direitos fundamentais da União, o princípio da não discriminação consagrado no artigo 21.o da Carta (6).

32.      A Diretiva 2000/78 visa estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada na religião ou nas convicções pessoas, na deficiência, na idade ou nas tendências sexuais, no que se refere ao emprego e à atividade profissional «com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento» (7).

33.      Como se deduz, em especial, do artigo 2.o, n.o 1, da mesma diretiva, o princípio da igualdade de tratamento aplica‑se (exclusivamente) em função dos motivos enumerados taxativamente no seu artigo 1.o (8).

34.      Podemos, portanto, deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida que: 1) a finalidade da Diretiva 2000/78 — que constitui a execução a nível do direito derivado do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação — é oferecer uma proteção efetiva (9) às pessoas que se encontram numa determinada situação protegida, para evitar que sejam adotados, em seu prejuízo, tratamentos diferenciados (10) comparativamente com as pessoas que não se encontram naquela situação protegida; 2) no que se refere aos tipos de situações protegidas (artigo 1.o da diretiva), impõe‑se uma interpretação restritiva (11); 3) nem toda a desigualdade de tratamento entre trabalhadores constitui discriminação na aceção da Diretiva 2000/78, mas apenas a que pode ser reconduzida a uma das situações protegidas.

35.      Há, pois, que analisar a questão de saber se uma situação como a do processo principal entra no âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

C.      Âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78

36.      Quanto a este ponto, contrapõem‑se duas posições antitéticas entre as partes intervenientes no presente processo: o recorrido no processo principal e a Comissão parecem fazer uma interpretação restritiva da Diretiva 2000/78 no seu conjunto, no sentido de que esta apenas é aplicável a tratamentos diferenciados contra pessoas deficientes em relação a pessoas que não o são (12) e em razão de motivos estrita e diretamente relacionados com a própria deficiência; a recorrente no processo principal, a República da Polónia e a República Portuguesa são de opinião, pelo contrário, de que a Diretiva 2000/78 é igualmente aplicável a situações, como a do presente litígio, em que a diferenciação é efetuada pelo empregador dentro da categoria dos trabalhadores deficientes e através de um critério distintivo que (aparentemente) não está diretamente ligado à deficiência.

37.      Como se referiu acima, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, atendendo à letra do artigo 13.o CE (atual artigo 19.o TFUE), em que a Diretiva 2000/78 se baseia, o âmbito de aplicação desta última não pode ser alargado por analogia, nomeadamente através de uma referência ao princípio geral da não discriminação, para além das discriminações baseadas nos motivos enumerados de forma taxativa no seu artigo 1.o (13).

38.      Impõe‑se, portanto, uma interpretação restritiva dos motivos enumerados no artigo 1.o No que respeita ao conjunto das disposições constantes da diretiva (por exemplo, as pessoas beneficiárias da proteção e as pessoas comparáveis com estas últimas na apreciação da discriminação), em minha opinião, é, pelo contrário, desejável uma interpretação menos rigorosa e mais atenta aos objetivos da diretiva no seu conjunto e ao facto de esta poder ter um efeito útil na luta contra as discriminações na relação de trabalho (14).

39.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça oferece pistas interessantes a esse respeito que nos levarão a concluir no sentido apontado anteriormente.

40.      No que se refere às pessoas que beneficiam de proteção, o Tribunal de Justiça já efetuou uma interpretação extensiva, em consonância com os objetivos da diretiva, afirmando claramente que «não resulta [das] disposições da Diretiva 2000/78 que o princípio da igualdade de tratamento que a mesma pretende garantir seja limitado às pessoas que sejam elas próprias portadoras de deficiência na aceção desta diretiva (15). Pelo contrário, a referida diretiva tem como objetivo, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, lutar contra todas as formas de discriminação em razão de deficiência. Com efeito, o princípio da igualdade de tratamento consagrado por esta diretiva neste domínio aplica‑se não a uma determinada categoria de pessoas, mas em função das razões referidas no seu artigo 1.o Esta interpretação é corroborada pelo teor do artigo 13.o CE, disposição que constitui a base jurídica da Diretiva 2000/78, que confere competência à Comunidade para tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão, designadamente, de deficiência» (16).

41.      Quanto às pessoas comparáveis, sendo função «típica» da Diretiva 2000/78 — como de todas as disposições legais antidiscriminatórias — a de proteger os trabalhadores que se encontram em determinadas situações merecedoras de especial proteção relativamente àqueles que não se encontram nas mesmas situações, o termo de comparação para apreciar se uma conduta ou um procedimento são ou não discriminatórios é normalmente representado pelas pessoas que não possuem a característica protegida.

42.      Todavia, podem verificar‑se casos em que o tratamento diferenciado se efetua dentro do grupo caracterizado pela situação protegida, no caso em apreço, a deficiência.

43.      A interpretação com base na qual esse tratamento diferenciado excede o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 apenas pelo facto de as pessoas objeto de comparação não serem deficientes e não deficientes, mas todas deficientes, é pouco formalista e absolutamente contrária ao objetivo que a diretiva se propõe atingir: evitar que algumas pessoas sejam tratadas de modo diferenciado em razão da deficiência.

44.      Isto não significa, obviamente, que qualquer diferença de tratamento de um trabalhador deficiente (ou de um grupo de trabalhadores deficientes) relativamente a outro trabalhador deficiente (ou de um outro grupo de trabalhadores deficientes) possa ser reconduzida a uma discriminação proibida pela Diretiva 2000/78 (17), porque essa interpretação poderia conduzir ao paradoxo de uma discriminação ao contrário, atribuindo ao empregador uma obrigação absoluta e apriorística de igualdade de tratamento entre trabalhadores deficientes que não é consagrada no direito da União. O que é proibido é o tratamento favorável, em razão da deficiência, de um grupo de trabalhadores deficientes em detrimento de outro grupo de trabalhadores deficientes.

45.      Por conseguinte, há que averiguar se o tratamento diferenciado está ligado à característica protegida (deficiência), independentemente do facto de a comparação dever ser efetuada entre as pessoas que possuem a característica protegida ou relativamente a pessoas não pertencentes a esse grupo. Nas palavras do Tribunal de Justiça: «o princípio da igualdade de tratamento consagrado por esta diretiva neste domínio aplica‑se não a uma determinada categoria de pessoas, mas em função das razões referidas no seu artigo 1.o» (18).

46.      A título exemplificativo, considerem‑se as situações em que o empregador adota tratamentos diferenciados entre trabalhadores deficientes em razão do tipo de deficiência ou do grau de deficiência. Nesses casos, é inequívoca a relação do tratamento diferenciado com a característica protegida e, portanto, estamos, em meu entender, em pleno âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, ainda que se trate de uma comparação interna dentro do grupo dos trabalhadores deficientes (19).

47.      Por conseguinte, uma vez esclarecidas, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as conexões dos princípios gerais da igualdade de tratamento e da não discriminação com os objetivos da Diretiva 2000/78 e com a extensão do seu âmbito de aplicação, há que proceder à análise de uma situação jurídica como a que é objeto do caso vertente para apreciar a sua possível inclusão nas discriminações protegidas pela referida diretiva.

D.      Apreciação relativa à discriminação: comparação, identificação da desvantagem (eventual) justificação

1.      A medida do empregador

48.      No caso vertente, encontramo‑nos perante uma medida do empregador que concedeu um subsídio mensal fixo exclusivamente aos trabalhadores deficientes que apresentaram uma declaração de deficiência depois de uma certa data. Ao fazê‑lo, o empregador recusou o referido subsídio aos trabalhadores que, embora deficientes, apresentaram a declaração de deficiência numa data anterior.

49.      Pode essa conduta recair nos limites de uma discriminação nos termos da Diretiva 2000/78? O critério distintivo na base do tratamento diferenciado está relacionado com a deficiência? Para avaliar se se trata de discriminação, com que pessoas deve ser feita a comparação? Trata‑se de uma discriminação direta ou indireta? Se se tratar de discriminação indireta, pode existir uma justificação objetiva que permita excluir o caráter discriminatório da medida adotada?

2.      Critério distintivo e relação com a característica protegida

50.      Como foi exposto anteriormente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça e uma interpretação orientada à luz das fontes internacionais sobre a discriminação e os objetivos da Diretiva 2000/78 permitem‑nos superar a objeção segundo a qual a diretiva apenas é aplicável a situações em que estejam em confronto trabalhadores deficientes e trabalhadores não deficientes.

51.      Hoje, o Tribunal de Justiça é chamado, em meu entender, a colocar outra peça na sua linha interpretativa da Diretiva 2000/78, ou seja, a esclarecer que pode existir uma discriminação entre grupos de deficientes precisamente porque a Diretiva 2000/78 protege os trabalhadores contra tratamentos diferentes que estejam relacionados com uma das características protegidas, independentemente da pessoa discriminada (deficiente ou pessoa diretamente ligada ao deficiente) e da pessoa que constitui o termo de comparação (não deficiente ou outro deficiente).

52.      O critério distintivo para o tratamento diferenciado é, como vimos, a data de entrega da declaração de deficiência.

53.      Na perspetiva do recorrido no processo principal (o Hospital) e, em parte, da Comissão, esse critério não tem nenhuma relação com a deficiência e, portanto, não corresponde a um caso de discriminação que, como vimos, enquanto projeção do «princípio da igualdade de tratamento», tem como requisito necessário, nos termos do artigo 2.o da Diretiva 2000/78, ser determinado «por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o».

54.      Pelo contrário, a recorrente no processo principal (a trabalhadora), a República da Polónia e a República Portuguesa, embora com argumentos que não coincidem inteiramente, consideram esse critério distintivo estreitamente ligado à situação protegida da «deficiência», referida no artigo 1.o da Diretiva 2000/78 e, portanto, suscetível de corresponder a uma discriminação e, por conseguinte, ilícita nos termos da mesma diretiva.

55.      A fim de esboçar um quadro completo das possíveis opções neste campo, há que observar que, como resulta dos autos, a Inspeção do Trabalho polaca, na sequência de uma inspeção no local de trabalho da recorrente no processo principal, considerou que o critério para a concessão do subsídio era discriminatório (20). O juiz de primeira instância, chamado a conhecer do recurso da recorrente, foi de opinião contrária, tendo negado provimento ao recurso fazendo exclusivamente referência à legislação nacional. O órgão jurisdicional de reenvio, ao invés, apesar de não parecer excluir o caráter discriminatório (sob a forma de discriminação indireta) da conduta do empregador, tem as dúvidas expostas na questão prejudicial sobre a possibilidade de aplicar o artigo 2.o da Diretiva 2000/78 a situações que não dizem respeito à comparação entre um grupo de deficientes e um grupo de não deficientes.

56.      O critério distintivo utilizado pelo empregador para o tratamento diferenciado é manifestamente ilógico e não objetivo (21).

57.      Esse critério, com efeito, faz referência a um dado que desfavorece um grupo de deficientes (aqueles que tinham entregue a declaração em data anterior à reunião), privando‑os do subsídio, contrariamente à finalidade prosseguida pelo empregador.

58.      O recorrido no processo principal, com efeito, admitiu abertamente a motivação dessa insólita exigência, avançada na referida reunião, que era a de aumentar o número de pessoas deficientes ao serviço, de modo a reduzir a contribuição para o PFRON (22).

59.      Se isso é verdade, e portanto a decisão do empregador se funda na poupança em contribuições obtida graças ao número de trabalhadores deficientes ao serviço, o subsídio deveria ser pago a todos os trabalhadores deficientes que, em igual medida, contribuem para a redução da contribuição pelo facto de estarem ao serviço. Todos aqueles que, em qualquer data, tenham apresentado uma declaração de reconhecimento da sua deficiência contribuem, com efeito, numa quota‑parte para a redução da contribuição para o fundo acima referido.

60.      Ainda mais singular é a motivação alegada pelo recorrido no processo principal na audiência para fundamentar a desigualdade de tratamento entre os dois grupos de deficientes.

61.      Se bem se entende, pagar o subsídio a todos os trabalhadores que tenham apresentado declaração de deficiência seria excessivamente oneroso para o empregador e, talvez, globalmente inconveniente em relação à poupança na contribuição.

62.      Partindo do princípio de que as motivações de caráter exclusivamente económico não são suficientes para excluir o caráter discriminatório do tratamento, esse argumento confirma a falta de objetividade da decisão da direção que tratou de modo desigual dois grupos de pessoas na mesma situação (deficientes que entregaram ao empregador uma declaração de deficiência, contribuindo todos para a redução das contribuições para o PFRON).

63.      O critério distintivo não é, portanto, como foi declarado formalmente, a data da transmissão, que é totalmente neutra para efeitos de poupança na contribuição, uma vez que não resulta de nenhum elemento dos autos uma maior poupança de despesa para o empregador em razão da data da transmissão da declaração de deficiência.

64.      O critério diferenciador é a aquisição de uma nova declaração de deficiência para aumentar o número de trabalhadores deficientes declarados em funções.

65.      Se o critério fosse realmente a data de transmissão e não a posse de uma nova declaração, bastaria apresentar, paradoxalmente, uma nova declaração por parte daqueles que já a tinham apresentado para obter o aumento da retribuição.

66.      O verdadeiro critério diferenciador é, pois, a obtenção e a transmissão da declaração numa data posterior à reunião convocada expressamente para incentivar os trabalhadores a obtê‑la para efeitos de redução da contribuição.

67.      Se assim é, esse critério está relacionado com a situação protegida (a deficiência)?

68.      Em minha opinião sim, uma vez que só um trabalhador deficiente pode obter uma declaração de deficiência e, portanto, a deficiência é o pressuposto necessário para que um trabalhador (por hipótese, já deficiente, mas que por razões pessoais ainda não tinha pedido ou entregue uma declaração de deficiência ao empregador) possa obter e entregar uma declaração de deficiência ao empregador.

3.      Tipologias de ilícitos discriminatórios, situação comparável e (eventual) justificação

69.      A que tipo de discriminação pode corresponder a conduta descrita?

70.      A recorrente, entre vários argumentos, sustenta igualmente, para o caso de não se julgar aplicável no caso vertente o artigo 2.o da Diretiva 2000/78, a possibilidade de a conduta do empregador poder configurar uma ação positiva, nos termos do artigo 7.o dessa diretiva (23).

71.      Inclino‑me para excluir esta opção. As ações positivas podem ser definidas, argumentando com base no artigo 7.o da Diretiva 2000/78, como medidas «específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o», são destinadas à remoção dos obstáculos que de facto impedem a realização da igualdade de oportunidades, a favorecer o emprego e a realizar a igualdade substancial entre trabalhadores.

72.      No caso vertente, entendo que não se trata de uma ação positiva: em primeiro lugar, porque, segundo admitiu expressamente o empregador, o objetivo da medida adotada era a obtenção de uma vantagem económica através da redução da contribuição para o PFRON, e não uma medida positiva para favorecer os trabalhadores deficientes (24). Em segundo lugar, não vejo como se pode configurar como uma ação positiva a previsão de um subsídio reservado exclusivamente a um grupo de trabalhadores deficientes que se diferenciam dos que não são beneficiários não pelas características ligadas à sua relação de trabalho (como no processo Milkova (25)), mas unicamente pela data em que entregaram ao empregador a sua declaração de deficiência.

73.      A redução da contribuição para o PFRON através da integração de novos deficientes pode provavelmente ser considerada uma ação positiva introduzida pelo legislador polaco. A atribuição do subsídio em questão, pelo contrário, ainda que esteja ligada à referida redução, parece‑me alheia aos objetivos referidos no artigo 7.o da Diretiva 2000/78: ou seja, na medida em que é limitada apenas a um grupo de deficientes com base num critério ilógico e não objetivo, visando a obtenção de novas declarações por parte de trabalhadores já ao serviço e não a integração de novos trabalhadores, alheia‑se de objetivos de uma melhor integração dos próprios deficientes.

74.      Passando aos casos típicos de discriminação, a distinção entre discriminação direta e indireta não é assim tão evidente no texto da diretiva e, mesmo entre os intérpretes, há diversidade de opiniões a respeito destas duas categorias.

75.      No caso presente, inclino‑me para excluir que se trate de discriminação direta (como parecem fazer a trabalhadora e a República da Polónia) (26).

76.      A discriminação direta, com efeito, verifica‑se normalmente em situações em que o tratamento desfavorável é contra «uma pessoa» relativamente a «outra pessoa numa situação comparável», «por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o». No caso presente, pelo contrário, trata‑se de um tratamento desfavorável contra «um grupo de pessoas» (deficientes que entregaram a declaração de deficiência numa data anterior à reunião).

77.      Não existe, assim, uma correspondência direta entre o procedimento do empregador e a característica protegida. Ou seja, falta um nexo direto de causalidade verdadeiro e próprio. O critério utilizado para diferenciar os dois grupos de trabalhadores deficientes, com efeito, não se refere diretamente à deficiência (ao tipo, ao grau, à origem ou ao início da mesma) mas é «aparentemente neutro», referindo‑se à data de entrega da declaração de deficiência.

78.      É neutro mas só na aparência porque, como as partes sustentaram com razão (a recorrente no processo principal, a República da Polónia e a República Portuguesa), a declaração de deficiência pode ser pedida e entregue apenas por pessoas deficientes. Daí resulta que a entrega dessa declaração e a respetiva data estão indissoluvelmente ligadas à característica protegida (27).

79.      Isso permite distinguir nitidamente a situação do caso vertente relativamente ao caso analisado pelo Tribunal de Justiça no processo Milkova: nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, com razão, limitou‑se a excluir do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 diferenças de tratamento que, do ponto de vista formal e substancial, ainda que destinadas a trabalhadores deficientes, diziam respeito à «natureza da relação laboral» sem qualquer conexão com a própria deficiência.

80.      No presente caso, pelo contrário, esse critério, ainda que «aparentemente neutro» (pois não faz referência explícita e direta à deficiência), coloca numa «posição de desvantagem» (o subsídio negado pode sem dúvida ser abrangido por este conceito) as «pessoas com uma determinada deficiência» […] «comparativamente com outras pessoas» e, de certo modo, como sustentaram também algumas das partes intervenientes (28), equipara‑as a pessoas não deficientes (29).

81.      É sobre este ponto que se deve desenvolver o alcance inovador da decisão do Tribunal de Justiça, caso decida acolher as propostas constantes das presentes conclusões. Com efeito, o disposto no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que abrange a possibilidade de comparação mesmo entre «(algumas) pessoas com uma determinada deficiência» […] «comparativamente com outras pessoas» (também elas eventualmente portadoras de deficiência).

82.      O termo de comparação «comparativamente com outras pessoas» é, com efeito, habitualmente interpretado no sentido de que se refere a pessoas que não possuem a característica protegida. Esta interpretação «tradicional», que se coaduna com a função igualmente «tradicional» da diretiva, não vincula todavia, como foi alegado anteriormente, o intérprete que, numa apreciação sobre a discriminação, como no caso vertente, deve analisar um procedimento que desfavorece algumas pessoas deficientes comparativamente com outras pessoas também deficientes em razão de um critério (só na aparência) neutro.

83.      Inclino‑me, pois, para considerar que o termo de comparação pode ser igualmente um grupo de deficientes.

84.      No caso em apreço, portanto, entendo que existe a comparabilidade de situações (30) necessária para poder afirmar uma violação da proibição de discriminação: como foi referido anteriormente, uma parte dos trabalhadores deficientes (aqueles que não obtiveram nenhum subsídio) foram tratados de maneira mais desfavorável comparativamente com os outros trabalhadores deficientes, apesar de todas as pessoas deficientes se encontrarem numa situação comparável, tendo contribuído todas em igual medida, com a transmissão da sua declaração, para obter a vantagem económica pretendida pelo Hospital.

85.      A interpretação proposta, portanto, já não visa proteger um grupo apenas pelo facto de este se encontrar numa situação protegida pelo artigo 1.o da Diretiva 2000/78, mas impedir que dois grupos homogéneos, que partilham a característica protegida, sejam tratados de maneira desigual devido a uma situação que está intrinsecamente ligada à característica protegida, embora não decorra desta.

86.      A interpretação proposta no caso em análise e a sua qualificação como uma discriminação indireta impõe que sejam apreciadas, ao contrário do que ocorre no caso de discriminações diretas, as causas de justificação (uma genérica e outra específica) constantes da alínea b), i) e ii) do referido artigo 2.o, n.o 2.

87.      A justificação, específica para a deficiência, prevista na subalínea ii) está excluída no caso vertente, uma vez que, segundo resulta dos autos, o empregador não é obrigado pela legislação nacional a adotar «adaptações razoáveis» (nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2000/78) «a fim de eliminar as desvantagens decorrentes dessa disposição, critério ou prática».

88.      Quanto à justificação genérica prevista na subalínea i) para justificar uma diferença de tratamento, há que demonstrar, em substância, que a norma ou a prática em questão prossegue um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar (ou seja, a medida que determinou a diferença de tratamento) são adequados e necessários.

89.      A fim de decidir se a diferença de tratamento é adequada, o órgão jurisdicional de reenvio deve, pois, verificar que não existem outros meios para alcançar o objetivo prosseguido que prejudiquem em menor medida o direito à igualdade de tratamento. Por outras palavras, que a desvantagem sofrida represente o menor nível de prejuízo necessário para alcançar o referido objetivo e que o objetivo prosseguido seja suficientemente importante para justificar esse nível de prejuízo.

IV.    Conclusão

90.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, nos termos seguintes:

«O artigo 2.o da Diretiva 2000/78/CE, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que uma diferenciação de situações num grupo definido por uma característica protegida (a deficiência) pode constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento, sob a forma de discriminação indireta, quando estejam reunidos os seguintes requisitos: a) a diferenciação operada pelo empregador seja efetuada nesse grupo com base num critério aparentemente neutro; b) o referido critério, ainda que aparentemente neutro, esteja indissoluvelmente ligado à característica protegida (no caso vertente, a deficiência); c) esse critério não possa ser objetivamente justificado por uma finalidade legítima e as medidas tomadas para o alcançar não sejam adequadas e necessárias.»


1      Língua original: italiano.


2      Decisão do Conselho, de 26 de novembro de 2009, relativa à celebração, pela Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, (JO 2010, L 23, p. 35).


3      Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).


4      V. Acórdãos de 11 de julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, EU:C:2006:456, n.o 56), e de 18 de dezembro de 2014, FOA (C‑354/13, EU:C:2014:2463, n.o 32).


5      V. Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 55); mas já no mesmo sentido, v. Acórdãos de 22 de maio de 2014, Glatzel (C‑356/12, EU:C:2014:350, n.o 43); de 21 de dezembro de 2016, Vervloet e o. (C‑76/15, EU:C:2016:975, n.o 74); e de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 54 e 55).


6      V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 61).


7      V. Acórdãos de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 36), e de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 47), no que se refere à religião e às convicções pessoais. No que diz respeito à deficiência, no mesmo sentido, v. Acórdãos de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 42), e de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 46).


8      V. Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 34); mas já no mesmo sentido, v. Acórdãos de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o. (C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 34), e de 21 de maio de 2015, SCMD (C‑262/14, não publicado, EU:C:2015:336, n.os 44 e 45). Isto significa que não consagra em si mesma o princípio da igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, princípio esse que tem a sua origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, mas tem unicamente por objeto estabelecer, nesses domínios, um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada em diversos motivos; v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.o 74); de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21, n.o 20); e de 10 de maio de 2011, Römer (C‑147/08, EU:C:2011:286, n.o 56).


9      Resulta quer do título, quer do preâmbulo, quer do conteúdo e da finalidade da Diretiva 2000/78 que esta visa estabelecer um quadro geral para assegurar a todas as pessoas a igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, proporcionando‑lhes «uma proteção eficaz contra as discriminações baseadas num dos motivos referidos no seu artigo 1.o»: desse modo, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez (C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 28), e de 18 de novembro de 2010, Georgiev (C‑250/09 e C‑268/09, EU:C:2010:699, n.o 26). Fazem referência, nos mesmos termos, a uma «proteção eficaz», Acórdãos de 15 de janeiro de 2019, E.B. (C‑258/17, EU:C:2019:17, n.o 40); de 28 de julho de 2016, Kratzer (C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 32); e de 19 de setembro de 2018, Bedi (C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 28) (o sublinhado é meu).


10      O Acórdão de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 38), fala de «lutar contra todas as formas de discriminação em razão de deficiência» (o sublinhado é meu).


11      V. Acórdãos de 26 de setembro de 2013, HK Danmark (C‑476/11, EU:C:2013:590, n.o 47), e de 26 de setembro de 2013, Dansk Juros– og Økonomforbund (C‑546/11, EU:C:2013:603, n.o 41).


12      Na audiência, a Comissão esclareceu a sua posição, na sequência das questões do Tribunal de Justiça, afirmando que, em abstrato, considera a diretiva igualmente aplicável na categoria das pessoas deficientes mas excluindo essa aplicação no caso vertente.


13      Exatamente nestes termos, v. Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Milkova (C‑406/15, EU:C:2016:824, n.o 53).


14      V. Acórdão de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 46), onde se lê que, embora o Tribunal de Justiça tenha afirmado a necessidade de reconduzir o tratamento diferenciado aos motivos previstos no artigo 1.o, «não decidiu, contudo, que o princípio de igualdade de tratamento e o âmbito de aplicação ratione personae da diretiva devam, quando estão em causa esses motivos, ser interpretados de forma estrita». E ainda, no n.o 51, «uma interpretação da Diretiva 2000/78 que limite a sua aplicação exclusivamente às pessoas que sejam elas próprias deficientes seria suscetível de privar esta diretiva de uma parte importante do seu efeito útil e de reduzir a proteção que ela visa garantir».


15      No caso do Acórdão Coleman, como se sabe, considerou‑se que existia uma discriminação direta relativamente a uma trabalhadora que tinha um filho deficiente a cargo.


16      V. Acórdão de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 38).


17      O alargamento excessivo do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, em minha opinião, parece ser o motivo (e talvez o receio) por que a Comissão, embora defendendo a possibilidade de a Diretiva 2000/78 poder ser aplicada a situações de confronto entre trabalhadores deficientes, se opõe a uma resposta afirmativa à questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio.


18      V. Acórdão de 17 de julho de 2008, Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.o 38).


19      Na audiência, a Comissão concordou igualmente quanto a este ponto, na sequência das perguntas do Tribunal de Justiça, e esclareceu a sua posição, que nos articulados de defesa parecia diferente, referindo expressamente esses exemplos para afirmar que tais situações entram sem dúvida no âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78. Também na jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora com referência a outra característica protegida (a religião), se pode encontrar a confirmação da possibilidade de aplicar o conteúdo da diretiva igualmente dentro de grupos que se distinguem pela característica protegida. Tratava‑se, naquele caso, de uma discriminação indireta num grupo de trabalhadores de diversas igrejas cristãs; v. Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43).


20      Lê‑se no n.o 7 das observações da recorrente no processo principal que «a Inspeção Nacional do Trabalho considerou discriminatório o critério para a atribuição do subsídio, ligado à data de apresentação da declaração de deficiência ao recorrido. Na sequência da inspeção de 19 de dezembro de 2016, a Inspeção Nacional do Trabalho pediu ao recorrido que pusesse termo às irregularidades e informou a recorrente da possibilidade de recurso num tribunal de direito comum».


21      No decurso da audiência, a Comissão expressou‑se igualmente nesse sentido. A República da Polónia falou de um critério «ilógico, absurdo e inexplicável».


22      O Fundo Estatal para a Reabilitação das Pessoas Deficientes previsto na lei polaca; v. n.o 16, supra.


23      Nas observações da recorrente no processo principal (n.os 30 e segs.), lê‑se que, mesmo no caso de se pretender considerar não aplicável a Diretiva 2000/78, no caso vertente, seriam aplicáveis os princípios gerais de direito da União e, desse modo, o princípio da igualdade de tratamento e a proibição de discriminação referidos nos artigos 20.o, 21.o e 26.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Ou seja, aplicando o princípio expresso pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198), o subsídio constituiria uma ação positiva adotada pelo empregador.


24      A Comissão também é da mesma opinião, v. observações escritas, n.o 21.


25      Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198).


26      E também o órgão jurisdicional de reenvio, que, na questão [prejudicial], faz expressamente referência a uma diferenciação baseada num «critério aparentemente neutro» que não possa ser «objetivamente justificado por um objetivo compatível com a lei e as medidas tomadas com vista a alcançar esse objetivo não sejam adequadas nem necessárias».


27      A ligação indissolúvel com a característica protegida é considerada um elemento essencial da discriminação direta. Neste caso, em minha opinião, encontramo‑nos perante uma discriminação indireta cuja ligação com a característica protegida, ainda que indireta, é contudo indissolúvel.


28      Em especial a República da Polónia, v. observações escritas, n.o 13.


29      Trata‑se de discriminação «indireta», porque a diferença não reside tanto no tratamento como nos efeitos que este produz. Também o TEDH fez sua esta definição de discriminação indireta, afirmando que «uma diferença de tratamento pode consistir no efeito desproporcionalmente desfavorável de uma política ou de uma medida geral que, embora formulada em termos neutros, produz uma discriminação relativamente a um determinado grupo» [Acórdão TEDH, 13 de novembro de 2007, D.H. e o. c. República Checa [GC] (n.o 57325/00), n.o 184; Acórdão TEDH, 9 de junho de 2009, Opuz c. Turquia (n.o 33401/02), n.o 183; e Acórdão TEDH, 20 de junho de 2006, Zarb Adami c. Malta (n.o 17209/02), n.o 80]. V., neste sentido, Manual sobre a Legislação Europeia Antidiscriminação, Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Conselho da Europa, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 2011, p. 32, também quanto às citações do TEDH.


30      No que respeita à exigência referente ao caráter comparável das situações para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal de Justiça já afirmou em várias ocasiões que deve ser apreciada à luz de todos os elementos que caracterizam as referidas situações, v. Acórdãos de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 56), de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 25), e de 1 de outubro de 2015, O (C‑432/14, EU:C:2015:643, n.o 31).