Language of document : ECLI:EU:T:2012:496

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

27 de setembro de 2012 (*)

«Auxílios de Estado ― Setor da fruta e dos produtos hortícolas ― ‘Planos de campanha’ destinados a apoiar o mercado dos frutos e produtos hortícolas em França ― Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum ― Conceito de auxílio de Estado ― Recursos estatais — Cofinanciamento por estabelecimento público e por contribuições voluntárias das organizações de produtores ― Argumentos não invocados durante o processo administrativo ― Dever de fundamentação»

No processo T‑139/09,

República Francesa, inicialmente representada por E. Belliard, G. de Bergues e A.‑L. During, e posteriormente por Belliard, de Bergues e J. Gstalter, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2009) 203 final da Comissão, de 28 de janeiro de 2009, relativa aos «planos de campanha» no setor das frutas e produtos hortícolas executados pela República Francesa,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, N. Wahl e S. Soldevila Fragoso (relator), juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de abril de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Direito da União

1        Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

 Legislação nacional aplicável

 Office national interprofessionnel des fruits, des légumes et de l’horticulture

2        O artigo L.621‑1 do código rural francês, na sua versão em vigor em 1 de janeiro de 2002 (a seguir «código rural»), dispõe que, «[p]ara atingir os objetivos definidos pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia e contribuir para a garantia e melhoria dos rendimentos, para a redução das desigualdades, para o emprego ótimo dos fatores de produção e para a regularização dos mercados no interesse dos produtores, transformadores, negociantes, comerciantes e consumidores, podem ser criados organismos de intervenção por produto ou por grupo de produtos nos setores agrícola e alimentar por decreto do Conselho de Estado».

3        O artigo L. 621‑2 do código rural precisa:

«Estes organismos são estabelecimentos de caráter industrial e comercial, colocados sob tutela do Estado e com competência sobre a totalidade dos setores agrícola e alimentar que corresponda aos produtos pelos quais são responsáveis. Podem ser‑lhes confiadas missões de caráter administrativo relacionadas com o exercício das suas competências. O pessoal destes organismos é regido por um estatuto comum de direito público definido por decreto.»

 Comités económicos agrícolas

¾       Missões e aprovação

4        O artigo L. 551‑1 do código rural prevê que, « [n]uma determinada região, as sociedades cooperativas agrícolas e as suas uniões, as sociedades de interesse coletivo agrícola, os sindicatos agrícolas, que não os sindicatos com vocação geral regulados pelas disposições do livro IV do código do trabalho, as associações de produtores agrícolas reguladas pelas disposições da lei de 1 de julho de 1901, quando tenham por objeto controlar de forma durável a valorização da sua produção, reforçar a organização comercial dos produtores e organizar e assegurar a permanência da produção num determinado território, podem ser reconhecidas pela autoridade administrativa como organizações de produtores».

5        Nos termos do artigo L.552‑1 do código rural:

«Para harmonizar as regras de produção, comercialização e preço, bem como para aplicar regras comuns de colocação no mercado, os organismos reconhecidos enumerados no artigo precedente e os sindicatos agrícolas com vocação geral ou especializada podem agrupar‑se para constituírem um comité económico agrícola, como definido no n.° 2 do artigo L.551‑1, numa determinada região e para um mesmo setor de produtos.

Os comités económicos agrícolas devem ser, ou sindicatos agrícolas regulados pelo livro IV do código do trabalho, ou associações reguladas pela lei de 1 de julho de 1901 […]

Os comités económicos agrícolas elaboram regras comuns a todos os seus membros.

Os comités económicos agrícolas contribuem para a execução das políticas económicas nacionais e comunitárias e podem ser consultados a respeito das orientações da política setorial que lhes diz respeito.»

6        O artigo L.552‑2 do mesmo código precisa:

«As prioridades e vantagens específicas de que beneficiam os agrupamentos de produtores reconhecidos podem ser concedidas aos comités económicos agrícolas caso estes sejam aprovados pela autoridade administrativa.

A aprovação é concedida, suspensa ou retirada pela autoridade administrativa, após parecer do conselho superior de orientação da economia agrícola e alimentar previsto no artigo 14.° I da lei modificada, de 8 de agosto de 1962, complementar à lei de orientação agrícola.»

7        O artigo L.554‑1, primeiro parágrafo, do código rural prevê que «[o]s comités económicos agrícolas que demonstrem possuir experiência suficiente em certas matérias podem requerer à autoridade administrativa competente que as regras aceites pelos seus membros, previstas no artigo 15.° ter, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1035/72 do Conselho, de 18 de maio de 1972, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas, se tornem obrigatórias para os produtores estabelecidos nas suas regiões, numa ou várias circunscrições económicas».

8        O artigo R*552‑1 do código rural precisa que «[o] pedido de aprovação apresentado por um comité económico agrícola para determinadas regiões ou setores, será dirigido ao Ministro da [A]gricultura por intermédio do Prefeito do departamento da sede social do comité» dispondo o artigo R*552‑2 que este pedido deve ser acompanhado de certos documentos, de entre os quais «os estatutos do comité», que devem incluir cláusulas que prevejam que «[a]s regras criadas pelo comité apenas são aplicáveis após aprovação do Ministro da [A]gricultura», uma «[d]eclaração que precise a natureza e formas de auxílio suscetível de ser concedido pelo comité, sendo caso disso, aos aderentes» e os «[t]extos das regras previstas pelo comité em conformidade com as disposições do artigo L.552‑1». O artigo R.552‑4 do código rural precisa por fim que, «[a]pós parecer do conselho superior de orientação e coordenação da economia agrícola e alimentar, o Ministro da [A]gricultura, em aplicação do artigo L.552‑2, pronuncia‑se a respeito do pedido de aprovação».

¾       Funcionamento

9        Nos termos do artigo R.552‑10, primeiro parágrafo, do código rural, «[u]m comité económico agrícola aprovado só pode adotar novas regras, ou alterar regras já aprovadas, com aprovação expressa do Ministro da [A]gricultura, após parecer do conselho superior de orientação e coordenação da economia agrícola e alimentar».

10      O artigo R.552‑11 do código rural prevê além disso que «[o] Ministro da [A]gricultura nomeia um delegado junto de cada comité económico agrícola aprovado», que «desempenha um papel de conselheiro técnico junto do comité, que assiste às reuniões do conselho de administração e da assembleia geral, ou que, nas condições fixadas pelo Ministro da [A]gricultura, pode nelas fazer‑se representar» que «pode consultar no local ou requerer que lhe sejam comunicados todos os documentos respeitantes à atividade do comité ou dos organismos que o compõem» e que «é regularmente informado de todas as decisões tomadas pelo conselho de administração e das resoluções adotadas pela assembleia geral».

11      Por fim, nos termos do artigo R.552‑14 do código rural:

«O Ministro da [A]gricultura pode, a qualquer momento, depois de recolher as observações do comité e o parecer do conselho superior de orientação e coordenação da economia agrícola e alimentar, revogar a aprovação das regras em vigor anteriormente aprovadas. O Ministro da [A]gricultura fixa a data a partir da qual a revogação da aprovação produzirá efeitos. Se, no entanto, o comité entender manter estas regras em vigor, perderá a qualidade de comité autorizado [...].»

¾       Direitos de inscrição e contribuições

12      Segundo o artigo L.553‑1 do código rural, «[o]s organismos reconhecidos ou aprovados nas condições previstas nos artigos L.551‑1 e L.552‑2 podem ser autorizados por decreto, após parecer do Conselho de Estado, a receber os direitos de inscrição e as contribuições calculadas sobre o valor dos produtos, sobre as superfícies ou sobre estes dois elementos combinados».

13      O artigo R*553‑2 do código rural, relativo aos agrupamentos de produtores reconhecidos, prevê que estes últimos «estão habilitados a cobrar um direito de inscrição a cada um dos seus membros, cujo montante é uniformemente fixado por produtor, sendo as contribuições calculadas com base no valor da produção comercializada a título da qual foram reconhecidos» e que «o montante dos direitos de inscrição e a taxa das contribuições não pode exceder os máximos fixados por decisão do Ministro da [A]gricultura, após parecer do conselho superior de orientação e coordenação da economia agrícola e alimentar».

14      O artigo R*553‑5 do código rural, relativo aos direitos de inscrição e às contribuições dos agrupamentos de produtores reconhecidos, prevê que o «montante dos direitos de inscrição e a taxa das contribuições, bem como as modalidades do seu pagamento, são fixados pela assembleia geral ordinária».

15      O artigo R*553‑6 do código rural precisa ainda que os «comités económicos aprovados podem cobrar um direito de inscrição a cada um dos seus membros, e, a título de contribuição, cobrar aos seus membros que têm a qualidade de agrupamentos agrícolas reconhecidos, uma parte das contribuições recebidas por esses próprios agrupamentos» e que «o Ministro da [A]gricultura pode, após parecer do conselho superior de orientação e coordenação da economia agrícola e alimentar, fixar o montante máximo das contribuições cobradas por um comité».

16      O artigo R*553‑7, primeiro parágrafo, do código rural prevê que, «[q]uando um comité económico agrícola aprovado, nos termos do artigo L.552‑2, obteve o alargamento de uma ou várias regras adotadas aos produtores e agrupamentos que dele dependem a todos os produtores da sua circunscrição, os produtores para os quais esta regra passou a ser obrigatória em razão do referido alargamento, devem pagar ao comité, nas condições fixadas por despacho do Ministro da [A]gricultura, a totalidade ou parte das contribuições fixadas em aplicação do artigo R.553‑2».

¾       Fiscalização da autoridade administrativa

17      O artigo R*553‑10 do código rural prevê:

«A fiscalização dos comités económicos aprovados e dos agrupamentos de produtores reconhecidos levada a cabo pelo Ministro da [A]gricultura, tem, nomeadamente, por objeto:

¾        a contabilidade e regularidade das operações destes organismos;

¾        a utilização do auxílio recebido, em particular o que possa eventualmente ter sido concedido pelo Estado, pelas coletividades públicas e pelas sociedades de economia mista;

¾        a aplicação pelos agrupamentos de produtores, pelos comités económicos agrícolas e pelos organismos e produtores que deles dependem, das regras criadas adotadas nos termos dos artigos L.551‑1 e L.552‑1 e a aplicação das leis e regulamentos em vigor, em particular das leis e regulamentos em matéria de repressão das fraudes e de normalização».

18      Para este efeito, o artigo R*553‑13 do código rural prevê que «[o]s funcionários do ministério da [A]gricultura, habilitados para tal pelo Ministro da [A]gricultura, têm acesso [aos] serviços dos agrupamentos de produtores reconhecidos e aos comités económicos agrícolas aprovados» e que «podem tomar conhecimento de todos os documentos contabilísticos ou administrativos». Do mesmo modo, nos termos do artigo R*553‑14, «[o]s funcionários e agentes do ministério da [A]gricultura, e, nomeadamente, os funcionários do serviço de repressão das fraudes e da fiscalização da qualidade, participam em simultâneo com os agentes dos organismos interessados na fiscalização da aplicação, por parte desses organismos e dos produtores agrícolas, das regras em vigor adotadas pelos agrupamentos e comités económicos agrícolas».

19      Por fim, o artigo R*553‑16 do código rural precisa que «[a] fiscalização destinada a garantir a aplicação [do artigo] R.553‑7 relativo aos direitos de inscrição e às contribuições, é exercida nas condições previstas no artigo R.553‑14».

 Factos na origem do litígio

20      O Office national interprofessionnel des fruits, des légumes et de l’horticulture (Oniflhor), estabelecimento público de caráter industrial e comercial sob tutela do Estado francês, tem nomeadamente por missão reforçar a eficácia económica do setor dos frutos e dos produtos hortícolas.

21      Os comités económicos agrícolas reúnem a nível regional as organizações de produtores agrícolas de um determinado setor, denominados «agrupamentos de produtores agrícolas» até 1999, e visam criar regras comuns aos seus membros com vista à harmonização das regras de produção, de comercialização, de preço e de introdução de produtos no mercado.

22      Em 31 de julho de 2002, na sequência de uma queixa, a Comissão das Comunidades Europeias apresentou um pedido de informações à República Francesa relativo a auxílios não notificados no setor das frutas e produtos hortícolas, pagos no âmbito dos planos de campanha às organizações de produtores agrícolas por um fundo operacional gerido pelos comités económicos agrícolas aprovados e que era alimentado pelo Oniflhor e por contribuições das organizações de produtores (a seguir «contribuições setoriais»). Esses planos de campanha tinham por objeto diminuir os efeitos dos excedentes temporários de oferta de fruta e produtos hortícolas, regular o funcionamento dos mercados através de uma abordagem coletiva e financiar ações estruturais destinadas a permitir a adaptação do setor ao mercado.

23      Em 21 de outubro de 2002, decorreu uma reunião entre a Comissão e as autoridades francesas, na sequência da qual, em 26 de dezembro de 2002, estas últimas forneceram informações que confirmavam que tais auxílios tinham sido concedidos entre 1992 e 2002. A Comissão pediu um inventário completo dos referidos auxílios em 16 de abril de 2003. As autoridades francesas deram resposta a este pedido em 22 de julho de 2003.

24      Por ofício de 20 de julho de 2007, a Comissão informou a República Francesa de que tinha decidido dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (a seguir «decisão de abertura»).

25      A decisão de abertura foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, de 22 de setembro de 2005 (JO C 233, p. 21). A Comissão convidou as partes interessadas a apresentarem as suas observações sobre as medidas em causa realizadas no âmbito dos planos de campanha (a seguir «medidas controvertidas»).

26      A Comissão recebeu as observações das autoridades francesas por ofício de 4 de outubro de 2005.

27      Em 20 de outubro de 2005 recebeu, além disso, uma carta da Fédération de l'organisation économique fruits et légumes (Fedecom), terceiro interessado, na qual aquela descrevia, nomeadamente, a composição, as modalidades de financiamento e o papel dos comités económicos agrícolas aprovados na atribuição dos auxílios em causa, que foi transmitida às autoridades francesas em 1 de dezembro de 2005. Estas últimas não contestaram estas informações no seu correio de 28 de dezembro de 2005, tendo além do mais autorizado a transmissão à Fedecom das suas cartas de 26 de dezembro de 2002 e de 22 de julho de 2003 e feito uma correção relativamente ao montante dos auxílios pagos em 2002.

28      No termo deste processo formal de investigação, a Comissão adotou a Decisão C(2009) 203 final, de 28 de janeiro de 2009, relativa aos planos de campanha no setor das frutas e dos produtos hortícolas executados pela França (JO L 127, p. 11, a seguir «decisão impugnada»).

29      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que os auxílios concedidos no âmbito dos planos de campanha e pagos às organizações de produtores agrícolas, constituíam auxílios de Estado e que eram ilegais e incompatíveis com o mercado comum. Ordenou, por conseguinte, que a República Francesa procedesse à sua recuperação, acrescida de juros, junto aos beneficiários.

 Tramitação processual e pedidos das partes

30      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral, em 8 de abril de 2009, a República Francesa interpôs o presente recurso.

31      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

32      Foram ouvidas as alegações orais das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 23 de abril de 2012.

33      A República Francesa concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão impugnada na medida em que visa a parte das medidas controvertidas financiada pelas contribuições setoriais;

¾        a título subsidiário, anular a totalidade da decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao pedido da República Francesa;

¾        condenar a República Francesa nas despesas.

 Questão de direito

35      Em apoio do seu recurso a República Francesa invoca dois fundamentos de anulação relativos, por um lado, à violação do dever de fundamentação e, por outro, a um erro de direito, pelo facto de a Comissão ter qualificado de auxílios de Estado, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, as medidas financiadas por contribuições voluntárias do setor em causa.

 Quanto ao primeiro fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

36      A República Francesa sustenta que a decisão impugnada padece de falta de motivação na medida em que visa as medidas controvertidas financiadas pelas contribuições setoriais, e que incumbe à Comissão desenvolver o seu raciocínio de forma explícita quando, como no caso em apreço, se afasta de uma prática decisória constante. A Comissão não justificou nomeadamente o alargamento da qualificação de auxílio de Estado a medidas financiadas por contribuições voluntárias.

37      Segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que foi adotado. A fundamentação deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir, por um lado, ao juiz da União, fiscalizar a legalidade e, por outro, aos interessados, conhecer as justificações da medida adotada a fim de poderem defender os seus direitos e verificarem se a decisão é ou não fundada. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63, e acórdão do Tribunal Geral, de 30 de novembro de 2011, Sniace/Comissão, T‑238/09, n.° 37).

38      Em especial, a Comissão não tem de tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados. Basta‑lhe apresentar os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão (acórdão do Tribunal de Justiça, de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 96, e acórdão do Tribunal Geral, de 3 de março de 2010, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑102/07 e T‑120/07, Colet., p. II‑585, n.° 180).

39      Decorre, por fim, da jurisprudência, que embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe do que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colet., p. 1491, n.° 31; de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret, C‑295/07 P, Colet., p. I‑9363, n.° 44, e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 155).

40      É à luz destes princípios que importa analisar o fundamento relativo à fundamentação insuficiente da decisão impugnada.

41      No caso em apreço, decorre da decisão impugnada que a Comissão foi levada pela primeira vez a analisar a questão de saber se medidas simultaneamente financiadas por contribuições do Estado e por contribuições voluntárias de profissionais de um setor podiam constituir auxílios de Estado na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE. Incumbia, por conseguinte, à Comissão responder de forma aprofundada aos argumentos invocados pela República Francesa durante o processo administrativo, relativos à qualificação das contribuições setoriais como recursos estatais.

42      Nos considerandos 24 a 28 da decisão impugnada, a Comissão começou por analisar detalhadamente o mecanismo de financiamento das medidas controvertidas. Constatou que as mesmas eram financiadas a partir de um fundo gerido pelos comités económicos agrícolas aprovados, que era alimentado segundo os mesmos princípios aplicáveis aos auxílios comunitários previstos no artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 2200/96, do Conselho, de 28 de outubro de 1996 que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas (JO L 297, p. 1), concretamente, simultaneamente, por um auxílio público e por contribuições financeiras dos produtores, calculadas com base nas quantidades ou valor dos frutos e produtos hortícolas comercializados, representando as referidas contribuições entre 30% e 50% do total dos montantes desse fundo. No entanto, as contribuições das organizações de produtores apenas eram pagas voluntariamente, não tendo a autoridade administrativa tornado o seu pagamento obrigatório. O não pagamento dessas contribuições tinha por efeito privar as organizações de produtores em causa do auxílio público.

43      Decorre além disso do considerando 40 da decisão impugnada que, na sua carta de 4 de outubro de 2005, na qual apresenta as suas observações a respeito da decisão de abertura do procedimento formal de exame, a República Francesa indicou que as contribuições pagas pelos profissionais e destinadas ao financiamento dos planos de campanha não podiam ser equiparadas a recursos estatais uma vez que eram pagas voluntariamente, que não tinham sido obrigatoriamente alargadas pelos poderes públicos a todas as organizações de produtores em causa e que os comités económicos agrícolas aprovados podiam dispor delas livremente.

44      Nos considerandos 43 a 62 da decisão impugnada, a Comissão verificou se as medidas controvertidas podiam ser qualificadas de auxílios de Estado na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE. Assim, nos considerandos 52 a 56 da decisão impugnada, indicou que a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 22 de março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Colet., p. 595, e de 11 de novembro de 1987, França/Comissão, 259/85, Colet., p. 4393, n.° 23) lhe impunha o respeito das modalidades e efeitos do regime dos auxílios com vista a determinar se o mesmo constituía um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, tendo igualmente indicado que o caráter obrigatório ou voluntário das contribuições em causa não interfere na aplicação deste princípio. Além disso, nos considerandos 57 a 61 da decisão impugnada, examinou a jurisprudência relativa ao conceito de recursos de Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 2004, Pearle e o., C‑345/02, Colet., p. I‑7139, e acórdão do Tribunal de 20 de setembro de 2007, Salvat père & fils e o./Comissão, T‑136/05, Colet., p. II‑4063) tendo considerado que a referida jurisprudência não põe este princípio em causa. Por fim, no considerando 61 da decisão impugnada, sublinhou que, no caso em apreço, ainda que as contribuições fossem voluntárias, existia um forte estímulo público à adesão às mesmas. Concluiu assim, no considerando 62 da decisão impugnada, que as medidas controvertidas constituíam auxílios de Estado na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE.

45      O mero facto de a jurisprudência à qual a Comissão fez referência na decisão impugnada só dizer respeito a contribuições obrigatórias não basta para demonstrar que a fundamentação da referida decisão era insuficiente. Antes de mais, importa recordar que o juiz da União nunca tinha examinado a questão de saber se medidas que são simultaneamente financiadas por contribuições do Estado e por contribuições voluntárias dos profissionais de um setor podem constituir auxílios de Estado, na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE. Além disso, na decisão impugnada, a Comissão precisou que considerava que a jurisprudência relativa às contribuições obrigatórias era aplicável às medidas controvertidas, uma vez que, pelo facto de os produtores serem fortemente incitados a participar no mecanismo, no caso em apreço, o caráter facultativo das contribuições tinha natureza essencialmente formal. Além disso, o facto de a Comissão ter feito esta precisão no considerando 61 da decisão impugnada, e não na sequência do considerando 55, não pode, contrariamente ao que defende a República Francesa, prejudicar o caráter explícito da fundamentação desenvolvida pela Comissão.

46      Por conseguinte, a decisão impugnada revela de forma suficientemente clara, explícita e inequívoca a fundamentação seguida pela Comissão para determinar se as medidas simultaneamente financiadas por contribuições do Estado e por contribuições voluntárias de profissionais de um setor podiam, segundo ela, constituir auxílios de Estado na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE, permitindo ao Tribunal Geral levar a cabo a sua fiscalização da legalidade e aos interessados conhecer a justificação da medida adotada para poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é fundada.

47      Resulta do acima exposto que deve ser julgado improcedente o primeiro fundamento, relativo à motivação insuficiente da decisão impugnada.

 Quanto ao segundo fundamento relativo a um erro de direito pelo facto de a Comissão ter qualificado de auxílios de Estado, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, as medidas financiadas por contribuições voluntárias do setor em causa

48      A República Francesa considera que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar as medidas financiadas por contribuições voluntárias do setor em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Admissibilidades dos argumentos relativos a elementos de facto não contestados na fase administrativa

49      A título preliminar, a Comissão sustenta que a República Francesa não pode contestar no Tribunal Geral as críticas formuladas pela Fedecom nas suas observações de 20 de outubro de 2005, relativas aos respetivos papéis dos profissionais e do Oniflhor na definição do montante da contribuição setorial e das medidas controvertidas e na execução destas medidas.

50      Considera, em primeiro lugar, que, na medida em que este fundamento diz respeito a um erro de facto, ou mesmo a um erro manifesto de apreciação, a República Francesa devia tê‑lo invocado autonomamente em relação ao fundamento baseado num erro de direito. Decorre, no entanto, dos autos que a República Francesa decidiu utilizar estes elementos em apoio do fundamento relativo a um erro de direito da Comissão ao qualificar de auxílios de Estado, na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, as medidas financiadas por contribuições voluntárias do setor em causa.

51      Em segundo lugar, a Comissão alega a inadmissibilidade destes argumentos, na medida em que a República Francesa não contestou as críticas feitas pela Fedecom nas suas observações de 20 de outubro de 2005 no processo formal de investigação.

52      Decorre de jurisprudência constante que o Estado‑Membro que concedeu auxílios, ou que pretende concedê‑los, em derrogação das regras do Tratado, fica obrigado a um dever de colaboração com a Comissão no âmbito do processo em que participa, por força do qual lhe compete, nomeadamente, fornecer todos os elementos suscetíveis de permitir a esta instituição verificar se as condições da derrogação solicitada estão preenchidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de abril de 1993, Itália/Comissão, C‑364/90, Colet., p. I‑2097, n.° 20; acórdãos do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 1999, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑132/96 e T‑143/96, Colet., p. II‑3663, n.° 140, e de 11 de fevereiro de 2009, Iride et Iride Energia/Comissão, T‑25/07, Colet., p. II‑245, n.° 100). A legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de setembro de 2003, Bélgica/Comissão, C‑197/99 P, Colet., p. I‑8461, n.° 86; v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colet., p. 2263, n.° 16). Daqui decorre em particular que, uma vez que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva que é apreciada à data em que a Comissão adota a sua decisão, as apreciações levadas a cabo nesta data é que devem ser tomadas em conta para efetuar a fiscalização jurisdicional (acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., já referido, n.° 144). Assim sendo, na falta de informações em contrário por parte dos interessados, a Comissão fica legitimada a basear‑se nos factos, ainda que errados, de que dispõe no momento da adoção da decisão final, na medida em que os elementos de facto em causa tenham sido objeto de uma injunção da Comissão ao Estado‑Membro para lhe fornecer as informações necessárias (acórdão do Tribunal Geral de 19 de outubro de 2005, Freistaat Thüringen/Comissão, T‑318/00, Colet., p. II‑4179, n.° 88).

53      Decorre igualmente das disposições do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), que, no fim do processo formal de investigação relativo a um auxílio ilegal, a decisão é adotada pela Comissão com base nas informações disponíveis, e nomeadamente naquelas que tenham sido fornecidas pelo Estado‑Membro em resposta aos pedidos de informações da Comissão.

54      No caso em apreço, decorre da decisão impugnada que a Fedecom apresentou as suas observações em 20 de outubro de 2005, na qualidade de terceiro interessado, nas quais descreveu nomeadamente a composição, as modalidades de financiamento e o papel dos comités económicos agrícolas aprovados na concessão dos auxílios em causa, e que essas observações foram transmitidas às autoridades francesas em 1 de dezembro de 2005, tendo‑lhes sido indicado que dispunham de um prazo de um mês para apresentar as suas observações. As autoridades francesas não contestaram estas informações no seu ofício de 28 de dezembro de 2005, através do qual, além do mais, autorizaram a transmissão à Fedecom dos seus ofícios de 26 de dezembro de 2002 e de 22 de julho de 2003 tendo feito uma correção relativa ao montante dos auxílios pagos em 2002.

55      Ora, resulta dos princípios já referidos nos n.os 52 e 53 supra que a República Francesa não pode pôr em causa pela primeira vez na fase jurisdicional o teor das observações factuais formuladas por um terceiro interessado durante o processo administrativo quando estas lhe foram transmitidas. A circunstância de não ter reagido a esses elementos de facto por partilhar das conclusões da Fedecom não basta para contornar o princípio do efeito útil do processo administrativo.

56      Por conseguinte, há que julgar inadmissíveis os argumentos da República Francesa para pôr em causa as críticas formuladas pela Fedecom nas suas observações de 20 de outubro de 2005, relativas aos papéis respetivos dos profissionais e do Oniflhor na definição do montante da contribuição setorial e das medidas controvertidas e na execução dessas medidas.

 Princípios gerais relativos ao conceito de recursos estatais

57      Importa recordar que o artigo 87.°, n.° 1, CE declara incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

58      Para que as vantagens possam ser qualificadas de auxílios na aceção deste artigo devem, por um lado, ser concedidas direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro lado, ser imputáveis ao Estado (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, Colet., p. I‑1433, n.° 11; de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colet., p. I‑4397, n.° 24, e de 20 de novembro de 2003, GEMO, C‑126/01, Colet., p. I‑13769, n.° 24).

59      Por outro lado, decorre da letra do artigo 87.°, n.° 1, CE que apenas as vantagens concedidas direta ou indiretamente através de recursos estatais são consideradas auxílios. Com efeito, a distinção feita nessa disposição entre os «auxílios concedidos pelos Estados» e auxílios «provenientes de recursos estatais» não significa que todas as vantagens conferidas por um Estado constituam auxílios, quer sejam ou não financiadas por meio de recursos do Estado, mas destina‑se unicamente a incluir nesse conceito as vantagens conferidas diretamente pelo Estado e as conferidas através de um organismo público ou privado, designado ou instituído por esse Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colet., p. I‑2099, n.° 58).

60      Importa além disso recordar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 87.°, n.° 1, CE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar operadores económicos, não sendo relevante a circunstância desses meios pertencerem ou não, de modo permanente, ao património das referidas autoridades públicas. Consequentemente, mesmo que os montantes correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse das autoridades públicas, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e portanto à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de recursos estatais (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, de 16 de maio de 2000, France/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colet., p. I‑3271, n.° 50, e de 16 de maio de 2002, França/Comissão, já referido, n.° 37). Do mesmo modo, a natureza inicialmente privada dos recursos não impede que os mesmos sejam considerados como recursos estatais na aceção das disposições do artigo 87.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral, de 12 de dezembro de 1996, Air France/Comissão, T‑358/94, Colet., p. II‑2109, n.os 63 a 65).

61      Segundo jurisprudência, o simples facto de um regime de subvenções que beneficia certos operadores económicos de um determinado setor ser total ou parcialmente financiado por contribuições impostas pela autoridade pública e cobradas aos operadores económicos em causa não é suficiente para que este regime deixe de ter caráter de auxílio concedido pelo Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça, Steinike & Weinlig, já referido, n.° 22, e de 11 de novembro de 1987, França/Comissão, já referido, n.° 23; v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colet., p. 709, n.os 27 e 35).

62      Em contrapartida, Tribunal de Justiça recusou qualificar de recursos estatais os fundos cobrados por um organismo público através de contribuições unicamente cobradas aos operadores económicos beneficiários da medida em causa, mas que nunca foram colocados à disposição das autoridades nacionais e que serviram para financiar ações apenas determinadas pelos operadores em causa (v., neste sentido, acórdão Pearle e o., já referido, n.os 36 a 39).

63      Assim, o critério pertinente para apreciar a existência de recursos públicos, independentemente da sua origem inicial, é o grau de intervenção da autoridade pública na definição das medidas em causa e as suas modalidades de financiamento.

64      A circunstância de as contribuições dos operadores económicos interessados, destinadas ao financiamento parcial das medidas em causa, apenas terem caráter facultativo e não obrigatório, não basta para pôr em causa este princípio. Com efeito, pode existir um importante grau de intervenção da autoridade pública sobre essas contribuições, mesmo que as mesmas não tenham caráter obrigatório.

65      Resulta do acima exposto que, para determinar se a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar as medidas controvertidas de auxílios de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, importa analisar o papel da autoridade pública na definição dessas medidas e as suas modalidades de financiamento.

66      No que diz respeito à apreciação do papel da autoridade pública na definição das medidas controvertidas, o Tribunal Geral tem de proceder à referida apreciação de forma global, na medida em que não é possível distingui‑las em função do seu modo de financiamento devido ao facto de as contribuições públicas e privadas terem sido colocadas em comum e de forma fungível num fundo operacional.

 Análise das modalidades do regime de planos de campanha

67      A título principal, importa analisar as modalidades do regime das medidas controvertidas, e, nomeadamente, a determinação do montante das contribuições públicas e privadas destinadas ao seu financiamento, bem como a definição das suas condições de utilização.

68      No que diz respeito, em primeiro lugar, à determinação do montante das contribuições públicas e privadas destinadas ao financiamento das medidas controvertidas, decorre dos autos, e nomeadamente da carta da Fedecom de 20 de outubro de 2005, que o Oniflhor, estabelecimento público de caráter industrial e comercial sob tutela do Estado, decidia unilateralmente quais os montantes atribuídos aos planos de campanha e quais os montantes das contribuições que os comités económicos agrícolas aprovados deviam transferir para os planos de campanha. Essas contribuições eram decididas pelo Oniflhor, que fixava uma percentagem da quantidade ou do valor dos frutos e produtos hortícolas efetivamente comercializados pelos produtores beneficiários, eram solicitadas pelos comités económicos agrícolas aprovados juntos das secções nacionais de cada produto, que em seguida as transferiam para o Oniflhor. Este último aumentava estes montantes a partir de fundos públicos o que representava 50 a 70% do auxílio total. Em caso de não pagamento das contribuições setoriais pelos produtores, os auxílios concedidos pelo Oniflhor não eram pagos aos produtores e ficavam bloqueados ao nível dos comités económicos agrícolas aprovados, que eram obrigados a reembolsar o Oniflhor.

69      Contrariamente a outras contribuições cobradas pelos comités económicos agrícolas aprovados, estas não tinham caráter obrigatório, como demonstra o facto de certas organizações de produtores terem recusado proceder ao seu pagamento. Estas contribuições não podem, por conseguinte, ser regidas pelas disposições do código rural relativas às contribuições obrigatórias.

70      Decorre com efeito das disposições dos artigos R*553‑2 e R*553‑6 do código rural que as mesmas apenas visam os direitos de inscrição e as contribuições de funcionamento obrigatoriamente pagas pelos produtores aos agrupamentos de produtores reconhecidos e aos comités económicos agrícolas aprovados. A República Francesa não pode, por conseguinte, invocar as regras relativas à adoção desses direitos de inscrição e destas contribuições pelos agrupamentos de produtores reconhecidos, como definidas no artigo R*553‑5 do código rural.

71      Do mesmo modo, não era aplicável às contribuições destinadas ao financiamento dos planos de campanha o artigo R*553‑7 do código rural, que prevê que, quando um comité económico agrícola autorizado obteve o alargamento a todos os produtores da sua circunscrição de uma regra criada para os produtores e agrupamentos que dependem dele, os referidos produtores para os quais esta regra se tornou obrigatória, são devedores, por força de despacho ministerial, da totalidade ou de parte das contribuições calculadas com base no valor da produção comercializada. Há que recordar a este respeito que a jurisprudência considera ilegal qualquer obrigação imposta a produtores não inscritos de participar no financiamento dos fundos instituídos por uma organização de produtores, na medida em que essa organização se destine a financiar atividades que são julgadas contrárias ao direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de novembro de 1986, Cerafel, 218/85, Colet., p. 3513, n.° 22).

72      Por outro lado, a República Francesa não pode invocar as disposições do artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/96 que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas. Com efeito, embora os programas operacionais postos em prática no âmbito desta disposição partilhem com os planos de campanha o facto de serem cofinanciados por uma autoridade pública e por contribuições dos produtores associados, calculadas com base nas quantidades ou no valor dos frutos e produtos hortícolas comercializados, é pacífico que estas disposições não são aplicáveis às medidas controvertidas, mas apenas às medidas adotadas no âmbito da organização comum dos mercados no setor da fruta e produtos hortícolas.

73      Por fim, a República Francesa não forneceu nenhum outro elemento de prova que permita considerar que o montante da contribuição paga pelos produtores era definido por estes últimos.

74      Decorre do acima exposto que era o Oniflhor que decidia unilateralmente qual o montante das contribuições pagas pelos comités económicos agrícolas aprovados e quais os montantes totais atribuídos aos planos de campanha.

75      No que respeita, em segundo lugar, à definição do conteúdo das medidas controvertidas e das modalidades da sua execução, decorre dos autos e nomeadamente das informações transmitidas pela Fedecom em 20 de outubro de 2005, que as medidas controvertidas eram determinadas pelo Oniflhor através de decisões com o carimbo do seu diretor e do inspetor do Estado e que os comités económicos agrícolas aprovados não participavam na sua definição e não tinham qualquer margem de manobra na sua aplicação.

76      A República Francesa considera contudo que o único objeto das decisões do Oniflhor era registar as contribuições que os profissionais e as autoridades públicas se comprometiam a pagar.

77      Defende assim que as medidas controvertidas eram definidas e executadas apenas pelos profissionais e que a intervenção do Oniflhor se limitava a aplicar as decisões tomadas por estes últimos a participar no seu financiamento. Baseia os seus argumentos em dois documentos, apresentados pela primeira vez na réplica, destinados a demonstrar o papel de iniciativa desempenhado pelos comités económicos agrícolas nos planos de campanha. Resulta contudo do n.° 55 supra, que a República Francesa não pode contestar pela primeira vez na fase jurisdicional a veracidade das observações formuladas por um terceiro interessado no processo administrativo, quando as mesmas lhe foram transmitidas e não contestou o seu teor.

78      De qualquer modo, importa sublinhar que essas cartas, enviadas em 2001 ao Oniflhor pelas secções nacionais de produtos de dois comités económicos agrícolas aprovados, apenas permitem concluir que, por duas vezes, durante o período da infração, houve comités económicos agrícolas aprovados que submeteram ao Oniflhor propostas de medidas a adotar no âmbito dos planos de campanha. As referidas cartas não são, no entanto, suficientes para pôr em causa as informações transmitidas pela Fedecom em 20 de outubro de 2005, segundo as quais os comités económicos agrícolas aprovados não eram competentes para definir as medidas adotadas no âmbito dos planos de campanha, função que era da exclusiva competência do Oniflhor.

79      Por outro lado, importa sublinhar que a República Francesa reconheceu nos seus articulados que os comités económicos agrícolas aprovados tinham a obrigação de aplicar as medidas previstas no âmbito dos planos de campanha tal como tinham sido definidas na decisão do diretor do Oniflhor. Esta circunstância é explicada pela participação do Oniflhor no financiamento das referidas medidas e não tem qualquer influência na apreciação do grau de fiscalização exercido pela autoridade pública na execução destas medidas.

80      A República Francesa indica por fim que, contrariamente à situação existente no processo que deu lugar ao acórdão Air France/Comissão, já referido (n.° 65), o Oniflhor não podia dispor livremente dos fundos pagos pelos profissionais, sendo os mesmos geridos pelos comités económicos agrícolas aprovados. Resulta no entanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça exposta no n.° 60 supra que, ainda que os montantes não estejam permanentemente na posse das autoridades públicas, o facto de estarem constantemente sob fiscalização pública, e, por conseguinte, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificados de recursos estatais.

81      Ora, no caso em apreço, o Estado estava em perfeita medida, através do exercício da sua influência dominante na definição e execução das medidas controvertidas, de orientar a utilização de recursos afetos aos comités económicos agrícolas aprovados para financiar, sendo caso disso, vantagens específicas a favor de certos produtores.

82      Com efeito, ficou demonstrado que os comités económicos agrícolas aprovados não dispunham de nenhuma margem de manobra na aplicação das medidas definidas pelo Oniflhor.

83      Por outro lado, decorre de várias disposições do código rural que a autoridade administrativa dispunha de um amplo e constante poder de fiscalização dos montantes em causa. Com efeito, nos termos do artigo R*553‑10 do código rural, a fiscalização dos comités económicos aprovados por parte do Ministro da Agricultura tem, nomeadamente, por objeto a contabilidade e regularidade das operações destes organismos, bem como sobre a utilização dos auxílios públicos recebidos. Para este efeito, o artigo R*553‑13 prevê que os funcionários habilitados do ministério da Agricultura beneficiam de acesso a todos os serviços dos comités económicos agrícolas aprovados e que podem verificar todos os documentos contabilísticos ou administrativos.

84      Importa por fim sublinhar o papel preponderante desempenhado pelo Estado nos comités económicos agrícolas aprovados, nos quais é representado pelo Prefeito da região. Com efeito, decorre das disposições do código rural que o pedido de aprovação de qualquer comité económico agrícola dirigido, ao abrigo do artigo R*552‑1 do referido código, ao Ministro da Agricultura, para beneficiar de auxílios públicos, por força do artigo R*552‑2 deste mesmo código, deve ser acompanhado de alguns documentos, de entre os quais os «[e]statutos do comité», que devem incluir cláusulas que prevejam que as «regras criadas pelo comité apenas são aplicáveis após aprovação do Ministro da [A]gricultura», uma «[d]eclaração que precise a natureza e as formas do auxílio suscetível de ser concedido pelo comité, sendo caso disso, aos seus membros» e os «[t]extos das regras criadas pelo comité em conformidade com as disposições do artigo L.552‑1». Segundo o artigo R.552‑10 do código rural, um comité económico agrícola aprovado apenas pode adotar novas regras, ou alterar regras já aprovadas, com aprovação expressa do Ministro da Agricultura. Além disso, o artigo R.552‑11 do código rural prevê que o Ministro da Agricultura nomeia um delegado junto de cada comité económico agrícola autorizado, que desempenha um papel de conselheiro técnico, que assiste às reuniões do conselho de administração e da assembleia geral, ou que, nas condições fixadas pelo Ministro da Agricultura, pode nelas fazer‑se representar, que pode consultar no local ou requerer que lhe sejam enviados todos os documentos relativos à atividade do comité ou dos organismos que dele fazem parte e que é regularmente informado de todas as decisões tomadas pelo conselho de administração e das resoluções adotadas pela assembleia geral. Do mesmo modo, o artigo 1.° do despacho do Ministro da Agricultura, de 30 de outubro de 2000, relativo às modalidades de representação do Estado nos comités económicos agrícolas no setor dos frutos e legumes (JORF de 15 de novembro de 2000, p. 18079) prevê que o Prefeito da região, ou o seu representante, tem o direito de assistir a todas as reuniões decisórias dos órgãos dirigentes dos comités económicos agrícolas aprovados, sendo destinatário de todas as deliberações e atas elaboradas neste contexto. O artigo 2.° do mesmo texto confia ao representante do Estado, que, para este efeito, se necessário, beneficia da assistência do Oniflhor, a tarefa de assegurar que as missões confiadas a estes comités são exercidas em conformidade com as orientações fixadas nos textos legislativos e regulamentares prevendo que, para tal, aquele representante aporá obrigatoriamente um visto, antes da sua execução, nas deliberações dos órgãos dirigentes dos comités, no caso em apreço, da assembleia geral ou do conselho de administração, bem como nas convenções celebradas, quando as mesmas fixem obrigações aos aderentes do comité ou quando prevejam modalidades de utilização de financiamentos públicos nacionais em matéria de funcionamento ou investimentos no setor da produção, ou comunitários. As deliberações em causa só têm força executória se tiverem este visto.

85      A República Francesa admitiu este papel importante do Estado no funcionamento dos comités económicos agrícolas aprovados. O facto de esse papel ser explicado pela possibilidade de os referidos comités tornarem as suas regras obrigatoriamente aplicáveis a todos os produtores da região em causa não influencia a apreciação da presença do Estado nestes comités.

86      A República Francesa defende além disso que, apesar de o representante do Prefeito da região assistir às reuniões dos órgãos dirigentes do comité económico agrícola, ele não participa nas deliberações dos referidos órgãos. Decorre, no entanto, das disposições acima referidas do artigo 2.° do despacho do Ministro da Agricultura, de 30 de outubro de 2000, que as deliberações dos órgãos dirigentes dos comités, bem como as convenções relativas às modalidades de utilização de financiamentos públicos, apenas têm força executória se delas constar o visto do Prefeito da região ou do seu representante.

87      Do acima exposto decorre que o Oniflhor decidia unilateralmente sobre as medidas financiadas pelos planos de campanha bem como sobre as modalidades da sua execução e que, ainda que os comités económicos agrícolas aprovados estivessem encarregues da gestão dos fundos operacionais destinados ao financiamento destas medidas, não dispunham contudo de nenhuma margem de manobra na sua aplicação.

88      Em conclusão, importa declarar que a definição das medidas controvertidas e das suas modalidades de financiamento pertencia ao Oniflhor, estabelecimento público de caráter industrial e comercial colocado sob tutela do Estado. Em contrapartida, os beneficiários das medidas apenas dispunham do poder de participar ou não no sistema assim definido pelo Oniflhor, aceitando ou recusando pagar as contribuições setoriais fixadas por este último. Deve, portanto, considerar‑se que as medidas controvertidas constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

89      Importa por conseguinte julgar improcedente o segundo fundamento baseado num erro de direito relativo ao conceito de recursos estatais e negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

91      Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Francesa é condenada nas despesas.

Kanninen

Wahl

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de setembro de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.