Language of document : ECLI:EU:F:2007:9

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

16 de Janeiro de 2007 (*)

«Funcionários – Pensões – Direitos à pensão adquiridos antes da entrada ao serviço da Comunidade – Transferência para o regime comunitário – Retirada do pedido de transferência com o objectivo de invocar disposições mais favoráveis»

No processo F‑92/05,

que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.º CE e 152.º EA,

Emmanuel Genette, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Gorze (França), representado por M.‑A. Lucas, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Joris e D. Martin, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Reino da Bélgica, representado por L. Van den Broeck, agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção)

composto por: H. Kreppel, presidente, H. Tagaras e S. Gervasoni (relator), juízes,

secretário: W. Hakenberg,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 26 de Setembro de 2005 por fax (tendo a entrega do original sido feita no dia 28 de Setembro seguinte), E. Genette pede, nomeadamente, a anulação da decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 25 de Janeiro de 2005, através da qual esta se recusa, por um lado, a autorizá‑lo a retirar o pedido de transferência dos seus direitos à pensão adquiridos nos regimes de pensões belgas que apresentou em 2001 e, por outro, a autorizá‑lo a pedir nova transferência dos referidos direitos.

 Quadro jurídico

2        O artigo 11,º n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento (CE, Euratom) n.º 723/2004 do Conselho, de 22 de Março de 2004, que altera o referido estatuto (JO L 124, p. 1) (a seguir «Regulamento de 22 de Março de 2004»), dispunha:

«O funcionário que entre ao serviço das Comunidades após ter:

–        cessado as suas actividades junto de uma administração, de uma organização nacional ou internacional

ou

–        exercido uma actividade assalariada ou não assalariada,

tem a faculdade de, no momento em que adquirir a titularidade, mandar transferir para a Comunidade, quer o equivalente actuarial quer o montante fixo de resgate dos direitos à pensão que adquiriu a título das actividades acima referidas.

Em tal caso, a instituição em que o funcionário exerce funções determinará, tendo em conta o grau da titularização, o número de anuidades que toma em consideração, de acordo com o seu regime próprio, como tempo de serviço anterior, com base no montante do equivalente actuarial ou do montante fixo de resgate.»

3        O artigo 11,º n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento de 22 de Março de 2004, que, nos termos do seu artigo 2.º, entrou em vigor em 1 de Maio de 2004, dispõe desde então:

«O funcionário que entre ao serviço das Comunidades após ter:

–        cessado as suas actividades junto de uma administração, de uma organização nacional ou internacional

ou

–        exercido uma actividade assalariada ou não assalariada,

tem a faculdade de, entre o momento em que for nomeado funcionário e o momento em que obtenha o direito a uma pensão de aposentação, na acepção do artigo 77.º do Estatuto, mandar transferir para as Comunidades o capital, actualizado na data da transferência efectiva, correspondente aos direitos à pensão que adquiriu por força do exercício das actividades acima referidas.

Em tal caso, a instituição em que o funcionário exerce funções determinará, mediante disposições gerais da execução, tendo em conta o vencimento de base, a idade e a taxa de câmbio na data do pedido de transferência, o número de anuidades que toma em consideração para efeitos de pensão, de acordo com o regime de pensões comunitário, como tempo de serviço anterior, com base no capital transferido, após dedução de um montante que representa a revalorização do capital entre a data do pedido de transferência e a da transferência efectiva.

O funcionário só pode exercer esta faculdade uma vez por Estado‑Membro e por fundo de pensão.»

4        Nos termos do artigo 107.º‑A do Estatuto, aditado pelo regulamento de Regulamento de 22 de Março de 2004, as «disposições transitórias» constam do Anexo XIII do referido Estatuto. Nos termos do artigo 26.º, n.º 3, deste anexo:

«Os funcionários que tenham requerido a transferência dentro do prazo, mas que tenham rejeitado a proposta que lhes foi apresentada, que não tenham requerido a transferência nos prazos previstos anteriormente, ou cujos pedidos tenham sido rejeitados por terem sido apresentados fora de prazo, poderão apresentar ou voltar a apresentar o referido pedido até 31 de Outubro de 2004, no máximo».

5        A Lei belga de 21 de Maio de 1991, que estabelece determinadas relações entre regimes de pensões belgas e os de instituições de direito internacional público, publicada no Moniteur belge de 20 de Junho de 1991, p. 13871 (a seguir «Lei de 1991») previa (deixou de estar em vigor), no seu artigo 3.º, que «[q]ualquer funcionário pode, com o acordo da instituição, pedir a transferência para a instituição do montante da pensão de reforma relativo aos serviços e períodos anteriores à sua entrada ao serviço da instituição». A partir do momento em que o funcionário pedisse a transferência dos seus direitos à pensão adquiridos num regime de pensões belga e que este pedido fosse aceite, a instituição comunitária ficava, por força do artigo 11.º da mesma lei, sub‑rogada nos direitos do funcionário. Tendo em conta o mecanismo de sub‑rogação assim instituído, não era feita qualquer transferência para a instituição por parte do regime de pensões belga antes da data da obtenção de uma pensão comunitária pelo funcionário interessado. O artigo 9.º da Lei de 1991 dispunha que «[e]nquanto a sub‑rogação prevista no artigo 11.º não se tornar efectiva, o funcionário pode, mediante acordo da instituição, retirar o seu pedido de transferência. Esta retirada é definitiva.»

6        A Lei belga de 10 de Fevereiro de 2003 que regula a transferência dos direitos à pensão entre os regimes de pensões belgas e os de instituições de direito internacional público, publicada no Moniteur belge de 27 de Março de 2003, p. 14747 (a seguir «Lei de 2003») alterou a legislação belga relativa à transferência para as Comunidades de direitos à pensão adquiridos nos regimes belgas. Sendo aplicável, nos termos do seu artigo 29.º, aos pedidos de transferência apresentados a partir de 1 de Janeiro de 2002, esta lei institui um sistema de montante fixo de resgate das contribuições pagas num regime de pensões belga, acrescidas de juros compostos. O seu artigo 4.º dispõe que «[o] funcionário ou agente temporário que, após ter adquirido o direito a uma ou mais pensões previstas no artigo 3.º, [n.º] 1, 1° a 4°, entre ao serviço de uma instituição pode, com o acordo desta, pedir a transferência para esta instituição ou para o seu fundo de pensões, a título da sua inscrição nestes regimes de pensões pelo período anterior à sua entrada ao serviço da instituição, dos montantes estabelecidos em conformidade com o artigo 7.º […]». Segundo esta nova legislação, a transferência dos direitos à pensão dá lugar ao pagamento imediato de um capital ao regime comunitário. O artigo 9.º, n.º 1, da Lei de 2003 dispõe que «[o] pedido de transferência se torna irrevogável na data em que o Office [serviço nacional de pensões] receber da instituição a confirmação definitiva do pedido de transferência apresentado pelo funcionário ou agente temporário».

7        A Lei belga de 20 de Julho de 2006, relativa a diversas disposições, publicada no Moniteur belge de 28 de Julho de 2006, p. 36940 (a seguir «Lei de 2006») alterou o artigo 9.º da Lei de 1991, com efeitos retroactivos a partir de 1 de Maio de 2004. Este artigo passou a dispor que «[e]nquanto a sub‑rogação prevista no artigo 11.º não se tornar efectiva, o funcionário que deixar a instituição sem poder beneficiar de uma pensão de aposentação pode, mediante acordo da instituição, retirar o seu pedido de transferência. Esta retirada é definitiva».

 Matéria de facto na origem do litígio

8        Antes de entrar ao serviço da Comissão, em 1 de Abril de 2000, onde foi classificado no grau B 5, escalão 3, o recorrente, nascido em 1968, tinha trabalhado no sector privado na Bélgica, como trabalhador independente entre 1992 e 1996, e em seguida como trabalhador assalariado, entre 1996 e 2000.

9        Nessa qualidade, esteve primeiro inscrito no Institut national d’assurance sociale des travailleurs indépendants [Instituto Nacional de Segurança Social dos Trabalhadores Independentes] (a seguir «INASTI») e em seguida no Office national des pensions [Instituto Nacional de Pensões] (a seguir «ONP»), em regimes de pensões para os quais contribuiu, tendo portanto adquirido direitos à pensão junto destes organismos.

10      Depois da sua titularização como funcionário comunitário em 1 de Janeiro de 2001, o recorrente pediu à Comissão, por carta de 13 de Julho de 2001, a transferência dos direitos que tinha adquirido nos regimes belgas dos trabalhadores independentes e dos trabalhadores assalariados para o regime de pensões comunitário. Este pedido baseou‑se no artigo 11.º do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, e no artigo 3.º, já referido, da Lei de 1991.

11      Em 11 de Junho de 2002, a unidade «Pensões e relações com antigos funcionários» da direcção B da Direcção‑Geral (DG) da Administração e do Pessoal da Comissão enviou ao recorrente uma nota que o informava do número de anuidades suplementares que seriam tomadas em conta no regime comunitário, com base no equivalente actuarial, calculado pela Comissão, da pensão nacional adquirida no regime belga dos trabalhadores independentes. Se o recorrente se reformasse aos 65 anos, o equivalente actuarial da pensão no montante anual de 1 431,29 euros calculada pelo INASTI elevar‑se‑ia a 8 139,33 euros e a bonificação de antiguidade a tomar em conta no regime comunitário seria de um ano e dezanove dias. Por outro lado, a Comissão informava‑o de que, nos termos do artigo 11.º da Lei de 1991, ficaria sub‑rogada nos seus direitos à pensão adquiridos na Bélgica a partir da liquidação da sua pensão comunitária.

12      Em 26 de Agosto de 2002, o mesmo serviço enviou ao recorrente uma nota semelhante relativa aos direitos à pensão que tinha adquirido como trabalhador assalariado, informando‑o de que, aos 65 anos, o equivalente actuarial da pensão no montante anual de 1 952,48 euros calculada pela ONP se elevaria a 11 102,79 euros e que a correspondente bonificação de antiguidade no regime comunitário seria de um ano, cinco meses e cinco dias.

13      Estas notas informavam o recorrente de que, a partir da recepção do seu acordo sobre as propostas nelas contidas, o seu pedido de transferência deixava de poder ser revogado. As referidas notas precisavam, porém, que o pedido podia ser excepcionalmente revogado em caso de cessação de funções junto da Comissão antes de estarem reunidos os requisitos necessários para beneficiar de uma pensão comunitária, nos termos do artigo 77.º do Estatuto.

14      Em 17 de Julho e 29 de Agosto de 2002, o recorrente deu o seu acordo às propostas de 11 de Junho e de 26 de Agosto de 2002 da Comissão.

15      Tal como se indica no n.º 6 supra, a Lei de 2003 alterou as condições de transferência para as Comunidades dos direitos adquiridos nos regimes de pensões belgas para os pedidos apresentados a partir de 1 de Janeiro de 2002.

16      O recorrente tomou conhecimento, pouco antes de Outubro de 2004, de que uma pessoa sua conhecida, que tinha entrado ao serviço da Comissão em 2003 e que tinha pedido, como ele, durante a vigência do Estatuto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, a transferência para o regime comunitário dos seus direitos à pensão adquiridos no regime belga dos trabalhadores assalariados, tinha obtido a transferência pela Bélgica de um capital, correspondente a anos de inscrição e a uma remuneração semelhantes aos seus, que tinha dado origem a uma bonificação de anuidades suplementar no regime comunitário muito superior àquela a que ele tinha tido direito.

17      Em 31 de Outubro de 2004, o recorrente apresentou à Comissão, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, do Estatuto, um requerimento em que pedia que esta:

–        decidisse autorizá‑lo, como previsto no artigo 9.º da Lei de 1991, a retirar o pedido, que tinha apresentado em 13 de Julho de 2001, com base nesta lei, de transferência para o regime comunitário dos direitos à pensão que tinha adquirido nos regimes de pensões belgas dos trabalhadores independentes e dos trabalhadores assalariados;

–        decidisse autorizá‑lo, como previsto no artigo 4.º, n.º 1, da Lei de 2003, a pedir a transferência dos seus direitos à pensão nos termos desta.

18      Em 2 de Fevereiro de 2005, o recorrente foi notificado de uma decisão de 25 de Janeiro de 2005 tomada pelo chefe da unidade «Pensões», que indeferiu o seu requerimento de 31 de Outubro de 2004 (a seguir «decisão controvertida»), nos termos seguintes:

19      «[…] Pretende […] ser autorizado, em primeiro lugar, a retirar o pedido, apresentado nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII [do Estatuto], de transferência dos seus direitos à pensão adquiridos nos regimes belgas INASTI e ONP, já executado por estes regimes nos termos das disposições da Lei [de] 1991 e, em segundo lugar, a apresentar um novo pedido a executar pelos referidos regimes nos termos das disposições da Lei [de] 2003.

20      Ora, as propostas que lhe foram enviadas pela administração da Comissão, em 11 de Junho de 2002 e em 26 de Agosto de 2002, na sequência da notificação pelo INASTI e pelo ONP do montante da pensão transferível, estipulavam claramente que a transferência se tornava irrevogável a partir da recepção pelo respectivo serviço do seu acordo sobre as referidas propostas. Na sequência da sua aceitação, foi realizada a transferência dos seus direitos e os processos ONP e INASTI foram definitivamente encerrados pela [autoridade investida do poder de nomeação].

21      Embora a Lei [de] 1991 preveja a possibilidade de ‘retirar o pedido de transferência mediante acordo da [i]nstituição’ (artigo 9.º da Lei [de] 1991), na prática esta possibilidade só estava prevista, ao nível das [i]nstituições, em casos excepcionais, aliás indicados na carta contendo a proposta feita ao interessado: ‘O pedido pode ser revogado, excepcionalmente, em caso de cessação de funções do interessado, antes de estarem reunidos os requisitos necessários para beneficiar de uma pensão comunitária, nos termos do artigo 77.º do Estatuto’. Não estamos aqui de modo algum perante uma possibilidade de retirada do pedido mas sim de revogação da operação, num caso muito especial.

22      Além disso, no seu acórdão de 9 de Novembro de 1989, nos processos apensos 75/88, 146/88 e 147/88, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias estabeleceu claramente a distinção entre duas ordens jurídicas diferentes em que se inscrevem, respectivamente, as decisões relativas, por um lado, ao cálculo do montante transferível e, por outro, à conversão deste activo em anuidades, estando cada uma delas sujeita aos controlos jurisdicionais específicos dessas ordens jurídicas. Daqui resulta que uma possibilidade teórica de retirada do pedido de transferência prevista pela lei belga não produz efeitos se não for prevista pela regulamentação comunitária. É o que sucede neste caso.

23      Nestas condições, é‑me impossível autorizá‑lo a retirar o pedido já tratado e a apresentar novo pedido relativamente a uma transferência que foi devidamente concluída.»

24      Em 22 de Abril de 2005, o recorrente, por intermédio do seu mandatário, apresentou à Comissão uma reclamação nos termos do artigo 90.º, n.º 2, do Estatuto, contra a decisão controvertida.

25      Em 10 de Junho de 2005, o Director‑Geral da DG da Administração e do Pessoal adoptou, na sua qualidade de Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN»), uma decisão «em resposta aos pedidos e reclamações de vários funcionários relativos à transferência dos direitos à pensão do regime belga para o regime comunitário», notificada ao recorrente por correio electrónico e por fax em 14 de Junho de 2005 (a seguir «decisão de 10 de Junho de 2005»).

 Tramitação processual e pedidos das partes

26      O presente recurso foi inicialmente registado na secretaria do Tribunal de Primeira Instância sob o número T‑361/05.

27      Por despacho de 15 de Dezembro de 2005, o Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, da Decisão 2004/752/CE, Euratom do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), remeteu o presente processo para este Tribunal. O recurso foi registado na secretaria deste último sob o número F‑92/05.

28      Par requerimento entrado na secretaria deste Tribunal em 8 de Maio de 2006, o Reino da Bélgica apresentou um pedido de intervenção no presente processo em apoio dos pedidos da recorrida. Nos temos dos artigos 115.º, n.º 1, e 116.º, n.º 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal, por força do artigo 3.º, n.º 4, da Decisão 2004/752 até à entrada em vigor do Regulamento de Processo deste último, o presidente da Primeira Secção deste Tribunal admitiu esta intervenção na audiência, por despacho de 29 de Junho de 2006. O relatório para audiência foi comunicado ao Reino da Bélgica.

29      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, este Tribunal pediu à Comissão que lhe transmitisse as Disposições Gerais de Execução (a seguir «DGE») do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, em vigor à data da transferência dos direitos à pensão do recorrente e as actualmente em vigor, adoptadas pela instituição, respectivamente, em 1993 e em 2004, e pediu às partes e ao interveniente que respondessem a questões escritas. Estes pedidos foram satisfeitos.

30      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão controvertida;

–        anular a decisão de 10 de Junho de 2005;

–        condenar a recorrida nas despesas.

31      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        decidir sobre as despesas nos termos legais.

32      O Reino da Bélgica, em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade da petição inicial

 Argumentos das partes

33      A Comissão suscita uma questão prévia de inadmissibilidade, assente na extemporaneidade da petição inicial, à luz do prazo previsto no artigo 91.º, n.º 3, do Estatuto. Alega que o recorrente errou ao considerar que os prazos de interposição de recurso da decisão de 10 de Junho de 2005 só começaram a correr em 18 de Agosto de 2005, data em que a AIPN se limitou a confirmar‑lhe, por carta, o indeferimento da sua reclamação. Consequentemente, o recurso foi interposto extemporaneamente e deve ser julgado inadmissível.

 Apreciação do Tribunal

34      Em 22 de Abril de 2005, o recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão controvertida. A AIPN indeferiu esta reclamação por decisão de 10 de Junho de 2005, que foi notificada ao interessado por correio electrónico e por fax, no dia 14 de Junho seguinte. Na sua carta de 18 de Agosto de 2005, a AIPN confirmou apenas que tinha respondido – «em [sua] opinião, de modo completo» – na decisão de 10 de Junho de 2005 à reclamação do recorrente. Consequentemente, a Comissão observa, com razão, que o prazo de três meses para interposição do recurso contencioso, durante o qual se admitia a interposição de recurso da decisão de 25 de Janeiro de 2005, nos termos do artigo 91.º, n.º 3, do Estatuto, começou a correr na data da notificação do indeferimento da reclamação, ou seja, em 14 de Junho de 2005.

35      O prazo de três meses expirou portanto em 14 de Setembro de 2005. Tendo em conta, porém, o prazo de dilação suplementar, previsto no artigo 102.º, n.º 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que é de dez dias, o prazo de recurso, no presente caso, expirou em 24 de Setembro seguinte, à meia‑noite.

36      Todavia, o artigo 101.º, n.º 2, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento dispõe que, «[s]e o prazo terminar num sábado, domingo ou dia feriado, o seu termo transfere‑se para o fim do dia útil seguinte». Ora, o dia 24 de Setembro de 2005 foi num sábado. Nos termos das disposições anteriores, o prazo de recurso foi assim prolongado, no presente caso, até à segunda‑feira 26 de Setembro de 2005, inclusive.

37      Consequentemente, o presente recurso, com data de 26 de Setembro de 2005 e enviado por fax nesse mesmo dia para a secretaria do Tribunal de Primeira Instância, foi interposto dentro do prazo de recurso contencioso. Daqui decorre que a questão prévia de inadmissibilidade deve ser afastada.

 Quanto ao pedido de anulação da decisão de 10 de Junho de 2005

38      Segundo jurisprudência assente, os pedidos dirigidos contra o indeferimento de uma reclamação têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal o acto contra o qual foi apresentada a reclamação e são, como tais, desprovidos de conteúdo autónomo (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1989, Vainker/Parlamento, 293/87, Colect., p. 23, n.º 8). Há assim que considerar que os pedidos acima referidos, apresentados contra o indeferimento da reclamação de 10 de Junho de 2005, têm apenas por objecto um pedido de anulação da decisão controvertida (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Março de 2004, Theodorakis/Conselho, T‑310/02, ColectFP, p. I‑A‑95 e II‑427, n.º 19).

 Quanto ao pedido relativo à decisão controvertida, na medida em que não autoriza o recorrente a retirar o seu pedido de transferência para o regime comunitário dos seus direitos à pensão adquiridos nos regimes de pensões belgas de trabalhadores independentes e de trabalhadores assalariados

 1. Quanto à interpretação do pedido

–       Argumentos das partes

39      A Comissão considera que o recorrente contesta, na realidade, as decisões de 11 de Junho e de 26 de Agosto de 2002, pelas quais fixou o número de anuidades que seriam tomadas em conta no regime comunitário, a título de direitos à pensão adquiridos pelo interessado, respectivamente, nos regimes belgas dos trabalhadores independentes e dos trabalhadores assalariados.

40      O recorrente sustenta que embora pretenda efectivamente que a Comissão revogue as suas decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, substituindo‑as por novas decisões, o objecto do seu pedido não é a revogação destas decisões, mas sim que a Comissão o autorize a retirar o seu pedido de transferência dos seus direitos à pensão adquiridos nos regimes belgas, apresentado em 2001.

41      As decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 manter‑se‑iam inalteradas, mesmo no caso de a Comissão acolher o seu pedido, e só mediante a verificação de uma série de condições suplementares é que a Comissão seria levada a alterar tais decisões. Tal resultado só poderia ser obtido, com efeito, se as autoridades belgas, eventualmente na sequência de um recurso para os órgãos jurisdicionais belgas, em primeiro lugar, aceitassem a retirada do pedido de transferência apresentado pelo recorrente em 13 de Julho de 2001, nos termos da Lei de 1991, em segundo lugar, aceitassem a apresentação de um novo pedido de transferência do recorrente nos termos da Lei de 2003 e, por fim, adoptassem novas decisões quanto aos montantes a transferir para o regime de pensões comunitário, que a Comissão deveria ter conta, por força do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento de 22 de Março de 2004, para alterar as suas decisões relativas ao número de anuidades suplementares a reconhecer ao recorrente no regime comunitário.

–       Apreciação do Tribunal

42      A questão colocada pela interpretação do pedido acima referido é a de saber se o pedido do recorrente relativo à autorização para retirar o seu pedido de transferência dos seus direitos à pensão é distinto de um pedido de revogação das decisões que estabelecem o número de anos tomados em conta no regime de pensões comunitário pelos direitos à pensão anteriormente adquiridos.

43      Há que recordar, antes de mais, os requisitos que devem estar preenchidos para obter a transferência de direitos à pensão para o regime de pensões comunitário.

44      Resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1981, Comissão/Bélgica (137/80, Recueil, p. 2393, n.º 13) que a faculdade concedida ao funcionário pelo artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, de transferir para o regime de pensões comunitário, no momento da sua titularização, o equivalente actuarial ou o montante fixo de resgate dos direitos à pensão que adquiriu no exercício de funções anteriores junto de uma administração, de uma organização nacional ou internacional ou de uma empresa, tem por objecto conferir‑lhe um direito cujo exercício depende exclusivamente da sua própria vontade.

45      Quando o pedido apresentado nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na versão que resulta deste regulamento, preenche os requisitos nele previstos, o organismo que gere o regime de pensões junto do qual o funcionário adquiriu anteriormente os seus direitos à pensão e, em seguida, a instituição comunitária, são sucessivamente obrigados, quanto ao primeiro, a calcular os direitos adquiridos e, quanto à segunda, a fixar, tendo em conta estes direitos, o número de anos que toma em consideração no regime de pensões comunitário a título do período de serviço anterior.

46      A transferência de direitos à pensão analisa‑se, assim, como uma operação que comporta sucessivamente duas decisões unilaterais, tomadas, a pedido do interessado e numa situação de competência vinculada, por um lado, pelo organismo que gere o regime de pensões nacional e, por outro, pela instituição comunitária.

47      Por conseguinte, os requisitos segundo os quais é possível anular a transferência dos direitos à pensão adquiridos nos regimes belgas em questão correspondem àqueles em que pode ser obtida a retirada das decisões acima referidas que constituem a operação.

48      A Lei de 1991, na vigência da qual o recorrente apresentou, em 13 de Julho de 2001, um pedido de transferência dos seus direitos à pensão adquiridos nos regimes belgas, prevê um mecanismo de sub‑rogação da instituição comunitária nos direitos à pensão adquiridos na Bélgica, a partir da data de disponibilização do direito à pensão comunitário. Dispõe no seu artigo 9.º que «[e]nquanto a sub‑rogação prevista no artigo 11.º não se tornar efectiva, o funcionário pode, mediante acordo da instituição, retirar o seu pedido de transferência. Esta retirada é definitiva.»

49      A formulação das referidas disposições da Lei de 1991 permite explicar que o recorrente tenha apresentado um pedido à Comissão no sentido de ser autorizado a retirar o seu pedido de transferência. Dado que estas disposições prevêem que, até a sub‑rogação se tornar efectiva, é possível, a pedido do interessado, retirar as decisões tomadas pelos organismos gestores dos regimes de pensões belgas com vista à transferência, a transferência dos direitos é totalmente anulada se a decisão da instituição que fixa a bonificação correspondente em anos no regime comunitário for também retirada. Por conseguinte, o «acordo da instituição» visado pelas disposições acima referidas da Lei de 1991 só pode referir‑se à revogação da decisão tomada pela instituição por ocasião da transferência dos direitos à pensão.

50      Daqui resulta que, tal como a Comissão sustenta, o pedido acima referido deve ser interpretado no sentido de que visa a anulação da recusa da Comissão de retirar as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, que tinha tomado por ocasião da transferência para o regime comunitário dos direitos à pensão adquiridos pelo interessado em dois regimes de pensões belgas.

 2. Quanto à admissibilidade do pedido

–       Argumentos das partes

51      A Comissão alega que as suas decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 são definitivas e já não podem, portanto, ser colocadas em causa.

52      Na sua opinião, o recorrente sustenta sem razão que estas duas decisões são provisórias, uma vez que, por força do artigo 11, n.º 1, da Lei de 1991, a bonificação definitivamente adoptada pela instituição para o cálculo da sua pensão é calculada em função da idade no início do gozo da pensão e do índice de preços no consumidor nessa data. As decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 são efectivamente definitivas, uma vez que registam o acordo do recorrente quanto às propostas da Comissão relativas à transferência dos seus direitos à pensão e quanto aos elementos de cálculo a elas anexos. O facto de a bonificação a tomar em consideração para o cálculo efectivo da sua pensão só poder, manifestamente, ser fixada na idade em que, na prática, o interessado se reforma, não é relevante a este respeito.

53      Tendo o recorrente manifestado expressamente o seu acordo quanto às propostas da Comissão, este acordo conferiu‑lhes, segundo a Comissão, carácter definitivo.

54      Só a verificação de um facto novo e substancial é susceptível de permitir que se coloque em causa uma decisão definitiva, desde que esse facto novo seja invocado dentro de um prazo razoável. Ora, ainda que se admita que a entrada em vigor da Lei de 2003, que foi publicada no Moniteur belge em 27 de Março de 2003, possa ser considerada um facto novo na acepção adoptada pela jurisprudência, o pedido do recorrente, datado de 31 de Outubro de 2004, foi apresentado muito depois de ter expirado esse prazo razoável. No que respeita à observação, de natureza subjectiva, feita pelo recorrente quanto às diferenças de tratamento entre funcionários decorrentes da entrada em vigor da Lei de 2003, essa situação não pode constituir um facto novo diferente da entrada em vigor da referida lei.

–       Apreciação do Tribunal

55      Resulta do que foi exposto nos n.os 45 a 47 supra que as cartas de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 não podem ser analisadas no sentido de que constituem propostas de acordo ou de contrato dirigidas pela Comissão ao recorrente. Constituem projectos de decisões unilaterais, elaborados pela Comissão, numa situação de competência vinculada, a pedido do funcionário, que só se transformam materialmente em decisões da instituição e só entram em vigor após a confirmação por parte do interessado dos seus pedidos de transferência. No caso em apreço, o recorrente confirmou os seus pedidos em 17 de Julho e 29 de Agosto de 2002. As modalidades atípicas de elaboração e entrada em vigor destes actos, sujeitas ao acordo do interessado, não afectam o seu carácter unilateral. Tratando‑se de decisões unilaterais, o seu carácter definitivo não resulta do acordo expresso do recorrente que não pode, por conseguinte, ser validamente oposto a este último. Não foi o acordo dado pelo recorrente às propostas da Comissão que conferiu carácter definitivo às decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002.

56      As decisões unilaterais das instituições respeitantes aos funcionários tornam‑se definitivas e escapam assim à impugnação jurisdicional pelo decurso dos prazos de reclamação e de recurso previstos nos artigos 90.º e 91.º do estatuto. Ora, o recorrente só questionou as decisões de 11 de Junho e de 26 de Agosto de 2002 através de um pedido dirigido à Comissão em 31 de Outubro de 2004, depois de esgotados aqueles prazos.

57      O recorrente não pode alegar validamente que estas decisões que, é certo, não estabelecem todos os elementos que permitem proceder ao cálculo definitivo da bonificação dos seus direitos à pensão, são apenas indicativas ou provisórias e que o decurso dos prazos de recurso não pôde, consequentemente, torná‑las definitivas. Na realidade, tinham, efectivamente, por objecto e como efeito determinar as modalidades de tomada em conta, no regime de pensões comunitário, dos direitos adquiridos na Bélgica pelo recorrente, tendo em conta os elementos já conhecidos.

58      Resulta do que precede que as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, na medida dos elementos por elas fixados, se tornaram definitivas após o decurso dos prazos dos recursos que podiam ser interpostos contra as mesmas.

59      Ora, segundo a jurisprudência comunitária, os prazos previstos pelos artigos 90.º e 91.º do estatuto, destinando‑se a garantir a segurança das situações jurídicas, são de ordem pública e são impostos às partes e aos juízes. Consequentemente, um funcionário não pode, através da apresentação à AIPN de um pedido nos termos do artigo 90.º, n.º 1, do estatuto, fazer renascer a seu favor um direito de recurso contra uma decisão que se tornou definitiva após o decurso dos prazos de recurso (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Setembro de 1994, Carrer e o./Tribunal de Justiça, T‑495/93, ColectFP, p. I‑A‑201 e II‑651, n.º 20, e de 14 de Julho de 1998, Lebedef/Comissão, T‑42/97, ColectFP, p. I‑A‑371 e II‑1071, n.º 25).

60      Porém, a existência de um facto novo e substancial pode justificar a apresentação de um pedido destinado ao reexame de tal decisão (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1985, Valentini/Comissão, 231/84, Recueil, p. 3027, n.º 14).

61      Segundo as exigências da jurisprudência, o facto em questão deve ser susceptível de alterar de modo essencial a situação daquele que pretender obter o reexame de uma decisão que se tornou definitiva (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1986, Becker/Comissão, 232/85, Colect., p. 3401, n.º 10; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2001, Inpesca/Comissão, T‑186/98, Colect., p. II‑557, n.º 51).

62      Além disso, para poder invocar utilmente um facto novo e substancial, cabe ao funcionário apresentar o seu pedido administrativo dentro de um prazo razoável. O interesse do funcionário em pedir a adaptação da sua situação administrativa a uma nova regulamentação deve, com efeito, ser ponderado face ao imperativo da segurança jurídica (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1998, Koopman/Comissão, T‑202/97, ColectFP, p. I‑A‑163 e II‑511, n.º 24; v. também, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, Colect., p. II‑813, n.º 52).

63      É assim conveniente, em primeiro lugar, examinar se os elementos invocados pelo recorrente em apoio do seu pedido constituem um facto novo substancial que justifique o reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 e, em segundo lugar, apreciar se o pedido de reexame das referidas decisões foi apresentado dentro de um prazo razoável.

 Quanto à existência de um facto novo substancial

64      No caso em apreço, a entrada em vigor retroactiva, a 1 de Janeiro de 2002, da Lei de 2003 perturbou as condições da transferência para o regime das Comunidades Europeias dos direitos à pensão adquiridos nos regimes de pensões belgas.

65      A Lei de 1991, aplicável aos pedidos de transferência apresentados até 31 de Dezembro de 2001, assentava num mecanismo de sub‑rogação da instituição nos direitos à pensão adquiridos pelo interessado nos regimes de pensões belgas, sub‑rogação essa que só se tornava efectiva a partir da liquidação da pensão do interessado. Esta sub‑rogação não implicava o pagamento ao regime de pensões comunitário de um capital representativo dos direitos à pensão anteriormente adquiridos pelo funcionário na Bélgica. No momento em que o funcionário iniciasse do gozo da pensão comunitária, os direitos à pensão por ele adquiridos na Bélgica eram pagos às Comunidades, em mensalidades, pelos organismos belgas competentes, tal como seriam pagos ao beneficiário se não tivesse havido sub‑rogação.

66      A Lei de 2003 instituiu um mecanismo de transferência completamente diferente. Em primeiro lugar, a transferência dos direitos à pensão adquiridos na Bélgica passou a ser imediatamente concretizada através do pagamento de um capital ao regime comunitário. Seguidamente, a lei de 2003 substitui o mecanismo sui generis da sub‑rogação, específico da Bélgica, por um mecanismo de transferência que obedece às disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, a saber, a transferência de um montante fixo de resgate. Por fim, o modo de cálculo dos direitos transferidos é alterado. Com efeito, enquanto a sub‑rogação se baseia no cálculo do equivalente actuarial do montante dos direitos à pensão, a transferência do montante fixo de resgate consiste no pagamento ao regime de pensões comunitário das contribuições pagas aos regimes de pensões belgas, acrescidas de juros compostos.

67      Neste contexto, as partes reconhecem que a alteração introduzida na legislação belga implica genericamente um aumento do montante dos direitos à pensão a transferir relativamente a uma determinada pessoa, em comparação com o montante resultante de um cálculo feito nos termos da Lei de 1991. O Governo belga referiu, é certo, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, situações específicas em que as condições fixadas pela Lei de 2003 seriam menos favoráveis do que as previstas pela Lei de 1991. Mas estas reservas não bastam para colocar em causa o carácter mais vantajoso da nova legislação belga num grande número de casos, especialmente no do recorrente. Este sustentou na audiência, sem que tal fosse contestado, que o montante dos seus direitos transferíveis adquiridos na Bélgica teria um aumento de cerca de 300% no caso de ser feita uma nova transferência nas condições da Lei de 2003.

68      Ora, se a Lei de 2003 perturbou as condições de transferência dos direitos à pensão adquiridos na Bélgica para o regime comunitário, o Governo belga sustentou, porém, nas suas respostas escritas às questões do Tribunal, que esta lei, que só é aplicável aos pedidos de transferência apresentados a partir de 1 de Janeiro de 2002, não alterou de modo algum a situação jurídica dos funcionários e agentes comunitários que, tal como o recorrente, pediram a transferência dos seus direitos antes desta data e que, como tal, a referida lei não podia ser considerada um facto novo que tais funcionários e agentes pudessem invocar em seu favor.

69      Porém, resulta da jurisprudência, em especial dos acórdãos de 6 de Outubro de 1982, Williams/Tribunal de Contas (9/81, Recueil, p. 3301, n.º 14) e de 11 de Janeiro de 2001, Gevaert/Comissão (C‑389/98 P, Colect., p. I‑65, n.º 49), proferidos pelo Tribunal de Justiça relativamente a decisões gerais que alteraram as regras de classificação do pessoal, que a adopção de uma nova regulamentação constitui um facto novo substancial, mesmo para funcionários que não eram abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, se esta regulamentação conduzir a desigualdades de tratamento injustificadas entre aqueles e os seus beneficiários.

70      Ora, um facto novo deste tipo decorre, para o recorrente, da entrada em vigor sucessiva de Lei de 2003 e do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto.

71      Ao abrigo das medidas transitórias previstas no Estatuto, o artigo 26.º, n.º 3, do seu Anexo XIII concedeu a faculdade de apresentar, dentro de um prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do Estatuto, um pedido de transferência ou um novo pedido de transferência a três categorias de funcionários: os funcionários que tinham apresentado pedidos de transferência dentro dos prazos anteriormente previstos mas que tinham recusado a proposta que lhes tinha sido feita, os funcionários que não tinham apresentado pedidos de transferência dentro dos prazos anteriormente previstos e aqueles cujos pedidos tinham sido recusados por terem sido apresentados após o decurso desses prazos.

72      Estas disposições permitem que funcionários, que só poderiam ter beneficiado das condições da Lei de 1991 se tivessem obtido, em conformidade com o artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, a transferência dos seus direitos no momento da sua titularização, beneficiem das condições mais vantajosas da Lei de 2003. São assim tratados, distintamente, no que respeita aos requisitos de transferência dos seus direitos à pensão, funcionários que adquiriram direitos à pensão na Bélgica e que entraram ao serviço das Comunidades no mesmo momento, por uns terem obtido a transferência dos seus direitos à pensão e outros não.

73      Ora, em primeiro lugar, a situação do recorrente não se distingue substancialmente, a este respeito, da dos funcionários visados no artigo 26.º, n.º 3, do Anexo VIII do Estatuto. Com efeito, embora tenha sido aplicado ao recorrente o mecanismo de sub‑rogação previsto na Lei de 1991, o recorrente não obteve, como sucedeu com as três categorias de funcionários acima referidas, a transferência dos seus direitos à pensão nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, não tendo sido aplicada qualquer das modalidades precisamente adoptadas por esta disposição.

74      Tanto na redacção actualmente em vigor como na redacção anterior, estas disposições conferem ao funcionário o direito de obter o pagamento ao regime comunitário do capital representativo dos direitos à pensão que adquiriu anteriormente noutros regimes de reforma. Ora, como se indicou no n.º 66 supra, o mecanismo de sub‑rogação instituído pela Lei de 1991 não previa o pagamento do referido capital. Foi a Lei de 2003 que, pela primeira vez, permitiu que os funcionários que tinham adquirido direitos à pensão na Bélgica exercessem o direito que lhes é reconhecido pelo Estatuto, nas condições do artigo 11, n.º 2, do Anexo VIII do mesmo, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que lhe foi dada por este regulamento.

75      Assim, no momento em que pediu a transferência dos seus direitos à pensão, só tinha sido reconhecida ao recorrente, nos termos da Lei de 1991 então aplicável, a sub‑rogação da Comissão nos seus direitos adquiridos na Bélgica. O próprio conteúdo das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 indica que a Comissão aplicou ao seu pedido de transferência o mecanismo da sub‑rogação adoptado pela Lei de 1991, e não as modalidades de transferência do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004.

76      Ora, resulta claramente dos próprios termos do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto que estas disposições foram adoptadas precisamente para permitir aos funcionários que ainda não tivessem obtido a transferência dos seus direitos à pensão nas condições previstas pelo artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, que pedissem para beneficiar das novas disposições correspondentes. Consequentemente, tendo em conta o objectivo prosseguido pelo artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto, o recorrente encontra‑se numa situação comparável à das três categorias de funcionários visadas por este artigo.

77      Uma vez que o recorrente não pôde beneficiar do direito previsto no Estatuto nas condições enunciadas no artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do mesmo, pode levantar‑se a questão de saber se não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto. Uma interpretação do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto que exclua o recorrente do seu âmbito de aplicação é, com efeito, susceptível de criar, relativamente à transferência dos direitos à pensão adquiridos na Bélgica, uma diferença de tratamento não justificada face ao artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto.

78      Em segundo lugar, esta diferença de tratamento dificilmente se pode justificar, em especial porque, nos termos da terceira situação do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto, a transferência dos direitos à pensão não pôde ser obtida devido à intempestividade do pedido, ou seja, devido à negligência do requerente. Tal como o representante da Comissão reconheceu na audiência, um funcionário titularizado no mesmo dia que o recorrente e que, sendo menos diligente do que este, tivesse apresentado fora de prazo o seu pedido de transferência com base na Lei de 1991, beneficiaria, ao contrário do recorrente, de uma nova possibilidade de transferência segundo as modalidades mais vantajosas da Lei de 2003. De igual modo, o artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto tem por objecto e como efeito permitir que os funcionários aos quais tenha sido definitivamente recusada a transferência nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 (v., quanto a este aspecto, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 2000, Drabbe/Comissão, T‑27/99, ColectFP, p. I‑A‑213 e II‑955), apresentem um novo pedido baseado nas disposições alteradas do referido artigo 11.º, n.º 2, ao passo que o processo do recorrente nunca foi, até à data, instruído com base nas modalidade previstas no artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na redacção anterior como na posterior a 1 de Maio de 2004.

79      Em terceiro lugar, dificilmente se pode considerar que a opção, tomada no momento da titularização dos funcionários em causa, de apresentar ou não um pedido de transferência justifica uma diferença de tratamento posterior e, consequentemente, imprevisível à data dessa opção.

80      Com efeito, o artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto alterou duplamente a situação dos funcionários que tinham optado por não pedir a transferência ou por não confirmar o seu pedido, pondo em causa as consequências de tais opções. Por um lado, o referido artigo permite que estes últimos funcionários alterem uma opção, tomada no momento da sua titularização, cujo carácter definitivo resultava do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 (v. acórdão Drabbe/Comissão, já referido). Por outro lado, o artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto reserva expressamente para estes mesmos funcionários a possibilidade de obter a transferência dos seus direitos à pensão adquiridos na Bélgica nas condições mais favoráveis da Lei de 2003.

81      Assim, ao alterar de modo substancial as consequências jurídicas de uma das duas opções colocadas à disposição do funcionário pelo artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, no momento da sua titularização, a saber, a de não beneficiar de uma transferência, as disposições conjuntas da Lei de 2003 e do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto alteraram necessariamente as próprias condições dessa escolha.

82      Além disso, esta alteração produziu efeitos retroactivos e, consequentemente, imprevisíveis para os funcionários que tivessem anteriormente optado por pedir a transferência dos seus direitos à pensão. Assim, na data em que optou por pedir a transferência dos seus direitos à pensão, o recorrente não podia saber que posteriores disposições estatutárias iriam alterar o carácter definitivo da não realização da transferência nem, a fortiori, que permitiriam que os funcionários que não tivessem transferido os seus direitos à pensão adquiridos na Bélgica pudessem obter essa transferência em condições mais vantajosas.

83      Ora, os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima enunciados pelo juiz comunitário exigem que a legislação comunitária seja certa e que a sua aplicação seja previsível para os sujeitos de direito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C‑63/93, Colect., p. I‑569, n.º 20, e de 18 de Maio de 2000, Rombi e Arkopharma, C‑107/97, Colect., p. I‑3367, n.º 66; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1999, Partex/Comissão, T‑182/96, Colect., p. II‑2673, n.º 191). Estes princípios opõem‑se a que uma legislação não confira um direito mais favorável a um funcionário, baseando‑se para isso numa opção cujas consequências não eram previsíveis no momento em que foi tomada.

84      As considerações expostas nos cinco parágrafos anteriores podem suscitar, à luz do princípio da confiança legítima, dúvidas sobre a legalidade da diferença de tratamento que resulta do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto, entre o recorrente e as categorias de funcionários visadas por esta disposição.

85      Resulta de tudo o que precede que a sucessiva entrada em vigor da Lei de 2003 e do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto alterou a situação jurídica do recorrente relativamente à transferência dos seus direitos à pensão adquiridos na Bélgica e constitui, assim, um facto novo substancial, que justifica o reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002.

86      Aliás, na sua comunicação ao pessoal publicada no n.º 357 da «Commission en direct», da semana de 11 a 17 de Março de 2005, a própria Comissão tinha considerado a hipótese de, no seguimento da entrada em vigor da Lei de 2003, as autoridades belgas decidirem rever o cálculo do montante dos direitos à pensão dos funcionários que tivessem pedido a transferência desses direitos no âmbito da Lei de 1991 e tinha indicado que, nesse caso, todos os processos seriam automaticamente revistos.

 Quanto à razoabilidade do prazo

87      A recorrida alega que o pedido de reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 não foi apresentado num prazo razoável, a contar da publicação da Lei de 2003.

88      Porém, já foi anteriormente referido que o facto novo substancial que justifica um pedido de reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 resultou da sucessiva entrada em vigor da Lei de 2003 e do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto. Consequentemente, o prazo razoável durante o qual o recorrente podia invocar o referido facto novo só começou a correr a partir da entrada em vigor do Estatuto, ou seja, em 1 de Maio de 2004.

89      Há no entanto que analisar se, ao apresentar, em 31 de Outubro de 2004, o seu pedido de reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, ou seja, exactamente seis meses após a entrada em vigor do Estatuto, o recorrente não ultrapassou o prazo razoavelmente necessário para preparar o seu pedido e o apresentar à AIPN.

90      A diligência do recorrente deve ser apreciada a partir do momento em que podia ter um conhecimento exacto do novo facto que invoca. A este respeito, há que reconhecer que a vantagem que resulta para os funcionários do sistema de montante fixo de resgate, introduzido pela Lei de 2003, comparado com o sistema de sub‑rogação introduzido pela Lei de 1991, não resulta de modo claro do próprio texto da Lei de 2003. Aliás, como a Comissão admitiu na comunicação ao pessoal acima referida, a alteração da legislação belga só leva «genericamente» a um aumento do montante dos direitos à pensão transferível relativamente a uma determinada pessoa. Ora, a complexidade das regras de cálculo dos direitos à pensão transferidos dificilmente permite que um funcionário determine por si só se a sua situação jurídica é ou não favoravelmente afectada pela nova legislação belga. O recorrente sustenta, a este respeito, sem que o contradigam verdadeiramente, que só teve a certeza da vantagem comparativa do sistema de montante fixo de resgate no final de uma sucessão de acontecimentos, que incluiu a comparação entre a bonificação de anuidades que lhe tinha sido reconhecida com base na Lei de 1991 e a que foi reconhecida a um dos seus colegas com base na Lei de 2003, o pedido de informação apresentado por iniciativa do recorrente à Union syndicale sobre os motivos e a legalidade desta diferença de tratamento e um estudo jurídico sobre esta questão encomendado pela Union syndicale a um dos seus consultores e transmitido a esta última em 20 de Outubro de 2004.

91      Há sobretudo que observar que o recorrente apresentou o seu pedido de reexame das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 em 31 de Outubro de 2004, ou seja, dentro do prazo de seis meses que, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do Anexo XIII do Estatuto, o legislador conferiu aos funcionários que não tivessem obtido a transferência dos seus direitos à pensão para apresentarem o respectivo pedido. Tendo apresentado o seu pedido dentro do prazo concedido por este artigo aos funcionários relativamente aos quais considera ter sido discriminado, não pode consequentemente entender‑se que invocou em apoio do seu pedido, o direito do referido artigo, fora de um prazo razoável.

92      Resulta de todas as considerações anteriores que o pedido de revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, dirigido à Comissão em 31 de Outubro de 2004, se justificava devido a um facto novo substancial e que foi apresentado dentro de um prazo razoável a partir do momento em que o recorrente teve um conhecimento exacto do mesmo.

93      Por conseguinte, o pedido de anulação da recusa da Comissão de reexaminar estas decisões definitivas é admissível.

 3. Quanto ao mérito

94      O recorrente invoca sete fundamentos de anulação:

–        o primeiro fundamento é relativo ao erro de direito de que enferma a fundamentação da decisão controvertida, segundo a qual a irrevocabilidade da transferência resulta do acordo do próprio interessado;

–        o segundo fundamento é relativo ao erro de direito de que enferma a fundamentação da decisão controvertida segundo a qual a transferência dos direitos à pensão é irrevogável por ter sido executada e por os processos INASTI e ONP do recorrente terem sido definitivamente encerrados;

–        o terceiro fundamento é relativo ao erro de direito de que enferma a fundamentação da decisão controvertida segundo a qual a transferência dos direitos à pensão não pode ser anulada, por não existir uma disposição de direito comunitário que o permita;

–        o quarto fundamento é relativo ao facto de a decisão controvertida violar o direito do recorrente de contestar perante os órgãos jurisdicionais belgas a conformidade com o direito comunitário das decisões das autoridades belgas que lhe aplicaram a Lei de 1991 e violar, consequentemente, o princípio do direito a uma tutela jurisdicional efectiva;

–        o quinto fundamento é relativo ao facto de a decisão controvertida violar o dever de assistência previsto no artigo 24.º do Estatuto e que, segundo o recorrente, devia ter sido oficiosamente assumido pela Comissão, no caso em apreço;

–        os sexto e sétimo fundamentos são relativos à incompatibilidade da Lei de 1991 com o direito comunitário, a saber, por um lado, com o artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 e, por outro, com o princípio da igualdade de tratamento.

95      Resulta da resposta à reclamação que na base da decisão impugnada estão dois fundamentos jurídicos: por um lado, a irrevogabilidade da transferência dos direitos à pensão do recorrente resultante do acordo expresso que este tinha dado às propostas da Comissão e, por outro, a inexistência de uma disposição de direito comunitário que permitisse a esta última revogar a referida transferência.

96      É por esta razão que há que examinar antes de mais o primeiro e o terceiro fundamentos, que respeitam a estes dois pontos da fundamentação.

 Quanto ao fundamento relativo ao erro de direito de que enferma a fundamentação da decisão controvertida, segundo o qual a irrevocabilidade da transferência resulta do próprio acordo do interessado

–       Argumentos das partes

97      O recorrente sustenta que nem as DGE do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, em vigor no momento da transferência dos seus direitos à pensão, publicadas nas Informations administratives n.º 789, de 16 de Abril de 1993, nem as actualmente em vigor, publicadas nas Informations administratives n.º 60, de 9 de Junho de 2004, prevêem que a transferência adquire carácter definitivo e irrevogável quando o interessado dá o seu acordo sobre a bonificação de antiguidade que lhe é proposta pela sua instituição com base no montante a transferir fixado pelas autoridades nacionais.

98      Consequentemente, as propostas de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 da Comissão são contrárias às DGE do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, em vigor no momento da transferência dos direitos à pensão do recorrente, na parte em que prevêem que «a partir da recepção do seu acordo pela [a]dministração, o seu pedido de transferência de direitos à pensão já não poderá ser revogado».

99      As referidas propostas não podiam portanto ter sido opostas ao recorrente na decisão controvertida.

100    Ainda que se admita que existia à época uma regulamentação comunitária que previa a irrevogabilidade da transferência quando o interessado tivesse dado o seu acordo às propostas da Comissão, essa regulamentação teria sido contrária ao artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, e ao princípio da igualdade de tratamento.

101    Ao recusar revogar as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 por estas se terem tornado irrevogáveis depois de terem sido aceites pelo recorrente, a AIPN feriu, consequentemente, a decisão controvertida de um erro de direito.

102    A Comissão sublinha que o recorrente deu expressamente o seu acordo às propostas que lhe tinha apresentado e que foi este acordo expresso que lhes conferiu o seu carácter definitivo. Sustentar que estas decisões não têm carácter definitivo e que um funcionário tem direito a, em qualquer momento, colocar em causa o acordo expresso por ele dado, equivale a desvirtuar completamente o sentido e o alcance do processo organizado pelo artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, e a negar qualquer valor jurídico ao acordo livremente manifestado pelo funcionário.

–       Apreciação do Tribunal

103    Tal como foi já anteriormente referido, nos n.os 46 a 48 e no n.º 56 supra, os actos de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 cuja revogação é pedida pelo recorrente devem ser considerados decisões unilaterais, que entraram em vigor depois de terem sido confirmados pelo recorrente em 17 de Julho e 29 de Agosto de 2002.

104    Ora, as decisões unilaterais tornam‑se em princípio definitivas após o decurso dos prazos previstos nos artigos 90.º e 91.º do Estatuto.

105    Estas disposições só podem ser derrogadas por uma disposição regulamentar especial que preveja as condições especiais em que as decisões tomadas pela instituição nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, se tornam definitivas.

106    Ora, em resposta às questões do Tribunal, a Comissão não indicou o texto que lhe permitia considerar que as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 se tornaram definitivas na sequência da sua aceitação expressa pelo recorrente.

107    É certo que o artigo primeiro, n.º 2, das DGE do artigo 11.º, n.º 1, do Anexo VIII do Estatuto, aplicáveis em 2002, dispunha que «[a] opção [se] torna[va] definitiva e irrevogável quando o funcionário [tivesse dado] o acordo […]».

108    Porém, estas DGE não eram aplicáveis à hipótese, que é a do caso em apreço, de uma transferência de direitos à pensão para o regime comunitário, mais sim à hipótese inversa da transferência de direitos à pensão adquiridos no regime comunitário para outro regime de pensões. Em contrapartida, é significativo que as DGE do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, em vigor no momento da transferência do direitos à pensão do recorrente, não mencionem a existência de um acordo dado pelo funcionário às propostas da instituição nem, a fortiori, confiram a este acordo carácter definitivo.

109    Resulta do que precede que, embora a aceitação expressa pelo recorrente, em 17 de Julho e 29 de Agosto de 2002, das decisões unilaterais de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 tenha permitido a sua entrada em vigor, não teve, em contrapartida, o efeito de as tornar definitivas.

110    Consequentemente, ao recusar‑se a revogar as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, por a sua aceitação expressa pelo recorrente as ter tornado definitivas, a AIPN feriu a decisão controvertida de um erro de direito.

 Quanto ao fundamento relativo ao erro de direito de que enferma a fundamentação da decisão controvertida, segundo o qual a transferência dos direitos à pensão não pode ser revogada por não existir uma disposição de direito comunitário que o permita

–       Argumentos das partes

111    O recorrente sustenta que, contrariamente ao entendimento do chefe da unidade «Pensões» constante da decisão controvertida, a possibilidade de retirada de um pedido de transferência de direitos à pensão mediante acordo da instituição não resulta apenas, no caso em apreço, do artigo 9.º da Lei de 1991, mas também do direito comunitário.

112    A base do pedido de 31 de Outubro de 2004 não é o artigo 9.º da Lei de 1991, nem o artigo 4.º da Lei de 2003, mas sim o artigo 90.º, n.º 1, do Estatuto, que prevê a possibilidade de um funcionário apresentar à AIPN um requerimento convidando‑a a tomar uma decisão a seu respeito.

113    Com efeito, segundo o recorrente, o Tribunal de Primeira Instância, no seu acórdão de 30 de Setembro de 1998, Chvatal e o./Tribunal de Justiça (T‑154/96, ColectFP, pp. I‑A‑527 e II‑1579, n.º 52), considerou que o exercício do direito reconhecido pelo artigo 90.º, n.º 1, do estatuto, a qualquer pessoa abrangida pelo referido estatuto, de poder apresentar à AIPN um requerimento convidando‑a a tomar uma decisão a seu respeito, não está sujeito à condição da existência de uma base legal preexistente que permita à administração adoptar a decisão requerida, nem é prejudicado pela circunstância de a administração não dispor de qualquer margem de apreciação para a adoptar.

114    Quanto ao mais, a competência da Comissão para autorizar a retirada de um pedido de transferência dos direitos à pensão decorre do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, sem prejuízo do seu direito de se opor a tal retirada por imperativos de segurança jurídica e de boa gestão administrativa e orçamental que, segundo o recorrente, no entanto não existem manifestamente no caso em apreço.

115    A Comissão alega que não podia revogar as suas decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, uma vez que o direito comunitário não previa a retirada de pedidos de transferência de direitos à pensão. Ao contrário do que o recorrente sustenta, os termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, não atribuem competência às instituições para procederem à revogação de uma transferência de direitos à pensão.

116    Nem a antiga redacção do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto nem a sua nova redacção permitem a um funcionário multiplicar os pedidos de transferência de direitos à pensão adquiridos num regime nacional em função da evolução da legislação relevante do Estado‑Membro em questão. Com efeito, o artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, dispunha que o pedido de transferência só podia ser feito no momento da titularização. O artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão que resulta do mesmo regulamento, confirma o carácter definitivo da decisão tomada sobre o pedido de transferência ao dispor que, «[o] funcionário só pode exercer esta faculdade uma vez».

117    A jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância sobre a inadmissibilidade dos pedidos de transferências de direitos à pensão adquiridos num regime nacional, algum tempo depois da titularização do funcionário em questão, justifica esta leitura. Se um funcionário pudesse, em qualquer momento da sua carreira, retirar o seu pedido de transferência, esta jurisprudência ficaria privada de qualquer alcance útil. Ora, ao afirmar, no acórdão Drabbe/Comissão, já referido (n.º 74), que um pedido de transferência só pode ser apresentado validamente durante um curto período após a titularização, o Tribunal de Primeira Instância confirmou que, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, esse pedido só podia ser feito no momento da titularização e que, consequentemente, depois de confirmado, o pedido de transferência era definitivo.

–       Apreciação do Tribunal

118    Há que examinar, antes de mais, se as disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, podem, como alega a recorrida, ser interpretadas no sentido de que excluem a revogação de uma transferência de direitos à pensão.

119    O Tribunal de Primeira Instância declarou no acórdão Drabbe/Comissão, já referido, que estas disposições, na versão em vigor no momento em que o recorrente obteve a transferência dos seus direitos à pensão, só permitiam ao funcionário pedir a transferência para as Comunidades dos seus direitos à pensão anteriormente adquiridos no momento da titularização. De modo explícito, o artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão que resulta do Regulamento de 22 de Março de 2004, dispõe, a propósito da faculdade de transferir para as Comunidades os direitos à pensão anteriormente adquiridos que «[o] funcionário só pode utilizar esta faculdade uma vez por Estado‑Membro e por fundo de pensão».

120    Em primeiro lugar, embora as disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, esclarecidas pela jurisprudência acima referida, limitassem no tempo a possibilidade do funcionário pedir a transferência dos seus direitos à pensão ao momento da sua titularização não previam, em contrapartida, qualquer restrição quanto à possibilidade de pedir a revogação de uma transferência de direitos à pensão.

121    Em segundo lugar, se as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 fossem revogadas, seria eventualmente apresentado um novo pedido dentro do prazo, que passou a ser de dez anos, e nas condições previstas nas disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão que resulta do Regulamento de 22 de Março de 2004. Consequentemente, as disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004, em especial na parte em que previam que o pedido de transferência só podia ser apresentado no momento da titularização, não podem obstar à apresentação de um pedido de transferência após a sua revogação.

122    Em terceiro lugar, não se pode invocar que as disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão que resulta do Regulamento de 22 de Março de 2004, só autorizam que o funcionário exerça uma única vez a faculdade de pedir a transferência dos seus direitos à pensão anteriormente adquiridos, para concluir que as referidas disposições proíbem a retirada de um pedido de transferência. Com efeito, por um lado, a possibilidade de apresentar um segundo pedido de transferência não se confunde com a possibilidade de retirar o primeiro. Por outro lado, as disposições acima referidas, que entraram em vigor em 1 de Maio de 2004, não são aplicáveis a um pedido de transferência apresentado antes desta data e não podem, por conseguinte, obstar a que, caso o referido pedido de transferência seja retirado, o seu autor possa, entretanto, apresentar um novo pedido nas condições actualmente em vigor.

123    Por fim, resulta dos próprios termos das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 que estas se baseiam num mecanismo de tomada em consideração dos direitos à pensão no regime de pensões comunitário distinto dos que estão expressamente previstos para a transferência destes direitos no artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004. Consequentemente, ainda que se admita que o Estatuto e, nomeadamente, esta disposição, pudessem ser interpretados no sentido de que obstam à revogação de uma transferência, estas mesmas disposições não podem reger as condições de revogação de uma decisão tomada com base no mecanismo sui generis de sub‑rogação que resulta da Lei de 1991, aplicado ao recorrente em 2002.

124    Resulta das considerações anteriores que nem as disposições do artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, nem qualquer outra disposição do Estatuto podem ser interpretadas no sentido de que impedem a revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002.

125    Não havendo no direito comunitário uma disposição especial relativa à revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, as condições de revogação destas são as condições gerais decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto às decisões individuais que geram direitos. Essas decisões, sendo legais, não podem ser unilateralmente revogadas pelo seu autor (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1957, Algera e o./Assembleia Comum da CECA, 7/56 e 3/57 a 7/57, Recueil, p. 81, n.os 114 e 115, Colect. 1954‑1961, p. 157). A necessidade de salvaguardar a confiança na estabilidade da situação assim criada proíbe a administração, neste caso, de voltar atrás quanto à sua decisão.

126    Todavia, esta proibição, que visa proteger os direitos do beneficiário, não é, pela sua própria finalidade, oponível ao mesmo. A pedido do beneficiário, a autoridade administrativa que tomou uma decisão que gera direitos pode revogá‑la, para a substituir por uma decisão mais favorável ao autor do pedido, desde que a revogação não prejudique direitos de terceiros. Com efeito, se a revogação de um acto administrativo é, em princípio, permitida, deve respeitar estritamente as exigências do princípio da segurança jurídica.

127    No caso em apreço, há que analisar se a revogação das decisões da Comissão de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 é susceptível de afectar os direitos dos regimes de pensões belgas.

128    Em primeiro lugar, a particularidade do mecanismo de sub‑rogação adoptado pela Lei de 1991 é a de não alterar os direitos nem as obrigações dos regimes de pensões belgas no momento da transferência para o regime de pensões comunitário dos direitos adquiridos pelo funcionário naqueles regimes. Com efeito, esta transferência não é acompanhada do pagamento de qualquer soma por parte dos referidos regimes ao regime de pensões comunitário. Aqueles regimes continuam a ser devedores dos direitos à pensão do funcionário e a sua obrigação consiste, como anteriormente, na liquidação da pensão correspondente através de mensalidades, a partir da data de início de gozo da pensão comunitária por parte do funcionário. A única alteração respeita às relações entre o funcionário e a instituição, que atribui ao funcionário no regime comunitário o equivalente actuarial dos seus direitos à pensão belgas e, em contrapartida, fica sub‑rogada nos direitos à pensão que o funcionário adquiriu nos regimes de pensões belgas.

129    Não sendo os regimes de pensões belgas afectados pela transferência dos direitos à pensão segundo o mecanismo da sub‑rogação, não são também susceptíveis de o ser por ocasião da revogação das decisões tomadas para assegurar essa transferência.

130    Em segundo lugar, à data da decisão controvertida, o artigo 9.º da Lei de 1991 autorizava ainda o funcionário comunitário, sem outro requisito que não a obtenção do acordo da sua instituição, a retirar o seu pedido de transferência enquanto a sub‑rogação não se tornasse efectiva. Na medida em que a Lei de 1991 reconhecia ao funcionário o direito de retirar este pedido de transferência antes de a sub‑rogação se tornar efectiva, a Comissão não pode sustentar validamente que a revogação das decisões tomadas nos termos desta lei, antes de a sub‑rogação produzir quaisquer efeitos, afecta os direitos dos regimes de pensões belgas. Aliás, tal como foi exposto no número anterior, é certamente por a transferência dos direitos à pensão para o regime comunitário segundo um mecanismo de sub‑rogação não ter imediatamente como efeito o pagamento de uma pensão ou de um capital representativo da mesma que o artigo 9.º da Lei de 1991 conferiu amplamente ao funcionário o direito de retirar o seu pedido.

131    É certo que, como o Reino da Bélgica sustentou, tanto na audiência como nas suas respostas escritas às questões do Tribunal, a possibilidade de retirada prevista no artigo 9.º da Lei de 1991 só foi introduzida pelo legislador belga para permitir ao funcionário que cessasse as suas funções nas Comunidades antes de adquirir o seu direito a uma pensão de aposentação no regime comunitário conservar os seus direitos à pensão adquiridos num regime belga. A alteração do referido artigo 9.º operada pelo artigo 194.º da Lei de 2006, com efeitos retroactivos a 1 de Maio de 2004, confirma que foi essa a intenção do legislador de 1991. No entanto, este argumento não merece acolhimento. Com efeito, esta interpretação não é suportada pela redacção do artigo 9.º, na versão inicial da Lei de 1991. Além disso, a circunstância, alegada pelo Reino da Bélgica, de a Comissão ter sugerido às autoridades belgas, aquando da preparação da Lei de 1991, que limitassem a faculdade de retirar o pedido de transferência em caso de demissão, obriga até a considerar que o legislador belga afastou intencionalmente esta proposta do próprio texto do artigo 9.º da Lei de 1991, permitindo aos funcionários retirar os seus pedidos de transferência, com a única condição de obterem o acordo da sua instituição. Por outro lado, o legislador belga, ao limitar o alcance retroactivo do artigo 194.º da Lei de 2006 a 1 de Maio de 2004, admitiu implicitamente que este artigo não era interpretativo mas sim modificativo e que, por conseguinte, a redacção anterior do artigo 9.º da Lei de 1991 não limitava a retirada apenas à hipótese de o funcionário não poder beneficiar de uma pensão de aposentação comunitária.

132    Em terceiro lugar, ainda que se admita que a nova redacção do artigo 9.º da Lei de 1991 deve ser tomada em consideração para apreciar se, à data da decisão controvertida, os direitos dos regimes de pensões belgas eram susceptíveis de serem afectados pela revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, há que constatar que, sob reserva da eventual impugnação das disposições do artigo 194.º da Lei de 2006 perante os órgãos jurisdicionais competentes, o artigo 9.º da Lei de 1991, na sua nova redacção, obsta, como o Governo belga salienta, a que o requerente obtenha a revogação das decisões através das quais os regimes belgas fixaram o montante dos seus direitos à pensão, com vista à sua transferência.

133    Resulta das considerações anteriores que a revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 não é, em si, susceptível de afectar os direitos dos regimes de pensões belgas e que, consequentemente, a Comissão não era obrigada, ao contrário do que sustenta, a indeferir o pedido de revogação das referidas decisões que lhe tinha sido apresentado pelo respectivo beneficiário.

134    Nestas condições, as regras gerais aplicáveis à revogação dos actos administrativos não obstam a que a Comissão revogue estas decisões.

135    Consequentemente, ao considerar que, por não haver no direito comunitário disposições expressas que o permitissem, não podia revogar as decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002 a pedido do seu beneficiário, a Comissão violou o âmbito da competência que lhe é atribuída pelo artigo 11.º, n.º 2, do Anexo VIII do Estatuto, tanto na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento de 22 de Março de 2004 como na que resulta deste regulamento, ficando assim a decisão controvertida ferida por um erro de direito.

136    Resulta de todas as considerações anteriores que a recusa de revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002, oposta ao recorrente pela Comissão na decisão controvertida, deve ser anulada, sem que seja necessário decidir sobre os outros fundamentos da petição inicial, na medida em que essa recusa se baseia em dois fundamentos feridos de erro de direito.

 Quanto ao pedido de anulação da recusa da Comissão em autorizar o recorrente a apresentar um novo pedido de transferência

137    O recorrente não invoca qualquer fundamento específico relativamente à decisão acima referida, pelo que deve considerar‑se que apenas pretendeu obter a anulação desta decisão em consequência da anulação da recusa de revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002.

138    A Comissão indeferiu o pedido do recorrente destinado a apresentar um novo pedido de transferência dos seus direitos à pensão pelas mesmas razões que indeferiu o seu pedido de revogação das decisões de 11 de Junho e 26 de Agosto de 2002. Resulta do presente acórdão que os referidos fundamentos estão viciados por erros de direito. Daí decorre que a recusa da Comissão em autorizar o recorrente a apresentar um novo pedido de transferência deve também ser anulada.

 Quanto às despesas

139    Tal como o Tribunal decidiu no seu acórdão de 26 de Abril de 2006, Falcione/Comissão (F‑16/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 77 a 86), enquanto não entrar em vigor o Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, e, nomeadamente, as disposições particulares relativas às despesas, há que aplicar apenas o Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

140    Nos termos do artigo 87.º, n.º 2, do Regulamento de Processo deste último Tribunal, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas do recorrente.

141    Nos termos do artigo 87.º, n.º 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo devem suportar as respectivas despesas. Consequentemente, o Reino da Bélgica, interveniente, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção)

decide:

1)      A decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 25 de Janeiro de 2005, é anulada.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada a suportar as suas despesas e as de E. Genette.

3)      O Reino da Bélgica suportará as suas próprias despesas.

Kreppel

Tagaras

Gervasoni

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Janeiro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      H. Kreppel


* Língua do processo: francês.