Language of document : ECLI:EU:T:2005:339

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

27 de Setembro de 2005 (*)

«Remissão de direitos de importação – Artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 3319/94 – Facturação directa ao importador – Conceito de ‘grupo de peritos’ na acepção do artigo 907.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 – Direitos de defesa – ‘Negligência manifesta’ na acepção do artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 – Dever de fundamentação»

Nos processos apensos T‑134/03 e T‑135/03,

Common Market Fertilizers SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Sutton, barrister, e N. Flandin, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação das Decisões C (2002) 5217 final e C (2002) 5218 final da Comissão, de 20 de Dezembro de 2002, que declaram que, em determinado caso, não se justifica a dispensa de pagamento dos direitos de importação,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, J. D. Cooke, R. García‑Valdecasas, I. Labucka e V. Trstenjak, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Janeiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 3319/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de solução de ureia e nitrato de amónio originária da Bulgária e da Polónia, e que procede à cobrança definitiva do direito provisório da referida mercadoria exportada por empresas não isentas do respectivo direito (JO L 350, p. 20), estabelece o direito antidumping específico seguinte:

«[…] No que respeita às importações introduzidas em livre prática que não são facturadas directamente ao importador não ligado por um dos exportadores ou produtores acima referidos estabelecidos na Polónia, é instituído o seguinte direito específico:

Para o produto […] produzido pela empresa Zaklady Azotowe Pulawy […] um direito específico de 19 ecus por tonelada de produto (código adicional Taric: 8795).»

2        O artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «código aduaneiro»), tem o seguinte teor:

«1.      Pode‑se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.°:

–      a determinar pelo procedimento do comité;

–      decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento pode ficar subordinado a condições especiais.

2.      O reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos pelos motivos indicados no n.° 1 será concedido mediante requerimento apresentado na estância aduaneira respectiva […]»

3        Resulta do artigo 4.°, n.° 24, do código aduaneiro que, em aplicação do referido código, se entende por procedimento do comité, designadamente, o procedimento previsto nos artigos 247.° e 247.°‑A.

4        O artigo 247.° do código aduaneiro prevê que «[a]s medidas necessárias à aplicação do presente regulamento […] são aprovadas pelo procedimento a que se refere o n.° 2 do artigo 247.°‑A […]»

5        O artigo 247.°‑A do código aduaneiro dispõe:

«1.      A Comissão é assistida pelo Comité do Código Aduaneiro, adiante designado por ‘comité’.

2.      Sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os artigos 4.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE […]

3.      O comité aprovará o seu regulamento interno.»

6        O artigo 4.° do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro dispõe:

«1.      Regra geral, o presidente enviará às Representações Permanentes, em conformidade com o artigo 14.°, n.° 2, a convocatória, a ordem de trabalhos, os projectos de medidas relativamente aos quais é pedido o parecer do comité, assim como qualquer outro documento de trabalho, com uma antecedência mínima de 14 dias sobre a data da reunião.

2.      Em casos urgentes e quando as medidas a adoptar devam ser aplicadas de imediato, o presidente pode, a pedido de um membro do comité ou por sua própria iniciativa, reduzir o prazo de transmissão referido no número anterior até 5 dias antes da data da reunião.

3.      Em caso de extrema urgência, o presidente pode alterar os prazos fixados nos n.os 1 e 2. Se se propuser acrescentar um assunto à ordem de trabalhos de uma reunião durante a sua realização, é necessária a aprovação da maioria simples dos membros do comité.»

7        O artigo 5.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23, a seguir «decisão comitologia»), dispõe:

«Procedimento de regulamentação

1.      A Comissão é assistida por um comité de regulamentação composto por representantes dos Estados‑Membros e presidido pelo representante da Comissão.

2.      O representante da Comissão apresenta ao comité um projecto das medidas a tomar. O comité dá parecer sobre esse projecto num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão. O parecer será emitido pela maioria prevista no n.° 2 do artigo 205.° [CE] para a adopção das decisões que o Conselho deve tomar sob proposta da Comissão. Os votos dos representantes dos Estados‑Membros no comité são ponderados nos termos desse artigo. O presidente não vota.

3.      Sem prejuízo do artigo 8.°, a Comissão aprovará as medidas projectadas se forem conformes com o parecer do comité.

4.      Se as medidas projectadas não forem conformes com o parecer do comité, ou na falta de parecer, a Comissão apresentará imediatamente ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e informará o Parlamento Europeu. […]»

8        O artigo 905.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do código aduaneiro (JO L 253, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 1677/98 da Comissão, de 29 de Julho de 1998 (JO L 212, p. 18, a seguir «regulamento de aplicação»), prevê, nomeadamente:

«1.      Sempre que a autoridade aduaneira decisória, à qual foi apresentado o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento em conformidade com o n.° 2 do artigo 239.° do código, não puder decidir com base no artigo 899.° e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado‑Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão para que seja tratado de acordo com o procedimento previsto nos artigos 906.° a 909.°

Todavia, excepto em caso de dúvida por parte da referida autoridade aduaneira decisória, esta última pode decidir ela própria proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos sempre que considere que estão preenchidas as condições previstas no n.° 1 do artigo 239.º do código e desde que o montante em causa para um operador na sequência de uma mesma situação especial, referente, se for caso disso, a diversas operações de importação ou de exportação, seja inferior a 50 000 ecus.

O termo ‘interessado’ deve ser interpretado no sentido que lhe é conferido no artigo 899.°

Em todos os outros casos, a autoridade aduaneira decisória indeferirá o pedido.

2.      O processo enviado à Comissão deve conter todos os elementos necessários a um exame completo do caso apresentado. Deve, além disso, conter uma declaração assinada pelo requerente do reembolso ou da dispensa de pagamento, que certifique que o requerente pôde tomar conhecimento do processo, indicando se essa pessoa não tem nada a acrescentar ou referindo qualquer outro elemento adicional que considera dever constar do processo.

A Comissão acusa imediatamente ao Estado‑Membro interessado a recepção do processo.

Sempre que se verificar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro são insuficientes para que a Comissão possa decidir, com todo o conhecimento de causa, sobre o caso subjacente, a Comissão pode solicitar o envio de informações complementares.»

9        O artigo 906.° do regulamento de aplicação dispõe:

«Nos 15 dias subsequentes à data da recepção do processo referido no n.° 2 do artigo 905.°, a Comissão enviará cópia do mesmo aos Estados‑Membros.

O exame do processo será inscrito, logo que possível, na ordem de trabalhos de uma reunião do comité previsto no artigo 247.° do código.»

10      Posteriormente aos factos do caso em apreço, a segunda alínea do artigo 906.° do regulamento de aplicação foi alterada da seguinte forma pelo Regulamento (CE) n.° 1335/2003 da Comissão, de 25 de Julho de 2003, que altera o regulamento de aplicação (JO L 187, p. 16):

«O exame desse processo é inscrito, logo que possível, na ordem de trabalhos de uma reunião do grupo de peritos previsto no artigo 907.°»

11      O artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação prevê:

«Em qualquer momento do procedimento previsto nos artigos 906.º e 907.º e sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável ao requerente do reembolso ou da dispensa do pagamento, deverá comunicar‑lhe as suas objecções por escrito, bem como todos os documentos em que se fundamentam as referidas objecções. O requerente do reembolso ou da dispensa do pagamento deverá apresentar as suas observações por escrito no prazo de um mês a contar da data de envio das referidas objecções. Caso não tenha apresentado as suas observações no referido prazo, considera‑se que renunciou à possibilidade de manifestar a sua posição.»

12      O artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação dispõe:

«Após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados‑Membros, reunidos no âmbito do comité para análise do caso em apreço, a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica, ou não, a concessão do reembolso ou a dispensa do pagamento.»

13      O artigo 3.° do Regulamento n.° 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8), dispõe:

«Os textos dirigidos pelas instituições a um Estado‑Membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado‑Membro serão redigidos na língua desse Estado.»

 Factos na origem do litígio

14      A recorrente, com sede na Bélgica, é grossista de produtos químicos, designadamente de soluções azotadas (ureia e nitrato de amónio). O grupo da recorrente inclui, entre outros, a Rellmann GmbH, situada em Hamburgo (Alemanha), filial a 100% da recorrente, e a Agro Baltic GmbH, sedeada em Rostock (Alemanha) e filial a 100% da Rellmann. Em 1989, a recorrente adquiriu a sociedade Champagne Fertilisants que é a sua representante fiscal para todas as operações em França.

15      O exportador, a empresa polaca Zaklady Azotowe Pulawy (a seguir «ZAP»), vende os produtos à Agro Baltic. No grupo da recorrente, o circuito comercial é o seguinte: a Agro Baltic revende os produtos à Rellmann, que os revende, por sua vez, à recorrente. As correspondentes facturas são emitidas.

16      No processo T‑134/03, a Agro Baltic comprou à ZAP, entre Março e Setembro de 1997, três carregamentos de solução de ureia e de nitrato de amónio. Estes carregamentos seguiram o circuito comercial descrito no n.° 15, supra.

17      A Cogema, despachante alfandegário oficial, foi mandatada para proceder à introdução em livre prática dos produtos em nome da Agro Baltic e à introdução no consumo em nome da recorrente.

18      Assim, num primeiro momento, as mercadorias foram introduzidas em livre prática em nome da Agro Baltic, sob a declaração EU0 a que foram juntas as facturas passadas pela ZAP à Agro Baltic e os certificados EUR.1, comprovativos da origem polaca das mercadorias. Simultaneamente, foram colocadas sob o regime de entreposto, de que saíram alguns minutos mais tarde com vista à sua introdução no consumo com o nome de Champagne Fertilisants.

19      No processo T‑135/03, a Agro Baltic comprou à ZAP um carregamento em Janeiro de 1995, que seguiu depois o circuito comercial descrito no n.° 15, supra.

20      A Agro Baltic mandatou a sociedade SCAC Rouen (a seguir «SCAC»), despachante alfandegário oficial, para proceder à introdução em livre prática das mercadorias em nome da Agro Baltic e à sua introdução no consumo em nome da recorrente. Tratava‑se, portanto, relativamente a uma mesma mercadoria, de entregar duas declarações aduaneiras de importação, na mesma estância aduaneira, referindo dois destinatários diferentes, de modo a poder dissociar o pagamento dos direitos aduaneiros do pagamento do IVA.

21      A SCAC utilizou um processo de desalfandegamento simplificado de introdução em livre prática e de introdução no consumo apenas em nome da recorrente. Para este efeito, entregou uma declaração IM4 em nome da recorrente, a que juntou a factura da Rellmann passada à recorrente e um certificado EUR.1 comprovativo da origem polaca das mercadorias.

22      Num primeiro momento, a administração francesa competente aceitou as declarações relativas aos dois processos aqui em causa, concedeu a isenção de direitos aduaneiros de importação com base nos certificados EUR.1 e não exigiu o pagamento de direitos antidumping.

23      Na sequência de uma fiscalização a posteriori, as autoridades francesas competentes consideraram, contudo, que o direito específico de 19 ecus por tonelada instituído pelo artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 devia ser aplicado a todos os carregamentos relativos aos dois casos em apreço. Em sua opinião, com efeito, o importador real das mercadorias era a recorrente, que não era destinatária de uma factura directa da ZAP, embora os produtos em causa fossem certificados por esta. No dossier que esteve na origem do processo T‑134/03, mais precisamente, as autoridades francesas competentes consideraram, designadamente, que a armazenagem intermédia de mercadorias constituía uma ficção jurídica devido à sua extrema brevidade e que a recorrente tinha já adquirido as mercadorias nas três operações em causa antes mesmo da entrega das declarações de introdução em livre prática em nome da Agro Baltic. No dossier que deu origem ao processo T‑135/03, mais precisamente, as autoridades francesas competentes consideraram que só tinha sido efectuada uma declaração de introdução em livre prática e de introdução no consumo em nome da recorrente.

24      Foi nestas condições que, no dossier que deu lugar ao processo T‑134/03, os agentes do Centre du renseignement d'orientation et de contrôle de Poitiers elaboraram, em 4 de Dezembro de 1998, um auto nos termos do qual se verificava que tinha sido eludido um total de direitos e encargos de 3 911 497 francos franceses (FRF) (564 855 EUR). No dossier que deu lugar ao processo T‑135/03, a direction interrégionale des douanes de Rouen elaborou, em 13 de Novembro de 1997, um auto de onde resulta que devia ter sido aplicado um total de direitos e encargos de 840 271 FRF (128 098 EUR).

25      Em Novembro e Dezembro de 1999, a recorrente apresentou pedidos de dispensa de direitos na administration française des douanes com base no artigo 239.° do código aduaneiro. Em 14 de Fevereiro de 2002, esta última enviou os referidos pedidos à Comissão, que os registou sob os números de referência REM 02/02 (processo T‑134/03) e REM 03/02 (processo T‑135/03).

26      Por cartas de 9 e 10 de Setembro de 2002, a que foi dada resposta em 11 de Outubro seguinte, a Comissão indicou à recorrente que contava tomar uma decisão negativa nos processos REM 02/02 e REM 03/02.

27      Em 12 de Novembro de 2002, o grupo de peritos REM/REC reuniu‑se no âmbito do comité aduaneiro, secção de reembolsos. Nos termos da acta sumária dessa reunião, elaborada em 29 de Novembro de 2002, o voto final a que procedeu o grupo de peritos conduziu ao seguinte resultado, no que respeita aos processos REM 02/02 e REM 03/02: «seis delegações votam a favor da proposta da Comissão, quatro delegações abstêm‑se e cinco delegações votam contra».

28      Em 20 de Dezembro de 2002, a Comissão, considerando que havia negligência manifesta por parte da recorrente e que não se estava em presença de uma situação especial e que, portanto, as condições de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro não estavam preenchidas, adoptou as Decisões C (2002) 5217 final (processo REM 02/02) e C (2002) 5218 final (processo REM 03/02) declarando que a dispensa dos direitos de importação não se justificava (a seguir «decisões controvertidas»). Notificou estas decisões à administration française des douanes que, por sua vez, as transmitiu à recorrente em 10 de Fevereiro de 2003.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      Por petições entradas na Secretaria do Tribunal em 18 de Abril de 2003, a recorrente interpôs os presentes recursos.

30      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral. No quadro das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder a certas perguntas na audiência. Ouvidas as partes, o Tribunal apensou os processos T‑134/03 e T‑135/03 para fins da fase oral e do acórdão.

31      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 25 de Janeiro de 2005.

32      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular as decisões controvertidas;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

34      Em apoio desses recursos, a recorrente invoca três fundamentos relativos, o primeiro, à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa, o segundo, a um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro e, o terceiro, à violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa

35      O presente fundamento está dividido em cinco partes, relativas à violação, em primeiro lugar, do artigo 7.° CE e do artigo 5.° da decisão comitologia, em segundo, do artigo 906.°, n.° 1, do regulamento de aplicação, em terceiro, do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro, em quarto, do artigo 3.° do Regulamento n.° 1 e, por fim, dos direitos de defesa.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 7.° CE e do artigo 5.° da decisão comitologia

–       Argumentos das partes

36      A recorrente afirma, no essencial, que as medidas necessárias à aplicação do código aduaneiro, designadamente do seu artigo 239.°, são, nos termos do artigo 247.° do referido código, aprovadas pelo procedimento a que se refere o n.° 2 do artigo 247.°‑A. Recorda que esta última disposição enuncia que a Comissão é assistida pelo Comité do Código Aduaneiro e refere, precisamente, o artigo 5.° da decisão comitologia, relativa ao comité de regulamentação.

37      A recorrente defende que o «comité» reunido em 12 de Novembro de 2002 (v. n.° 27, supra) era necessariamente um comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia.

38      Prossegue indicando que a aplicação da ponderação prevista no artigo 205.° CE ao resultado da votação do «comité» não permite que a proposta da Comissão obtenha a maioria qualificada exigida de 62 votos.

39      A recorrente considera assim que faltou o parecer do «comité» na acepção do artigo 5.°, n.° 4, da decisão comitologia e que a Comissão devia, portanto, ter apresentado imediatamente ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e informar o Parlamento Europeu, o que não fez. Ao adoptar, apesar de tudo, as decisões controvertidas, a Comissão agiu fora do âmbito das suas competências, violando o artigo 7.° CE e o artigo 5.° da decisão comitologia. As decisões controvertidas estão, portanto, inquinadas por um vício substancial.

40      À Comissão, que defende (v. n.° 45, infra) que o «comité» em causa é na realidade um grupo de peritos a que ela própria recorreu ao adoptar o artigo 907.° do regulamento de aplicação, a recorrente retorque que aquela, ao adoptar o referido artigo 907.°, não adoptou uma medida de aplicação do código aduaneiro, antes se tendo arrogado uma competência em violação do artigo 7.° CE.

41      Acrescenta que a argumentação da Comissão deve ser afastada, já que é susceptível de tornar ilegal o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, por falta de base jurídica. Para o caso de esta argumentação ser acolhida pelo Tribunal, invoca na réplica, nos termos do artigo 241.° CE, a ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação. A recorrente refere‑se, além disso, ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 2003, Laboratoires Servier/Comissão (T‑147/00, Colect., p. II‑85, n.° 46), nos termos do qual, «segundo jurisprudência bem firmada, a incompetência da instituição que adoptou o acto impugnado constitui um fundamento de anulação de ordem pública que pode ser conhecido oficiosamente pelo juiz comunitário».

42      A título subsidiário, a recorrente defende que o teor do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, que prevê a reunião do grupo de peritos no âmbito «do comité», e não «de um comité», milita a favor da interpretação segundo a qual o comité em questão é o único a que se faz referência no regulamento de aplicação, ou seja, o referido no artigo 906.°, segundo parágrafo, desse mesmo regulamento, a saber, o comité de regulamentação previsto no artigo 247.° do código aduaneiro. A recorrente alega, além disso, que, se a interpretação da Comissão fosse correcta, o processo previsto no artigo 906.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação, do qual resulta que o comité previsto no artigo 247.° do código aduaneiro se reúne antes da adopção de qualquer decisão pela Comissão em matéria de reembolso e de dispensa de direitos, não teria, deste modo, sido respeitado. Assim, o artigo 906.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação foi violado.

43      Este argumento não é contrariado pela nova redacção do artigo 906.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação (v. n.° 10, supra) em que a expressão «do comité» foi substituída pela de «grupo de peritos previsto no artigo 907.°», na medida em que esta alteração ocorreu posteriormente à reunião do «comité» em questão no caso em apreço.

44      A recorrente assinala, por fim, que o facto de a Comissão ter procedido, por sua própria iniciativa, à contagem dos votos na sequência da votação do comité de 12 de Novembro de 2002 segundo a ponderação prevista no artigo 205.° CE atesta o facto de o «comité» em causa ser efectivamente um comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia. Em resposta à Comissão, que defende que o grupo de peritos é diferente do Comité do Código Aduaneiro, embora nele se «apoie», já que se reúne no âmbito desse comité em aplicação do artigo 907.° do regulamento de aplicação (v. n.° 49, infra), a recorrente alegou não existir uma rubrica orçamental própria a esse grupo de peritos, a semelhança entre a sua composição e a composição do Comité do Código Aduaneiro e o facto de não se lhe fazer referência nas disposições do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro relativas à sua ordem de trabalhos.

45      A Comissão considera que a recorrente qualifica erradamente o grupo de peritos de comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia. Afirma que o referido grupo de peritos nem é um comité de regulamentação nem, de resto, um qualquer comité regido pela decisão comitologia. Trata‑se, na realidade, de um grupo de peritos a que ela própria recorreu ao adoptar o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, única disposição que regula a sua natureza jurídica, a sua competência e o seu funcionamento.

46      A Comissão indica ainda que o artigo 239.° do código aduaneiro não a obriga a decidir casos individuais de dispensa ou de reembolso com a assistência do comité previsto no artigo 247.° do código aduaneiro, antes visando «situações» e «modalidades processuais». Assim, o artigo 239.° do código aduaneiro atribui à Comissão a tarefa de adoptar «as modalidades processuais» segundo o procedimento do comité do artigo 247.° do código aduaneiro.

47      Ora, a Comissão determinou precisamente estas situações e estas modalidades processuais nos artigos 905.° e seguintes do regulamento de aplicação, segundo o procedimento previsto no artigo 247.° do código aduaneiro, ao avocar a decisão sobre certos pedidos individuais de dispensa ou reembolso.

48      Consequentemente, não é necessário nem lógico que o grupo de peritos referido no artigo 907.° do regulamento de aplicação seja um comité de regulamentação na acepção da decisão comitologia, uma vez que o referido grupo é chamado a dar à Comissão um parecer sobre as propostas de decisões individuais de dispensa ou de reembolso, como no caso em apreço, e não sobre uma alteração da regulamentação aduaneira.

49      Segundo a Comissão, o grupo de peritos reúne‑se, de acordo com o artigo 907.° do regulamento de aplicação, «no» comité em que se «apoia». Isto significa, efectivamente, que o grupo de peritos se reúne com a mesma composição que o Comité do Código Aduaneiro, mas com funções diferentes. O processo individual de reembolso ou de dispensa é enviado ao comité para que delibere enquanto grupo de peritos nos termos do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação. A Comissão afirma que este sistema de grupo de peritos a funcionar com regras próprias em comités na acepção da decisão comitologia, embora esteja em vias de necessária racionalização, funciona contudo há dezenas de anos em numerosos domínios da acção comunitária. Alega que as incoerências indicadas pela recorrente (n.° 44, supra) não são susceptíveis de pôr em causa o papel e a natureza do grupo de peritos.

50      A Comissão considera, assim, que as regras de contagem dos votos do artigo 205.° CE próprias do procedimento de regulamentação não se aplicam no caso em apreço. A este respeito, o facto de ponderar os votos do grupo de peritos não deve induzir o comité em erro, nem conduzi‑lo a equívocos sobre a natureza jurídica e o estatuto do referido grupo de peritos. A Comissão recorda que a maioria dos representantes dos Estados‑Membros do grupo de peritos se pronunciou a favor da sua proposta, que houve, portanto, parecer do referido grupo. Acrescenta que, de qualquer forma, este parecer é puramente consultivo, não a vinculando.

–       Apreciação do Tribunal

51      No que respeita, antes de mais, à excepção de ilegalidade suscitada pela recorrente, há que indicar que apenas a invocou na réplica. Ora, o Tribunal de Justiça decidiu que o âmbito do litígio é determinado pela petição inicial e que uma excepção de ilegalidade é inadmissível na fase da réplica (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Salerno e o./Comissão e Conselho, 87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, Recueil, p. 2523, n.os 36 e 37). Além disso, a excepção de ilegalidade não se baseia em nenhum elemento de direito ou de facto que se tenha revelado durante o processo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

52      O Tribunal não podia oficiosamente resolver a questão da ilegalidade eventual do artigo 907.°, n.° 1, do regulamento de aplicação. Efectivamente, essa ilegalidade não é de ordem pública (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1959, Société des fonderies de Pont‑à‑Mousson/Alta Autoridade, 14/59, Recueil, p. 445, 474, Colect. 1954‑1961, p. 357). O Tribunal de Primeira Instância deve oficiosamente, é certo, como recorda a recorrente na réplica, conhecer da incompetência do autor do acto impugnado. No entanto, não há qualquer dúvida de que no caso em apreço a Comissão agiu no âmbito das suas competências ao adoptar as decisões controvertidas. Com efeito, estas foram adoptadas com base no artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, que foi adoptado segundo o parecer do Comité do Código Aduaneiro, nos termos do procedimento previsto nos artigos 239.°, 247.° e 247.°‑A do referido código. Além disso, não resulta da jurisprudência que o Tribunal deve examinar oficiosamente a questão de saber se, ao adoptar o conteúdo do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, base jurídica das decisões controvertidas, a Comissão não ultrapassou as suas competências. A este respeito, o acórdão Laboratoires Servier/Comissão, n.° 41, supra, invocado pela recorrente, não lhe é de qualquer utilidade, uma vez que se refere à incompetência da instituição que adoptou o acto impugnado e não à incompetência da instituição que adoptou o acto com base no qual o acto impugnado foi adoptado.

53      Perante o exposto, há que julgar inadmissível a excepção de ilegalidade suscitada pela recorrente.

54      Importa seguidamente examinar a questão de saber se o grupo de peritos que, nos termos do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, se reúne «no âmbito do Comité [do Código Aduaneiro]» constitui, ou não, um comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia.

55      A este respeito, há que recordar que resulta do considerando 7 e do artigo 5.° da decisão comitologia que o procedimento de regulamentação é utilizado para as «medidas de alcance geral, destinadas a aplicar os elementos essenciais dos actos de base».

56      Ora, é pacífico que as decisões controvertidas são decisões individuais, não tendo, portanto, qualquer carácter geral.

57      Considerar, com a recorrente, que o comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia é competente para dar um parecer sobre uma proposta de decisão individual de reembolso ou de remissão de direitos aduaneiros equivale a equiparar pura e simplesmente os conceitos de decisão e de acto de carácter geral, no entanto fundamentalmente diferentes, por força do artigo 249.° CE e da jurisprudência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de fruits et legumes e o./Conselho, 16/62 e 17/62, Colect. 1962‑1964, p. 175), e, portanto, a violar esta última disposição, assim como o artigo 7.° CE e a decisão comitologia.

58      Este motivo é suficiente para concluir que o grupo de peritos referido no artigo 907.° do regulamento de aplicação não é um comité de regulamentação na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia.

59      Esta conclusão é corroborada pela redacção do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação. A expressão «no âmbito do comité» reflecte o facto de o grupo de peritos referido no artigo 907.° ser evidentemente uma entidade distinta, no plano funcional, do Comité do Código Aduaneiro. Se o legislador, neste caso a Comissão, tivesse querido que o Comité do Código Aduaneiro fosse consultado no âmbito dos procedimentos individuais de remissão ou de reembolso teria, sem qualquer dúvida, utilizado a expressão «após consulta do comité».

60      De onde resulta que a primeira parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 906.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação

–       Argumentos das partes

61      A recorrente defende que a Comissão cometeu uma violação substancial das regras de procedimento previstas no artigo 906.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, ao não enviar aos Estados‑Membros uma cópia dos processos comunicados pela administration française des douanes nos quinze dias subsequentes à sua recepção pelos serviços. Alega que os processos em causa foram enviados aos Estados‑Membros apenas alguns dias antes da reunião do grupo de peritos referida no n.° 27, supra, ou seja, vários meses depois do termo do prazo previsto pelo artigo 906.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação.

62      A Comissão alega, em suma, que a recorrente equipara erradamente, para fins de aplicação do artigo 906.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, o pedido de dispensa enviado à Comissão pela administration douanière française e a proposta de decisão negativa da Comissão. Defende, apresentando provas, ter enviado em 28 de Fevereiro de 2002 aos Estados‑Membros o referido pedido que recebera em 14 de Fevereiro de 2002. Nestas condições, o vício de procedimento alegado pela recorrente não estava demonstrado.

63      A Comissão acrescenta que, mesmo que se considere provado o referido vício de procedimento, este não pode, de qualquer modo, ser qualificado de «essencial», ou seja, como tendo uma influência sobre as decisões controvertidas e devendo necessariamente conduzir à sua anulação.

64      Além disso, a Comissão tem muitas dúvidas quanto à possibilidade de um operador invocar utilmente a violação do artigo 906.° do regulamento de aplicação para fins de anulação das decisões controvertidas. Indica que este artigo pretende garantir a informação rápida dos Estados‑Membros de modo a permitir que se preparem para contribuir para o processo decisório. Assim, ainda que crie um direito positivo na esfera jurídica dos Estados‑Membros, o artigo 906.° não institui de modo algum esse direito a favor dos particulares.

–       Apreciação do Tribunal

65      Importa indicar que a recorrente, que não respondeu na réplica aos argumentos apresentados pela Comissão na contestação, não demonstrou que esta última não enviou, na sua carta de 28 de Fevereiro de 2002 aos Estados‑Membros, a totalidade do processo referido no artigo 906.°, primeiro parágrafo, e referido no artigo 905.°, n.° 2, do regulamento de aplicação, nem que, portanto, os Estados‑Membros não foram adequadamente informados. Resulta, a este respeito, da acta da reunião do grupo de peritos referida no n.° 27, supra, que foi efectuada uma consulta sobre os pontos‑chave do pedido de reembolso. Resulta, além disso, da referida acta que os advogados da recorrente entregaram directamente documentos aos representantes de todos os Estados‑Membros com assento no grupo de peritos. Nestas condições, a recorrente não demonstrou qualquer violação do artigo 906.° do regulamento de aplicação. De qualquer modo, não demonstra que a alegada omissão tenha tido influência nas decisões controvertidas.

66      Conclui‑se que a segunda parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro

–       Argumentos das partes

67      A recorrente defende que as decisões controvertidas estão viciadas por um vício de forma essencial na medida em que foram adoptadas em violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro, que prevê que, em geral, «qualquer outro documento de trabalho» deve ser transmitido com uma antecedência mínima de catorze dias sobre a data da reunião do comité.

68      Ora, resulta dos contactos directos que os advogados da recorrente tiveram com os representantes dos Estados‑Membros com assento no grupo de peritos que estes últimos receberam a resposta de 11 de Outubro de 2002 da recorrente às cartas da Comissão de 9 e 10 de Setembro de 2002, referidas no n.° 26, supra, apenas sete dias antes da reunião. A dilação concedida aos membros do grupo de peritos antes de se proceder à votação alargou este prazo para onze dias, ou seja, um prazo inferior ao prazo de catorze dias previsto no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro. A recorrente afirma que este atraso na transmissão pela Comissão dos seus argumentos em resposta às cartas de 9 e 10 de Setembro de 2002 constitui uma violação do direito de defesa, autorizando‑a a invocar a violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro.

69      Em apoio da sua argumentação, a recorrente invoca o acórdão de 10 de Fevereiro de 1998, Alemanha/Comissão (C‑263/95, Colect., p. I‑441, n.os 31 e 32), em que o Tribunal de Justiça declarou incompressível o prazo de envio de um dossier no âmbito de um processo num comité de regulamentação e considerou que o desrespeito desse prazo constituía uma violação de formalidades essenciais, implicando a anulação da decisão adoptada pela Comissão. À Comissão, que responde (v. n.° 72, infra) que o acórdão referido não é relevante no caso em apreço, porque proferido a pedido de um Estado‑Membro cujos direitos não tinham sido respeitados, a recorrente responde que o referido acórdão não exclui especificamente a possibilidade de as pessoas colectivas indicarem as violações cometidas aquando da consulta do comité em causa.

70      À Comissão, que afirma que um operador não pode invocar utilmente a violação do artigo 4.° do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro (v. n.° 73, infra), a recorrente opõe o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555).

71      À Comissão, que defende que, de qualquer modo, os prazos estabelecidos no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro foram respeitados tendo em conta a situação de urgência que caracteriza os presentes processos (n.° 75, infra), a recorrente responde que não houve situação de urgência. Afirma que este argumento da Comissão está em contradição com o facto de, apesar de uma alegada urgência, esta última ter concedido aos membros do grupo de peritos um prazo suplementar para se pronunciar sobre o seu projecto de decisão negativa, que foi transmitido, efectivamente, nos prazos legais.

72      A Comissão defende que a referência que a recorrente faz ao acórdão Alemanha/Comissão, n.° 69, supra, é irrelevante no caso em apreço. Indica que no processo que deu lugar a esse acórdão a recorrente era um Estado‑Membro que não tinha podido exercer as suas competências no comité devido ao atraso na transmissão dos documentos. Em contrapartida, nos presentes processos, um atraso − a ter‑se verificado − na transmissão dos documentos ao grupo de peritos não afectava os direitos da recorrente.

73      A Comissão tem, além disso, dúvidas quanto à possibilidade de um operador invocar utilmente a violação de uma regra de ordem interna (como a prevista no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro) como fundamento de um pedido de anulação de decisões como as decisões controvertidas. Invoca a este respeito o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho (C‑69/89, Colect., p. I‑2069, n.os 49 a 51). A Comissão acrescenta, na tréplica, que o acórdão Comissão/BASF e o., n.° 70, supra, não pode ser invocado utilmente pela recorrente, na medida em que, contrariamente à disposição cuja violação era alegada no processo que deu lugar a esse acórdão, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro não pretende proteger os direitos das empresas.

74      A Comissão afirma ainda que o documento essencial para fins de aplicação do artigo 4.° do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro, a saber, o seu projecto de decisão negativa, foi transmitido dentro dos prazos aos membros do grupo de peritos. Estes receberam também, em 23 de Setembro de 2002, as cartas ditas dos direitos de defesa enviadas à recorrente em 9 e 10 de Setembro de 2002.

75      Por outro lado, ainda que se considerasse que o prazo de catorze dias estabelecido no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro não foi respeitado, esse prazo representa a regra geral, podendo ser reduzido em caso de urgência, nos termos do artigo 4.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento interno. Ora, houve urgência no caso em apreço devido à necessidade de a Comissão adoptar as decisões controvertidas no prazo fixado pelo artigo 907.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação, uma vez que a falta de resposta no referido prazo equivalia a aceitação do pedido da recorrente.

76      Além disso, a recorrente não demonstra em que é que os seus direitos seriam afectados pela transmissão tardia da sua carta de 11 de Outubro de 2002. Nestas condições, não se verifica qualquer violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro.

–       Apreciação do Tribunal

77      Sem que seja necessário decidir sobre a questão de saber se a resposta da recorrente de 11 de Outubro de 2002 às cartas da Comissão de 9 e 10 de Setembro de 2002 constitui um documento de trabalho na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro nem sobre se havia uma situação de urgência na acepção dos n.os 2 e 3 do referido artigo, há que observar que resulta do processo que os membros do grupo de peritos dispuseram de treze dias (de 6 a 18 de Novembro de 2002) para tomar conhecimento da resposta da recorrente.

78      Quanto ao acórdão Alemanha/Comissão, n.° 69, supra, invocado pela recorrente, basta observar que, não sendo o grupo de peritos um comité de regulamentação, a solução contida nesse acórdão não se aplica nos presentes processos.

79      De resto, há que indicar que o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Interno do Comité do Código Aduaneiro tem por objectivo assegurar o funcionamento interno do referido comité no pleno respeito das prerrogativas dos seus membros. Daqui resulta que as pessoas singulares ou colectivas não podem invocar pretensas violações desse regulamento, que não se destina a assegurar a protecção dos particulares (v., neste sentido, acórdão Nakajima/Conselho, n.° 73, supra, n.os 49 a 51). Ora, sendo a recorrente um terceiro, contrariamente à Alemanha no acórdão Alemanha/Comissão, n.° 69, supra, a solução resultante do referido acórdão não pode, também por esta razão, aplicar‑se no caso em apreço.

80      De onde resulta que a terceira parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

 Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 1

–       Argumentos das partes

81      A recorrente afirma que os representantes de certos Estados‑Membros com assento no grupo de peritos não receberam cópia, na sua língua, de certos documentos do processo da Comissão. Isto é particularmente lamentável dada a complexidade e o tecnicismo dos processos no caso em apreço, assim como a brevidade do prazo fixado aos mesmos representantes dos Estados‑Membros para o estudarem. A recorrente observa a este respeito que alguns desses representantes se queixaram de não ter recebido os documentos em causa na sua língua. Nestas condições, as decisões controvertidas foram adoptadas em violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 1 e, portanto, de uma formalidade essencial.

82      Na réplica, a recorrente afirma que a abordagem da Comissão, exposta no n.° 85, infra, implica a exclusão de qualquer controlo jurisdicional quando um Estado‑Membro não alegar uma violação do regulamento em causa.

83      A Comissão indica, antes de mais, que a prática administrativa do grupo de peritos (que recorda não estar investido de uma missão legislativa) consiste em enviar a carta «dita dos direitos de defesa» (referida no n.° 26, supra) aos representantes dos Estados‑Membros na sua língua, sendo os outros documentos enviados em francês e em inglês.

84      A Comissão afirma, em seguida, que a recorrente não demonstra em que é que a prática seguida afecta a sua situação jurídica própria. Admite que esta prática é susceptível de afectar os direitos dos Estados‑Membros destinatários dos documentos em causa, mas considera que, nesse caso, é aos Estados‑Membros que incumbe fazer valer esses mesmos direitos.

85      Nestas condições, um particular não pode invocar utilmente a violação de um direito de um Estado‑Membro quando este não se queixa. Ora, no caso em apreço, o procedimento não suscitou qualquer contestação por partes dos representantes dos Estados‑Membros, nem qualquer pedido de tradução.

–       Apreciação do Tribunal

86      O artigo 3.° do Regulamento n.° 1 destina‑se a garantir que os textos enviados pelas instituições a um Estado‑Membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado‑Membro sejam redigidos na língua desse Estado. Ora, no caso em apreço, o destinatário dos documentos em causa do processo da Comissão não era a recorrente, mas os representantes dos Estados‑Membros que compõem o grupo de peritos referido no artigo 907.° do regulamento de aplicação. Portanto, não se destinando a referida disposição a garantir os direitos da recorrente ou a sua situação jurídica própria no procedimento administrativo de dispensa de direitos de importação, esta não pode invocar uma pretensa violação dessa regra.

87      De resto, e de qualquer forma, a recorrente não demonstrou que um qualquer membro do grupo de peritos teve dificuldades em contribuir para a formulação do parecer desse grupo devido à falta de uma versão linguística especial de um dos documentos enviados pela Comissão. Por um lado, com efeito, o oferecimento de prova da recorrente a este propósito limitou‑se a uma declaração que ela própria elaborou e assinou. Por outro lado, o conjunto de informações contidas no processo não permite chegar a essa conclusão.

88      De onde resulta que a quarta parte do primeiro fundamento também não pode ser acolhida.

 Quanto à quinta parte do primeiro fundamento, relativa à violação dos direitos de defesa

–       Argumentos das partes

89      A recorrente defende que a Comissão não respeitou os direitos de defesa na medida em que não lhe concedeu a possibilidade de ser ouvida nem um acesso fácil e o mais amplo possível aos documentos que tinha pedido.

90      Quanto, em primeiro lugar, à possibilidade de ser ouvida, a recorrente indica ter pedido à Comissão, em 2 de Outubro de 2002, para ser ouvida em relação aos presentes processos. Este pedido foi indeferido por carta de 8 de Outubro de 2002 porque o procedimento aplicável do artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação previa que o interessado apresentasse as suas observações por escrito e porque a recorrente tinha sido recebida três vezes pelos serviços da Comissão antes da entrada do pedido inicial de dispensa. Além disso, a Comissão sublinhou, nas decisões controvertidas, que a recorrente não tinha demonstrado que as suas observações apenas podiam ser apresentadas oralmente.

91      A recorrente considera que a recusa da Comissão constitui uma violação do direito de ser ouvida e um erro manifesto de apreciação.

92      A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de culminar num acto que a afecte constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser assegurado mesmo na ausência de qualquer regulamentação relativa ao procedimento em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão, C‑48/90 e C‑66/90, Colect., p. I‑565, n.° 44; de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C‑135/92, Colect., p. I‑2885, n.° 39, e de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2001, Kaufring e o./Comissão, T‑186/97, T‑187/97, T‑190/97 a T‑192/97, T‑210/97, T‑211/97, T‑216/97 a T‑218/97, T‑279/97, T‑280/97, T‑293/97 e T‑147/99, Colect., p. II‑1337, n.° 151). A recorrente prossegue indicando que o Tribunal de Justiça tem constantemente reconhecido o princípio do direito a pronunciar‑se oralmente (audi alteram partem) como regra processual essencial, designadamente em matéria de procedimento administrativo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint/Comissão, 17/74, Recueil, p. 1063, Colect., p. 463; de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffman‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, e de 26 de Junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, Recueil, p. 2033). Acrescenta que, atento o poder de apreciação de que a Comissão dispõe quando adopta uma decisão em aplicação da cláusula geral de equidade prevista no artigo 239.° do código aduaneiro, o respeito do direito a ser ouvido deve ser especialmente garantido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France‑aviation/Comissão, T‑346/94, Colect., p. II‑2841, n.° 34; de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, Colect., p. II‑401, n.° 77; de 17 de Setembro de 1998, Primex Produkte Import‑Export e o./Comissão, T‑50/96, Colect., p. II‑3773, n.° 60; de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T‑290/97, Colect., p. II‑15, n.° 46, e Kaufring e o./Comissão, já referido, n.° 152).

93      Assim, a recorrente considera, em suma, que o direito de ser ouvido deve ser interpretado extensivamente, ou seja, que tem direito a pronunciar‑se quer por escrito quer oralmente. Quanto a este ponto, o facto de o regulamento de aplicação prever apenas um procedimento escrito no seu artigo 906.°‑A não significa que tenha sido expressamente excluída a fase oral. A recorrente evoca, a este respeito, os domínios do direito da concorrência e do direito antidumping, em que estão previstas fases escritas e orais. Acrescenta que no domínio dos auxílios de Estado a jurisprudência admitiu o princípio de uma audição oral na falta de regulamentação que a preveja formalmente.

94      A recorrente defende que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o interessado deve estar em condições de dar a conhecer utilmente a sua opinião no decurso do procedimento administrativo (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1987, França/Comissão, 259/85, Colect., p. 4393, n.° 12). Daí resulta, na prática, a possibilidade de o interessado ser ouvido oralmente. Do mesmo modo, o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais deve ser interpretado extensivamente, ou seja, no sentido de que abrange tanto o direito de se pronunciar por escrito como oralmente.

95      Nestas condições, a recorrente considera que ao indeferir o seu pedido de ser ouvida oralmente, por não ter demonstrado que o seu ponto de vista teria ganho em ser exposto dessa forma, a Comissão não respeitou a jurisprudência atrás referida, e isto sem qualquer justificação. A recorrente defende ainda que não lhe incumbia fazer essa demonstração.

96      Por fim, a recorrente afirma que a única questão relevante é a de saber se estava em condições, ao longo do procedimento, de apresentar utilmente o seu ponto de vista em resposta às acusações da Comissão. Ora, não foi esse o caso. Com efeito, a recorrente indica ter sido efectivamente recebida três vezes pelos serviços da Comissão, tendo, no entanto, essas reuniões ocorrido muito antes da comunicação do pedido de dispensa à Comissão e com interlocutores diferentes. Além disso, nessas reuniões, nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão era ainda conhecido da recorrente, pela simples razão de o procedimento na própria Comissão ainda não ter tido início. Sobretudo, a recorrente considera que a simples correspondência que trocou com a administração francesa e a Comissão não permitiram esclarecer certos pontos essenciais. Esses pontos podiam ter sido abordados no âmbito de um procedimento mais directo e mais dinâmico, como uma audição pelos serviços da Comissão, graças à qual os direitos de defesa teriam sido respeitados. A título de exemplo, a recorrente indica que, no processo T‑134/03, não estava em condições de apenas por escrito dissipar a dúvida alimentada pelas autoridades aduaneiras francesas quanto à realidade do erro técnico cometido pela Cogema, dúvida que as conduziu a concluir pela inexistência de situação especial. No processo T‑135/03, em suma, a Comissão não aborda a questão de saber se a recorrente contornou ou não a legislação antidumping, quando este elemento era essencial para determinar a eventual existência de uma situação especial na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro.

97      No que respeita, em segundo lugar, ao acesso ao processo, a recorrente, remetendo para o artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), alega que foi com dificuldade, e apenas parcialmente, que a Comissão, no dia da apresentação das petições, deferiu o seu legítimo pedido de acesso a certos documentos.

98      A recorrente indica, mais concretamente, ter pedido à Comissão, em 23 de Janeiro de 2003, o acesso à acta da reunião do grupo de peritos de 12 de Novembro de 2002, e em seguida ter tido de reformular o seu pedido em 24 de Fevereiro e 20 de Março de 2003, dado o carácter extremamente sucinto da informação comunicada pela Comissão por carta de 3 de Fevereiro de 2003.

99      Antes de mais, quanto à possibilidade de ser ouvida, a Comissão considera que a recorrente podia perfeitamente ter dado a conhecer o seu ponto de vista, como demonstram as suas amplas e detalhadas respostas de 11 de Outubro de 2002 no processo REM 02/02. Observa, por outro lado, que demonstrou um grande espírito de abertura ao receber a recorrente por três vezes. Defende ainda que a argumentação da recorrente podia ter uma certa relevância se esta demonstrasse não estar em condições de apresentar utilmente o seu ponto de vista. Ora, a recorrente não demonstrou de modo algum que o recurso exclusivo à escrita tinha diminuído a eficácia da sua defesa.

100    Em seguida, a Comissão alega que a jurisprudência referida pela recorrente diz respeito a uma situação anterior à entrada em vigor do Regulamento n.° 1677/98, que introduziu, nomeadamente, no regulamento de aplicação um novo artigo 906.°‑A, que prevê que o requerente do reembolso ou da dispensa comunique as suas objecções por escrito à Comissão quando esta tencione tomar uma decisão desfavorável.

101    A Comissão indica que estas novas disposições foram aplicadas no âmbito do processo que deu origem ao acórdão Kaufring e o./Comissão, n.° 92, supra. Sublinha que o Tribunal não anulou a decisão da Comissão nesse processo devido ao facto de a recorrente não ter sido ouvida e que considerou suficiente o facto de o artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação permitir a apresentação das observações por escrito.

102    No que respeita, em segundo lugar, ao acesso ao processo, a Comissão considera que a argumentação da recorrente é irrelevante. Indica ter enviado à recorrente todos os documentos pedidos. A Comissão salienta ainda que, quanto ao único documento a que a recorrente não teve acesso imediato, a saber, a acta da reunião do grupo de peritos, o pedido de acesso correspondente foi formulado em 23 de Janeiro de 2003, ou seja, depois da data de adopção das decisões controvertidas. Nestas condições, embora admitindo que tenha havido uma recusa de acesso ao processo, quod non, esta recusa não era por si só susceptível de afectar a validade das decisões controvertidas.

103    A título supletivo, a Comissão afirma que o atraso registado no envio da referida acta se justificava à luz do Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, o documento em causa contém informações delicadas ligadas a interesses comerciais e o advogado da recorrente não fez prova imediata da sua qualidade de mandatário quando apresentou o pedido de acesso.

104    Por fim, a Comissão sublinha que a recorrente não invoca a violação do artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação.

–       Apreciação do Tribunal

105    Importa recordar, antes de mais, que o princípio do respeito dos direitos de defesa exige que seja dada a possibilidade, a qualquer pessoa contra a qual possa ser tomada uma decisão que afecte os seus interesses, de dar a conhecer utilmente a sua posição, pelo menos quanto aos elementos de acusação que a Comissão utilizou contra essa pessoa para fundamentar a sua decisão (v., neste sentido, acórdãos Fiskano/Comissão, n.° 92, supra, n.° 40; Comissão/Lisrestal e o., n.° 92, supra, n.° 21, e Kaufring e o./Comissão, n.° 92, supra, n.° 153).

106    No caso das decisões adoptadas pela Comissão nos termos do artigo 239.° do código aduaneiro, o respeito dos direitos de defesa do requerente da remissão é garantido pelo procedimento referido no artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação (v. n.° 11, supra).

107    No caso em apreço, esse procedimento foi cumprido pela comunicação, em anexo à carta de 9 de Setembro de 2002 (v. n.° 26, supra), de um memorando de dez páginas em que se expunham os elementos de facto e regulamentares que justificavam a intenção da Comissão de tomar uma decisão negativa nos processos REM 02/02 e REM 03/02. Além disso, a recorrente exerceu o seu direito de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre as objecções da Comissão através do envio da carta de 11 de Outubro de 2002, composta por 24 páginas completadas por 14 anexos no processo REM 02/02 e por 21 páginas completadas por 10 anexos no processo REM 03/02, em que eram desenvolvidos os seus comentários e argumentos.

108    Quanto, em primeiro lugar, ao indeferimento do pedido da recorrente de ser ouvida no âmbito de uma audição, basta observar que nem a disposição específica relativa ao procedimento administrativo, a saber, o artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação, nem o princípio geral do respeito dos direitos de defesa conferem ao requerente da remissão o direito a essa audição.

109    Além disso, a natureza específica da decisão tomada pela Comissão em aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro não torna, de modo algum, indispensável a concessão, ao requerente da remissão, da possibilidade de apresentar oralmente as suas observações, para além da exposição por escrito do seu ponto de vista.

110    O Tribunal considera, portanto, que, com a sua carta detalhada de 11 de Outubro de 2002, a recorrente exerceu plenamente a possibilidade que lhe foi concedida de dar a conhecer à Comissão o seu ponto de vista. Os exemplos que a recorrente apresenta (v. n.° 96, supra) em defesa da posição contrária não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão, uma vez que não revelam nenhum elemento que a recorrente não tenha podido apresentar por escrito.

111    No que respeita, em segundo lugar, ao acesso ao processo, há que declarar, como a Comissão correctamente indica, que o pedido de acesso foi apresentado posteriormente à adopção das decisões controvertidas, no decurso da preparação dos presentes recursos. Assim, a violação do Regulamento n.° 1049/2001 alegada pela recorrente, a considerar‑se demonstrada, não poderia afectar a validade das decisões controvertidas, que deve ser apreciada por referência ao momento da sua adopção. De resto, o Tribunal indica que a recorrente não demonstrou que não teve acesso aos documentos pedidos. Efectivamente, a acta da reunião do grupo de peritos foi fornecida na sua versão integral pela Comissão.

112    De onde resulta que a quinta parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida, em nenhuma das suas duas vertentes.

113    Não tendo sido acolhida nenhuma das cinco partes do primeiro fundamento, há que julgá‑lo improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro

114    O segundo fundamento tem por objecto o erro manifesto de apreciação que a Comissão terá cometido ao considerar que as condições de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro não estavam preenchidas. Articula‑se em três partes. A primeira diz respeito à recusa da Comissão em reconhecer a existência de uma situação especial. A segunda refere‑se à inexistência de artifícios por parte da recorrente. A terceira diz respeito à recusa da Comissão em concluir pela ausência de negligência manifesta da recorrente.

115    É pacífico que a recorrente não utilizou artifícios, pelo que não há que examinar a segunda parte. Além disso, há que analisar, antes de mais, a terceira parte, relativa à alegada ausência de negligência por parte da recorrente.

–       Argumentos das partes

116    A recorrente recorda que uma das condições cumulativas para fins de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro é a negligência manifesta do operador. Acrescenta que, segundo a jurisprudência (acórdão Kaufring e o./Comissão, n.° 92, supra, n.° 278), a negligência manifesta corresponde à natureza detectável do erro na acepção do artigo 220.°, n.° 2, do código aduaneiro.

117    Para apreciar o carácter detectável do erro, na acepção desta última disposição, há que ter em conta, nomeadamente, a natureza precisa do erro, a experiência profissional e a diligência do operador (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990, Deutsche Fernsprecher, C‑64/89, Colect., p. I‑2535, n.° 24; de 8 de Abril de 1992, Beirafrio, C‑371/90, Colect., p. I‑2715, n.° 21; de 16 de Julho de 1992, Belovo, C‑187/91, Colect., p. I‑4937, n.° 17, e de 1 de Abril de 1993, Hewlett Packard France, C‑250/91, Colect., p. I‑1819, n.° 22). Esta apreciação deve fazer‑se tendo em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o., C‑153/94 e C‑204/94, Colect., p. I‑2465, n.° 101).

118    À luz destes princípios, a recorrente defende que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a condição relativa à ausência de negligência manifesta não estava preenchida no caso em apreço.

119    Quanto, antes de mais, à natureza precisa do erro, importa, segundo a jurisprudência, apreciá‑la, designadamente, tendo em conta o lapso de tempo durante o qual as autoridades competentes persistiram no erro.

120    Ora, foi erradamente que a Comissão, segundo a recorrente, afastou oficiosamente o critério do lapso de tempo ao considerar, para o negar, unicamente um erro das autoridades aduaneiras. Trata‑se sobretudo, nos presentes processos, de considerar os erros cometidos pelos despachantes alfandegários, a saber, no processo T‑134/03, o armazenamento fictício efectuado pela Cogema e, no processo T‑135/03, o desrespeito por parte da SCAC das instruções que lhe foram dadas através da escolha de um procedimento de desalfandegamento simplificado.

121    A recorrente defende que apesar da sua experiência profissional e da sua diligência não podia nem prever nem detectar esses erros dos despachantes alfandegários.

122    Quanto, em segundo lugar, à experiência profissional do operador económico, a recorrente indica que, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke (C‑48/98, Colect., p. I‑7877, n.° 57), há que apurar se a actividade desse operador consiste, essencialmente, em operações de importação e exportação e se esse operador dispõe de uma experiência anterior no exercício dessas operações.

123    A recorrente afirma que importa frequentemente os produtos referidos no Regulamento n.° 3319/94. Isso não implica que seja especialista nos procedimentos de desalfandegamento desses produtos em França. Foi por essa razão, precisamente, que recorreu a um despachante oficial e não foi capaz de detectar o erro cometido por este último.

124    Quanto, em terceiro lugar, à diligência da recorrente, esta indica que nos termos do acórdão Söhl & Söhlke, n.° 122, supra, (n.° 58), qualquer operador que tenha dúvidas quanto à aplicação exacta das disposições cujo incumprimento pode acarretar a constituição de uma dívida aduaneira deve informar‑se e procurar todos os esclarecimentos possíveis para não violar as disposições em causa.

125    Ora, nos presentes processos, a recorrente fez prova de toda a diligência necessária. Alterou, antes de mais, na sequência da adopção do regulamento, o procedimento de desalfandegamento seguido até aí para não incorrer numa situação de facturação indirecta. A recorrente defende, depois, que os erros de facturação isolados e menores apontados pela Comissão decorrem das contingências normais do comércio e que não lhe pode ser imputada qualquer negligência uma vez que os referidos erros foram rectificados.

126    Na réplica, a recorrente afirma que o carácter alegadamente irrealizável das instruções que deu à Cogema e à SCAC, por um lado, e a não utilização da possibilidade de reembolso prevista pelo Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), alterado, por outro, não têm qualquer relação, à luz de jurisprudência assente (v. n.° 124, supra), com a demonstração de uma alegada falta de diligência.

127    Assim, segundo a recorrente, não pode ser acusada de uma qualquer falta de diligência. Resulta do exposto que não é possível demonstrar que houve negligência manifesta da sua parte.

128    A Comissão observa, no que respeita, em primeiro lugar, à natureza precisa do erro, que o argumento da recorrente destinado a atenuar a sua própria responsabilidade devido ao erro alegadamente cometido pelo despachante alfandegário não é válida. Com efeito, no âmbito de um procedimento de dispensa, um operador não pode ser eximido da sua própria responsabilidade devido ao erro, real ou não, do seu despachante. Uma eventual responsabilidade contratual deste último escapa ao procedimento que conduziu à adopção da decisão impugnada.

129    Além disso, a Comissão defende que a recorrente confunde o erro do despachante com o da autoridade aduaneira, sendo que apenas esta última pode contribuir para a criação de uma situação especial.

130    No que respeita, em segundo lugar, à experiência profissional da recorrente, a Comissão afirma, antes de mais, que essa experiência profissional não deve ser apreciada no âmbito de um só Estado‑Membro. À luz da jurisprudência, basta, para se considerar que a recorrente dispõe da experiência profissional exigida, que tenha efectuado algumas operações de importação para a União Europeia das mercadorias que estão em causa e que esteja habituada, em geral, a operações de importação e exportação. Ora, é o que acontece no caso em apreço, tanto mais que a recorrente procedeu à aquisição da sua representação fiscal em França, Champagne Fertilisants, pelo que devia ser considerada, a partir da primeira entrega das mercadorias em causa, um operador económico experiente.

131    A Comissão acrescenta que a recorrente demonstrou imprudência ao dar, apesar da sua alegada inexperiência, instruções precisas aos seus despachantes alfandegários, em vez de lhes pedir conselhos, sobretudo porque o Regulamento n.° 3319/94 suscita dificuldades de aplicação.

132    No que respeita, em terceiro lugar, à diligência da recorrente, a Comissão, ao admitir que podem existir erros na facturação, retorque que a recorrente também demonstrou falta de diligência relativamente a outros aspectos, como resulta dos n.os 79 a 82 da Decisão REM 02/02 e dos n.os 75 a 79 da Decisão REM 03/02.

133    A recorrente deu, nomeadamente, instruções irrealizáveis aos seus despachantes alfandegários e não se certificou do seu cumprimento.

134    Além disso, a recorrente não tentou utilizar, deixando esgotar o respectivo prazo, a possibilidade prevista no artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento n.° 384/96.

–       Apreciação do Tribunal

135    Importa recordar, a título liminar, que, para apreciar se há negligência manifesta, na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro, deve ter‑se em conta, nomeadamente, a complexidade das disposições cuja inexecução deu origem à dívida aduaneira, bem como a experiência profissional e a diligência do operador (acórdãos do Tribunal de Justiça Söhl & Söhlke, n.° 122, supra, n.° 56, e de 13 de Março de 2003, Países Baixos/Comissão, C‑156/00, Colect., p. I‑2527, n.° 92).

136    Por outro lado, é jurisprudência constante que a Comissão goza de um poder de apreciação quando adopta uma decisão em aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro (acórdão Mehibas Dordtselaan/Comissão, n.° 92, supra, n.os 46 e 78). Há também que realçar que o reembolso ou a remissão dos direitos de importação, que só podem ser concedidos em determinadas condições e em casos especificamente previstos, constituem uma excepção ao regime normal das importações e das exportações e, consequentemente, as disposições que prevêem esse reembolso são de interpretação estrita. Em especial, sendo a ausência de negligência manifesta uma condição sine qua non para se poder ter direito ao reembolso ou à remissão dos direitos de importação, tal conceito deve ser interpretado de modo a que o número dos casos de reembolso ou de remissão seja limitado (acórdão Söhl & Söhlke, n.° 122, supra, n.° 52).

137    No que respeita, em primeiro lugar, à complexidade das disposições cuja inexecução deu origem à dívida aduaneira, basta indicar que o Tribunal de Primeira Instância já decidiu (acórdão de 21 de Setembro de 2004, Gondrand Frères/Comissão, T‑104/02, ainda não publicado na Colectânea, n.os 59 a 62 e 66) que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não apresenta uma dificuldade notável de interpretação.

138    No que respeita, além disso, à natureza precisa do erro, o Tribunal considera que a jurisprudência invocada pela recorrente (n.° 117, supra) não é relevante, na medida em que, no caso em apreço, só está em causa o alegado erro dos despachantes, não das autoridades aduaneiras.

139    No entanto, há que sublinhar que a Comissão defende, correctamente, que a recorrente não se pode eximir à sua responsabilidade própria ao invocar o erro, real ou não, dos seus despachantes. A este propósito, importa recordar que o esquema de importação dos produtos em causa foi elaborado unicamente pela recorrente, que, além disso, escolheu livremente os seus despachantes alfandegários, pelo que pouco importa, para fins de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro, saber quem, entre o operador e o seu mandatário, cometeu um eventual erro que conduziu à constituição da dívida aduaneira. De qualquer modo, esse erro não pode ser suportado pelo orçamento comunitário (v., neste sentido, relativamente à existência de uma situação especial, acórdão Mehibas Dordtselaan/Comissão, n.° 92, supra, n.os 76 a 78 e 82 a 83).

140    No que respeita, em segundo lugar, à experiência profissional da recorrente, o Tribunal recorda que há que determinar se se trata de um operador económico cuja actividade profissional consiste, no essencial, em operações de importação e de exportação e se já adquiriu uma certa experiência dessas operações (acórdão Söhl & Söhlke, n.° 122, supra, n.° 57).

141    A este propósito, há que declarar que a própria recorrente admite ter experiência em operações de importação dos produtos azotados referidos no Regulamento n.° 3319/94. Além disso, como a Comissão afirma correctamente, a recorrente já tinha importado os mesmos produtos, antes dos factos na origem dos presentes processos. Nestas condições, a Comissão considera acertadamente que a recorrente dispunha da experiência profissional exigida, desde a primeira entrega no processo REM 02/02.

142    No que respeita, em terceiro lugar, à diligência do operador, o Tribunal recorda que incumbe a este, desde que tenha dúvidas quanto à aplicação exacta das disposições cuja inexecução pode originar uma dívida aduaneira, informar‑se e procurar todos os esclarecimentos possíveis para não violar as disposições em causa (acórdão Söhl & Söhlke, n.° 122, supra, n.° 58).

143    Ora, como a Comissão sublinha correctamente, resulta do processo que a recorrente, que alega, todavia, uma pretensa inexperiência nas operações de desalfandegamento dos produtos em causa, assim como dificuldades inerentes à aplicação do Regulamento n.° 3319/94, não só não pediu quaisquer conselhos aos seus despachantes alfandegários como ainda lhes transmitiu instruções muito precisas. Há que sublinhar que, nas decisões controvertidas, a Comissão explicou as razões pelas quais a recorrente deveria ter tido dúvidas quanto à aplicação exacta das disposições cuja inexecução pode dar origem a uma dívida aduaneira (v., neste sentido, acórdão Kaufring e o./Comissão, n.° 92, supra, n.° 296).

144    Além disso, os erros da recorrente na elaboração das suas facturas militam também a favor de uma falta de diligência da sua parte.

145    Em contrapartida, não se pode censurar a recorrente por não ter utilizado a possibilidade oferecida pelo artigo 11.°, n.° 8, do Regulamento n.° 384/96. Com efeito, o procedimento de reexame tem lugar em caso de evolução dos dados que permitiram o estabelecimento dos valores utilizados no regulamento que instituiu os direitos antidumping. Tem, assim, por finalidade adaptar os direitos impostos à evolução dos elementos que estiveram na sua origem e pressupõe a alteração destes elementos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, Medici Grimm/Conselho, T‑7/99, Colect., p. II‑2671, n.° 82).

146    Considerado na sua integralidade, o comportamento da recorrente durante as operações em causa não pode, portanto, ser considerado suficientemente diligente.

147    Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar, nas decisões controvertidas, que a condição relativa à ausência de negligência manifesta por parte da recorrente não estava preenchida. Em consequência, a terceira parte do segundo fundamento é considerada improcedente.

148    Por outro lado, decorre da redacção do artigo 905.° do regulamento de aplicação que o reembolso dos direitos de importação está subordinado à reunião de duas condições cumulativas, a saber, em primeiro lugar, a existência de uma situação especial e, em segundo, a inexistência de negligência manifesta e de artifício por parte do interessado. Em consequência, basta que uma das duas condições não se verifique para que o reembolso dos direitos deva ser recusado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Mehibas Dordtselaan/Comissão, n.° 92, supra, n.° 87; de 12 de Fevereiro de 2004, Aslantrans/Comissão, T‑282/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 53; Gondrand Frères/Comissão, n.° 137, supra, n.° 57).

149    Não estando preenchida a condição relativa à ausência de negligência manifesta, não é necessário examinar a primeira parte do segundo fundamento relativo à existência de uma situação especial.

150    Assim, não há que acolher o segundo fundamento, por improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

–       Argumentos das partes

151    A recorrente defende que a Comissão não respeitou o dever de fundamentação que lhe incumbia por força do artigo 253.° CE.

152    Mais precisamente, a recorrente acusa a Comissão de não ter indicado as razões pelas quais não teve em conta, nas decisões controvertidas, o facto de a legislação antidumping não ter sido contornada. A recorrente considera, efectivamente, que a situação de facturação indirecta, criada artificialmente, em sua opinião, por causa do erro dos despachantes alfandegários, não pode, só por si, justificar a imposição do direito específico previsto no artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94.

153    A recorrente prossegue indicando que o artigo 239.° do código aduaneiro é uma cláusula de equidade destinada a ser aplicada nas circunstâncias em que não seria justo impor a um dado operador económico um prejuízo, como a imposição de um direito específico, que não sofreria normalmente. Acrescenta que as decisões controvertidas não se podem considerar equitativas na medida em que, não existindo erros da Cogema e da SCAC, não era devedora do direito especial. Ao não precisar em que é que as suas decisões eram equitativas, a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação.

154    Por fim, a recorrente afirma que a Comissão, ainda que considere que o processo REM 1/98 não é comparável aos processos REM 02/02 e REM 03/02, não explicou a razão pela qual, no processo REM 1/98, e contrariamente à posição adoptada nos presentes processos, teve em conta o facto de o preço na importação ser superior ao preço mínimo fixado pelo Regulamento n.° 3319/94.

155    A Comissão remete, a este respeito, para os argumentos que desenvolveu no âmbito da primeira parte do segundo fundamento, relativos, por um lado, ao alegado erro dos despachantes alfandegários e, por outro, à comparação dos presentes processos com o processo REM 1/98.

–       Apreciação do Tribunal

156    Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, de modo a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida tomada e defenderem os seus direitos e ao juiz exercer a sua fiscalização. Não pode, contudo, exigir‑se que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Com efeito, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão preenche estes requisitos deve ser apreciada à luz, não somente do seu teor literal mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão Mehibas Dordtselaan/Comissão, n.° 92, supra, n.° 92, e jurisprudência aí referida).

157    Quanto a decisões de indeferimento de pedidos de remissão em aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão consiste em explicitar as razões pelas quais as condições previstas pela referida disposição não estão preenchidas.

158    Ora, resulta da leitura das decisões controvertidas que a Comissão expôs claramente as razões pelas quais considerava que as condições previstas no artigo 239.° do código aduaneiro não estavam preenchidas. Basta observar que, no que respeita ao processo T‑134/03, a Comissão explicou em que é que as condições relativas à existência de uma situação especial e à ausência de negligência manifesta não estavam preenchidas, respectivamente, nos n.os 35 a 68 (páginas 10 a 21) e 69 a 86 (páginas 21 a 26) da Decisão REM 02/03. Procedeu da mesma forma na Decisão REM 03/02 na origem do processo T‑135/03, nos n.os 34 a 65 (páginas 10 a 21) e 66 a 80 (páginas 21 a 25).

159    Além disso, o Tribunal observa que pôde exercer o seu controlo da legalidade das decisões controvertidas. Indica também que resulta do dossier do procedimento administrativo, da petição e da réplica, assim como da audiência, que a recorrente entendeu perfeitamente quer os projectos de decisão negativa quer as decisões controvertidas e que estava em condições de desenvolver uma argumentação sólida e detalhada, no que respeita ao mérito, em apoio dos seus pedidos de dispensa e, depois, dos seus recursos de anulação das decisões controvertidas.

160    Nestas condições, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

161    Das considerações precedentes resulta que deve ser negado provimento aos recursos.

 Quanto às despesas

162    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, suportará, além das suas despesas, as despesas da Comissão, de acordo com os pedidos desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

decide :

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A recorrente suportará as suas próprias despesas, assim como as da Comissão.

Vesterdorf

Cooke

Garcia‑Valdecasas

Labucka

 

      V. Trstenjak

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2005.

O secretário

 

       O presidente

H. Jung

 

       B. Vesterdorf


* Língua do processo: francês.