Language of document : ECLI:EU:T:2001:177

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

5 de Julho de 2001 (1)

«Concorrência - Contratos de fornecimento de cerveja - Denúncia -

Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE)»

No processo T-25/99,

Colin Arthur Roberts e Valerie Ann Roberts, residentes em Kempston (Reino Unido), representados por B. Bedford, barrister, S. Ferdinand e J. Kelly, solicitors,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Klaus Wiedner, na qualidade de agente, assistido por Nicholas Khan, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 12 de Novembro de 1998,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, K. Lenaerts e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Fevereiro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto na origem do litígio

1.
    No Reino Unido, a venda a retalho de bebidas alcoólicas para consumo no local só pode ser efectuada em estabelecimentos com licença. Existem actualmente três categorias de licenças:

-    as licenças gerais (full on-licences), que permitem a venda de bebidas alcoólicas ao cliente, sem a condição de este ser residente ou de tomar uma refeição. São passadas a pubs, bares de hotel e bares de vinhos (wine bars);

-    as licenças restritas (restricted on-licences), que permitem a venda de bebidas alcoólicas apenas a clientes residentes ou que tomem uma refeição. São concedidas a hotéis e restaurantes;

-    as licenças «clubs» (clubs), que permitem a venda de bebidas alcoólicas apenas a clientes que sejam membros do clube em causa.

2.
    A maior parte dos estabelecimentos no Reino Unido que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local pertencem ou estão ligados a um fabricante de cerveja, o qual assegura, assim, um mercado para o escoamento da sua cerveja. Existem, essencialmente, três modos de exploração dos referidos estabelecimentos:

-    o fabricante de cerveja é proprietário do estabelecimento, que é gerido por um dos seus empregados;

-    o fabricante de cerveja é proprietário do estabelecimento e dá-o de arrendamento a uma entidade que o explora e se compromete, para alémdo pagamento da renda, a respeitar a obrigação de aquisição da cerveja produzida pelo referido fabricante (tied tenanted public houses);

-    o fabricante não é proprietário do estabelecimento, mas estabelece uma relação com o mesmo, concedendo um empréstimo em condições preferenciais ao respectivo proprietário, o qual, em contrapartida, assume, designadamente, a obrigação de aquisição da cerveja do referido fabricante (loan tied houses).

3.
    A partir de 1989, o mercado britânico da cerveja para consumo no local sofreu profundas alterações na sua estrutura. No ano referido, a Monopolies and Mergers Commission elaborou um relatório sobre o fornecimento de cerveja, o qual incluía recomendações. Estas recomendações foram seguidas da adopção da Supply of Beer (Tied Estate) Order 1989, diploma relativo ao fornecimento de cerveja aos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local e que celebraram contratos de aquisição exclusiva (a seguir «Order 1989»), e da Supply of Beer (Loan Ties, Licensed Premises and Wholesale Prices) Order 1989, diploma do mesmo ano relativo ao fornecimento de cerveja a estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local, ligados a um fabricante de cerveja por empréstimos em condições preferenciais. O objecto dos referidos diplomas era restringir o número de estabelecimentos que vendiam bebidas alcoólicas para consumo no local pertencentes ou ligados aos fabricantes de cerveja.

4.
    Concentrações no sector da produção de cerveja no Reino Unido levaram ao aparecimento, em meados dos anos 90, de quatro fabricantes cujos interesses e mercado geográfico já não eram regionais, como era tradicionalmente o caso, mas sim nacionais. Trata-se da Scottish & Newcastle, da Bass, da Carlsberg Tetley Brewing e da Whitbread, que asseguravam 78% do fornecimento de cerveja no mercado do Reino Unido. Resta um certo número de fabricantes regionais, entre os quais a designada «Greene King».

5.
    Colin Arthur Roberts e Valerie Ann Roberts exploram, no Bedfordshire, um pub que pertence à Greene King. Na qualidade de arrendatários, estão sujeitos à obrigação de abastecimento de cerveja junto da Greene King.

6.
    No órgão jurisdicional nacional, impugnaram a legalidade da obrigação de aquisição de cerveja estipulada no arrendamento, afirmando que esta obrigação viola o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

7.
    Neste contexto, em 23 de Maio de 1997, apresentaram uma queixa nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), na qual alegaram que o arrendamento celebrado com a Greene King é contrário ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

8.
    Em 7 de Novembro de 1997, a Comissão enviou aos recorrentes, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), uma carta (a seguir «carta nos termos do artigo 6.°»), na qual os informa de que os elementos recolhidos não justificam que seja dada sequência favorável à sua queixa, indicando-lhes os motivos desta tomada de posição e fixando-lhes um prazo para apresentarem eventuais observações escritas.

9.
    Pela decisão de 12 de Novembro de 1998 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão indeferiu a queixa, pelo facto de o contrato de locação-tipo utilizado pela Greene King não se enquadrar no âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em resposta a uma afirmação dos recorrentes, contida nas observações relativamente à carta nos termos do artigo 6.°, a respeito da existência de um acordo sobre os preços entre os fabricantes de cerveja no Reino Unido, a Comissão referiu, numa primeira reacção, que a apreciação dos argumentos dos recorrentes não permite concluir pela existência de um acordo desse tipo.

Tramitação processual e pedidos das partes

10.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Janeiro de 1999, Colin Arthur Roberts e Valerie Ann Roberts interpuseram o presente recurso.

11.
    Por despacho de 20 de Outubro de 1999, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância concedeu aos recorrentes o benefício da assistência judiciária gratuita.

12.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No quadro das medidas de organização do processo, convidou a Comissão a responder por escrito a determinadas questões, ao que a Comissão deu satisfação.

13.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões formuladas pelo Tribunal na audiência de 8 de Fevereiro de 2001.

14.
    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

15.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar os recorrentes nas despesas.

Questão de direito

I - Quanto à aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado aos contratos-tipo celebrados pela Greene King

A - Quanto à definição do mercado em causa

16.
    No n.° 60 da decisão impugnada, a Comissão definiu o mercado dos produtos em causa com sendo o da distribuição de cerveja nos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local. Para este efeito, remeteu, designadamente, para o n.° 16 do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect., p. I-935), no qual é referido, a respeito dos contratos de fornecimento de cerveja, o seguinte:

«[O mercado em causa] define-se, em primeiro lugar, em função da natureza da actividade económica em causa, concretamente, a venda de cerveja. Esta faz-se quer pela via do comércio a retalho quer pela das lojas de bebidas. Do ponto de vista do consumidor, o sector das lojas de bebidas, incluindo designadamente os cafés e restaurantes, distingue-se do comércio a retalho, pelo facto de as vendas efectuadas nas lojas de bebidas andarem associadas não apenas com a simples compra de uma mercadoria, mas igualmente com uma prestação de serviços e pelo facto de o consumo de cerveja nas lojas de bebidas não depender essencialmente de considerações de ordem económica. Essa especificidade das vendas nas lojas de bebidas é confirmada pelo facto de as fábricas de cerveja terem organizado sistemas de distribuição específicos para esse sector, que necessitam de instalações especiais, e pelo facto de os preços praticados nesse sector serem, em geral, superiores aos praticados nas vendas do comércio a retalho.»

Resumo da argumentação das partes

17.
    Os recorrentes consideram que a definição do mercado adoptada pela Comissão é gravemente incorrecta do ponto de vista jurídico e está fundamentada deficientemente.

18.
    Entendem que o mercado em causa respeita apenas aos pubs, portanto unicamente a um dos tipos de estabelecimentos que são titulares de uma licença geral.

19.
    Justificam esta tese afirmando, em primeiro lugar, que o acórdão Delimitis, citado no n.° 16, supra, no qual a Comissão se baseou na decisão impugnada, não é relevante para a resolução da questão em análise. Efectivamente, o mesmo tem por objecto apenas confirmar o facto, contestado no âmbito do referido acórdão, masnão no presente caso, de que o mercado dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local é distinto do comércio a retalho.

20.
    Em segundo lugar, afirmam que os consumidores distinguem os pubs dos clubes. A este respeito, referem a circunstância, salientada pela Comissão no n.° 59 da decisão impugnada, de o preço da cerveja nos clubes representar apenas 82% a 83% do praticado nos pubs, pelo que a diferença de preços é da ordem dos 17% a 18%. Além disso, baseiam-se na Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), na qual se refere, no n.° 17:

«A questão que se coloca é a de saber se os clientes [...] transfeririam rapidamente a sua procura para os produtos de substituição disponíveis ou para fornecedores situados noutros locais em resposta a um pequeno aumento hipotético (em torno dos 5% a 10%) dos preços relativos, dos produtos e áreas em análise.»

21.
    Salientam que, apesar da diferença de preços entre os pubs e os clubes, o consumo de cerveja nos clubes não aumentou em prejuízo do que se verifica nos pubs. Concluem, consequentemente, que existem dois mercados do produto distintos.

22.
    Em terceiro lugar, referem que as fábricas de cerveja distinguem os pubs dos restantes estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local. Em apoio desta afirmação, remetem, por um lado, para o relatório anual de 1995-1996 da Greene King, no qual é efectuada uma distinção deste tipo e, por outro, para o Pub Industry Handbook 1997, publicado pelo The Publican Newspaper, uma publicação comercial que só fornece informações sobre pubs, com exclusão dos hotéis, bares de vinhos, restaurantes e clubes.

23.
    Em quarto lugar, afirmam que o artigo 1.°, n.° 2, da Order 1989 exclui do seu âmbito de aplicação os estabelecimentos titulares de licença restrita. Esta exclusão explica-se pelo facto de este tipo de estabelecimentos apenas representar um instrumento pouco relevante da capacidade dos fabricantes nacionais para fechar o mercado. Efectivamente, a percentagem dos referidos estabelecimentos no volume total de vendas de cerveja representa, conforme a própria Comissão reconheceu no n.° 61 da decisão impugnada, bastante menos de 10%. Não se impõe, assim, a sua tomada em conta na definição do mercado.

24.
    Em quinto lugar, referem que a Comissão apreciou recentemente, noutro processo relativo à fabrica de cerveja nacional Whitbread, o mercado do modo preconizado no presente processo. A este respeito, remetem para a Comunicação nos termos do n.° 3 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, no processo IV/35.079/F3 - Whitbread (JO 1997, C 294, p. 2, a seguir «comunicação Whitbread»), e designadamente para o n.° 3, no qual a Comissão refere que os «1970 estabelecimentos [de bebidas arrendados pela Whitbread] representam 2,4% dos estabelecimentos britânicos explorados 'on-licensed'».

25.
    A Comissão refere que a questão levantada na queixa é idêntica à que foi submetida ao Tribunal de Justiça no processo que deu lugar ao acórdão Delimitis, já referido, e que a decisão impugnada se baseia nos critérios desenvolvidos no mesmo acórdão, os quais são relevantes para o presente caso. Os argumentos invocados pelos recorrentes contra esta conclusão não têm fundamento.

Apreciação do Tribunal

26.
    A fim de analisar a correcção da definição do mercado adoptada pela Comissão no n.° 60 da decisão impugnada, deve recordar-se liminarmente que a delimitação do mercado em causa é essencial para a análise dos efeitos dos contratos de fornecimento de cerveja com obrigação de aquisição exclusiva sobre o funcionamento da concorrência e, designadamente, das possibilidades de os novos concorrentes nacionais e estrangeiros se implantarem no mercado do consumo de cerveja ou de aumentarem a sua parte nesse mercado (v. acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.os 15 e 16, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão, T-7/93, Colect., p. II-1533, n.° 60, e Schöller/Comissão, T-9/93, Colect., p. II-1611, n.° 39).

27.
    A delimitação do mercado em causa, a que a Comissão procedeu na decisão impugnada, retoma a efectuada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça teve de se pronunciar, no âmbito de um litígio entre o arrendatário de um estabelecimento de bebidas e um fabricante de cerveja alemão, quanto à compatibilidade dos contratos de fornecimento de cerveja com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O Tribunal concluiu que o mercado de referência correspondia ao da distribuição de cerveja no sector dos estabelecimentos de bebidas, que se distingue do comércio de retalho e abrange, designadamente, os cafés e os restaurantes (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 17), e alarga-se, por isso, ao conjunto dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local.

28.
    O Tribunal de Justiça salientou que a venda de cerveja tem lugar tanto pela via do comércio a retalho como através dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local. Concluiu que, do ponto de vista do consumidor, o sector dos estabelecimentos acima referidos, incluindo, designadamente, os cafés e os restaurantes, se distingue do sector do comércio a retalho, pelo facto de a venda nos primeiros não depender essencialmente de considerações de ordem económica. Acrescentou que esta especificidade das vendas nos referidos estabelecimentos é confirmada pelo facto de os fabricantes de cerveja terem organizado sistemas de distribuição específicos para este sector, que necessitam de instalações especiais, e de os preços praticados no mesmo sector serem, em geral, superiores aos praticados nas vendas do comércio a retalho (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 16).

29.
    Há que considerar que a Comissão retomou correctamente esta definição de mercado no presente caso, uma vez que os fundamentos que a justificavam no âmbito do processo que deu lugar ao acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, são passíveis de transposição para o presente caso.

30.
    Efectivamente, os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local apresentam, tanto no Reino Unido como na Alemanha, uma característica comum: do ponto de vista do consumidor, a venda é aí associada a uma prestação de serviços e o consumo de cerveja não depende essencialmente de considerações de ordem económica, e, do ponto de vista dos fabricantes, a distribuição é organizada segundo sistemas específicos deste sector e os preços praticados são, em geral, superiores aos praticados nas vendas do comércio a retalho.

31.
    A este respeito, a Comissão salienta correctamente, no n.° 59 da decisão impugnada, que o conjunto dos estabelecimentos que, no Reino Unido, são titulares de uma licença que permite a venda de bebidas alcoólicas para consumo no local, quer sejam estabelecimentos titulares de uma licença geral, com licença restrita ou com licença «clubs», apresentam as seguintes características comuns: as bebidas são adquiridas para serem consumidas no local, o conceito de serviço é importante e existe um sistema de distribuição específico comum a todos esses estabelecimentos, incluindo, designadamente, equipamentos especiais para a venda de cerveja à pressão. Embora a Comissão reconheça que o preço da cerveja nos clubes é inferior ao praticado nos restantes estabelecimentos, o que explica pelo facto de os clubes não terem finalidade lucrativa, esclarece que o preço é, apesar disso, mais elevado do que o praticado nos supermercados.

32.
    Estas características comuns, relevantes para a delimitação do mercado em causa, aplicam-se indistintamente ao conjunto dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local, apesar da circunstância de estes estabelecimentos apresentarem diferenças bastante significativas entre si no que respeita ao enquadramento e ao ambiente em que é efectuada a venda, à natureza dos serviços que lhe estão associados e, mesmo, eventualmente, aos preços que são praticados nos referidos estabelecimentos.

33.
    Esta diversidade de tipos de estabelecimentos que partilham das características acima referidas e se enquadram, por isso, no mercado em causa é ilustrada pela circunstância de o Tribunal de Justiça ter citado como exemplos, referindo expressamente, aliás, que não eram restritivos, os cafés e os restaurantes (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 16), portanto, tipos de estabelecimentos que se distinguem um dos outros, em geral, pelo enquadramento e pelo ambiente, pela natureza dos serviços prestados e pelos preços praticados na venda de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja.

34.
    Estas diferenças, certamente não desprezíveis no espírito do consumidor, mas secundárias relativamente às características comuns já referidas, não são, assim, susceptíveis de contrariar a conclusão de que os estabelecimentos que vendembebidas alcoólicas para consumo no local estão abrangidos todos no mesmo mercado.

35.
    A este respeito, há que considerar que improcedem os argumentos apresentados pelos recorrentes para demonstrar que o mercado em causa é representado apenas pelos pubs, com exclusão dos restantes estabelecimentos titulares de uma licença geral e dos estabelecimentos titulares de licenças restritas e de licenças «clubs».

36.
    Em primeiro lugar, os recorrentes afirmam que o acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, tem apenas por objecto confirmar o facto, pacífico no processo em causa, de que o mercado dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local se distingue do do comércio a retalho. Deve notar-se, a este respeito, que é certo que, no âmbito do processo que levou ao acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, na sequência de um pedido de interpretação a título prejudicial, a recorrida no processo principal afirmou que deveriam ser incluídas no mercado em causa as vendas de cerveja efectuadas pelos supermercados e pelos outros comerciantes que vendem a retalho (v. relatório para audiência no processo que deu lugar ao acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, Colect., p. I-945). Daqui não resulta, contudo, que a delimitação do mercado em causa efectuada pelo Tribunal de Justiça no referido processo só seja relevante para contestar esta tese, que, enquanto tal, não era, aliás, objecto de uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Tribunal de Justiça esclareceu, efectivamente, que, em conformidade com o seu acórdão de 12 de Dezembro de 1967, Brasserie de Haecht (23/67, Colect. 1965-1968, p. 703), esta definição do mercado obedecia ao propósito de tomar em consideração o contexto económico e jurídico no âmbito do qual o contrato de fornecimento de cerveja se insere (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 14) e constituía a premissa da análise dos efeitos produzidos por um contrato desse tipo, em conjugação com outros contratos do mesmo tipo, sobre as possibilidades, para os concorrentes nacionais ou originários de outros Estados-Membros, de se implantarem no mercado do consumo de cerveja (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 15). A sua abordagem obedecia a um único critério, ou seja, a natureza da actividade económica em causa, no caso concreto, a venda de cerveja. A definição do mercado obedecia, assim, a considerações bastante mais amplas do que a de analisar se o mercado em causa englobava também o comércio a retalho.

37.
    Em segundo lugar, os recorrentes afirmam que os consumidores distinguem os pubs dos clubes e concluem daí que os clubes não são abrangidos no mesmo mercado que os pubs. A este respeito, baseiam-se no facto, referido pela Comissão no n.° 59 da decisão impugnada, de o preço da cerveja nos clubes representar (em Dezembro de 1994) 82% a 83% do praticado nos pubs. Comparam essa circunstância com a comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência, na qual se esclarece que a apreciação da possibilidade de substituição do lado da procura implica a determinação da gama de produtos considerados substituíveis pelo consumidor(n.° 15). A Comissão cita, como exemplo de um critério que pode fornecer indicações sobre os elementos relevantes para a definição dos mercados, os efeitos que podem implicar, para a substituição do lado da procura, pequenas variações permanentes dos preços relativos (n.° 15). A este respeito, a Comissão observa na comunicação que a questão que se coloca é a de saber se os clientes das partes se voltariam para produtos de substituição facilmente acessíveis ou para fornecedores implantados noutros locais, no caso de aumento ligeiro (de 5% a 10%), mas permanente, dos preços relativos dos produtos considerados nas áreas em causa. Se o fenómeno da substituição for suficiente, devido à diminuição de vendas que daí resulta, para retirar qualquer interesse ao aumento dos preços, os produtos de substituição serão incluídos no mercado em causa (n.° 17).

38.
    Remetendo para estes elementos, os recorrentes afirmam que a diferença de preços entre os pubs e os clubes é, tendo em conta os números fornecidos pela Comissão no n.° 59 da decisão impugnada, da ordem dos 17% a 18% e que nada demonstra um aumento do consumo de cerveja nos clubes relativamente aos pubs. Concluem, assim, que existem dois mercados distintos.

39.
    Deve recordar-se que a circunstância de o consumidor fazer uma distinção entre os vários tipos de estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local não é relevante para se considerar que cada um destes tipos de estabelecimento constitui um mercado distinto, dado que o conjunto destes estabelecimentos apresenta, tanto do ponto de vista do consumidor (a compra de cerveja está associada a uma prestação de serviços e o consumo de cerveja nestes estabelecimentos não depende essencialmente de considerações de ordem económica) como do ponto de vista dos fabricantes (existência de sistemas de distribuição específicos e nível mais elevado dos preços de venda relativamente aos praticados no comércio a retalho), características comuns que obrigam a considerá-los como integrados num único mercado.

40.
    Os recorrentes, invocando um exemplo muito simples, extraído da comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência, encaram a questão da possibilidade de substituição do lado da procura apenas em virtude do único critério da diferença de preços. Não têm, assim, em conta uma circunstância específica da venda de cerveja, salientada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, ou seja, que o consumo desta bebida alcoólica nos estabelecimentos que vendem cerveja para consumo no local não depende essencialmente de considerações de ordem económica. A este respeito, a Comissão refere correctamente, nos seus articulados, que a escolha que o consumidor faz entre estes estabelecimentos é sobretudo influenciada pelo ambiente e pela decoração dos mesmos, e isto mesmo dentro da subcategoria dos pubs que foi diferenciada pelos recorrentes.

41.
    Em terceiro lugar, os recorrentes afirmam que os pubs constituem para os fabricantes de cerveja um mercado distinto. Em apoio desta tese, remetem parao relatório anual de 1995-1996 da Greene King, que distingue os diferentes tipos de estabelecimentos que vendem cerveja para consumo no local, e para o Pub Industry Handbook 1997, publicação comercial que apenas fornece informações sobre os pubs.

42.
    A este respeito, deve realçar-se que o relatório anual da Greene King, que se destina a informar os accionistas dos resultados financeiros desta sociedade, enumera, certamente, os diferentes canais de distribuição da cerveja. Esta enumeração engloba, contudo, categorias, como as dos estabelecimentos ligados e não ligados a fabricantes, que não constituem, mesmo no entender dos recorrentes, mercados distintos. O critério que foi utilizado, no referido relatório anual, para o estabelecimento de uma diferenciação entre as diferentes categorias de estabelecimentos não foi, manifestamente, a definição de mercados distintos.

43.
    A circunstância de o Pub Industry Handbook 1997 fornecer informações apenas sobre pubs, com exclusão de outros tipos de estabelecimentos que vendem cerveja para consumo no local, explica-se pelo facto de esta publicação se dirigir essencialmente aos proprietários e aos arrendatários de pubs. Este facto ilustra a diversidade dos estabelecimentos que vendem cerveja para consumo no local e a possibilidade de os classificar em diferentes categorias. Daqui não resulta, contudo, que cada uma dessas categorias de estabelecimentos deva ser considerada como constituindo um mercado distinto. Efectivamente, como vimos nos n.os 29 a 34, supra, todos os estabelecimentos em questão possuem, apesar da categoria a que pertencem, possuem características comuns que obrigam a que sejam considerados como abrangidos por um único e mesmo mercado.

44.
    Esta conclusão contraria igualmente o argumento avançado em quarto lugar pelos recorrentes, assente no facto de o artigo 1.°, n.° 2, da Order 1989 excluir do seu âmbito de aplicação os estabelecimentos possuidores de licença restrita. Uma exclusão deste tipo por uma disposição de direito nacional, cujo alcance não está, aliás, claramente determinado, como correctamente observa a Comissão no n.° 61 da decisão impugnada, não constitui, por si só, motivo decisivo para se considerar que estes estabelecimentos, que apresentam juntamente com os restantes estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local as características comuns referidas no n.° 30, supra, cuja existência não é, por outro lado, posta em causa por esta disposição, se enquadram num outro mercado.

45.
    Em quinto lugar, os recorrentes remetem para a comunicação Whitbread. Afirmam que a Comissão calculou aí a parte de mercado da referida empresa não como no presente processo, em função do número total de estabelecimentos titulares de uma licença que permite a venda de bebidas alcoólicas para consumo no local, mas tendo em conta apenas os estabelecimentos titulares de uma licença geral. Justificam esta tese invocando uma frase extraída do n.° 3 da referida comunicação, na qual a Comissão indica que os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local, pertencentes à Whitbread e arrendados a títulopermanente, representam 2,4% dos estabelecimentos titulares de uma licença geral no Reino Unido.

46.
    A este respeito, deve concluir-se que, ao contrário do que os recorrentes sugerem ao invocar uma passagem da comunicação Whitbread, a Comissão definiu o mercado em causa no referido processo do mesmo modo que no presente, ou seja, de modo a englobar todos os estabelecimentos que dispõem de licença que permite a venda de bebidas alcoólicas para consumo no local.

47.
    Esta conclusão baseia-se, por um lado, na própria comunicação. Com efeito, nos n.os 12 e 13, bem como no quadro 1, são tidos em consideração todos os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local, com indicação, respectivamente, do seu número relativamente a cada uma das categorias de estabelecimento, consoante a natureza da licença que possui e a quantidade de cerveja vendida. Além disso, na mesma frase extraída do n.° 3 da comunicação, na qual os recorrentes baseiam a sua argumentação, a Comissão acrescenta que os estabelecimentos da Whitbread dados de arrendamento adquirem à referida empresa um número de barris de cerveja que representa 1,6% do consumo de cerveja nos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local no Reino Unido. A Comissão avalia, assim, a parte de mercado da Whitbread em termos de quantidade de cerveja adquirida e escoada através dos seus estabelecimentos dados de arrendamento em relação ao conjunto dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local, quer aqueles sejam titulares de uma licença geral, titulares de uma licença restrita ou de uma licença «clubs».

48.
    Esta conclusão baseia-se, por outro lado, na Decisão 1999/230/CE da Comissão, de 24 de Fevereiro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/35.079/F3 - Whitbread) (JO L 88, p. 26, a seguir «decisão Whitbread»), adoptada posteriormente à apresentação da petição inicial no presente processo, e à qual as partes se referiram na fase escrita do processo. Nos considerandos 95 a 97 da referida decisão, a Comissão faz uma definição do mercado em causa em tudo idêntica à efectuada nos n.os 58 a 60 da decisão impugnada.

49.
    Improcede, consequentemente, o argumento dos recorrentes, que, aliás, só é relevante para demonstrar uma incoerência na actuação da Comissão em processos distintos, embora similares, mas não uma definição incorrecta do mercado no presente caso.

50.
    Resulta do que antecede que os recorrentes não podem invocar a existência de erro de direito, por parte da Comissão, na definição do mercado em causa, nem a insuficiência da fundamentação.

51.
    Deve acrescentar-se que a relevância do fundamento é muito reduzida. Efectivamente, mesmo pressupondo que o mercado de referência deva ser definidoda forma pretendida pelos recorrentes, a quota de mercado da Greene King, expressa segundo o parâmetro mais importante, ou seja, a quantidade de cerveja vendida, que, com base na definição do mercado adoptada pela Comissão, é de 1,3%, passaria apenas a 1,86%, aceitando-se a definição do mercado em causa proposta pelos recorrentes. Continuaria, assim, a ser muito fraca. O professor Waterson, perito mandatado pelos recorrentes, reconhece, por outro lado, que a definição do mercado proposta pelos recorrentes apenas produziria um efeito limitado sobre a quota de mercado da Greene King (anexo A da petição inicial, p. 99).

52.
    Resulta das considerações que antecedem que improcede o fundamento em causa.

B - Quanto à contribuição da rede de acordos da Greene King para fechar o mercado

53.
    Na decisão impugnada, a Comissão, com base nos critérios elaborados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, referido no n.° 16, supra, considerou que o mercado em causa, isto é, o mercado da distribuição de cerveja nos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local no Reino Unido, é fechado, mas que a rede de acordos da Greene King, constituídos pelos arrendamentos com obrigação de aquisição celebrados entre a referida empresa e os seus locatários, não contribui de modo significativo para fechar o mercado em causa, pelo que estes acordos não são abrangidos pela proibição constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

54.
    Os recorrentes contestam esta conclusão. Consideram que a rede de acordos da Greene King contribui significativamente para fechar o mercado. Esta conclusão impõe-se se se tomar em consideração a contribuição da referida rede isoladamente e, subsidiariamente, a dos contratos de fornecimento de cerveja celebrados pela Greene King com os fabricantes de cerveja nacionais juntamente com a contribuição acima referida.

1. Quanto à contribuição da rede de acordos da Greene King isoladamente considerada

55.
    Os recorrentes contestam a apreciação feita pela Comissão quanto à parte da Greene King no mercado em causa e à duração dos arrendamentos no âmbito da mesma. Consideram também que a Comissão não indicou as razões pelas quais o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não foi aplicado, apesar de a Greene King não ter respeitado os critérios previstos na Comunicação relativa aos Regulamentos (CEE) n.° 1983/83 e (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativos à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva e de acordos de compra exclusiva (JO 1984, C 101, p. 3; EE 08 F2 p. 126), alterada pela Comunicação 92/C 121/02 da Comissão (JO 1992, C 121, p. 2) (a seguir «comunicação relativa aos regulamentos»).

a) Quanto à parte da Greene King no mercado em causa

56.
    Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, em primeiro lugar, que a parte de mercado da Greene King, expressa em número de estabelecimentos com licença para venda de bebidas alcoólicas para consumo no local, é de 0,7%. Para este efeito, concluiu, por um lado, que existem no Reino Unido 146 900 estabelecimentos deste tipo, incluindo 83 100 estabelecimentos titulares de uma licença geral, dos quais 57 000 pubs, sendo o resto constituído por bares de hotéis e bares de vinhos; 32 300 estabelecimentos titulares de licenças restritas, que incluem hotéis e restaurantes; 31 500 clubes. Por outro lado, salientou que a Greene King é proprietária de 1 101 estabelecimentos que têm licença para venda de bebidas alcoólicas para consumo no local, dos quais 628 estão dados de arrendamento a locatários obrigados a adquirir a cerveja ao fabricante-proprietário. No n.° 29 da carta nos termos do artigo 6.°, a Comissão observou que a estes 1 101 estabelecimentos acrescem os que não pertencem à Greene King, mas a pessoas que os exploram e a quem foram concedidos empréstimos pela referida empresa, e que assumiram, em contrapartida, nomeadamente, a obrigação de aquisição da sua cerveja, cujo número se eleva a 1 500. Realçou que, mesmo incluindo estes estabelecimentos, a parte da Greene King no mercado da distribuição de cerveja no Reino Unido em estabelecimentos titulares de licença que permite a venda de bebidas alcoólicas para consumo no local é inferior a 2% (v. nota n.° 34 da decisão impugnada).

57.
    Em segundo lugar, a Comissão, no n.° 102 da decisão impugnada, concluiu que a cerveja vendida por todos os estabelecimentos da Greene King, ou seja, os estabelecimentos que lhe pertencem, geridos por um dos seus trabalhadores ou dados de arrendamento, e os que a ela estão ligados por contratos de empréstimo, representa 1,3% da quantidade de cerveja vendida no Reino Unido no conjunto dos estabelecimentos titulares de licença que permite a venda de bebidas alcoólicas para consumo no local. Concluiu daqui que esta parte de mercado é de longe inferior aos 5% ou mais detidos por cada um dos quatro fabricantes de cerveja nacionais.

Resumo da argumentação das partes

58.
    Os recorrentes afirmam que a Greene King contribui significativamente para fechar o mercado no Reino Unido. Para este efeito, criticam as conclusões da Comissão na decisão impugnada a respeito da parte de mercado da Greene King, que consideram ser maior.

59.
    No que respeita, em primeiro lugar, à parte de mercado da Greene King expressa em número de estabelecimentos, os recorrentes salientam que, embora o mercado em causa do produto apenas abranja, conforme afirmam, os pubs, o número de referência do conjunto dos estabelecimentos relativamente ao qual deve ser calculada a parte de mercado não é de 146 900, mas sim de 57 000 estabelecimentos.

60.
    Consideram ainda que o número de estabelecimentos que pertencem à Greene King não é, como refere a Comissão na decisão impugnada, de 1 101, mas de 1 133, conforme resulta do n.° 27 da carta nos termos do artigo 6.°

61.
    Os recorrentes entendem que há que acrescentar aos referidos 1 133 estabelecimentos pertencentes à Greene King os 1 500 que a ela estão ligados por contratos de empréstimo, pelo que o número de referência é de 2 633 estabelecimentos.

62.
    Daqui concluem que a parte de mercado da Greene King não é de 0,7%, como afirma a Comissão, mas sim de 4,6%.

63.
    Em segundo lugar, no que respeita à parte de mercado da Greene King expressa em quantidade de cerveja vendida, os recorrentes são de opinião que a referida parte, calculada com base no mercado em causa do produto conforme foi definido pelos mesmos, ou seja, em relação apenas às quantidades de cerveja vendidas nos pubs, atinge 1,86%.

64.
    A Comissão considera que, seja qual for a análise ou a apresentação que se faça dos factos, não se pode considerar que, por si só, a Greene King contribui de modo significativo para fechar o mercado.

Apreciação do Tribunal

65.
    O cálculo da parte de mercado da Greene King proposto pelos recorrentes distingue-se do efectuado pela Comissão na decisão impugnada quanto a três aspectos: em primeiro lugar, a definição do mercado de referência, que, segundo os recorrentes, deve abranger apenas os pubs e não, conforme a Comissão considera, todos os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local; em segundo lugar, a determinação do número de estabelecimentos pertencentes à Greene King, calculado pelos recorrentes em 1 133 unidades, em lugar das 1 101 unidades referidas na decisão impugnada; em terceiro lugar, o número total de estabelecimentos que há que ter em conta para determinar a parte de mercado, considerando os recorrentes que, para além dos estabelecimentos que pertencem à Greene King, devem ser tidos em conta os estabelecimentos que a ela estão ligados por um contrato de empréstimo, que calculam em 1 500 unidades.

66.
    Em primeiro lugar, no que respeita à definição do mercado de referência proposta pelos recorrentes, que constitui a principal razão da divergência entre os mesmos e a Comissão quanto ao cálculo da parte de mercado da Greene King, foi declarado supra (n.os 16 a 52) que a Comissão considerou correctamente que todos os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local são abrangidos no mercado em causa. Improcede, por isso, o argumento dos recorrentes.

67.
    Em segundo lugar, no que respeita à estimativa do número de estabelecimentos que pertencem à Greene King, o número proposto pelos recorrentes baseia-se no teor da carta nos termos do artigo 6.°, na qual a Comissão, no n.° 27, declara que a Greene King era proprietária, em 4 de Maio de 1997, de 1 133 estabelecimentos. Este número difere do que a Comissão teve em conta na decisão impugnada, na qual refere, no n.° 33, que o número de estabelecimentos em questão era de 1 101 em 6 de Julho de 1998. A divergência entre os recorrentes e a Comissão explica-se, assim, pela diferença das datas da estimativa, tendo a Comissão optado por actualizar, no momento da redacção da decisão, os números que tinha indicado quando da carta nos termos do artigo 6.° Os recorrentes não põem, aliás, em causa a exactidão dos números acima referidos.

68.
    Em todo o caso, a diferença numérica, que é apenas de 32 unidades, não é manifestamente susceptível de ter incidência decisiva sobre o cálculo da parte de mercado da Greene King. Improcede, assim, o argumento.

69.
    Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento de que, além dos estabelecimentos pertencentes à Greene King, há que considerar os que a ela estão ligados por um contrato de empréstimo, deve salientar-se que a Comissão tomou devidamente em conta esta abordagem na decisão impugnada. Com efeito, na nota n.° 34, a Comissão conclui que, mesmo aceitando esta premissa, a parte de mercado da Greene King expressa em número de estabelecimentos é inferior a 2% e, assim, sem significado, sendo certo que esta parte de mercado é calculada em relação ao conjunto dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para consumo no local. A incidência desta premissa sobre a parte de mercado expressa em quantidade de cerveja vendida é, aliás, igualmente escassa. Com efeito, conforme foi declarado, supra, no n.° 51, esta parte de mercado, mesmo calculada tendo em conta as três premissas dos recorrentes, é apenas de 1,86%. Por último, o perito mandatado pelas recorrentes, o professor Waterson, refere, nas suas observações de 8 de Julho de 1997 (anexo A à petição inicial, p. 2, ponto 1), que não está convencido de que os estabelecimentos ligados à Greene King por um contrato de empréstimo constituam um elemento significativo na apreciação da contribuição da rede de acordos da Greene King para fechar o mercado. Efectivamente, o montante médio dos empréstimos é bastante modesto e qualquer devedor não terá provavelmente muita dificuldade na obtenção de um empréstimo comercial clássico equiparável sem a obrigação de aquisição. O argumento deve, portanto, ser julgado improcedente.

b) Quanto ao prazo dos arrendamentos

70.
    No n.° 102 da decisão impugnada, a Comissão realçou que o prazo usual dos contratos-tipo celebrados pela Greene King, que é de nove anos, é consideravelmente inferior ao prazo de 20 anos ou mais dos contratos-tipo de arrendamento de outros operadores.

Resumo da argumentação das partes

71.
    Os recorrentes contestam, em primeiro lugar, a afirmação de que o prazo dos contratos-tipo da Greene King não é manifestamente excessivo em relação ao prazo médio dos contratos em geral celebrados no mercado.

72.
    Em segundo lugar, afirmam que, mesmo que este prazo não seja excessivo, há que ter em conta o facto de os estabelecimentos pertencentes à Greene King serem, no termo do contrato, novamente arrendados a outro explorador, segundo as mesmas modalidades, e, assim, continuarem «ligados» à sociedade.

73.
    Em apoio desta tese, remetem para a Decisão 1999/474/CE da Comissão, de 16 de Junho de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/35.992/F3 - Scottish and Newcastle) (JO L 186, p. 28, a seguir «decisão Scottish & Newcastle»), na qual se refere o seguinte:

«[...] todos os estabelecimentos propriedade da empresa mantêm, em princípio, uma relação indissociável com esta. Tal sucede não apenas com os estabelecimentos geridos directamente mas também com os estabelecimentos arrendados que, após o termo de um arrendamento (curto ou longo prazo) poderão ser de novo arrendados a outro operador numa base vinculada.» (considerando 124).

74.
    A Comissão refere que as numerosas informações recolhidas no momento da adopção da decisão impugnada lhe permitem afirmar que outros fabricantes de cerveja, que possuem muito mais estabelecimentos que a Greene King, celebravam habitualmente arrendamentos por 20 anos.

75.
    A Comissão considera que as conclusões alcançadas na decisão Scottish & Newcastle não são passíveis de transposição para o presente caso.

Apreciação do Tribunal

76.
    Deve recordar-se que, para apreciar a importância da contribuição dos contratos de fornecimento de cerveja celebrados por um fabricante de cerveja para o efeito cumulativo de bloqueio do mercado produzido pelo conjunto dos contratos similares, é necessário ter em consideração a posição das partes contratantes no mercado. Essa contribuição depende, além disso, do prazo dos referidos contratos. Se esse prazo for manifestamente excessivo em relação ao prazo médio dos contratos geralmente celebrados no mercado em causa, o contrato individual estará abrangido pela proibição do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.os 25 e 26, e acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2000, Neste Markkinointi, C-214/99, Colect., p. I-11121, n.° 27). Uma fábrica de cerveja que disponha de uma parte de mercado relativamente pouco importante, mas que vincule os seus pontos de venda durante muitos anos, pode, com efeito, contribuir para fechar o mercado de modo tão significativo como uma fábrica de cerveja com uma posição relativamente forte no mercado, mas queperiodicamente desvincule os seus pontos de venda a intervalos frequentes (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 26).

77.
    Em primeiro lugar, no que respeita à avaliação do prazo dos contratos-tipo da Greene King, deve salientar-se que resulta de decisões recentes, às quais as partes se referiram nas fases escrita e oral do processo, proferidas pela Comissão em processos relativos a fabricantes de cerveja nacionais, que o prazo usual dos contratos-tipo celebrados pela Greene King, que é de nove anos, não é manifestamente excessivo relativamente ao prazo médio dos contratos de fornecimento de cerveja geralmente celebrados no mercado. Assim, resulta da decisão Whitbread (considerando 8) que, em Fevereiro de 1997, esta empresa possuía 1 938 estabelecimentos arrendados nos termos de um dos contratos notificados à Comissão, dos quais 1 643, ou seja, 85% do total, no quadro de um arrendamento por vinte anos, 276, ou seja, 14% do conjunto, na base de um arrendamento por cinco anos, e 19, ou seja, 1% do total, mediante um arrendamento dito de «pré-reforma». Nos termos dos considerandos 8 e 39 da Decisão 1999/473/CE da Comissão, de 16 de Junho de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/36.081/F3 - Bass) (JO L 186, p. 1), este fabricante de cerveja, em Março de 1997, detinha 1 186 estabelecimentos arrendados através de contratos-tipo, em geral, celebrados por um prazo de dez anos, ou mesmo de quinze ou vinte anos em relação a alguns. Resulta da decisão Scottish & Newcastle (considerandos 8 e 37) que, à data em que a mesma foi adoptada, este fabricante de cerveja era proprietário de 432 estabelecimentos arrendados por contratos com prazos compreendidos entre três e vinte anos, sem prejuízo de outros contratos de curto prazo.

78.
    Por outro lado, nos termos da Decisão 2000/484/CE da Comissão, de 29 de Junho de 2000, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processos IV/36.456/F3 - Inntrepreneur e IV/36.492/F3 - Spring) (JO L 195, p. 49, a seguir «decisão Inntrepreneur»), respeitante a uma rede de estabelecimentos de bebidas, a mesma era proprietária, em 27 de Março de 1998, de 2 898 estabelecimentos, dos quais 2 286, ou seja, 79% do total, estavam arrendados através de arrendamentos de longo prazo, isto é, de vinte anos na maior parte dos casos.

79.
    Daqui resulta que três dos quatro fabricantes de cerveja nacionais existentes no Reino Unido, que recentemente foram objecto de decisões da Comissão, e uma das principais redes de estabelecimentos de bebidas no Reino Unido, celebraram, em larga medida, arrendamentos por prazo mais longo do que o previsto nos arrendamentos-tipo da Greene King, podendo esse prazo ir mesmo até vinte anos.

80.
    O prazo dos contratos da Greene King não é, por isso, manifestamente excessivo à luz do critério definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra.

81.
    Em segundo lugar, quanto ao argumento de que os estabelecimentos pertencentes à Greene King são, no termo do arrendamento, novamente arrendados a outro operador segundo as mesmas modalidades e ficam, assim, «ligados» ao fabricante, seja qual for o prazo inicial previsto no arrendamento, a Comissão observou correctamente nos seus articulados que este argumento é irrelevante no caso de estabelecimentos que, não pertencendo à Greene King, estão, apesar disso, ligados à mesma através de um contrato de empréstimo. Efectivamente, não há nenhuma razão para admitir que estes estabelecimentos continuam ligados à empresa em causa posteriormente ao reembolso do empréstimo, observando-se que os referidos estabelecimentos efectuam 40% das vendas de cervejas da Greene King (n.° 29 da carta nos termos do artigo 6.°).

82.
    Nestas condições, os estabelecimentos que podem ser considerados como «ligados» à Greene King na acepção da observação formulada pela Comissão no considerando 124 da decisão Scottish & Newcastle são os estabelecimentos que, pertencendo à empresa, são por ela geridos ou estão ligados à mesma por um arrendamento que inclui a obrigação de aquisição. Resulta da decisão impugnada (n.os 33 e 102) que estes estabelecimentos da Greene King representam apenas 0,7% do número total de estabelecimentos que possuem licença para venda de bebidas alcoólicas para consumo no local no Reino Unido.

83.
    Daqui resulta também (n.° 102) que a quantidade de cerveja vendida pelo conjunto dos estabelecimentos da Greene King, ou seja, os referidos no número anterior e aqueles aos quais está ligada por um contrato de empréstimo, representa 1,3% da quantidade de cerveja consumida «no local» no Reino Unido. Tendo em conta que 40% das vendas de cerveja da Greene King são realizadas pelos estabelecimentos aos quais está ligada por um contrato de empréstimo, a participação dos estabelecimentos que lhe pertencem na quantidade de cerveja consumida «no local» no Reino Unido é muito inferior a 1%.

84.
    A título de comparação, em 1997-1998, que é o período de referência mais aproximado do relevante no presente processo, os estabelecimentos pertencentes à Scottish & Newcastle representavam 1,9% do número total dos estabelecimentos titulares de uma licença para venda de bebidas alcoólicas para consumo no local no Reino Unido e a quantidade de cerveja vendida pelos mesmos representava 4,12% da quantidade total da cerveja consumida «no local» no Reino Unido (considerando 123 da decisão Scottish & Newcastle).

85.
    Daqui se conclui que a parte de mercado dos estabelecimentos que podem ser considerados como «ligados» à Greene King, na acepção da observação formulada pela Comissão no considerando 124 da decisão Scottish & Newcastle, é de longe inferior a 1%, quer esta parte de mercado seja expressa em número de estabelecimentos ou, o que constitui um critério mais significativo, em quantidade de cerveja vendida. Assim, uma vez que a parte de mercado da Greene King é tão reduzida, não deve manifestamente entender-se que a existência desta «ligação»pode permitir que esta empresa contribua significativamente para fechar o mercado.

86.
    O argumento deve, por isso, ser julgado improcedente.

c) Quanto à falta de fundamentação

Argumentação das partes

87.
    Os recorrentes recordam que o facto de um fabricante de cerveja não poder socorrer-se da comunicação relativa aos regulamentos não significa necessariamente que o artigo 85.° do Tratado seja aplicável. Consideram que se, como no presente caso, a Comissão entender que este artigo não é aplicável, deverá precisar os motivos correspondentes, a fim de que seja possível saber com que base pode ser contestada a sua decisão. Afirmam que a recorrida não indicou, no presente caso, as razões que justificam a não aplicação do artigo referido.

88.
    A Comissão considera que o argumento dos recorrentes improcede, uma vez que teve o cuidado de especificar os motivos pelos quais a rede de acordos da Greene King não é abrangida pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, apesar da inaplicabilidade, no caso presente, da comunicação relativa aos regulamentos.

Apreciação do Tribunal

89.
    Há que recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) deve revelar, de forma clara e inequívoca, o percurso lógico seguido pela autoridade comunitária de que emana o acto impugnado, de modo a permitir aos interessados conhecerem as razões que justificaram a medida adoptada, para poderem defender os seus direitos, e possibilitar ao Tribunal de Justiça o exercício da sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C-156/98, Colect., p. I-6857, n.° 96).

90.
    Deve também salientar-se que a comunicação relativa aos regulamentos apenas tem em vista definir os acordos que, no entender da Comissão, não têm efeito sensível sobre a concorrência ou sobre o comércio entre Estados-Membros. Não pode, porém, daí concluir-se com segurança que uma rede de contratos de compra exclusiva seja automaticamente susceptível de entravar, restringir ou falsear a concorrência de modo sensível pela simples circunstância de serem ultrapassados os limites previstos nessa comunicação (acórdão Langnese-iglo/Comissão, já referido no n.° 26, supra, n.° 98).

91.
    No presente processo, a Comissão, após verificar a inaplicabilidade da comunicação relativa aos regulamentos (n.° 99 da decisão impugnada), analisa detalhadamente a situação específica da Greene King (n.os 100 a 106 da decisão impugnada), em especial a parte de mercado desta empresa, o prazo dos contratos de fornecimento de cerveja celebrados com os estabelecimentos que a ela estão ligados e aincidência dos contratos de fornecimento celebrados com fabricantes de cerveja nacionais e, com base nestes elementos, expõe as razões pelas quais chegou à conclusão de que a Greene King não contribui significativamente para fechar o mercado.

92.
    Resulta do que antecede que, no presente caso, a Comissão expôs suficientemente as razões pelas quais chegou à referida conclusão e, consequentemente, deu aos recorrentes e ao Tribunal a inteira possibilidade de conhecerem o seu raciocínio. Os recorrentes podiam, assim, apreciar se era oportuno contestar a decisão da Comissão, o que, aliás, fizeram. O Tribunal, pelo seu lado, pôde apreciar a legalidade da decisão impugnada à luz desta fundamentação.

93.
    Deve, assim, o argumento ser julgado improcedente.

2. Quanto à incidência dos acordos de fornecimento celebrados pela Greene King com os fabricantes de cerveja de dimensão nacional

94.
    Na decisão impugnada (n.os 103 a 106), a Comissão rejeitou a argumentação dos recorrentes no sentido de que a rede de acordos da Greene King é abrangida pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se se tiver em conta a incidência dos acordos de fornecimento de cerveja celebrados pela Greene King com fabricantes de cerveja nacionais, cuja rede de acordos é abrangida pela proibição prevista no artigo acima referido. Para este efeito, considera que há que distinguir a apreciação dos acordos celebrados entre o fabricante de cerveja, actuando como «grossista», e os seus fornecedores (acordos «a montante») da relativa aos acordos celebrados entre o fabricante e os seus devedores (acordos «a jusante»). A existência de acordos «a montante» não deve ter efeitos sobre a apreciação da rede de acordos «a jusante». Esta rede não pode ser simplesmente relacionada com a rede de acordos do fabricante de cerveja-fornecedor que contribui de maneira significativa para fechar o mercado. Além disso, tendo em conta a natureza pouco vinculativa dos contratos de fornecimento celebrados pela Greene King com fabricantes nacionais, dado que o contrato de abastecimento mais vinculativo contém apenas uma obrigação de aquisição mínima que representa menos de 20% da cerveja vendida aos estabelecimentos que fazem parte da rede de acordos da referida empresa, é evidente que esta rede não pode estar ligada às redes de acordos dos fabricantes de cerveja nacionais.

95.
    Os recorrentes afirmam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e concluem igualmente que há falta de fundamentação.

a) Quanto ao erro manifesto de apreciação

Argumentação das partes

96.
    Os recorrentes afirmam que a Greene King contribui significativamente para fechar o mercado devido aos acordos de fornecimento que tem com os fabricantes de cerveja nacionais. Segundo a decisão impugnada, a Greene King celebrou acordos desse tipo com os quatro fabricantes nacionais. Um dos acordos, com o prazo de cinco anos, inclui a obrigação de aquisição mínima de cerca de 20% da cerveja vendida por junto pela Greene King. Os três outros acordos incluem regras vinculativas em matéria de aprovisionamento de stocks, sendo o prazo desses acordos de um ano e meio, três e cinco anos.

97.
    Os recorrentes deduzem destes números constantes da decisão impugnada (n.° 33) que apenas cerca de 45% da cerveja vendida nos estabelecimentos pertencentes à Greene King e dados de arrendamento é produzida pela mesma. Disto concluem que 55% da cerveja vendida nesses estabelecimentos, e provavelmente uma percentagem equivalente no caso dos estabelecimentos pertencentes à Greene King e geridos por ela mesma, bem como dos que a ela estão ligados através de um contrato de empréstimo, é fornecida à Greene King por outros fabricantes. Na réplica, alteraram estes números remetendo para as informações contidas na carta nos termos do artigo 6.° e concluíram que a produção da Greene King representa apenas 39% da quantidade de cerveja vendida nos estabelecimentos aos quais está ligada, sendo os restantes 61% fornecidos por outros fabricantes.

98.
    Na medida em que a Greene King se comprometeu assim a vender, em volume superior a metade da quantidade de cerveja comercializada por intermédio dos estabelecimentos que a ela estão ligados, cerveja fornecida por outros fabricantes, nos termos de contratos de fornecimento de prazo bastante longo, os estabelecimentos que dependem da Greene King estão eles também ligados aos referidos fabricantes.

99.
    A este respeito, os recorrentes remetem, em primeiro lugar, para o acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, no qual o Tribunal de Justiça, no n.° 19, declarou o seguinte:

«Para apreciar se a existência de vários contratos de fornecimento de cerveja entrava o acesso ao mercado [...], é necessário seguidamente analisar a natureza e a importância do conjunto desses contratos. Esse conjunto compreende todos os contratos similares que vinculam aos diversos produtores nacionais um número importante de pontos de venda[...]. A incidência desses feixes de contratos no que respeita ao acesso ao mercado depende, designadamente, do número dos pontos de venda desse modo vinculados aos produtores nacionais em relação ao número das lojas de bebidas que não estão vinculadas, da duração desses vínculos, das quantidades de cerveja que são objecto desses vínculos, bem como da proporção entre essas quantidades e as que são vendidas pelos distribuidores não vinculados.»

100.
    Em segundo lugar, afirmam que a Comissão, na comunicação relativa aos regulamentos, admitiu o princípio segundo o qual a contribuição de um grossista para fechar o mercado pode ser apreciada por referência à situação do fabricantede cerveja-fornecedor com o qual foi celebrado um acordo de fornecimento de cerveja. Este princípio justifica a circunstância de a contribuição de um grossista para fechar o mercado e a de um único fabricante poderem ser apreciadas em conjunto, sob a forma de um agregado, mesmo que o fabricante de cerveja não seja o fornecedor exclusivo.

101.
    Em terceiro lugar, remetem para a interpretação da posição da Comissão sobre esta questão expressa por Dirk Van Erps, funcionário da Comissão na Direcção-Geral da Concorrência, numa conferência dada em Londres, em Junho de 1997, intitulada «A aplicação do direito comunitário da concorrência aos contratos relativos aos estabelecimentos de bebidas no Reino Unido», e para um comunicado de imprensa da Comissão no processo Inntrepreneur. Daqui concluem que a Comissão, anteriormente à decisão impugnada, não distinguia os acordos «a montante», que vinculam um grossista aos seus fornecedores, dos acordos «a jusante», que vinculam um grossista aos seus estabelecimentos.

102.
    A Comissão afirma, a título principal, que os acordos «a montante» não têm interesse para a apreciação dos acordos «a jusante».

103.
    Subsidiariamente, acrescenta que, em todo o caso, os acordos «a montante» atenuam a contribuição da Greene King para fechar o mercado. Efectivamente, ao contrário da situação descrita no comunicado de imprensa relativo ao processo Inntrepreneur, os operadores da Greene King têm uma escolha mais vasta de marcas e existe, assim, uma concorrência entre marcas nos estabelecimentos de bebidas ligados à Greene King. Na medida em que a Greene King actua como rede de estabelecimentos de bebidas/grossista, contribui para a abertura do mercado de cerveja para consumo no local no Reino Unido.

Apreciação do Tribunal

104.
    A argumentação dos recorrentes tem por objecto estabelecer uma ligação, para efeitos de análise da aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre a rede de acordos da Greene King, a qual, segundo as conclusões da Comissão, não contribui por si só de maneira significativa para fechar o mercado, e as redes de acordos dos fabricantes de cerveja nacionais, que contribuem, elas sim, significativamente, para fechar o mercado.

105.
    Como a Comissão correctamente referiu no n.° 105 da decisão impugnada e nos considerandos 57 e 58 da decisão Inntrepreneur, para a qual as partes remeteram na audiência, uma ligação deste tipo pressupõe que sejam respeitadas duas condições.

106.
    Em primeiro lugar, os acordos de fornecimento de cerveja celebrados entre o fabricante-grossista, no caso concreto, a Greene King, e os fabricantes-fornecedores, ou seja, os fabricantes nacionais, portanto, os acordos «amontante», podem ser considerados como fazendo parte das redes de acordos dos fabricantes-fornecedores se contiverem uma disposição que se possa traduzir numa obrigação de aquisição (compromissos de aquisição de quantidades mínimas, obrigações de stock ou obrigações de não concorrência). Daqui resulta que um contrato de fornecimento que não contenha qualquer obrigação de aquisição, seja por que forma for, não faz parte da rede de acordos de um fabricante-fornecedor, mesmo que se refira a uma fracção importante da cerveja vendida pelos estabelecimentos ligados ao fabricante-grossista.

107.
    Em segundo lugar, para que não apenas os acordos «a montante», mas também os acordos celebrados entre o fabricante-grossista e os estabelecimentos que a ele estão ligados, portanto, os acordos «a jusante», possam estar ligados às redes de acordos dos fabricantes-fornecedores, é igualmente necessário que os acordos entre os fabricantes-fornecedores e o fabricante-grossista sejam a tal ponto vinculativos que o acesso à rede de acordos «a jusante» do fabricante-grossista já não seja possível, ou pelo menos se torne muito difícil, para outras empresas, do Reino Unido ou não.

108.
    Efectivamente, se o efeito vinculativo dos acordos «a montante» for limitado, outros fabricantes terão a possibilidade de celebrar contratos de fornecimento com o fabricante-grossista e de aceder assim à rede de acordos «a jusante» deste. Poderão, dessa forma, ter acesso a todos os estabelecimentos que fazem parte da referida rede, sem que seja necessário celebrar acordos separados com cada ponto de venda. A existência de uma rede de acordos «a jusante» constitui, por isso, um elemento que pode favorecer a penetração de outros fabricantes no mercado.

109.
    Foi, por isso, correctamente, que a Comissão considerou que a apreciação dos acordos de fornecimento entre os fabricantes-grossistas e os operadores deve, em princípio, e sem prejuízo do que acaba de ser explicitado nos n.os 106 a 108, supra, ser distinguida da apreciação dos acordos de fornecimento entre os fabricantes-fornecedores e os fabricantes-grossistas.

110.
    Resulta da decisão impugnada (n.° 32) que a Greene King celebrou contratos de fornecimento com todos os fabricantes nacionais e com vários fabricantes regionais. Entre estes contratos, apenas quatro incluem uma disposição que se pode traduzir numa obrigação de aquisição. Um destes contratos, celebrado pelo prazo de cinco anos, contém um compromisso de aquisição de quantidades mínimas, que respeita a menos de 20% da quantidade de cerveja vendida por junto pela Greene King. Os três restantes contratos contêm obrigações de stock.

111.
    Entre o conjunto dos contratos de fornecimento celebrados pela Greene King, os que não prevêem qualquer obrigação de aquisição, seja por que forma for, e que, consequentemente, não podem ser considerados como integrando as redes de acordos dos fabricantes-fornecedores, não entram, assim, em linha de conta na discussão sobre a ligação da rede de acordos da Greene King às dos fabricantes nacionais.

112.
    Os restantes contratos, ou seja, os quatro que contêm uma disposição que se traduz numa obrigação de aquisição, devem, em contrapartida, ser tidos em consideração. A ligação acima referida pressupõe, contudo, tal como foi referido no n.° 107, supra, que os acordos entre os fabricantes-fornecedores e a Greene King sejam de tal forma vinculativos que o acesso à rede de acordos «a jusante» da mesma não seja possível, ou pelo menos se torne muito difícil, para outros fabricantes, do Reino Unido ou não.

113.
    A este respeito, deve observar-se que a obrigação de aquisição mais vinculativa tem como consequência que a Greene King tem de comprar ao fabricante-fornecedor em causa uma quantidade mínima de cerveja inferior em 20% à quantidade de cerveja que a mesma vende por junto, pelo que pelo menos 80% da referida cerveja pode, consequentemente, ser proveniente de outros fabricantes-fornecedores. Nestas circunstâncias, há que considerar que as obrigações de aquisição que caracterizam os quatro contratos acima referidos são tão pouco vinculativas que o acesso à rede de acordos «a jusante» da Greene King não é seriamente posto em causa para outros fabricantes de cerveja, e isto mesmo tendo em conta o efeito cumulativo produzido pelos referidos contratos.

114.
    A Comissão concluiu, por isso, correctamente, na decisão impugnada (n.° 106), que a rede de acordos «a jusante» da Greene King não pode estar ligada aos fabricantes-fornecedores que celebraram com a mesma contratos de fornecimento de cerveja.

115.
    A este respeito, os quatro argumentos avançados pelos recorrentes em apoio da sua tese devem ser julgados improcedentes.

116.
    Em primeiro lugar, os recorrentes remetem para o n.° 19 do acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, do qual resulta, designadamente, que, para apreciar se a existência de vários contratos de fornecimento de cerveja prejudica o acesso ao mercado, há que analisar a natureza e a importância do conjunto dos referidos contratos, incluindo este conjunto todos os contratos similares que vinculam um número significativo de pontos de venda a vários produtores nacionais.

117.
    Há que concluir que este número do acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, descreve os elementos a ter em consideração para verificar o respeito do primeiro critério elaborado pelo Tribunal de Justiça quando da apreciação da conformidade de um contrato de fornecimento de cerveja com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, sendo o seu objecto averiguar se o mercado em causa é de difícil acesso. Ora, o carácter fechado do mercado foi devidamente verificado na decisão impugnada (n.° 95) e não é objecto de debate entre as partes. A questão que está no centro da discussão é a do respeito do segundo critério definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, que consiste, no presente caso, em apreciar em que medida os contratos celebrados pela Greene King contribuem significativamente para,como foi dito, fechar o mercado. Daqui resulta que a passagem mencionada pelos recorrentes é irrelevante no caso em análise.

118.
    Em segundo lugar, os recorrentes remetem para a comunicação relativa aos regulamentos, na parte em que esta prevê:

«No que respeita aos acordos de fornecimento exclusivo de cerveja, na acepção do artigo 6.°, e incluindo o n.° 2 do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83, concluídos por grossistas, aplicam-se mutatis mutandis os princípios supramencionados, tomando em consideração a situação do fabricante cuja cerveja constitui o principal objecto do acordo em questão.» (n.° 40, quinto parágrafo).

119.
    Os recorrentes deduzem daqui que a contribuição de um grossista para o fecho do mercado pode ser apreciada em conjunto com a do fabricante que o abastece.

120.
    Abstraindo da questão da relevância da comunicação relativa aos regulamentos no presente caso, que não pode prejudicar a posição do órgão jurisdicional comunitário (n.° 3 da referida comunicação), há que observar que esta passagem não tem o sentido que os recorrentes lhe querem dar. O objectivo pretendido é permitir que os grossistas beneficiem da comunicação como se fossem fabricantes de cerveja, podendo, assim, invocar limites abaixo dos quais a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado está automaticamente excluída. A passagem em questão não refere, de modo algum, a possibilidade de uma apreciação conjunta da rede de acordos do grossista e da rede do fabricante a fim de determinar a realidade da contribuição significativa do primeiro para fechar o mercado.

121.
    Além disso, como a Comissão correctamente salienta, a aplicação, no presente caso, da comunicação relativa aos regulamentos à situação da Greene King, considerada como um grossista, levaria a ter em conta, para apreciar a respectiva situação, a posição do fabricante cuja cerveja é o principal objecto do acordo em questão, no caso concreto, os contratos-tipo da Greene King. Ora, o fabricante cuja cerveja é o principal objecto destes contratos-tipo é incontestavelmente a própria Greene King, que acumula, assim, a qualidade de grossista com a de fabricante, na acepção do n.° 40 da referida comunicação. Esta circunstância demonstra que o texto em causa não pode, por isso, ser aplicável no presente caso.

122.
    Em terceiro lugar, os recorrentes remetem para duas tomadas de posição da Comissão, das quais pretendem deduzir que, anteriormente à decisão impugnada, a Comissão não fez distinção entre os acordos «a montante» e os acordos «a jusante».

123.
    A este respeito, remetem, por um lado, para a conferência acima referida e, mais especialmente, para a seguinte passagem:

«[...] a posição actual da Comissão quanto a esta questão é a de que o aspecto essencial consiste uma vez mais em saber se [os contratos de fornecimento entresociedades proprietárias de estabelecimentos de bebidas e fabricantes] contribuem de modo sensível para fechar o mercado. À margem do número de estabelecimentos de bebidas, os elementos a ter em conta são o prazo e o número de acordos celebrados [pelas sociedades proprietárias de estabelecimentos de bebidas] com os fabricantes do Reino Unido. Por outras palavras, quanto maior for o número de contratos, e mais curto o respectivo prazo, mais fácil é aos fabricantes britânicos e estrangeiros celebrar acordos de fornecimento com as referidas sociedades proprietárias de estabelecimentos de bebidas (o que lhes dá um acesso imediato a todos os estabelecimentos de bebidas geridos pela sociedade) e, consequentemente, mais limitada é a sua contribuição para o fecho do mercado.»

124.
    Por outro lado, remetem para um comunicado de imprensa da Comissão relativo ao processo Inntrepreneur, segundo o qual «a Comissão considera que o artigo 85.°, n.° 1 [do Tratado], é aplicável aos arrendamentos de todos os grandes fabricantes de cerveja [do Reino Unido] bem como às sociedades proprietárias de pubs ligadas a um desses fabricantes».

125.
    Deve desde logo recordar-se que a Comissão distinguiu correctamente, na decisão impugnada, os acordos «a montante» dos acordos «a jusante».

126.
    A justeza desta distinção não pode, em qualquer caso, ser posta em causa por anteriores eventuais tomadas de posição contrárias da Comissão.

127.
    A este respeito, os documentos referidos pelos recorrentes não constituem manifestamente indícios conclusivos da existência dessas tomadas de posição.

128.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito à conferência de D. Van Erps, há que observar que a passagem transcrita não está em contradição com a decisão impugnada. Resulta desta passagem que os acordos celebrados «a montante» pelas redes de estabelecimentos de bebidas podem ser um factor que leve a concluir que a rede de acordos «a jusante» destas sociedades contribui de forma significativa para fechar o mercado e que a questão essencial consiste em saber em que medida estes acordos celebrados «a montante» impedem outros fabricantes de cerveja de celebrarem, por sua vez, contratos de fornecimento com a rede de estabelecimentos de bebidas. Ora, foi referido no n.° 107, supra, que se esses acordos «a montante» forem de tal forma vinculativos a ponto de tornar impossível, ou pelo menos muito difícil, o acesso de outros fabricantes à rede de acordos «a jusante» do fabricante-grossista, então esta rede deverá estar ligada à rede de acordos do fabricante-fornecedor, o qual, por hipótese, contribui de modo significativo para fechar o mercado. Nessas condições, a rede de acordos «a jusante» segue o destino da rede de acordos «a montante» e, por efeito desta conexão, considera-se, assim, igualmente, que contribui de modo significativo para o fecho do mercado. Contudo, como foi declarado nos n.os 105 a 115, supra, esta condição não está satisfeita no presente processo.

129.
    Por outro lado, a passagem citada pelos recorrentes não se refere aos fabricantes de cerveja regionais, como a Greene King, mas sim às redes de estabelecimentos de bebidas. Ora, na conferência em causa, foi feita referência aos fabricantes de cerveja regionais, verificando-se que «o princípio geral em política de concorrência é o de que os arrendamentos-tipo dos fabricantes britânicos de pequena dimensão e regionais não entram no âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1 [do Tratado]».

130.
    Em segundo lugar, no que respeita ao comunicado de imprensa da Comissão relativo ao processo Inntrepreneur, há que esclarecer que esta rede de estabelecimentos de bebidas estava, na altura do comunicado, ligada a um fabricante de cerveja nacional, a Scottish & Newcastle, incluindo o acordo celebrado entre ambas as sociedades a obrigação de a referida rede adquirir a totalidade da cerveja necessária à sua rede ao fabricante nacional referido. A situação da Inntrepreneur correspondia, por isso, à hipótese acima descrita, nos n.os 106 a 108, em que a rede de acordos «a jusante» pode estar em conexão com a rede de acordos «a montante» ligada ao fabricante-fornecedor. Esta situação não é, contudo, a da Greene King, a qual, conforme foi declarado nos n.os 110 a 114, supra, não está ligada a um fabricante de cerveja nacional por um acordo tão vinculativo.

131.
    Resulta do que antecede que o fundamento deve ser julgado improcedente.

b) Quanto à falta de fundamentação

Resumo da argumentação das partes

132.
    Os recorrentes criticam a Comissão por não ter especificado suficientemente o teor dos acordos de fornecimento celebrados entre a Greene King e os fabricantes de cerveja nacionais e, em especial, o respectivo prazo e as quantidades efectivas de cerveja adquiridas por força dos referidos contratos. Não lhes foi, assim, possível determinar se existem motivos suficientes para contestar a apreciação efectuada pela Comissão quanto à questão de saber se a Greene King contribui de modo significativo para fechar o mercado.

133.
    A Comissão considera que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada. Em especial, entende que não é obrigada a precisar as quantidades de cerveja adquiridas pela Greene King aos fabricantes nacionais. Com efeito, mesmo que a decisão em causa referisse os acordos «a montante», o único elemento a tomar em consideração para avaliar o seu efeito restritivo é a quantidade de cerveja que devia ser adquirida em conformidade com as obrigações de aquisição constantes dos mesmos acordos e não a efectivamente adquirida.

Apreciação do Tribunal

134.
    A fim de apreciar se a rede de acordos «a jusante» da Greene King deve ser relacionada com as redes de acordos «a montante» ligadas aosfabricantes-fornecedores que abastecem a referida empresa, apenas há que ter em conta, como foi referido nos n.os 106 a 108, supra, os contratos de fornecimento que impliquem uma obrigação de aquisição de tal forma vinculativa que o acesso à rede de acordos «a jusante» da Greene King já não seja possível, ou seja tornado muito difícil, para outros fabricantes.

135.
    Na decisão impugnada (n.° 32), a Comissão esclarece que a Greene King celebrou contratos de fornecimento com todos os fabricantes de cerveja nacionais e com vários fabricantes regionais, que apenas um destes contratos, com o prazo de cinco anos, contém uma obrigação de aquisição de quantidades mínimas que representam menos de 20% da quantidade de cerveja vendida por junto pela empresa referida e que existem três outros contratos vinculativos que prevêem obrigações de stock.

136.
    A Comissão fornece, por isso, informações sobre os contratos de fornecimento que contêm uma disposição que se pode traduzir numa obrigação de aquisição, esclarece a natureza e, pelo menos no que respeita à mais vinculativa de entre elas, o alcance exacto dessas obrigações de aquisição e o prazo destes contratos. Fornece, assim, de modo bastante, as informações indispensáveis à apreciação do seu raciocínio no presente caso, permitindo dessa forma aos recorrentes conhecer as justificações da decisão impugnada e ao órgão jurisdicional exercer a sua fiscalização em conformidade com as exigências da jurisprudência referidas no n.° 89, supra.

137.
    A este respeito, a Comissão não era obrigada a indicar as quantidades efectivas de cerveja adquiridas aos fabricantes-fornecedores. Efectivamente, a conexão da rede de acordos «a jusante» da Greene King com as redes de acordos «a montante» ligadas aos fabricantes-fornecedores é condicionada pela existência de obrigações de aquisição muito vinculativas para a Greene King no âmbito das suas relações contratuais com os seus fabricantes-fornecedores. A questão relevante é, assim, a de saber em que medida a Greene King era obrigada a abastecer-se junto dos seus fabricantes-fornecedores e não em que medida ela efectivamente se abasteceu junto dos mesmos. Isto porque o acesso à rede de acordos «a jusante» da Greene King, por parte de outros fabricantes, apenas é influenciado, do ponto de vista do direito comunitário da concorrência, pela existência e pelo alcance de obrigações de aquisição que impendem sobre a Greene King no âmbito de acordos celebrados com determinados fabricantes-fornecedores e a impedem, por via destas obrigações, de se abastecer junto de terceiros. Em contrapartida, este acesso não é influenciado pela circunstância de a Greene King se abastecer junto de determinado fornecedor sem ser obrigada a fazê-lo nos termos de uma obrigação de aquisição de natureza contratual. Na ausência de obrigação de aquisição, a Greene King é, com efeito, livre de se dirigir a qualquer fornecedor da sua escolha e de, posteriormente, se abastecer junto de outros fabricantes. Daqui resulta que a indicação das quantidades efectivas de cerveja adquirida pela Greene King junto de fabricantes-fornecedores não é relevante no presente caso.

138.
    Improcede, por isso, o fundamento.

II - Quanto à existência de um acordo sobre os preços entre os fabricantes do Reino Unido

139.
    Na decisão impugnada, a Comissão observou que os recorrentes, nos seus comentários relativos à carta nos termos do artigo 6.°, levantaram suspeitas de que os fabricantes do Reino Unido tivessem celebrado um acordo sobre os preços tendo por objecto impedir o acesso de outros fabricantes ao mercado. Como elementos de prova, os recorrentes alegaram, em primeiro lugar, que nenhum dos fabricantes regionais e nacionais adquiria uma parte substancial da sua cerveja a outros fabricantes que não os regionais e nacionais, em segundo lugar, que os aumentos de preço ocorreram ao mesmo tempo em toda a indústria em causa, em terceiro lugar, que os fabricantes e grossistas de pequena dimensão ou regionais não repercutiam os descontos de preço nos estabelecimentos que lhes estão ligados e, em quarto lugar, que o preço real da cerveja tinha aumentado apesar de haver uma diminuição da procura.

140.
    Após ter analisado cada uma das alegações dos recorrentes, a Comissão concluiu, no quadro de uma primeira reacção, que as referidas alegações não constituem indícios que demonstrem a existência de um acordo entre a Greene King e qualquer outro fabricante presente no mercado do Reino Unido da venda de cerveja para consumo no local.

Resumo da argumentação das partes

141.
    Na petição inicial, os recorrentes alegam que se «queixaram» da existência de um acordo horizontal entre fabricantes de cerveja do Reino Unido com vista a obter o controlo do preço por junto da cerveja fornecida aos estabelecimentos de bebidas. Criticam a Comissão por ter arquivado esta queixa, sem inquérito prévio, apesar de a mesma revestir interesse comunitário. Ao proceder assim, a Comissão não procurou ponderar ou não ponderou correctamente a importância da infracção alegada para o funcionamento do mercado comum, a probabilidade de poder demonstrar a sua existência e o alcance das medidas de investigação necessárias, o que lhe competia fazer para desempenhar, nas melhores condições, a sua missão de vigilância do respeito dos artigos 85.° do Tratado e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE).

142.
    Na réplica, os recorrentes admitiram ter formulado a crítica em causa, pela primeira vez, não na queixa mas nas suas observações relativas à carta nos termos do artigo 6.° da Comissão. Consideram que esta crítica constitui um elemento relevante no quadro da sua denúncia com vista a demonstrar que a Greene King contribui de forma significativa para fechar o mercado dos estabelecimentos de bebidas no Reino Unido, tendo em conta a sua posição no mercado, o número de estabelecimentos que a ela estão ligados e os seus acordos com os fabricantes nacionais.

143.
    A Comissão observa que a alegação de acordo horizontal entre os fabricantes de cerveja não figura na denúncia, mas sim, pela primeira vez, nas respostas dos recorrentes à carta nos termos do artigo 6.° da Comissão. Considera que, mesmo que esta alegação possa ser considerada como constituindo igualmente uma denúncia, o que a Comissão contesta, a resposta dada a este respeito na decisão impugnada constitui apenas uma primeira reacção sem carácter decisório e, consequentemente, insusceptível de recurso de anulação.

Apreciação do Tribunal

144.
    Em primeiro lugar, há que concluir que a crítica formulada pelos recorrentes no sentido da existência de um acordo horizontal relativo aos preços entre produtores nacionais, regionais, entre os quais a Greene King, e sociedades proprietárias de estabelecimentos de bebidas, que foi formulada, pela primeira vez, na fase administrativa do processo, não era relevante no quadro da instrução da denúncia, a qual tinha por objecto determinar se a rede de acordos da Greene King contribuía de modo significativo para fechar o mercado e era abrangida, por isso, pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e isto à luz dos critérios elaborados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra.

145.
    Efectivamente, esta crítica foi formulada no quadro de uma denúncia relativa à apreciação, nos termos dos critérios elaborados no acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, da aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado a contratos de fornecimento de cerveja, consequentemente, contratos que não têm por objecto limitar a concorrência na acepção do referido artigo, mas que, no máximo, podiam ter por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência (acórdão Delimitis, já referido no n.° 16, supra, n.° 13). Ora, a referida crítica visa denunciar um acordo sobre os preços, ou seja, um acordo que tem por objecto restringir a concorrência. Refere-se, assim, a uma infracção ao direito da concorrência não só muito mais grave do que a que constitui o objecto da denúncia mas também totalmente distinta da mesma. A crítica em questão é, por isso, devido à sua natureza diferente, alheia ao quadro traçado na denúncia.

146.
    Daqui resulta que esta crítica poderia, no máximo, ser considerada uma nova denúncia, diferente da que levou ao procedimento administrativo no quadro do qual foi formulada. Pressupondo que possa ser qualificada como denúncia, as observações formuladas pela Comissão na decisão impugnada, nos termos das quais os recorrentes não forneceram, até esse momento, elementos que demonstrem a existência de um acordo, podem, devido à sua natureza provisória, ser, quando muito, consideradas uma primeira reacção dos serviços da Comissão, que se enquadra na primeira das três fases do procedimento regulado pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, ou seja, a que se segue à apresentação da denúncia e que antecede a da comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e a da decisão final (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, T-64/89, Colect.,p. II-367, n.os 45 a 47). Ora, uma vez que estas observações preliminares se enquadram na primeira fase do procedimento, não podem ser qualificadas como actos recorríveis (acórdão Automec/Comissão, já referido, n.° 45).

147.
    O fundamento deve, assim, ser julgado improcedente.

Quanto às despesas

148.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido.

149.
    Tendo os recorrentes sido vencidos e a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, devem os mesmos ser condenados a suportar, para além das suas despesas, as efectuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    Os recorrentes são condenados nas despesas.

Azizi
Lenaerts
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Julho de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi


1: Língua do processo: inglês.