Language of document : ECLI:EU:C:2015:434

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 1 de julho de 2015 (1)

Processo C‑347/14

New Media Online GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria)]

«Livre prestação de serviços — Oferta de serviços de comunicação social audiovisual — Diretiva ‘Serviços de Comunicação Social Audiovisual’ — Artigo 1.°, n.° 1, alíneas a), b) e g) — Conceitos de ‘programa’ e de ‘serviços de comunicação social audiovisual’ — Pequenos vídeos disponíveis no sítio Internet de um jornal»





 Introdução

1.        «O cavalo é como cada um o vê». Assim era formulada uma das definições que consta da primeira enciclopédia polaca publicada no século XVIII (2). Pode parecer que o mesmo se passa com o problema da definição do serviço de comunicação social audiovisual no contexto da Internet, que nos interessa no presente processo: qualquer pessoa pode distinguir intuitivamente esse serviço. Mas quando se trata de dar uma definição jurídica, é difícil encontrar um conceito que seja, ao mesmo tempo, suficientemente preciso e amplo.

2.        Na minha opinião, isto deve‑se ao facto de a definição do quadro jurídico do funcionamento da Internet constituir um dos principais desafios que hoje enfrentam a legislação e a jurisprudência de todos os países do mundo, incluindo da União Europeia e dos seus Estados‑Membros. A diversidade sem precedente e a quantidade virtualmente infinita das informações disponíveis, a inexistência de fronteiras nacionais enquanto principais obstáculos à circulação da informação, a facilidade com que qualquer pessoa produz livremente informação e a difunde para um número quase ilimitado de destinatários e, por último, a dissociação entre o mundo virtual, digital, e o mundo material exigem novos instrumentos jurídicos, muitas vezes construídos sobre bases totalmente novas (3). Além disso, esta realidade muda a um ritmo desenfreado, precedendo de longe a capacidade de resposta do legislador, em especial nos países democráticos. A aplicação à era digital de regras concebidas para um mundo analógico levanta assim uma série de dificuldades. Este processo é uma ilustração dos dilemas com os quais se confrontam as autoridades encarregadas de garantir o respeito da lei e de regular os mercados.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3.        O quadro jurídico do presente processo é constituído pelas disposições da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (4). A interpretação que o órgão jurisdicional de reenvio solicita exige que se tenha em conta, além das disposições da diretiva que constituem o seu objeto, determinados considerandos que indicam o âmbito de aplicação que o legislador entendeu dar à diretiva.

4.        Nos termos dos considerandos 11, 21, 22, 24, 28 e 29 da Diretiva 2010/13:

«(11) É, necessário que, a fim de evitar distorções da concorrência, aumentar a segurança jurídica, contribuir para a realização do mercado interno e facilitar a criação de um espaço único da informação, pelo menos um conjunto mínimo de regras coordenadas seja aplicado a todos os serviços de comunicação social audiovisual, tanto à radiodifusão televisiva (isto é, os serviços de comunicação social audiovisual lineares) como aos serviços de comunicação social audiovisual a pedido (isto é, os serviços de comunicação social audiovisual não lineares).

[…]

(21)       Para efeitos da presente diretiva, a definição de serviço de comunicação social audiovisual deverá abranger apenas os serviços de comunicação social audiovisual, tanto a radiodifusão televisiva como a pedido, que sejam meios de comunicação de massas, isto é, destinados ao público em geral e suscetíveis de ter um impacto claro numa parte significativa desse público. O seu âmbito deverá ser limitado aos serviços tal como definidos pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, devendo abranger, por conseguinte, qualquer forma de atividade económica, incluindo a das empresas de serviço público, mas não atividades de caráter essencialmente não económico e que não estejam em concorrência com a radiodifusão televisiva, tais como sítios web privados ou serviços que consistam na oferta ou distribuição de conteúdos audiovisuais produzidos por utilizadores particulares para serem partilhados e trocados no âmbito de grupos com interesses comuns.

(22)      Para efeitos da presente diretiva, a definição de serviço de comunicação social audiovisual deverá abranger os meios de comunicação de massas na sua função de informar, distrair e educar o público em geral, e deverá incluir a comunicação comercial audiovisual embora deva excluir qualquer forma de correspondência privada, como mensagens de correio eletrónico enviadas a um número limitado de destinatários. A definição deverá excluir também todos os serviços cujo objetivo principal não seja o fornecimento de programas, isto é, em que qualquer conteúdo audiovisual seja meramente acessório para o serviço, não constituindo o seu objetivo principal. São exemplos disso os sítios web que contêm elementos audiovisuais apenas de um modo marginal, como elementos gráficos animados, curtos spots publicitários ou informações relativas a um produto ou um serviço não audiovisual. […]

[…]

(24)       É característico dos serviços de comunicação social audiovisual a pedido o facto de serem ‘similares aos serviços televisivos’, ou seja, serviços que competem pela mesma audiência que as emissões televisivas e cuja natureza e meios de acesso fazem com que o utilizador tenha expectativas razoáveis quanto a uma proteção regulamentar no âmbito da presente diretiva. À luz do que precede e a fim de evitar disparidades quanto à livre circulação e à concorrência, o conceito de ‘programa’ deverá ser interpretado de forma dinâmica, tendo em conta a evolução da radiodifusão televisiva.

[…]

(28)      O âmbito de aplicação da presente diretiva não deverá abranger as versões eletrónicas de jornais e revistas.

(29)      Todas as características de um serviço de comunicação social audiovisual que constam da sua definição e são explicadas nos considerandos 21 a 28 deverão estar presentes ao mesmo tempo.»

5.        O pedido do órgão jurisdicional de reenvio tem por objetivo, em substância, a interpretação de determinadas definições que figuram na Diretiva 2010/13. Essas definições constam do artigo 1.° desta diretiva. Este último dispõe:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Serviço de comunicação social audiovisual’

i)      um serviço tal como definido pelos artigos 56.° e 57.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, prestado sob a responsabilidade editorial de um fornecedor de serviços de comunicação social e cuja principal finalidade é a oferta ao público em geral de programas destinados a informar, distrair ou educar, através de redes de comunicações eletrónicas, na aceção da alínea a) do artigo 2.° da Diretiva 2002/21/CE. Esse serviço de comunicação social audiovisual é constituído por emissões televisivas, tal como definidas na alínea e) do presente número, ou por serviços de comunicação social audiovisual a pedido, tal como definidos na alínea g) do presente número;

[…]

b)      ‘Programa’, um conjunto de imagens em movimento, com ou sem som, que constitui uma parte autónoma da grelha de programas ou do catálogo estabelecidos por um fornecedor de serviços de comunicação social e cuja forma e conteúdo são comparáveis à forma e ao conteúdo de uma emissão televisiva. São exemplos de programas as longas‑metragens cinematográficas, os acontecimentos desportivos, as comédias de costumes (sitcom), os documentários, os programas infantis e as séries televisivas;

[…]

g)      ‘Serviço de comunicação social audiovisual a pedido’ (ou seja, um serviço de comunicação social audiovisual não linear), um serviço de comunicação social audiovisual prestado por um fornecedor de serviços de comunicação social para visionamento de programas pelo utilizador, a pedido individual deste, num momento por ele escolhido para o efeito com base num catálogo de programas selecionados pelo fornecedor do serviço de comunicação social;

[…]»

 Direito austríaco

6.        A Diretiva 2010/13 foi transposta para o direito austríaco pela Bundesgesetz über audiovisuelle Mediendienste (Lei dos serviços de comunicação social audiovisual, a seguir «AMD‑G») (5). As definições de serviço de comunicação social audiovisual, de serviço de comunicação social audiovisual a pedido e de programa constam do § 2, n.os 3, 4 e 30, da AMD‑G. A sua formulação coincide com a redação das definições correspondentes que constam da Diretiva 2010/13.

7.        Em conformidade com o § 9, n.° 1, da AMD‑G:

«Os operadores televisivos que não estejam sujeitos a autorização nos termos do § 3, n.° 1, bem como os prestadores de serviços de comunicação social a pedido, devem comunicar as suas atividades, pelo menos duas semanas antes do seu início, às autoridades de regulação.»

 Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

8.        A New Media Online GmbH, sociedade de direito austríaco, explora o sítio Internet do jornal Tiroler Tageszeitung com a denominação Tiroler Tageszeitung Online (6). Desta página, entre outros conteúdos, consta um link diferente designado «Vídeos» que continha, à época dos factos do processo principal, um catálogo com cerca de 300 conteúdos audiovisuais. Estes elementos, com uma duração entre algumas dezenas de segundos e vários minutos, estavam mais ou menos relacionados com os outros conteúdos do sítio Internet e provinham de diversas fontes (conteúdos próprios, materiais produzidos para a televisão local, fornecidos pelos utilizadores do sítio Internet, etc.).

9.        Por decisão de 9 de outubro de 2012, a Kommunikationsbehörde Áustria (Autoridade de Regulação austríaca) considerou que o link «Vídeos» no sítio Internet do Tiroler Tageszeitung Online constituía um serviço de comunicação social audiovisual a pedido na aceção da AMD‑G, sujeito à obrigação de notificação prevista no § 9, n.° 1, desta lei.

10.      A sociedade New Media Online interpôs recurso desta decisão para o Bundeskommunikationssenat (Autoridade jurisdicional competente em matéria de telecomunicações), que proferiu a sua decisão em 13 de dezembro de 2012. A referida sociedade também recorreu desta decisão para o Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo).

11.      Foi nestas condições que o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      Deve o artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva [2010/13] ser interpretado no sentido de que se pode falar de uma comparabilidade necessária, do ponto de vista da forma e do conteúdo, de um serviço que é objeto de exame, com programas de radiodifusão televisiva, quando esses serviços também são oferecidos em programas de televisão que podem ser considerados como meios de comunicação de massas, que são destinados a ser recebidos por uma parte significativa do público em geral e são suscetíveis de ter sobre este um impacto claro?

2)      Deve o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i), da Diretiva [2010/13] ser interpretado no sentido de que, para determinar a finalidade principal do serviço oferecido, no caso das versões eletrónicas de jornais, se pode ter em consideração um domínio parcial no qual são disponibilizados maioritariamente vídeos curtos que, em outros domínios do sítio web deste meio de comunicação eletrónico, são utilizados apenas como complemento dos artigos do jornal online

12.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de julho de 2014. A New Media Online, o Governo sueco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A New Media Online e a Comissão estiveram representadas na audiência realizada em 22 de abril de 2015.

 Análise

13.      O órgão jurisdicional de reenvio pede a interpretação de dois dos critérios que permitem qualificar um serviço de serviço de comunicação social audiovisual na aceção da Diretiva 2010/13. Não contesto a importância desses dois critérios. Todavia, do meu ponto de vista, o presente processo suscita problemas mais gerais relacionados com o âmbito de aplicação desta diretiva relativamente aos conteúdos publicamente disponíveis na Internet. Quero também propor uma abordagem mais genérica do problema levantado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Isto parece‑me tanto mais indicado quanto, no presente processo, o Tribunal de Justiça terá pela primeira vez a oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação do conceito de serviço de comunicação social audiovisual na aceção da referida diretiva.

14.      Antes de evocar esta questão, começo por recordar brevemente a génese das disposições do direito da União no domínio da comunicação social audiovisual (7).

 Génese da Diretiva 2010/13

15.      Embora o Tribunal de Justiça considere, desde 1974, as emissões televisivas como um serviço na aceção do Tratado (8), estas questões não suscitaram o interesse do legislador comunitário antes dos anos 80 do século passado. Isso deve‑se ao facto de a televisão terrestre tradicional depender da disponibilidade da largura de banda de rádio. Eram os Estados‑Membros que dispunham dela e a atribuíam às diversas estações de televisão, concedendo‑lhes uma licença de difusão limitada ao seu respetivo território. Por conseguinte, os serviços televisivos tinham pouca relevância transfronteiriça.

16.      A situação alterou‑se com o desenvolvimento da televisão por cabo e, sobretudo, por satélite. A nova tecnologia permitiu não só aumentar consideravelmente o número de canais de televisão, mas também chegar a um público situado fora do Estado‑Membro da sede do fornecedor. Isto permitiu a criação de um mercado único de serviços televisivos.

17.      Os trabalhos legislativos tiveram início com o Livro verde da Comissão, de 14 de junho de 1984, relativo à televisão sem fronteiras (9). Esses trabalhos levaram à aprovação da diretiva relativa à televisão sem fronteiras (10). Esta diretiva estabeleceu o princípio da livre receção das emissões de radiodifusão televisiva transmitidas de um Estado‑Membro para o território de outros Estados‑Membros. Em contrapartida, impôs a todos os organismos de radiodifusão comunitários regras mínimas que estabeleceram limites qualitativos e quantitativos em matéria de publicidade, de patrocínios e de televendas, de proteção de menores e da ordem pública, e instituiu um direito de resposta. As regras previstas pela referida diretiva em relação à competência dos diferentes Estados‑Membros sobre os organismos de radiodifusão garantiam que estes estavam sujeitos à legislação e às autoridades de regulação de um único Estado‑Membro. Além disso, a diretiva «Televisões sem fronteiras» impôs obrigações aos organismos de radiodifusão televisiva relativamente à promoção das obras europeias. Uma alteração de 1997 (11) à diretiva «Televisões sem fronteiras» instituiu nomeadamente a possibilidade de os Estados‑Membros definirem acontecimentos cuja retransmissão não pode ser reservada exclusivamente a canais pagos.

18.      Os rápidos progressos tecnológicos no domínio da comunicação social eletrónica no virar do século permitiram não só aumentar ainda de maneira significativa o volume das ofertas tradicionais de televisão, mas também fazer aparecer novas formas de serviços audiovisuais, como todo o tipo de serviços a pedido. O desenvolvimento da Internet, simultaneamente em termos de conteúdos e de acessibilidade para os utilizadores, enquanto novo suporte do século XXI, constituiu um fenómeno diferente. Este desenvolvimento tecnológico foi acompanhado por uma alteração progressiva no comportamento e nas expectativas dos utilizadores. Dado que a situação jurídica permaneceu inalterada, estes novos fenómenos provocaram um desequilíbrio concorrencial crescente no mercado dos serviços audiovisuais.

19.      A Comissão referiu a necessidade de alterações no quarto relatório relativo à aplicação da Diretiva 89/552 (12), bem como na comunicação sobre o futuro da política europeia de regulação audiovisual (13). No fim dos trabalhos preparatórios e de muitas consultas, a Comissão aprovou um projeto de diretiva que alterava a Diretiva 89/552 (14). Com exceção de algumas pequenas alterações, este projeto foi aprovado como Diretiva 2007/65 (15).

20.      Esta diretiva alterou consideravelmente a Diretiva 89/552. Antes de mais, a alteração afetou o próprio título da diretiva, no âmbito de uma alteração terminológica: já não se trata de atividades de radiodifusão televisiva, mas de serviços de comunicação social audiovisual. As disposições substantivas da diretiva foram profundamente revistas no sentido de uma liberalização, nomeadamente no domínio da publicidade e de outras formas de promoção de bens e serviços. Do ponto de vista do presente processo, a alteração mais importante é o alargamento do âmbito de aplicação das disposições da diretiva aos serviços audiovisuais ditos «não lineares», comummente denominados «serviços a pedido». Estes serviços ficaram sujeitos — numa medida estritamente limitada às regras de base — às disposições relativas à proteção de menores e à ordem pública, à publicidade, bem como às destinadas a favorecer a produção europeia. Disposições mais específicas regulam os serviços lineares, isto é, a televisão tradicional. A Diretiva 2010/13 é o texto codificado da Diretiva 89/552, na sequência das alterações introduzidas pela Diretiva 2007/65 (16).

21.      Conforme resulta das considerações que antecedem, que constituem, por força das circunstâncias, um resumo muito breve, a regulamentação dos serviços audiovisuais não lineares deriva simplesmente das regras relativas aos serviços lineares, isto é, a televisão. É à luz desta génese que importa, na minha opinião, interpretar a definição que a Diretiva 2010/13 dá dos serviços de comunicação social audiovisual, situando‑a no contexto da sociedade da informação.

 Definição de serviços de comunicação social audiovisual no contexto da sociedade da informação

 Desenvolvimento da Internet e dos serviços de comunicação social audiovisual

22.      Paralelamente ao desenvolvimento da televisão exposto acima, ocorreu uma outra evolução, por vezes qualificada de revolução: o nascimento e o desenvolvimento de uma rede informática mundial, a saber a Internet. De curiosidade técnica reservada a um círculo restrito de especialistas, a Internet tornou‑se, no espaço de alguns decénios, uma ferramenta de utilização universal e quotidiana no trabalho, na educação e no entretenimento. Toda uma série de atividades se deslocou, no todo ou em parte, para a rede: o correio eletrónico substitui a correspondência tradicional, os portais de informação substituem‑se aos jornais, o comércio eletrónico substitui as lojas no mundo real, os sítios de encontros on line substituem as agências matrimoniais, etc. Todavia, a Internet também suscitou numerosos novos fenómenos apenas possíveis neste meio de comunicação, por exemplo, as novas formas de comunicação que são os fóruns de discussão ou as redes sociais, sendo as mais célebres o Facebook e o Twitter.

23.      O fenómeno da «internetização» não poupou os serviços audiovisuais. Em especial, o desenvolvimento da Internet de alta velocidade — ao aumentar várias vezes a velocidade de transmissão de dados — permitiu, por um lado, a difusão de serviços audiovisuais lineares e não lineares via Internet (Internet Protocol Television, IPTV), e, por outro, fez nascer um número praticamente ilimitado de novos fornecedores e de novas formas de serviços audiovisuais.

24.      A Internet de alta velocidade é acompanhada ainda de um outro fenómeno essencial do ponto de vista das presentes considerações, a saber, o da multimédia. Na época analógica e no início do desenvolvimento da Internet, o texto, o som e a imagem, especialmente a animada, estavam separados de uma forma bastante estrita. Os jornais e os livros eram a fonte do texto, por vezes ilustrado com fotografias ou desenhos, a rádio era um meio de comunicação exclusivamente sonoro, enquanto o cinema e a televisão constituíam os meios de comunicação audiovisual, isto é, que combinavam a imagem animada e o som. A Internet permite comunicar ao público conteúdos que englobam num todo estes três tipos de meios de comunicação social. Desta maneira, os portais Internet de informação não estão condenados a difundir um simples texto, mas podem ilustrá‑lo e completá‑lo com vídeos, enquanto os estabelecimentos de ensino e de formação podem enriquecer os conteúdos didáticos com registos de conferências, e os clubes desportivos podem ilustrar os relatórios de jogos com videoclipes, etc.

25.      Hoje, qualquer portal Internet que se preze oferece, além de documentos escritos e gráficos, elementos audiovisuais mais ou menos relacionados tematicamente com o resto do portal. Esses elementos podem fazer parte integrante dos textos escritos, mas também apresentar um caráter independente. Apesar disso, na arquitetura das páginas web estes elementos audiovisuais são geralmente reunidos em subpáginas distintas, que ou correspondem aos diferentes temas abordados pelo portal ou constituem uma parte totalmente distinta, comummente chamada «vídeo», ou mesmo «TV» (ainda que na realidade não constitua uma televisão, isto é, um serviço linear).

26.      Por conseguinte, do ponto de vista jurídico, levanta‑se a questão de saber se os conteúdos desta natureza podem ser totalmente considerados serviços de comunicação social audiovisual e, se não, a de saber onde traçar os limites. O âmbito de aplicação da diretiva no que diz respeito a esses conteúdos é pouco claro e aparece definido de diversas formas na legislação e na prática das autoridades de regulação dos diferentes Estados‑Membros (17). Esta situação está em contradição com a exigência de aplicação uniforme das disposições da diretiva no território de toda a União.

 Aplicação da Diretiva 2010/13 aos elementos audiovisuais dos portais Internet

27.      Na decisão que é objeto do processo principal, a Autoridade de Regulação austríaca adotou uma definição ampla de serviços de comunicação social audiovisual, ao considerar que o catálogo de conteúdos audiovisuais oferecidos no sítio Internet do Tiroler Tageszeitung Online, na secção «vídeos», fazia parte dele.

28.      Embora essa tese possa encontrar uma justificação baseada na Diretiva 2010/13, uma interpretação tão ampla do âmbito de aplicação da diretiva parece‑me errada por várias razões.

29.      Em primeiro lugar, não me parece em conformidade com os objetivos que o legislador pretendeu alcançar ao adotar a diretiva sobre os serviços de comunicação social audiovisual (18). Como já referi supra, a regulamentação dos serviços audiovisuais nesta diretiva deriva simplesmente das regras relativas aos serviços lineares, isto é, da televisão tradicional (tradicional no sentido dos conteúdos e da grelha de programas, e não do meio técnico de difusão). Em conformidade com a exposição dos fundamentos do projeto de Diretiva 2007/65 (19) e com os considerandos da Diretiva 2010/13 (20), a regulamentação dos serviços não lineares procura garantir uma concorrência não falseada entre tipos de atividades económicas similares, aplicando‑lhes, pelo menos no essencial, regras análogas. Na minha opinião, não há que interpretar este objetivo de forma ampla, englobando aí serviços que não estão diretamente em concorrência com a difusão televisiva.

30.      Em segundo lugar, a interpretação adotada pela Autoridade de Regulação austríaca no processo principal equivale a submeter às disposições da diretiva «Serviços de comunicação social audiovisual» um número considerável de operadores que, é certo, exploram um sítio Internet que contém conteúdos audiovisuais, mas cuja atividade não tem como principal objetivo oferecer serviços audiovisuais na aceção desta diretiva. Embora seja verdade que as obrigações que decorrem da Diretiva 2010/13 para os fornecedores de serviços não lineares têm apenas um caráter mínimo, não é menos verdade que, na prática das autoridades de regulação nacionais, o facto de um serviço se enquadrar nas disposições que visam transpor a diretiva é acompanhado pelo menos da necessidade de um registo e, em determinados Estados‑Membros, de obrigações adicionais, como o pagamento de uma taxa (Reino Unido) ou de uma obrigação de declaração (França). Mesmo que esse registo não tenha a natureza de uma autorização de exercício da atividade, nem por isso deixa de pressupor a sujeição a uma fiscalização administrativa de uma parte significativa da atividade exercida na Internet, o que pode ser considerado uma limitação da liberdade de ação de que goza este meio de comunicação social.

31.      Querer sujeitar a uma fiscalização administrativa numerosos aspetos do funcionamento dos sítios Internet levantaria também um enorme desafio às autoridades de regulação dos Estados‑Membros, tendo em conta a facilidade com que esses sítios são criados e o facto de aí se publicar todo o tipo de conteúdos, incluindo audiovisuais. Tentar aplicar uma regulamentação demasiado ampla poderia ter como consequência privar a diretiva de eficácia, mesmo no domínio ao qual se destina efetivamente.

32.      Por último, em terceiro lugar, a tese apresentada pela Autoridade de Regulação austríaca sujeita a aplicação da diretiva à arquitetura concreta de um sítio Internet. De acordo com essa interpretação, só os conteúdos audiovisuais reunidos num catálogo constituem um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da diretiva. Em contrapartida, se esses conteúdos estiverem distribuídos por diferentes pontos do sítio, considera‑se que fazem parte integrante dele, e não que constituem um serviço distinto, de forma que não estão sujeitos às disposições da diretiva. Ora, na minha opinião, confrontamo‑nos aqui exclusivamente com uma determinada solução técnica, que não pode afetar a aplicação das disposições da diretiva. O facto de um serviço entrar ou não no âmbito de aplicação da diretiva só depende da sua natureza e não da arquitetura do sítio Internet em que é oferecido.

33.      Não contesto que uma leitura literal da Diretiva 2010/13 possa sugerir que a interpretação adotada pela Autoridade de Regulação austríaca seja adequada, ou que constitua, em todo o caso, uma das interpretações possíveis dessa diretiva. Todavia, não me parece que essa interpretação esteja conforme com a vontade do legislador. Pelas razões mencionadas supra, considero também que ela não permite atingir utilmente os objetivos da diretiva nem contribui para a sua aplicação uniforme no conjunto dos Estados‑Membros.

34.      A diretiva «Serviços de comunicação social audiovisual» não se afigura «incólume à passagem do tempo», como queriam os seus criadores (21). Muitas das suas formulações são imprecisas ou inadaptadas à realidade da Internet de banda larga. No entanto, considero que se se fizer uma interpretação dinâmica da diretiva, pode conferir‑se‑lhe um sentido correspondente à realidade contemporânea e à evolução rápida da Internet.

 Elementos da definição de serviço de comunicação social audiovisual, conforme resultam da Diretiva 2010/13

35.      A definição do serviço de comunicação social audiovisual consta do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2010/13, sendo que determinados termos que são aí utilizados são eles próprios definidos nos números seguintes deste mesmo artigo. O serviço de comunicação social não linear foi definido no artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da referida diretiva. O quadro jurídico que define o âmbito de aplicação material da Diretiva 2010/13 também é determinado pelos seus considerandos, que fazem referência direta às definições que constam do seu artigo 1.°, ou, de forma mais genérica, ao seu âmbito de aplicação.

36.      Em conformidade com o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i) (22), da Diretiva 2010/13, conjugado com o considerando 29 desta mesma diretiva, um serviço de comunicação social audiovisual deve preencher os seguintes critérios:

–        ter uma natureza económica,

–        ser prestado sob a responsabilidade editorial do fornecedor,

–        ter por principal finalidade a oferta de conteúdos audiovisuais,

–        consistir na oferta de programas,

–        ter um caráter informativo, educativo ou de entretenimento,

–        ser de acesso público,

–        ser transmitido por meio de uma rede de comunicações eletrónicas.

37.      O considerando 29 da Diretiva 2010/13 sublinha que só a reunião simultânea do conjunto daqueles critérios, bem como das características enunciadas noutros considerandos, permite qualificar um serviço de serviço de comunicação social audiovisual na aceção da diretiva. Na minha opinião, isso testemunha a vontade do legislador de incluir apenas nesta definição e, portanto, no âmbito de aplicação da diretiva, os tipos de serviços expressamente definidos. Isso milita em favor de uma interpretação restritiva da definição dos serviços de comunicação social audiovisual.

38.      Em conformidade com o primeiro dos critérios referidos, trata‑se de um serviço na aceção do Tratado e, consequentemente, com o caráter de uma atividade económica. Nos termos do considerando 21 da Diretiva 2010/13, importa excluir do seu âmbito de aplicação os «sítios web privados ou serviços que consistam na oferta ou distribuição de conteúdos audiovisuais produzidos por utilizadores particulares para serem partilhados e trocados no âmbito de grupos com interesses comuns». Trata‑se, essencialmente, de todo o tipo de sítios privados alimentados e explorados por particulares, sem fins lucrativos, como os blogues ou os vídeo‑blogues, bem como de sítios como o Youtube.

39.      O sítio Internet de um jornal que também é publicado em versão papel, do tipo do sítio do portal do Tiroler Tageszeitung Online, tem indiscutivelmente um caráter económico e preenche, por conseguinte, o primeiro critério. Nestas condições, só acessoriamente se observará que fazer esta demarcação já não é tão evidente como poderia parecer. Com efeito, por um lado, um fenómeno cada vez mais corrente é a inserção de publicidade paga nas páginas Internet particulares mais populares, o que constitui uma fonte de receitas para os seus produtores e, por conseguinte, uma forma de atividade económica. Por outro lado, sítios do tipo do Youtube contêm canais profissionais («branded channels»), que não são conteúdos produzidos pelos utilizadores. A questão de saber se e em que medida a Diretiva 2010/13 pode ser aplicável a este tipo de emissões constituirá o próximo desafio para as autoridades de regulação nacionais e para os órgãos jurisdicionais.

40.      Nem o critério da transmissão através da rede de comunicações eletrónicas nem o do acesso público (23) são especialmente úteis para determinar o âmbito de aplicação da Diretiva 2010/13 relativamente ao aspeto que nos interessa. A Internet é uma rede de comunicações eletrónicas por excelência e tudo o que aí não esteja reservado a um determinado grupo de utilizadores é de acesso público. Do mesmo modo, o caráter informativo, de entretenimento ou educativo do conteúdo transmitido não constitui um critério particularmente seletivo, uma vez que cobre quase todo o espetro imaginável dos conteúdos audiovisuais, sobretudo se esse conteúdo tiver, além disso, um caráter comercial e público.

41.      A responsabilidade editorial foi definida de maneira muito ampla no artigo 1.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2010/13. Com efeito, não se trata de uma responsabilidade que incide sobre o conteúdo de todo o material audiovisual difundido (os «programas», segundo a terminologia da diretiva), mas simplesmente sobre a seleção desses materiais e a sua organização no âmbito dos serviços. Com efeito, em substância, este critério pode servir apenas para distinguir os fornecedores de conteúdos dos operadores que oferecem um serviço de transmissão dos dados (como os fornecedores de redes de televisão por cabo ou de conexão Internet).

42.      Resta analisar os dois critérios cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Em conformidade com o critério do objeto principal, só é audiovisual o serviço cujo objeto principal é a oferta de conteúdos audiovisuais. Na decisão que é objeto do processo principal, a Autoridade de Regulação austríaca considerou que o catálogo de conteúdos vídeo que figura na página Internet constituía um serviço distinto. O objeto principal de um serviço assim definido é, necessariamente, a oferta de conteúdos audiovisuais. Nessa interpretação, o critério do objeto principal perde, contudo, todo o sentido, uma vez que, como já salientei supra, subordina o âmbito de aplicação da diretiva à arquitetura concreta que um sítio Internet apresenta numa data específica.

43.      Em seguida, o programa é definido no artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2010/13. Trata‑se de uma adaptação da definição que figurava na redação inicial da Diretiva 89/552. Esta disposição define o programa como uma parte autónoma da grelha de programas, num serviço linear, ou no quadro de um catálogo, num serviço não linear. Além disso, o programa deve apresentar uma forma e um conteúdo comparáveis aos da radiodifusão televisiva. Esta reserva constitui um outro indício de que a intenção do legislador não era incluir no âmbito de aplicação da diretiva conteúdos audiovisuais que não são normalmente difundidos em televisão.

44.      Além da definição dos serviços de comunicação social audiovisual em geral, a Diretiva 2010/13 contém, no seu artigo 1.°, n.° 1, alínea g), a definição dos serviços não lineares (considerados serviços a pedido). Nos termos dessa definição, no âmbito de um serviço não linear, o utilizador pode escolher e ver quando quiser um programa tirado de um catálogo selecionado pelo fornecedor do serviço. Parece que a Autoridade de Regulação austríaca considerou na decisão que é objeto do processo principal que, como o sítio Internet do Tiroler Tageszeitung Online continha um catálogo de conteúdos vídeo, esse sítio (ou, mais propriamente, a parte desse sítio que contém esse catálogo) constitui um serviço de comunicação social audiovisual a pedido.

45.      Todavia, considero que, na interpretação desta definição, não há que dar demasiada importância ao conceito de catálogo. A definição que consta do artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva repercute a definição do serviço audiovisual linear (isto é, de radiodifusão televisiva) que consta desse mesmo número, alínea e). O catálogo no âmbito do serviço não linear é o equivalente da «grelha de programas», isto é, da organização dos programas no tempo, no âmbito do serviço linear. O serviço não linear diferencia‑se precisamente do serviço linear na medida em que os programas não são difundidos num momento determinado, mas escolhidos pelo utilizador quando quer. Por conseguinte, deve haver um catálogo no qual o utilizador poderá escolher os títulos que lhe interessam. No entanto, não há que proceder a uma interpretação no sentido de que a existência de um catálogo faça presumir que o serviço constitui um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da Diretiva 2010/13.

46.      Os considerandos da Diretiva 2010/13 dão outras indicações quanto ao âmbito da sua aplicação no que respeita aos serviços audiovisuais não lineares.

47.      Em conformidade com o seu considerando 24, os serviços de comunicação social não lineares devem ser similares aos serviços televisivos, o que significa que se destinam ao mesmo público. Todavia, é difícil considerar que a televisão se destina a um público ou a públicos determinados. A televisão oferece conteúdos muito diversificados, destinados, em princípio, a todos os tipos possíveis e imaginários de público, satisfazendo o seu pedido em matéria de informação, de entretenimento e de educação. Este considerando deve, antes, ser analisado como o sinal da preocupação do legislador em manter uma sã concorrência entre tipos de atividades económicas similares, submetendo‑as a disposições análogas, pelo menos no essencial. Consequentemente, os serviços não lineares similares aos serviços televisivos devem ser entendidos em sentido estrito; em conformidade com a vontade do legislador, a Diretiva 2010/13 só pode ser aplicada na medida em que o desenvolvimento das tecnologias de telecomunicações permita oferecer, de uma forma não linear, os mesmos conteúdos que os outrora disponíveis na televisão, isto é, no âmbito de um serviço linear. No entanto, não estava na intenção do legislador alargar o âmbito de aplicação dessa regulamentação aos novos fenómenos ligados à generalização da Internet, e em especial da Internet de banda larga, como o surgimento de páginas Internet multimédia.

48.      Esta conclusão não é posta em causa pela sequência do considerando 24 da Diretiva 2010/13, de acordo com a qual o conceito de programa deve ser interpretado de uma forma dinâmica que tenha em conta a evolução da radiodifusão televisiva. Esta indicação significa simplesmente que o âmbito de aplicação da diretiva no que respeita aos serviços não lineares deve manter‑se em relação com a evolução da matéria principal que tem por objeto regulamentar, a saber, os serviços lineares. Os serviços não lineares não podem constituir um domínio diferente da regulamentação da diretiva. Isso levaria à necessidade de abranger sempre novos tipos de conteúdos audiovisuais, que poderiam não ter nada em comum com a radiodifusão televisiva linear.

49.      Por último, segundo o considerando 28 da Diretiva 2010/13, o âmbito de aplicação não abrange as «versões eletrónicas de jornais e revistas». Na minha opinião, também importa ler esta passagem à luz do atual nível de evolução dos serviços da sociedade de informação. Por conseguinte, não se trata aqui de um serviço que consista num mecanismo de transferência do conteúdo em papel dos jornais e das revistas para a Internet. Em primeiro lugar, tal serviço não teria qualquer lugar para conteúdos audiovisuais, de que os meios de comunicação social em papel estão necessariamente desprovidos. Em segundo lugar, as páginas Internet de jornais e revistas que se limitam a reproduzir em formato eletrónico os artigos publicados nas edições em papel estão em declínio. Atualmente, são frequentemente desenvolvidos portais que contêm, em número bem mais elevado do que nas versões em papel, elementos de diferentes naturezas, incluindo de tipo audiovisual. Isto diz sobretudo respeito aos jornais diários, cujos sítios Internet adotam, regra geral, o formato de portais de informação que contêm notícias constantemente atualizadas, documentos de análise, secções especializadas e aprofundadas, etc. O sítio Internet do Tiroler Tageszeitung Online constitui justamente um exemplo disso. Acresce que os portais deste tipo não funcionam apenas sob a égide de jornais, podendo ser também propriedade de estações de televisão ou de rádio, sobretudo os de informação, ou funcionar exclusivamente como portais Internet. Todas estas categorias de portais têm a sua própria especificidade, mas apresentam uma estrutura geral e conteúdos análogos. Considerar também de maneira diferente alguns portais Internet de caráter informativo apenas pelo facto de serem propriedade de jornais ou de revistas seria, na minha opinião, injustificado e levaria a uma desigualdade de tratamento. Por conseguinte, o considerando 28 da Diretiva 2010/13 deve ser analisado como uma indicação do facto de que o legislador pretendia excluir do âmbito de aplicação desta diretiva todos os tipos de sítios Internet de informação que apresentem um caráter de multimédia, isto é, que contenham, entre outros, conteúdos audiovisuais.

 Resposta às questões prejudiciais

50.      O órgão jurisdicional de reenvio submete questões prejudiciais relativas à interpretação do critério do objeto principal, bem como ao conceito de programa (24), no contexto de um litígio que diz respeito à qualificação, como serviço de comunicação social audiovisual na aceção da Diretiva 2010/13, da parte do sítio Internet do Tiroler Zeitung Online que contém conteúdos audiovisuais. Em substância, trata‑se todavia de saber se esta diretiva se aplica aos portais Internet de informação de tipo multimédia, isto é, que contêm tanto materiais escritos e fotográficos como materiais áudio ou audiovisuais.

51.      Na minha opinião, as considerações que antecedem conduzem às seguintes conclusões, essenciais para responder às questões que são assim submetidas.

52.      Em primeiro lugar, a Diretiva 2010/13 inscreve‑se em linha direta na evolução das regulamentações em matéria de televisão, e o seu objetivo é apenas fazer entrar no âmbito da regulamentação os serviços que estão em concorrência direta com a televisão, isto é, que oferecem o mesmo conteúdo sob uma forma não linear.

53.      Em segundo lugar, o principal objetivo de um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da Diretiva 2010/13 é a oferta de programas, isto é, dos elementos de um programa tradicional de televisão (grelha de programas na aceção da terminologia da diretiva), mesmo quando, no caso de um serviço não linear, esses programas não são fornecidos num momento determinado, mas a pedido do utilizador.

54.      Em terceiro lugar, e ainda que de maneira anacrónica tendo em conta o atual nível de evolução da tecnologia de Internet, o legislador indicou claramente nos considerandos da diretiva que não pretendia incluir no seu âmbito de aplicação os portais Internet de informação.

55.      Por conseguinte, um portal Internet do tipo do sítio do Tiroler Tageszeitung Online não preenche as condições exigidas para ser considerado um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da diretiva. Em primeiro lugar, a emergência de portais web multimédia que, além dos conteúdos escritos e fotográficos, contêm materiais áudio e audiovisuais não é, com efeito, a consequência do desenvolvimento tecnológico da televisão, mas um fenómeno totalmente novo, essencialmente relacionado com o aumento da velocidade das redes de telecomunicações. Em segundo lugar, o caráter multimédia de portais como o sítio Internet do Tiroler Tageszeitung Online não permite analisar, separadamente do resto do portal, os conteúdos audiovisuais que aí figuram, mesmo quando estes estão reunidos numa secção distinta do referido portal. Com efeito, a essência de um serviço multimédia está em combinar diferentes formas de mensagens — texto, imagens e sons —, constituindo a arquitetura concreta do portal apenas um aspeto técnico secundário. Por último, em terceiro lugar, este tipo de portais web multimédia constitui a forma atual do que o legislador ainda podia considerar como as «versões eletrónicas dos jornais e revistas» à época dos trabalhos relativos à diretiva sobre os serviços audiovisuais.

56.      Nestas condições, considero que o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i), da Diretiva 2010/13 deve ser interpretado no sentido de que nem o sítio Internet de um jornal diário que contém materiais audiovisuais nem nenhuma secção do referido sítio constitui um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da referida diretiva.

57.      Quero ainda salientar que não partilho do receio de que esta interpretação permita aos operadores que oferecem efetivamente serviços de comunicação social audiovisual usurparem a designação de portal de informação multimédia, para se furtarem assim à legislação que lhes é aplicável neste domínio. É evidente que a aplicação pelas autoridades de regulação nacionais dos Estados‑Membros das disposições adotadas com base na Diretiva 2010/13 exige que se analise a natureza dos serviços que existem no mercado com vista a qualificá‑los de serviços de comunicação social audiovisual na aceção da diretiva. Nenhuma disposição jurídica, mesmo a mais precisa, pode substituir essa análise caso a caso; aliás, o mesmo se aplica em qualquer domínio do direito. No entanto, as eventuais dificuldades que daí resultam não podem justificar que se interprete a diretiva de forma a abranger, na prática, todos os conteúdos audiovisuais que existam na Internet, excedendo assim o alcance da regulamentação previsto pelo legislador.

58.      Regressamos aqui ao cavalo que mencionámos no início das presentes conclusões. O facto de ser teoricamente difícil elaborar uma definição abstrata do serviço de comunicação social audiovisual não significa que não seja fácil identificar esse serviço na prática. A grande maioria dos serviços deste tipo resume‑se à oferta, em sítios Internet, de filmes de longa‑metragem, séries televisivas, retransmissões desportivas, etc. Por conseguinte, trata‑se do género de emissão que é fácil de qualificar de tipicamente televisiva. As dúvidas devem ser resolvidas em conformidade com o objetivo da diretiva «Serviços de comunicação social audiovisual», em favor da sua não aplicação aos sítios web multimédia. Só podem, portanto, ser qualificados de serviços de comunicação social audiovisual os sítios que preencham indubitavelmente todos os critérios desse serviço.

59.      É evidente que a interpretação que proponho diz respeito à definição de serviço de comunicação social audiovisual com base na redação atualmente em vigor da Diretiva 2010/13. Esta diretiva é o resultado da evolução de soluções jurídicas concebidas para a radiodifusão televisiva e reveste um caráter marcado pelo século vinte, como salientou um autor (25). Todavia, isso não significa que os conteúdos que aparecem na Internet, incluindo os audiovisuais, não possam ou não devam, de forma alguma, ser sujeitos a disposições jurídicas, designadamente do direito da União, no que respeita a questões como a proteção de menores e da ordem pública, a publicidade ou o princípio da transmissão de acontecimentos importantes. Todavia, na minha opinião, deve tratar‑se de disposições adaptadas à especificidade da Internet, e designadamente à sua natureza multimédia. Os trabalhos relativos ao novo pacote de disposições respeitantes ao mercado digital, recentemente anunciado pela Comissão (26), podem fornecer a oportunidade para o efeito.

 Conclusão

60.      Atendendo às considerações antecedentes, proponho que o Tribunal de Justiça dê às questões submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof a seguinte resposta:

«O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i), da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva ‘Serviços de Comunicação Social Audiovisual’), deve ser interpretado no sentido de que nem o sítio web de um jornal diário que contém material audiovisual, nem nenhuma secção do referido sítio, constitui um serviço de comunicação social audiovisual na aceção da referida diretiva.»


1 —      Língua original: polaco.


2 —      B. Chmielowski, Nowe Ateny, Lwów 1745‑1746, p. 475.


3 —      Um perfeito exemplo da pouca adequação das nossas categorias jurídicas atuais à nova realidade é o constrangimento com que qualificamos de «serviço» a venda desmaterializada de livros (e‑books) (v. acórdãos Comissão/França, C‑479/13, EU:C:2015:141, e Comissão/Luxemburgo, C‑502/13, EU:C:2015:143).


4 —      JO L 95, p. 1.


5 —      BGBl n.° 84/2001, conforme alterada.


6 —      www.tt.com.


7 —      Refiro‑me às disposições relativas aos conteúdos difundidos por meio da comunicação social audiovisual. Como não se enquadram no presente processo, não evocarei as disposições respeitantes ao funcionamento das redes de telecomunicações e ao acesso a estas, nem as relativas aos serviços da sociedade de informação que não sejam de natureza audiovisual, à proteção dos direitos de autor, etc.


8 —      Acórdão Sacchi (155/73, EU:C:1974:40, n.° 6).


9 —      Televisão sem fronteiras, Livro verde sobre o estabelecimento do mercado comum da radiodifusão, especialmente por satélite e cabo [COM(84) 300 final].


10 —      Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23). V., a este respeito, Mik, C., Media masowe w europejskim prawie wspólnotowym, Toruń 1999, pp. 239 a 243.


11 —      Diretiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 1997, que altera a Diretiva 89/552/CEE (JO L 202, p. 60).


12 —      Quarto relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação da Diretiva 89/552/CEE «Televisão sem Fronteiras» [COM(2002) 778 final].


13 —      Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões ‑ O futuro da política Europeia de regulação audiovisual [COM(2003) 784 final].


14 —      COM(2005) 464 final.


15 —      Diretiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera a Diretiva 89/552 (JO L 332, p. 27).


16 —      Para mais detalhes sobre a evolução da legislação da União no domínio dos serviços audiovisuais, v., por exemplo, Chałubińska‑Jentkiewicz, K., Audiowizualne usługi medialne. Reglamentacja w warunkach konwersji cyfrowej, Varsóvia 2013, pp. 78 a 118; Burri‑Nenova, M., The New Audiovisual Media Services Directive: Television Without Frontiers, Television Without Cultural Diversity, Common Market Law Review, Volume 44(2007), p. 1689 (especialmente pp. 1693 e segs.).


17 —      V., por exemplo, F. J. Cabrera Blázquez, On‑demand Services: Made in the Likeness of TV?, in: What Is an On‑demand Service, IRIS‑Plus 2013‑4, European Audiovisual Observatory, Strasbourg 2013, p. 7; J. Metzdorf, The Implementation of the Audiovisual Media Services Directive by National Regulatory Authorities. National Responses to Regulatory Challenges, Journal of Intellectual Property, Information Technology and Electronic Commerce Law, Volume 5(2014), Issue 2, p. 88.


18 —      Refiro‑me com esta designação, consoante o período de que se trate, quer à Diretiva 89/552, conforme alterada pela Diretiva 2007/165, quer à Diretiva 2010/13.


19 —      COM(2005) 646 final.


20 —      V. considerandos 11 e 24 da Diretiva 2010/13.


21 —      Reding, V., The Audiovisual Media Services Directive: the Right Instrument to Provide Legal Certainty for Europe’s Media Business in the Next Decade, ERA Forum, 2006‑2, p. 265.


22 —      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), ii), da Diretiva 2010/13 também menciona, entre os serviços de comunicação social audiovisual, a comunicação comercial audiovisual; todavia, não evocarei este aspeto, uma vez que não diz respeito ao objeto das presentes conclusões.


23 —      V. os dois últimos travessões do n.° 36 das presentes conclusões.


24 —      V. n.os 36, 42 e 43 das presentes conclusões.


25 —      Cabrera Blázquez, F. J., op. cit., p. 25.


26 —      Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões ‑ Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa, COM(2015) 192 final.