Language of document : ECLI:EU:T:2013:397

Processos T‑35/10 e T‑7/11

Bank Melli Iran

contra

Conselho da União Europeia

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas contra o Irão com o objetivo de impedir a proliferação nuclear — Congelamento de fundos — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Confiança legítima — Reapreciação das medidas restritivas adotadas — Erro de apreciação — Igualdade de tratamento — Base jurídica — Formalidades essenciais — Proporcionalidade»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 6 de setembro de 2013

1.      Processo judicial — Atos que revogam e substituem no decurso da instância os atos impugnados — Requerimento de adaptação dos pedidos de anulação apresentado no decurso da instância — Prazo de apresentação desse pedido — Início da contagem — Data de comunicação do novo ato aos interessados

(Artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE; Decisão 2011/783/PESC do Conselho; Regulamentos do Conselho n.° 1245/2011 e n.° 267/12)

2.      Processo jurisdicional — Decisão que substitui no decurso da instância a decisão impugnada entretanto revogada — Admissibilidade de novos pedidos — Limites — Atos hipotéticos ainda não adotados

3.      Direito da União Europeia — Direitos fundamentais — Âmbito de aplicação pessoal — Pessoas coletivas que são emanações de Estados terceiros — Inclusão — Responsabilidade do Estado terceiro pelo respeito dos direitos fundamentais no seu próprio território — Irrelevância

(Carta dos direitos fundamentais da União Europeia)

4.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Medidas restritivas contra o Irão — Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos que participam ou apoiam a proliferação nuclear — Dever de comunicar a fundamentação ao interessado aquando da adoção do ato que lhe é lesivo ou imediatamente a seguir — Limites — Segurança da União e dos Estados‑Membros ou condução das suas relações internacionais — Direito de acesso aos documentos subordinado a um pedido ao Conselho nesse sentido

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Decisão 2010/413/PESC do Conselho, artigo 24.°, n.° 3; Regulamentos do Conselho n.° 423/2007, artigo 15.°, n.° 3, n.° 961/2010, artigo 36.°, n.° 3, e n.° 267/2012, artigo 46.°, n.° 3)

5.      União Europeia — Fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos das instituições — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos que participam ou apoiam a proliferação nuclear — Dever de comunicação dos elementos de acusação aquando da adoção do ato lesivo ou imediatamente a seguir

6.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Ato que adota ou mantém essas medidas — Falta de comunicação ao recorrente — Irrelevância, a menos que fique demonstrada uma violação dos direitos do recorrente

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

7.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos que participam ou apoiam a proliferação nuclear — Fiscalização jurisdicional da legalidade — Alcance — Repartição do ónus da prova — Decisão baseada nas informações prestadas por Estados‑Membros e que não são suscetíveis de comunicação ao juiz da União — Inadmissibilidade

(Decisões do Conselho 2010/644/PESC e 2011/783/PESC; Regulamentos do Conselho n.° 1100/2009, n.° 961/2010, n.° 1245/2011 e n.° 267/2012)

8.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Alcance — Fundos e recursos de um estabelecimento sedeado num Estado terceiro — Exclusão — Limites — Fundos implicados nas operações comerciais realizadas integralmente ou em parte na União

(Regulamentos do Conselho n.° 423/2007, n.° 961/2010 e n.° 267/2012)

9.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Escolha da base jurídica — Fundamento no artigo 215.º TFUE e não no artigo 75.º TFUE

(Artigos 75.° TFUE e 215.° TFUE; Decisão 2010/644/PESC do Conselho; Regulamento n.° 961/2010 do Conselho)

10.    Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas contra o Irão no âmbito da luta contra a proliferação nuclear — Escolha da base jurídica — Medidas que excedem as decididas pelo Conselho das Nações Unidas — Irrelevância — Inexistência de violação do princípio da proporcionalidade

(Artigo 29.° TUE; artigo 215.° TFUE; Decisão 2010/413/PESC do Conselho)

11.    Política externa e de segurança comum — Decisão adotada no quadro do Tratado UE — Obrigação de o Conselho adotar medidas restritivas de execução — Inexistência

(Artigo 29.° TUE; Artigo 215.° TFUE; Decisão 2010/413/PESC do Conselho; Regulamento n.° 961/2010 do Conselho)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 57)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 62)

3.      Nem a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia nem os Tratados preveem disposições que excluam as pessoas coletivas que são emanações de Estados do benefício da proteção dos direitos fundamentais. A este respeito, o artigo 34.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem é uma disposição processual que não é aplicável aos processos perante o juiz da União, sendo o objetivo desta disposição evitar que um Estado parte nesta convenção seja, simultaneamente, recorrente e recorrido perante o referido Tribunal. Além disso, a circunstância de um Estado ser o garante do respeito dos direitos fundamentais no seu próprio território não é pertinente quando se trata do alcance dos direitos de que podem beneficiar as pessoas coletivas que são emanações desse mesmo Estado no território de Estados terceiros. Por último, serviços que representam atividades comerciais exercidas num setor concorrencial e sujeitas ao direito comum, bem como transações comerciais efetuadas com empresas que participam na proliferação nuclear não são suscetíveis de demonstrar que a empresa em causa participa no exercício do poder público e não justificam que o recorrente seja qualificado de emanação de um Estado.

(cf. n.os 65, 67, 69, 72, 73)

4.      A menos que considerações imperativas relativas à segurança da União ou dos seus Estados‑Membros ou à condução das suas relações internacionais se oponham à comunicação de certos elementos, o Conselho é obrigado a dar conhecimento à entidade que é alvo de medidas restritivas dos motivos específicos e concretos por que considera que essas medidas devem ser adotadas. Tratando‑se de um ato pelo qual os fundos de uma entidade são congelados, a comunicação dos elementos de acusação deve ter lugar concomitantemente com a adoção do ato em causa ou, logo que possível, após a referida adoção. Quando foram comunicadas informações suficientemente precisas, que permitem à entidade interessada dar a conhecer, em tempo útil, o seu ponto de vista sobre as acusações que lhe são feitas pelo Conselho, o princípio do respeito dos direitos de defesa não implica que essa instituição seja obrigada a facultar espontaneamente o acesso a todos os documentos constantes do seu processo. Só a pedido do interessado é que o Conselho está obrigado a dar acesso a todos os documentos administrativos não confidenciais referentes à medida em causa.

Nestas condições, por um lado, satisfazem o dever de fundamentação que incumbe ao Conselho os motivos que permitem identificar as entidades a que o recorrente terá prestado serviços financeiros e que são alvo de medidas restritivas adotadas pela União ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, do mesmo modo que o período durante o qual os serviços em causa foram prestados e, em determinados casos, as transações específicas a que estavam associados.

Por outro lado, a falta de comunicação de um documento em que o Conselho se baseou para adotar ou para manter as medidas restritivas de que uma entidade é alvo só constitui uma violação dos direitos de defesa suscetível de justificar a anulação dos atos em causa se se demonstrar que as medidas restritivas em causa não poderiam ter sido validamente adotadas ou mantidas se o documento não comunicado devesse ser rejeitado como elemento de acusação.

(cf. n.os 79, 83, 84, 89, 100)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 85)

6.      Embora seja verdade que um ato que adote ou mantenha medidas restritivas a respeito de uma pessoa ou entidade deve ser comunicado a esta última e que é essa comunicação que faz correr o prazo para a interposição, pela pessoa ou entidade em causa, de um recurso de anulação do ato em questão nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, esta circunstância não implica que a falta dessa comunicação justifique, por si só, a anulação desse ato. O interessado deve demonstrar que a falta de comunicação individual do Regulamento n.° 267/2012 teve por consequência uma violação dos seus direitos.

(cf. n.os 112, 113)

7.      A fiscalização jurisdicional da legalidade de um ato que adota medidas restritivas contra uma entidade abrange a apreciação dos factos e das circunstâncias invocadas para o justificar, bem como a verificação dos elementos de prova e de informação em que assenta essa apreciação. Em caso de contestação, incumbe ao Conselho apresentar esses elementos com vista à sua verificação pelo juiz da União.

A circunstância de as medidas restritivas contra um recorrente terem sido adotadas com base em elementos recolhidos por um Estado‑Membro em nada altera o facto de os atos impugnados serem atos do Conselho, o qual deve, portanto, certificar‑se de que a sua adoção se justifica, pedindo, se for caso disso, ao Estado‑Membro em causa para lhe apresentar os elementos de prova e de informação necessários para esse fim. Do mesmo modo, o Conselho não pode alegar que os elementos em causa provêm de fontes confidenciais e não podem, por conseguinte, ser divulgados. Com efeito, embora esta circunstância pudesse, eventualmente, justificar restrições no que respeita à comunicação destes elementos ao recorrente ou aos seus advogados, a verdade é que, tendo em conta o papel essencial da fiscalização jurisdicional no contexto da adoção de medidas restritivas, o juiz da União deve poder fiscalizar a legalidade e o mérito dessas medidas, sem que lhe possam ser opostos o segredo ou a confidencialidade dos elementos de prova e de informação utilizados pelo Conselho. Por outro lado, o Conselho não pode basear um ato que adota medidas restritivas em informações ou em elementos processuais comunicados por um Estado‑Membro, se esse Estado‑Membro não estiver disposto a autorizar a sua comunicação à jurisdição da União competente para fiscalizar a legalidade dessa decisão.

(cf. n.os 122, 125, 126)

8.      Embora um estabelecimento financeiro sedeado num Estado terceiro e constituído de acordo com o direito desse mesmo Estado não esteja obrigado, por força do Regulamento n.° 423/2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão, o Regulamento n.° 961/2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento n.° 423/2007, e o Regulamento n.° 267/2012, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento n.° 961/2010, a congelar os fundos das entidades implicadas na proliferação nuclear, a verdade é que os seus fundos e recursos económicos situados no território da União, implicados numa operação comercial realizada integralmente ou em parte na União, ou detidos por nacionais de Estados‑Membros ou por pessoas coletivas, entidades ou organismos estabelecidos ou constituídos de acordo com o direito de um Estado‑Membro, podem ser alvo de medidas restritivas adotadas nos termos dos referidos regulamentos, se tal estabelecimento participar, estiver diretamente associado ou prestar apoio à proliferação nuclear. Daqui resulta que quando um estabelecimento financeiro estrangeiro sabe ou pode razoavelmente suspeitar que um dos seus clientes está implicado na proliferação nuclear, deve deixar imediatamente de lhe prestar serviços financeiros, tendo em conta as obrigações legais aplicáveis, e não lhe deve prestar mais nenhum serviço novo.

(cf. n.os 132 a 134)

9.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 163, 164, 167 a 175)

10.    O facto de as medidas restritivas adotadas no âmbito da política externa e de segurança comum excederem as decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas não tem impacto no caráter adequado e suficiente do artigo 215.° TFUE enquanto base jurídica das mesmas. A mesma conclusão deve ser aplicada, por analogia, às medidas restritivas adotadas ao abrigo do artigo 29.° TUE, como as previstas pela Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga a Posição Comum 2007/140/PESC, e pelas decisões adotadas para lhe dar execução. Com efeito, o artigo 29.° TUE também não limita os poderes que confere ao Conselho na execução das medidas decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em consequência, o simples facto de as medidas restritivas de que o recorrente é alvo excederem as adotadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas não implica que o Conselho tenha violado o princípio da proporcionalidade.

De resto, o Conselho não está obrigado a fornecer ao recorrente uma justificação objetiva para o facto de ter adotado medidas restritivas a seu respeito, mas unicamente as razões concretas e específicas pelas quais considera que se lhe aplicam os critérios de adoção das medidas restritivas autónomas.

(cf. n.os 170, 182 a 184)

11.    Embora a adoção prévia de uma decisão em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado UE constitua uma condição necessária para que o Conselho possa adotar medidas restritivas ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 215.° TFUE, a simples existência de tal decisão não é suscetível de criar para o Conselho uma obrigação de adotar medidas desse tipo. Com efeito, o Conselho é livre de apreciar, no âmbito do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo Tratado FUE, as modalidades de execução das decisões adotadas em conformidade com o capítulo 2 do título V do Tratado UE, incluindo a eventual adoção de medidas restritivas baseadas no artigo 215.° TFUE.

Por outro lado, neste contexto, que nada no artigo 29.° TUE exclui que a definição de uma posição da União sobre uma questão específica de natureza geográfica ou temática abranja também medidas concretas que devam ser executadas pelo conjunto dos Estados‑Membros face a um acontecimento ou a um fenómeno.

(cf. n.os 193, 194, 197)