Language of document : ECLI:EU:C:2024:360

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

25 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato de mútuo com hipoteca — Cláusula que imputa aos consumidores o pagamento dos encargos relacionados com o contrato — Decisão judicial transitada em julgado que declara esta cláusula abusiva e nula — Ação de restituição dos montantes pagos a título da cláusula abusiva — Início do prazo de prescrição»

No processo C‑484/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 20 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 20 de Barcelona, Espanha), por Decisão de 22 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de agosto de 2021, no processo

F C C,

M A B

contra

Caixabank, S. A., anteriormente Bankia, S. A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, S. Rodin (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de outubro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de F C C e M A B, por I. Fernández Grañeda, F. Gómez Hidalgo Terán e J. Zaera Herrera, abogados,

–        em representação da Caixabank S. A., por J. Gutiérrez de Cabiedes Hidalgo de Caviedes, J. Rodríguez Cárcamo e E. Valencia Ortega, abogados,

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Ballesteros Panizo e A. Pérez‑Zurita Gutiérrez, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Rocchitta, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe F C C e M A B, dois consumidores, à Caixabank S. A., anteriormente Bankia, S. A., uma instituição de crédito, a respeito de um pedido de restituição de montantes pagos a título de uma cláusula contratual que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

4        O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

 Direito espanhol

5        O artigo 121.o—20 da Ley 29/2002, primera Ley del Código Civil de Cataluña (Lei n.o 29/2002, Primeira Lei do Código Civil da Catalunha), de 30 de dezembro de 2002 (BOE n.o 32, de 6 de fevereiro de 2003, a seguir «Código Civil catalão»), prevê:

«Os direitos prescrevem no prazo de dez anos independentemente da sua natureza, com exceção dos direitos adquiridos previamente por usucapião ou das situações em que o presente Código ou leis especiais disponham em sentido contrário.»

6        O artigo 121.o—23, n.o 1, do Código Civil catalão dispõe:

«O prazo de prescrição começa a correr quando o direito existir e for exercível e o seu titular conhece ou podia razoavelmente conhecer as circunstâncias nas quais esse direito se baseia, bem como a pessoa contra a qual o pode exercer.»

7        Nos termos do artigo 121.o—11 deste código:

«Constituem causas de interrupção da prescrição:

a)      A propositura de uma ação judicial, mesmo que esta seja julgada improcedente por vício processual.

b)      A instauração de um processo de arbitragem relativo ao crédito ou a apresentação pelo juiz de um pedido de designação de árbitros.

c)      A reclamação extrajudicial do crédito.

d)      O reconhecimento do direito ou a renúncia à prescrição efetuado pela pessoa contra quem o direito pode ser exercido durante o prazo de prescrição.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        As partes no litígio no processo principal celebraram um contrato de mútuo com hipoteca em 2007. Dado que a cláusula deste contrato que imputava aos demandantes no processo principal o pagamento da totalidade dos encargos relativos à constituição da hipoteca (a seguir «cláusula de encargos») foi declarada nula por sentença do Juzgado de Primera Instancia n.o 50 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 50 de Barcelona, Espanha) de 2 de maio de 2019, os montantes pagos a título de encargos notariais foram‑lhes restituídos.

9        Em 23 de fevereiro de 2021, os demandantes no processo principal intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, o Juzgado de Primera Instancia n.o 20 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 20 de Barcelona, Espanha), pedindo o reembolso dos montantes pagos a título da cláusula de encargos relacionados com os emolumentos de registo e os encargos suportados com vista à inscrição da hipoteca no registo, no montante de 295,36 euros.

10      A Caixabank alega, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que a ação intentada pelos demandantes no processo principal deve considerar‑se prescrita. No seu entender, o prazo de prescrição, que, nos termos do Código Civil catalão, é de dez anos, começou a correr a partir da data de constituição da hipoteca, em 2007, em que os montantes cujo reembolso é objeto do processo principal foram pagos.

11      Por seu turno, os demandantes no processo principal afirmam que, à luz da jurisprudência que resulta do Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia (C‑485/19, EU:C:2021:313), o prazo de prescrição só começou a correr a partir da declaração de nulidade da cláusula de encargos pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 50 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 50 de Barcelona). Acrescentam que, no Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance (C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470), o Tribunal de Justiça declarou que o prazo de prescrição não pode começar a correr a partir da data de celebração do contrato.

12      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão que se impõe é a de saber em que momento o consumidor tem conhecimento dos factos que sustentam a ação de restituição dos montantes pagos a título da cláusula declarada nula. De acordo com este órgão jurisdicional, a fixação do início do prazo de prescrição a partir do momento em que a cláusula de encargos é declarada nula é conforme com os artigos 6.o, n.o, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e, por conseguinte, com o princípio da efetividade do direito da União. Não obstante, poderia tratar-se, sendo estas hipóteses discutíveis segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tanto do momento em que o consumidor em questão procedeu ao pagamento dos montantes, como da data em que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) proferiu um acórdão no qual declarou abusiva uma cláusula geral cujo alcance é equivalente ao da cláusula de encargos.

13      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, caso se entenda que o prazo de prescrição começou a correr a partir do momento que os encargos foram pagos, a ação deve considerar‑se prescrita e os consumidores não podem obter a restituição dos montantes indevidos. Pelo contrário, caso se entenda que o prazo de prescrição começou a correr a partir da data em que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) proferiu o acórdão supramencionado, isto é, 23 de dezembro de 2015, ou da data em que a cláusula de encargos foi declarada nula por decisão judicial, in casu, 2 de maio de 2019, o prazo de prescrição de dez anos ainda não se pode considerar terminado e os demandantes ainda podem ser ressarcidos pelos prejuízos em que incorreram.

14      Nestas condições, o Juzgado de Primera Instancia n.o 20 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 20 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o artigo 38.o da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], com o princípio da efetividade do direito da União e com os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que o prazo de prescrição da ação que peticiona os danos patrimoniais resultantes de uma cláusula abusiva, como a cláusula de encargos, comece a correr antes do momento em que esta cláusula foi declarada nula por ser abusiva?

2)      É compatível com o artigo 38.o da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], com o princípio da efetividade do direito da União e com os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que se estabeleça como início do prazo de prescrição de uma cláusula abusiva a data em que um tribunal com competência para fixar jurisprudência, como é o Tribunal Supremo [Supremo Tribunal], declarou o caráter abusivo de uma cláusula deste tipo, independentemente de o consumidor em causa ter ou não conhecimento do conteúdo desta decisão?

3)      É compatível com o artigo 38.o da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], com o princípio da efetividade do direito da União e com os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que se estipule, num contrato de longa duração, que o prazo de prescrição de uma ação que peticiona os encargos suportados com vista à constituição de uma hipoteca começa a correr no momento em que o pagamento é efetuado, visto que a cláusula abusiva esgotou os seus efeitos nesse momento e não há risco de que essa cláusula volte a ser aplicada?»

 Quanto às questões prejudiciais

15      A título preliminar, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual declarada abusiva deve ser considerada, em princípio, como nunca tendo existido, pelo que não pode produzir efeitos em relação ao consumidor. Assim, a declaração judicial do caráter abusivo de tal cláusula deve, em princípio, ter por consequência a reposição da situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se a referida cláusula não tivesse existido [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 61, e de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 57].

16      Resulta do exposto que a obrigação de o juiz nacional excluir a aplicação de uma cláusula contratual abusiva que imponha o pagamento de quantias que se revelam indevidas produz, em princípio, o efeito restitutivo correspondente em relação a essas quantias [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 62, e de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 58].

17      Com efeito, a inexistência desse efeito restitutivo é suscetível de pôr em causa o efeito dissuasivo que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, quer conferir à declaração do caráter abusivo das cláusulas constantes dos contratos celebrados com os consumidores por um profissional [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 63, e de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 58].

18      É certo que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 exige que os Estados‑Membros prevejam que as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores «nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais» (Acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 57, e de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 64).

19      Todavia, o enquadramento que o direito nacional faz da proteção garantida aos consumidores pela Diretiva 93/13 não pode alterar o alcance nem, portanto, a substância dessa proteção, pondo assim em causa o reforço da eficácia da referida proteção através da adoção de regras uniformes relativas às cláusulas abusivas, que foi pretendido pelo legislador da União Europeia, como indica o décimo considerando da Diretiva 93/13 [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 65, e de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 60].

20      Por conseguinte, embora caiba aos Estados‑Membros, através dos respetivos direitos nacionais, definir as modalidades segundo as quais é declarado o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato e se materializam os efeitos jurídicos concretos dessa declaração, não é menos verdade que tal declaração deve permitir repor a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não tivesse existido, designadamente através da constituição de um direito à restituição das vantagens indevidamente obtidas, em detrimento do consumidor, pelo profissional com fundamento na referida cláusula abusiva [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 66, e de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 61].

 Quanto à primeira e terceira questões

21      Com a sua primeira e terceira questões, que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, assim como o artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição dos encargos que foram pagos pelo consumidor, no momento em que celebrou um contrato com um profissional, a título de uma cláusula contratual que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado proferida após o pagamento desses encargos, comece a correr a partir da data do pagamento ou, em todo o caso, antes de a cláusula ter sido declarada nula através dessa decisão.

22      Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, regulamentar as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, desde que, contudo, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 52 e jurisprudência referida).

23      No que respeita ao princípio da efetividade, único princípio em causa no presente processo, há que salientar que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 28 e jurisprudência referida).

24      Além disso, o Tribunal de Justiça esclareceu que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a efetividade dos direitos que as partes retiram do direito da União implica, designadamente para os direitos decorrentes da Diretiva 93/13, uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, também consagrada no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que é válida, entre outros, no que respeita à definição das regras processuais relativas às ações judiciais baseadas nesses direitos (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 29 e jurisprudência referida).

25      No que respeita à análise das características de um prazo de prescrição como o que está em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça esclareceu que esta análise deve incidir sobre a duração desse prazo e sobre as modalidades da sua aplicação, incluindo a modalidade acolhida para desencadear o início desse prazo (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 30 e jurisprudência referida).

26      Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que um pedido apresentado pelo consumidor para efeitos da declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato celebrado entre este último e um profissional não pode estar sujeito a nenhum prazo de prescrição (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 38 e jurisprudência referida), esclareceu que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõem a uma regulamentação nacional que sujeita a um prazo de prescrição o pedido desse consumidor destinado a invocar os efeitos restitutivos dessa declaração, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 39 e jurisprudência referida).

27      Por conseguinte, há que considerar que a aplicação de um prazo de prescrição aos pedidos de caráter restitutivo apresentados pelos consumidores para invocarem direitos resultantes da Diretiva 93/13, não é, em si mesma, contrária ao princípio da efetividade, desde que não torne, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos por esta diretiva (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 40 e jurisprudência referida).

28      A este título, deve ser tida em conta a situação de inferioridade dos consumidores relativamente ao profissional, no que toca quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação que os leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional sem poder influenciar o conteúdo destas. Do mesmo modo, importa recordar que os consumidores podem ignorar o caráter abusivo de uma cláusula que figura num contrato de mútuo com hipoteca ou não se aperceber do alcance dos seus direitos decorrentes da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 45 e jurisprudência referida).

29      Nesse contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a aplicação de um prazo de prescrição que começa a correr após a assinatura do contrato, uma vez que implica que o consumidor só pode pedir a restituição dos pagamentos efetuados em execução de uma cláusula contratual declarada abusiva num prazo determinado após a assinatura do contrato, independentemente da questão de saber se tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, pode tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos do consumidor conferidos pela Diretiva 93/13 e, consequentemente, violar o princípio da efetividade lido em conjugação com o princípio da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 91; v. também, por analogia, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 63).

30      Assim, no caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, tendo em conta que a cláusula de encargos esgotou os seus efeitos no momento da celebração do contrato, que corresponde ao momento em que os encargos foram pagos, caso se considere que o prazo de prescrição da ação de restituição dos referidos encargos começa a correr a partir do momento da celebração e do pagamento, isto significa que, na data em que os demandantes no processo principal intentaram a ação de restituição, esta já tinha prescrito, independentemente da questão de saber se os consumidores tinham ou, pelo menos, podiam razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo da cláusula de encargos.

31      À luz da jurisprudência recordada nos n.os 28 e 29 do presente acórdão, há que considerar que a data da celebração do contrato que contém a cláusula abusiva e de pagamento dos encargos em causa não pode, em si, constituir o início do prazo de prescrição.

32      Em contrapartida, num contexto como o do processo principal, na data em que a decisão que declara a cláusula contratual em causa abusiva e nula com base neste fundamento transita em julgado, o consumidor tem um conhecimento efetivo da irregularidade dessa cláusula. Consequentemente, é, em princípio, a partir dessa data que o consumidor pode exercer utilmente os direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13 e, por conseguinte, pode começar a correr o prazo de prescrição da ação de restituição, cujo objetivo principal é a reposição da situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se a referida cláusula não tivesse existido, conforme resulta dos n.os 15 e 20 do presente acórdão.

33      Com efeito, nesse momento, dado tratar‑se de uma decisão judicial que tem força de caso julgado e da qual é destinatário o consumidor em causa, este último está em condições de tomar conhecimento do caráter abusivo da cláusula em questão e de avaliar por si próprio se é oportuno intentar uma ação de restituição dos montantes pagos a título dessa cláusula no prazo previsto no direito nacional.

34      Assim, um prazo de prescrição que começa a correr na data do trânsito em julgado da decisão que declara que uma cláusula contratual é abusiva e a declara nula por este motivo é compatível com o princípio da efetividade se o consumidor tiver tido a possibilidade de conhecer os seus direitos antes de esse prazo começar a correr ou terminar (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 46 e jurisprudência referida).

35      No entanto, cumpre esclarecer que, conforme resulta da jurisprudência recordada no n.o 29 do presente acórdão, embora a Diretiva 93/13 se oponha a que o prazo de prescrição da ação de restituição dos montantes pagos por um consumidor ao abrigo de uma cláusula contratual abusiva possa começar a correr independentemente da questão de saber se esse consumidor tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo dessa cláusula, a referida diretiva não se opõe a que o profissional tenha a faculdade de provar que o referido consumidor tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento desse facto antes da prolação de uma decisão que declara a nulidade da referida cláusula.

36      Atento o exposto, não é necessário interpretar o artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais para determinar se os direitos fundamentais nele consagrados se opõem a uma prática nacional como a que é objeto da presente questão.

37      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à primeira e terceira questões que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição dos encargos que foram pagos pelo consumidor, no momento em que celebrou um contrato com um profissional, a título de uma cláusula contratual que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado proferida após o pagamento desses encargos, comece a correr a partir da data do pagamento, independentemente da questão de saber se esse consumidor tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo daquela cláusula desde o referido pagamento, ou antes de a cláusula ter sido declarada nula através dessa decisão.

 Quanto à segunda questão

38      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição de encargos que foram pagos pelo consumidor a título de uma cláusula de um contrato celebrado com um profissional que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado, comece a correr a partir da data em que o supremo tribunal nacional proferiu um acórdão anterior, num processo distinto, que declara abusiva uma cláusula geral correspondente à cláusula desse contrato.

39      Com efeito, conforme resulta da jurisprudência recordada nos n.os 15 e 20 do presente acórdão, a Diretiva 93/13 visa permitir repor a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se aquela cláusula contratual abusiva não tivesse existido, designadamente, ao prever um direito à restituição das vantagens indevidamente obtidas pelo profissional, em detrimento do consumidor, com base na referida cláusula abusiva.

40      Ora, a fixação do início do prazo de prescrição de uma ação de restituição de encargos pagos por um consumidor, com base numa cláusula contratual abusiva, na data em que o supremo tribunal nacional proferiu um acórdão que declara abusiva a cláusula geral que corresponde à cláusula reproduzida nos contratos controvertidos, permitiria, em muitos casos, ao profissional conservar os montantes obtidos indevidamente, em detrimento do referido consumidor, com base na cláusula abusiva, o que seria incompatível com a exigência que decorre da jurisprudência recordada no n.o 29 do presente acórdão, segundo a qual o início deste prazo não pode ser fixado independentemente da questão de saber se o mesmo consumidor tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo desta última cláusula que justifica o direito à restituição e sem impor ao profissional um dever de diligência e de informação em relação ao consumidor, acentuando assim a situação de inferioridade deste último que a Diretiva 93/13 visa mitigar.

41      Além disso, na falta de um dever do profissional de informar a este respeito, não se pode presumir que o consumidor possa razoavelmente ter conhecimento de que uma cláusula do seu contrato tem um alcance equivalente a uma cláusula geral que foi declarada abusiva pelo supremo tribunal nacional.

42      Com efeito, embora a jurisprudência de um supremo tribunal de um Estado‑Membro possa permitir, se for devidamente publicitada, a um consumidor médio tomar conhecimento do caráter abusivo de uma cláusula geral inserida no seu contrato com um profissional, não se pode esperar que esse consumidor, que a Diretiva 93/13 visa proteger, dada a sua situação de inferioridade relativamente ao profissional, proceda a diligências que possam ser consideradas pesquisa jurídica [v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, Banco Santander (Referência a um índice oficial), C‑265/22, EU:C:2023:578, n.o 60].

43      Além disso, note‑se, a este título, que tal jurisprudência nacional não é necessariamente suscetível de permitir ipso facto declarar abusivas todas as cláusulas daquele tipo incluídas em todos os contratos celebrados entre os profissionais e os consumidores na ordem jurídica desse Estado‑Membro. Quando uma cláusula geral é declarada abusiva pelo supremo tribunal nacional, é ainda necessário, em princípio, determinar, caso a caso, em que medida uma cláusula incluída num contrato específico corresponde a essa cláusula geral e deve, à semelhança desta última, ser declarada abusiva.

44      Com efeito, de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, e com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, para determinar se uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor é abusiva, o que implica determinar se a cláusula cria um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes contratantes em detrimento do consumidor, há que ter em conta, nomeadamente, todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato. Esta avaliação casuística é ainda mais importante se considerarmos que o caráter abusivo de uma cláusula pode resultar de uma falta de transparência da mesma. Assim, em princípio, não se pode presumir que uma determinada cláusula contratual é abusiva, posto que esta qualificação pode depender das circunstâncias específicas da celebração de cada contrato e, designadamente, das informações concretas fornecidas por cada profissional a cada consumidor.

45      Resulta destas considerações que não se pode exigir a um consumidor médio, razoavelmente atento e avisado, não só que se informe regularmente, por iniciativa própria, das decisões do supremo tribunal nacional relativas às cláusulas gerais previstas em contratos da mesma natureza dos contratos que celebrou com profissionais, mas também que verifique se, à luz de um acórdão de um supremo tribunal nacional, a cláusula de um determinado contrato é abusiva.

46      Além disso, seria contrário à Diretiva 93/13 que o profissional beneficiasse da sua inércia perante essa ilegalidade declarada pelo supremo tribunal nacional. Com efeito, num contexto como o do processo principal, o profissional, na sua qualidade de instituição bancária, dispõe, em princípio, de um serviço jurídico especializado na matéria, que redigiu o contrato em causa nesse processo, que tem aptidão para acompanhar a evolução da jurisprudência desse tribunal e retirar da mesma as conclusões alusivas aos contratos já celebrados pela instituição. Esta instituição bancária dispõe também, em princípio, de um serviço de atendimento ao cliente que possui todas as informações necessárias para contactar facilmente os clientes em causa.

47      Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição de encargos que foram pagos pelo consumidor a título de uma cláusula de um contrato celebrado com um profissional que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado, comece a correr a partir da data em que o supremo tribunal nacional proferiu um acórdão anterior, num processo distinto, que declara abusiva uma cláusula geral correspondente à cláusula desse contrato.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do princípio da efetividade,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição dos encargos que foram pagos pelo consumidor, no momento em que celebrou um contrato com um profissional, a título de uma cláusula contratual que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado proferida após o pagamento desses encargos, comece a correr a partir da data do pagamento, independentemente da questão de saber se esse consumidor tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento do caráter abusivo daquela cláusula desde o referido pagamento, ou antes de a cláusula ter sido declarada nula através dessa decisão.

2)      O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a que o prazo de prescrição de uma ação de restituição de encargos que foram pagos pelo consumidor a título de uma cláusula de um contrato celebrado com um profissional que foi declarada abusiva por uma decisão judicial transitada em julgado, comece a correr a partir da data em que o supremo tribunal nacional proferiu um acórdão anterior, num processo distinto, que declara abusiva uma cláusula geral correspondente à cláusula desse contrato.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.