Language of document : ECLI:EU:T:2015:639

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

16 de setembro de 2015 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Agentes temporários — Contrato por tempo determinado — Decisão de não prorrogação — Artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA — Conversão de um contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado — Plena jurisdição»

No processo T‑231/14 P,

que tem por objeto um recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Terceira Secção) de 5 de fevereiro de 2014, Drakeford/EMA (F‑29/13, ColetFP, EU:F:2014:10), que tem por objeto a anulação desse acórdão,

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por T. Jabłoński e N. Rampal Olmedo, na qualidade de agentes, assistidos por D. Waelbroeck e A. Duron, advogados,

recorrente,

apoiada pela

Comissão Europeia, representada por J. Currall e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

pela

Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), representada por M. Heikkilä e E. Maurage, na qualidade de agentes,

pela

Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (Frontex), representada por H. Caniard e V. Peres de Almeida, na qualidade de agentes,

pela

Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), representada por D. Detken, S. Gabbi e C. Pintado, na qualidade de agentes,

e pelo

Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), representado por J. Mannheim e A. Daume, na qualidade de agentes,

intervenientes

sendo a outra parte no processo:

David Drakeford, residente em Dublin (Irlanda), representado por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger (relator), presidente, S. Papasavvas e G. Berardis, juízes,

secretário: L. Grzegorczyk, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de abril de 2015,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Com o seu recurso, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) pede a anulação do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Terceira Secção) de 5 de fevereiro de 2014, Drakeford/EMA (F‑29/13, ColetFP, a seguir «acórdão recorrido», EU:F:2014:10), pelo qual o Tribunal da Função Pública anulou a decisão de não prorrogação do contrato de D. Drakeford.

 Factos na origem do litígio, tramitação do processo em primeira instância e acórdão recorrido

2        Os factos na origem do litígio estão enunciados nos n.os 4 a 19 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«4      Em 30 de outubro de 1996, o recorrente foi contratado, com efeitos a partir de 16 de novembro de 1996, pela EMA, como agente auxiliar, por um período de um ano, para exercer funções de coordenador no domínio das tecnologias da informação no setor do mesmo nome (a seguir ‘setor TI’) e na dependência da unidade ‘coordenação técnica’.

5      Em seguida, aprovado num processo de seleção de agentes temporários, celebrou com a EMA, com efeitos a partir de 1 de fevereiro de 1997 e na qualidade de agente temporário de grau A 5, ao abrigo do artigo 2.°, alínea a), do ROA, um contrato que lhe atribuía o exercício de funções de administrador principal, por um prazo de cinco anos, prorrogável. Continuou a exercer as suas funções no setor TI.

6      Em 15 de novembro de 1998, o recorrente foi nomeado chefe adjunto do setor TI. Também foi nomeado para exercer as funções de chefe do setor TI ad interim durante o período de 2001/2003.

7      O contrato de agente temporário do recorrente foi prorrogado no seu termo, em 1 de fevereiro de 2002, por um novo período de cinco anos.

8      Por alteração de 6 de agosto de 2002 ao seu contrato, o recorrente foi promovido ao grau A 4.

9      Aprovado num processo de seleção externa para o lugar de chefe do setor TI, o recorrente celebrou com a EMA, em 15 de abril de 2003, um contrato de agente temporário, de grau A 4, ao abrigo do artigo 2.°, alínea a), do ROA. Este contrato, pelo prazo de cinco anos, prorrogável, produziu efeitos a 1 de maio de 2003.

10      Em 1 de maio de 2004, na sequência da reforma estatutária, o grau do recorrente passou a ser denominado A*12.

11      Por alteração assinada, respetivamente, pelo EHCC e pelo recorrente, em 14 e 15 de agosto de 2007, o contrato do recorrente foi prorrogado por cinco anos, com efeitos a 1 de maio de 2008.

12      Por memorando de 5 de junho de 2009, o recorrente foi informado da sua nomeação como chefe do setor das tecnologias da informação e da comunicação da unidade do mesmo nome (a seguir ‘unidade 'TIC'’) no âmbito da reestruturação interna da Agência.

13      Em 15 de setembro de 2011, o chefe do setor ‘Recursos Humanos’ da unidade ‘Administração’ informou o recorrente de que integrava a lista dos aprovados no processo de seleção para o lugar de chefe da unidade ‘TIC’, válida até 31 de dezembro de 2012.

14      Em 30 de julho de 2012, isto é, nove meses antes do termo do prazo do contrato do recorrente, os serviços do setor ‘Recursos Humanos’ da EMA enviaram ao chefe de unidade do recorrente um formulário relativo à eventual prorrogação do contrato deste último. Em 17 de agosto de 2012, o chefe de unidade do recorrente emitiu uma informação, nos termos da qual ‘não era necessária nenhuma ação para a prorrogação do contrato’ do recorrente.

15      O diretor executivo, na sua qualidade de EHCC, na sequência daquela informação, confirmou ao recorrente, por carta de 30 de agosto de 2012, que o seu contrato atingiria o seu termo em 30 de abril de 2013 (a seguir ‘decisão de 30 de agosto de 2012’) e que ‘no interesse da Agência [seria] colocado em situação de não ativo, a partir de 1 de setembro de 2012, até ao termo do seu contrato’.

16      Por carta de 31 de agosto de 2012, o recorrente contestou a sua interrupção de serviço, com efeitos imediatos, alegando que, à luz da legislação aplicável, depois de quase dezasseis anos de relações de trabalho na EMA, devia ser considerado ‘trabalhador permanente’. No mesmo dia, o EHCC respondeu ao recorrente que o seu contrato, celebrado por cinco anos, em 15 de abril de 2003, com efeitos a 1 de maio de 2003, tinha sido prorrogado em 1 de maio de 2008, por um prazo de cinco anos. Por carta de 3 de setembro seguinte, o recorrente foi informado das diligências administrativas relativas à sua saída da EMA.

17      Em 12 de setembro de 2012, o requerente enviou uma reclamação à EMA, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto dos funcionários da União Europeia (a seguir ‘Estatuto’), contra a decisão de 30 de agosto de 2012, invocando os cinco contratos ou prorrogações de contrato de agente temporário, celebrados sem interrupção desde 1997, os quais o colocavam presentemente numa relação de trabalho por tempo indeterminado. Em apoio dessa conversão, o recorrente destacou o trabalho irrepreensível e considerável que tinha feito ao serviço da Agência. Em 15 de outubro de 2012, apresentou uma reclamação adicional, na qual pedia, em primeiro lugar, a conversão de pleno direito do seu último contrato, por força do artigo 8.° do ROA, em contrato por tempo indeterminado a contar da data em que o seu segundo contrato quinquenal de agente temporário foi substituído pelo seu novo contrato celebrado em 15 de abril de 2003; em segundo lugar, a conversão do primeiro contrato de agente auxiliar, que produziu efeitos a 16 de novembro de 1996, em contrato de agente temporário, de forma que a segunda prorrogação tinha na realidade ocorrido ‘em 9 de maio de 2001’; e, em terceiro lugar, o pagamento de 10 000 euros a título de indemnização pelos danos sofridos com a sua colocação em situação de interrupção de serviço, a qual considera ilegal.

18      Em 19 de dezembro de 2012, o EHCC indeferiu a reclamação de 12 de setembro de 2012, conforme completada pela correspondência de 15 de outubro seguinte, com o fundamento de que o contrato por tempo determinado, que tinha produzido efeitos a 1 de maio de 2003, só tinha sido prorrogado uma vez e que, na falta de uma segunda prorrogação, em conformidade com o artigo 8.° do ROA, não podia ser considerado um contrato por tempo indeterminado.

19      Em 24 de dezembro de 2012, o recorrente apresentou uma nova reclamação ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, desta vez, contra a decisão de 19 de dezembro de 2012, na medida em que indeferiu os seus pedidos de conversão de seu contrato inicial de agente auxiliar em contrato de agente temporário e do seu contrato de agente temporário em curso por tempo determinado em contrato de agente temporário por tempo indeterminado, e convidou a Agência a analisar concretamente as possibilidades de prorrogação deste último contrato. Esta nova reclamação, acompanhada do pedido de prorrogação do contrato, foi indeferida pelo EHCC, por carta de 26 de fevereiro de 2013 (a seguir ‘decisão de 26 de fevereiro 2013’).»

3        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública, em 28 de março de 2013, D. Drakeford interpôs um recurso com vista à anulação das decisões de 30 de agosto de 2012 e de 26 de fevereiro de 2013 e à condenação da EMA a pagar‑lhe 25 000 euros a título de indemnização pelos danos morais que tinha sofrido. Pelo seu lado, a EMA pediu, a título principal, que fosse negado provimento ao recurso, por ser em parte inadmissível e, em todo o caso, improcedente, a título subsidiário, que fossem julgados improcedentes os pedidos de condenação nas despesas e no pagamento de 25 000 euros a D. Drakeford, bem como quaisquer pedidos de indemnização pelos danos materiais alegados ainda não provados, e a condenação de D. Drakeford nas despesas.

4        Antes de mais, o Tribunal da Função Pública declarou inadmissível o pedido de anulação da decisão de 26 de fevereiro de 2013, na medida em que esta indeferia os pedidos de prorrogação do contrato de D. Drakeford, de conversão do seu contrato de agente auxiliar em contrato de agente temporário e de conversão do seu contrato de agente temporário por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado.

5        Em seguida, o Tribunal da Função Pública julgou procedente, no n.° 47 do acórdão recorrido, o pedido de D. Drakeford de anulação da decisão de 30 de agosto de 2012, ao interpretar a expressão «qualquer prorrogação subsequente do contrato», constante do artigo 8.°, primeiro parágrafo, terceira frase, do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), no sentido de que se aplica a qualquer procedimento através do qual um agente temporário, na aceção do artigo 2.°, alínea a), do ROA, no termo do seu contrato por tempo determinado, prossegue, nessa qualidade, a sua relação laboral com o seu empregador, mesmo que essa prorrogação seja acompanhada de uma progressão no grau ou de uma evolução nas funções exercidas. O Tribunal da Função Pública acrescentou que só assim não seria se o novo contrato se inscrevesse no quadro de um outro regime jurídico ou se materializasse numa rutura na carreira, que se manifestasse, por exemplo, por uma alteração substancial da natureza das funções exercidas pelo agente em questão.

6        O Tribunal da Função Pública fundamentou o seu raciocínio na finalidade do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA, que é garantir uma determinada estabilidade de emprego, e no princípio da igualdade de tratamento, para concluir que a decisão de 30 de agosto de 2012, na medida em que foi tomada na perspetiva de uma relação de trabalho por tempo determinado, violou o artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA.

7        Por último, em relação ao prejuízo material correspondente ao período que decorreu entre o termo do contrato de agente temporário por tempo determinado de D. Drakeford e a prolação do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública condenou a EMA a pagar a D. Drakeford a diferença entre o montante da remuneração a que teria direito se tivesse permanecido em funções e o montante das remunerações, honorários, subsídios de desemprego ou de qualquer outra indemnização de substituição ou remuneração da mesma natureza efetivamente recebida a partir de 1 de maio de 2013. Relativamente ao período posterior à prolação do acórdão recorrido, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal da Função Pública convidou a EMA a reintegrar D. Drakeford ou a procurar um acordo que fixasse uma compensação pecuniária equitativa, e instou as partes a informar a solução que assim obtivessem por acordo ou, na falta dele, a apresentarem‑lhe os respetivos pedidos quantificados.

 Quanto ao presente recurso

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e pedidos das partes

8        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral, em 15 de abril de 2014, a EMA interpôs o presente recurso, com fundamento no artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em 25 de julho de 2014, D. Drakeford apresentou a sua contestação.

9        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, em 14, 25 e 28 de julho de 2014, a Comissão Europeia, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), a Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (Frontex) e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) pediram que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da EMA. Por despachos do presidente da Secção dos Recursos, de 2 e de 24 de setembro de 2014, foram admitidos os cinco pedidos de intervenção em apoio dos pedidos da EMA.

10      A Comissão, a ECHA, a Frontex, a EFSA e o ECDC apresentaram um articulado de intervenção no prazo que lhes tinha sido fixado.

11      A EMA e D. Drakeford foram convidados a apresentar observações relativamente aos articulados de intervenção, o que fizeram no prazo fixado.

12      A EMA, apoiada pela Comissão, pela ECHA, pela Frontex, pela EFSA e pelo ECDC, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        consequentemente, negar provimento ao recurso em primeira instância;

–        condenar D. Drakeford nas despesas das duas instâncias.

13      D. Drakeford conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao presente recurso;

–        condenar a EMA nas despesas.

14      Por carta de 9 de fevereiro de 2015, a EMA apresentou um pedido fundamentado, nos termos do artigo 146.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, de 2 de maio de 1991, para ser ouvida no âmbito da fase oral do processo.

15      O Tribunal Geral julgou procedente o pedido do recorrente e abriu a fase oral do processo.

16      Na audiência de 14 de abril de 2015, as partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

 Questões de direito

[omissis]

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro de interpretação da expressão «qualquer prorrogação subsequente do contrato», constante do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA, cometido pelo Tribunal da Função Pública

[omissis]

22      Liminarmente, há que recordar que, em conformidade com um princípio geral de interpretação, em caso de disparidade entre diferentes versões linguísticas, uma disposição do direito da União deve ser recolocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições desse direito, das suas finalidades e do estado da sua evolução na data em que a aplicação da disposição deve ser feita (v., neste sentido, acórdão de 2 de setembro de 2010, Kirin Amgen, C‑66/09, Colet., EU:C:2010:484, n.° 41).

23      Também importa recordar que a finalidade do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA não é nem uma certa estabilidade de emprego nem uma certa perenidade das relações de trabalho dos agentes temporários contratados por tempo determinado, mas prevenir a utilização abusiva dos contratos por tempo determinado (acórdão de 21 de maio de 2014, Comissão/Macchia, T‑368/12 P, ColetFP, EU:T:2014:266, n.° 60). Por outro lado, a falta de estabilidade da relação de trabalho é confirmada pelo facto de a prorrogação do contrato por tempo determinado de um agente temporário ser uma simples possibilidade, exceto na hipótese estabelecida no artigo 8.°, primeiro parágrafo, última frase, do ROA, cuja finalidade é, precisamente, evitar a utilização abusiva dos contratos por tempo determinado ao prever uma conversão de pleno direito do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado. Em todo o caso, a relação de trabalho de um agente temporário que, graças à conversão de pleno direito prevista no artigo 8.°, primeiro parágrafo, última frase, do ROA, passa a titular de um contrato por tempo indeterminado não tem natureza estável. Com efeito, nesta hipótese, a administração pode em qualquer altura pôr termo ao contrato com um fundamento legítimo, nas condições previstas no artigo 47.°, alínea c), i), do ROA.

24      Antes de mais, no caso em apreço, o Tribunal da Função Pública declarou que as diferentes versões linguísticas do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA não permitiam uma interpretação unívoca da referida disposição. Em apoio desta conclusão, o Tribunal da Função Pública fez referência, por um lado, às versões neerlandesa e italiana, favoráveis à tese defendida pela EMA, e, por outro, às versões francesa, alemã, inglesa e espanhola. Relativamente a estas últimas, no n.° 42 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou que, contrariamente às versões italiana e neerlandesa, a redação das versões francesa e alemã, que refere mais genericamente a prorrogação da contratação e a relação de trabalho, e a das versões inglesa e espanhola, que refere qualquer prorrogação subsequente sem nenhuma precisão, não permitem concluir que a expressão «qualquer prorrogação subsequente» respeita ao mesmo contrato. Assim, o Tribunal da Função Pública constatou a existência de duas categorias de versões linguísticas do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA: uma, de onde resulta claramente que a expressão «qualquer prorrogação subsequente» se refere ao contrato, e outra, que não permite essa conclusão. À luz dessa diferença entre os textos, que não fornecem uma indicação inequívoca quanto ao objeto da prorrogação que conduz à conversão do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado, o Tribunal da Função Pública admitiu que havia que estabelecer uma interpretação uniforme da referida disposição.

25      Esta conclusão do Tribunal da Função Pública não enferma de erro de direito. Efetivamente, é verdade que, como a EMA alega, o Tribunal da Função Pública não teve em conta o facto de que, nas versões inglesa e espanhola, diferentemente das versões francesa e alemã, a expressão «qualquer prorrogação subsequente» só pode dizer respeito ao vocábulo «contrato». Todavia, esse erro não afeta a apreciação do Tribunal da Função Pública, na medida em que este considerou, acertadamente, que, em contrapartida, as versões francesa e alemã não permitiam chegar a uma conclusão unívoca sobre a interpretação do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA. Com efeito, nas referidas versões, a utilização alternativa dos termos «contratação», «contrato» e «qualquer prorrogação subsequente desse contrato» torna a disposição ambígua. A este respeito, há que salientar que, enquanto o termo «contratação» se refere de maneira mais genérica à relação de trabalho entre um agente, por um lado, e uma instituição ou uma agência, por outro, o termo «contrato» corresponde ao instrumento jurídico que concretiza essa relação. Dado que a redação das versões francesa e alemã se presta a ser interpretada no sentido de que a contratação de um agente pode ser realizada pela celebração de diferentes contratos no âmbito da mesma relação de trabalho, o Tribunal da Função Pública declarou, com razão, que as referidas versões não permitiam saber se a expressão «qualquer prorrogação subsequente» se refere de forma unívoca à contratação ou ao contrato. Por conseguinte, o argumento posterior da EMA de que os termos «contratação» e «contrato» eram permutáveis também não pode ser aceite.

26      De resto, mesmo a interpretação textual proposta pela EMA, segundo a qual a prorrogação deve respeitar ao próprio contrato por tempo determinado para que o artigo 8.°, última frase, do ROA seja aplicável, não está isenta de ambiguidade, na medida em que as versões linguísticas que empregam exclusivamente o termo «contrato» podem prestar‑se a uma interpretação textual diferente desta última. Com efeito, pode acontecer que um agente temporário que tenha um contrato por tempo determinado celebre, em seguida, um novo contrato por tempo determinado que, mesmo que seja formalmente distinto, proporciona uma continuidade substancial com o contrato inicial. Daqui decorre que nada impede que se considere que, em relação ao objeto da prorrogação que acarreta a transformação de um contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado, o artigo 8.°, primeiro parágrafo, última frase, do ROA possa ser interpretado no sentido de que se refere ao mesmo tipo de contrato, a saber, um contrato por tempo determinado, em vez de a um contrato idêntico ao contrato inicial. Por conseguinte, esta hipótese demonstra que, em princípio, contratos por tempo determinado sucessivos entre um agente e a administração podem, na medida em que tenham uma continuidade com o primeiro contrato por tempo determinado, ser tomados em consideração para efeitos da aplicação do artigo 8.°, primeiro parágrafo, última frase, do ROA.

27      À luz destas considerações, tendo concluído por uma diferença entre os textos suscetível de produzir divergências de sentido, o Tribunal da Função Pública pôde, sem cometer nenhum erro de direito, por um lado, afirmar que não podia limitar‑se a uma abordagem meramente textual e, por outro, para efeitos de uma interpretação uniforme do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA, aplicar no n.° 45 do acórdão recorrido, o princípio geral segundo o qual uma disposição deve ser interpretada tendo em conta o conjunto das disposições do direito da União, as suas finalidades e o estado da evolução do referido direito.

28      Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

29      De seguida, o Tribunal da Função Pública fundamentou a sua interpretação do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA com base, por um lado, na sua finalidade e, por outro, no seu contexto. Em relação à finalidade da referida disposição, nos n.os 43, 44 e 46 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou, no essencial, que aquela procurava garantir uma certa estabilidade de emprego em matéria de relações laborais. Quanto ao seu contexto, no n.° 47 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou que interpretar o artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA, excluindo a conversão do contrato por tempo determinado de um agente temporário num contrato por tempo indeterminado, pelo simples facto de que este último tinha progredido na carreira pela celebração de contratos diferentes com a administração, era contrário ao principio da igualdade de tratamento e à vontade do legislador, expressa de forma explícita no artigo 12.°, n.° 1, do ROA, de garantir que os agentes temporários assegurem às instituições o serviço de pessoas que possuam as mais altas qualidades de competência, rendimento e integridade.

30      Ora, relativamente à segunda parte do primeiro fundamento, deve declarar‑se que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao considerar que a finalidade do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA era garantir uma certa estabilidade de emprego,. Com efeito, contrariamente ao que esse Tribunal declarou, como salientado no n.° 23, supra, o artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA tem por finalidade prevenir os abusos que resultam da utilização de sucessivos contratos por tempo determinado pela administração. Por outro lado, como sublinhado no n.° 19, supra, a finalidade limitada do referido artigo é confirmada pelo poder reconhecido à administração de, em qualquer altura, pôr termo à relação de trabalho com um agente que tenha um contrato por tempo indeterminado, respeitando os procedimentos previstos no artigo 47.° do ROA.

31      Todavia, importa constatar que o juiz da União pode julgar um fundamento ou uma acusação inoperante quando conclui que esse fundamento ou acusação não pode, caso seja procedente, implicar a anulação pedida (v., neste sentido, acórdão de 19 de novembro de 2009, Michail/Comissão, T‑50/08 P, ColetFP, EU:T:2009:457, n.° 59 e jurisprudência referida).

32      Ora, por um lado, embora seja verdade que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao declarar que o artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA procurava garantir uma certa estabilidade de emprego, por outro, declarou, com razão, que o referido artigo se opunha a que se considerasse que a conversão do contrato por tempo determinado de um agente temporário num contrato por tempo indeterminado só pudesse ser feita de pleno direito quando as prorrogações sucessivas respeitassem ao mesmo contrato. Com efeito, o Tribunal da Função Pública sublinhou acertadamente, no n.° 47 do acórdão recorrido, que privar um agente temporário contratado por tempo determinado, que progrediu na sua carreira por causa dos seus bons resultados profissionais através da celebração de contratos diferentes, da proteção prevista no artigo 8.°, primeiro parágrafo, última frase, do ROA, comparativamente com um agente temporário contratado por tempo determinado, cujo mesmo contrato foi prorrogado, sem progressão na carreira por méritos específicos, teria como efeito penalizar o primeiro. Assim, o argumento da EMA deve ser rejeitado por inoperante.

33      Por último, em relação à terceira parte, basta constatar que, ao contrário do que a EMA alega, o Tribunal da Função Pública não equiparou os agentes temporários aos funcionários. É certo que, como se declarou no n.° 29, supra, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro em relação à finalidade do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA. Todavia, deve salientar‑se que, no n.° 50 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou que a administração podia, em qualquer altura, pôr termo ao contrato por tempo indeterminado de um agente, respeitando o prazo previsto no artigo 47.°, alínea c), i), do ROA. Isto demonstra que o Tribunal da Função Pública não pôs de modo algum em causa a diferença entre funcionários e agentes e o amplo poder de apreciação de que a administração dispõe nas relações de trabalho com estes últimos (acórdão de 4 de dezembro de 2013, ETF/Schuerings, T‑107/11 P, ColetFP, EU:T:2013:624, n.° 76).

34      Resulta do exposto que o primeiro fundamento da EMA deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito no que respeita ao enunciado da exceção à interpretação do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA.

[omissis]

37      Quanto ao argumento de que a referência a outro regime jurídico era vaga, para não dizer incongruente, há que declarar que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito. Com efeito, conforme a EMA, apoiada pela Comissão, pela ECHA, pela Frontex, pela EFSA e pelo ECDE, alegou com razão, o ROA é o único regime jurídico aplicável a todos os agentes temporários. Assim, a referência a outro regime jurídico feita pelo Tribunal da Função Pública é errada.

38      Todavia, como salientado no n.° 31, supra, o juiz da União pode julgar um fundamento ou uma acusação inoperante quando conclui que esse fundamento ou acusação não pode, caso seja procedente, implicar a anulação pedida (v., neste sentido, acórdão Michail/Comissão, n.° 31, supra, EU:T:2009:457, n.° 59 e jurisprudência referida). No caso em apreço, há que declarar que, embora a referência a qualquer outro regime aplicável seja errada, no acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública fundamentou o seu raciocínio na hipótese relativa à materialização de uma rutura na carreira. Daqui decorre que o argumento relativo à natureza vaga, para não dizer incongruente, da referência a outro regime jurídico deve ser rejeitado por inoperante.

39      Quanto ao argumento relativo ao facto de o novo contrato se materializar numa rutura na carreira do agente temporário, há que sublinhar, a título preliminar, que a exceção, estabelecida pelo Tribunal da Função Pública, à aplicação da conversão prevista no artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA, na hipótese de uma rutura da carreira, é a consequência lógica da interpretação do referido artigo. Com efeito, a finalidade do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA é evitar que, na hipótese de uma progressão de carreira ou de uma evolução nas funções de um agente temporário contratado por tempo determinado, a administração possa recorrer abusivamente a contratos, formalmente diferentes, para se furtar à conversão prevista no referido artigo.

40      Todavia, a premissa dessa conversão é que o agente temporário, que progride na carreira ou evolui nas suas funções, mantenha uma relação de trabalho caracterizada pela continuidade com o seu empregador. Se se verificar que o agente celebrou um contrato que comporta uma alteração substancial, e não formal, da natureza das suas funções, a premissa da aplicação do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA não é válida. Com efeito, seria contrário ao espírito do artigo 8.°, primeiro parágrafo, do ROA admitir que qualquer prorrogação possa ser tomada em consideração para efeitos de aplicação da regra nele prevista. Assim, contrariamente ao que a EMA alega, o Tribunal da Função Pública clarificou suficientemente, nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido, o conceito de rutura ao declarar que esta implica uma alteração substancial das funções do agente suscetível de pôr em causa a continuidade funcional da sua relação de trabalho com a administração. Por conseguinte, o argumento da EMA deve ser rejeitado.

41      Esta conclusão não é posta em causa nem pelo argumento da EMA, de que o Tribunal da Função Pública, ao aplicar um conceito vago de rutura, concluiu erradamente que não tinha havido rutura na carreira de D. Drakeford, apesar do aumento do nível das suas responsabilidades e da alteração formal das suas funções, nem pelo argumento de que a nomeação de D. Drakeford tinha ocorrido na sequência de um processo externo. Com efeito, uma vez que a rutura da relação de trabalho não é um conceito vago, como ficou demonstrado no n.° 39, supra, o argumento de que o Tribunal da Função Pública cometeu, neste caso, um erro de direito, ao aplicar esse conceito, não pode prosperar. Além disso, importa salientar que, no n.° 49 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública analisou corretamente as circunstâncias muito particulares deste caso, à luz do conceito de rutura estabelecido no n.° 48 do acórdão recorrido. É certo que, tendo em atenção uma eventual comparação das funções que lhe incumbem, a função de chefe de setor, para a qual D. Drakeford foi nomeado após um processo de seleção externo, representa uma alteração substancial em relação à de chefe adjunto, que gera uma rutura na aceção do conceito estabelecido pelo Tribunal da Função Pública. Com efeito, embora a manutenção no mesmo âmbito de atividade não implique automaticamente uma continuidade nas funções exercidas, essa continuidade deve, em princípio, ser excluída na hipótese em que o acesso à função de chefe de setor é sujeita a um processo de seleção externo. Todavia, neste caso, afigura‑se que, antes da sua nomeação como chefe de setor, em 2003, D. Drakeford exerceu as funções de chefe de setor ad ínterim no período de 2001‑2003. Assim, não se pode verdadeiramente concluir que a sua nomeação como chefe de setor, mesmo que ocorrida na sequência de um processo externo, constituiu efetivamente uma rutura com as funções que exercia anteriormente. Por outro lado, também decorre dos autos da primeira instância que D. Drakeford, em abril de 2003, estava classificado no grau 4, escalão 3, com dez meses de antiguidade, e que, a partir de 1 de maio de 2003, data do início do seu contrato de chefe de setor da unidade de TI, foi classificado no grau 4, escalão 3, com onze meses de antiguidade. Este dado confirma, novamente, a continuidade na relação de trabalho entre D. Drakeford e a EMA. Daqui decorre que, tendo constatado que D. Drakeford tinha exercido as suas funções de maneira contínua no setor das tecnologias da informação e, designadamente, como chefe de setor adjunto, chefe de setor ad ínterim e chefe de setor, o Tribunal da Função Pública excluiu, com razão, que tivesse havido uma rutura substancial na continuidade de relações de trabalho entre a EMA e D. Drakeford.

[omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos Recursos),

decide:

1)      O acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Terceira Secção) de 5 de fevereiro de 2014, Drakeford/EMA (F‑29/13, EU:F:2014:10), é anulado na medida em que o Tribunal da Função Pública exerceu, nesse acórdão, o seu poder de plena jurisdição em matéria pecuniária relativamente ao período subsequente à sua prolação.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública.

4)      Reserva‑se para final a decisão sobre as despesas em relação a D. Drakeford e à Agência Europeia de Medicamentos (EMA)

5)      A Comissão Europeia, a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), a Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (Frontex), a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDE) suportarão as respetivas despesas nesta instância.

Jaeger

Papasavvas

Berardis

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de setembro de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.


1 _ Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.