Language of document : ECLI:EU:T:2021:635

Processo T342/18

(Publicação por excertos)

Nichicon Corporation

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção Alargada) de 29 de setembro de 2021

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos condensadores eletrolíticos de alumínio e de tântalo — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo EEE — Coordenação dos preços em todo o EEE — Prática concertada — Troca de informações comerciais sensíveis — Competência territorial da Comissão — Restrição da concorrência por objetivo — Comunicação de acusações — Ponto 13 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 — Valor das vendas — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento — Infração única e continuada — Gravidade da infração — Distanciamento público — Circunstâncias atenuantes — Competência de plena jurisdição»

1.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração complexa que apresenta elementos de acordo e elementos de prática concertada — Qualificação única como «acordo e/ou prática concertada» — Admissibilidade

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 54‑56)

2.      Concorrência — Procedimento administrativo — Comunicação de acusações — Conteúdo necessário — Respeito dos direitos de defesa — Indicação dos principais elementos de facto e de direito que podem levar à aplicação de uma coima — Indicação suficiente à luz do direito de audiência — Obrigação de fornecer os nomes dos clientes através de uma comunicação de acusações complementares — Inexistência

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)

(cf. n.os 64‑69)

3.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Meio de prova — Recurso a um conjunto de indícios — Grau de força probatória exigido no respeitante aos indícios individualmente considerados — Admissibilidade da apreciação global de um conjunto de indícios — Respeito do princípio da presunção da inocência

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 81‑85)

4.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Utilização de declarações de outras empresas que participaram na infração como meio de prova — Admissibilidade — Força probatória de depoimentos voluntários dos principais participantes num cartel para beneficiarem da aplicação da comunicação sobre a cooperação

(Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2006/C 298/11 da Comissão)

(cf. n.os 92‑94)

5.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Meio de prova — Recurso a um único elemento de prova — Admissibilidade — Requisitos — Aplicação às declarações apresentadas no âmbito da comunicação sobre a cooperação por outras empresas que participaram na infração

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.os 97‑104)

6.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação de cada empresa determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado — Troca de informações entre concorrentes — Objetivo ou efeito anticoncorrencial — Presunção — Pressupostos

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.os 105‑109)

7.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Necessidade de um nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento das empresas no mercado — Presunção da existência desse nexo de causalidade

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 110, 111)

8.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Utilização de declarações sob juramento e depoimentos na audição como meios de prova — Valor probatório

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.° 198)

9.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Acesso ao processo — Alcance — Recusa da comunicação de um documento — Consequências — Necessidade de proceder a nível do ónus da prova que incumbe à empresa em causa a uma distinção entre os documentos incriminatórios e os ilibatórios

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 2)

(cf. n.os 238‑240)

10.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Indícios apresentados pela Comissão — Participação em reuniões com objeto anticoncorrencial — Ónus de prova das empresas que impugnam o caráter ilícito de algumas dessas reuniões

(Artigo 101.° TFUE)

(cf. n.° 297)

11.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de uma responsabilidade a uma empresa pela totalidade da infração — Pressupostos — Práticas e atuações ilícitas inseridas num plano global — Apreciação — Critérios — Contribuição para o objetivo único da infração

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 307‑310, 347‑349)

12.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Alcance do ónus da prova — Infração única e continuada — Inexistência de provas sobre certos períodos do período global em causa — Irrelevância

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 363‑365)

13.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Alcance do ónus da prova — Prova do termo da infração — Inexistência de distanciamento relativamente às decisões tomadas — Distanciamento público — Critérios de apreciação

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

(cf. n.os 382, 383, 397‑399)

14.    Concorrência — Regras da União — Âmbito de aplicação territorial — Cartel entre empresas estabelecidas fora do Espaço Económico Europeu mas aplicado e com produção de efeitos no mercado interno — Venda na União do produto objeto do cartel — Competência da Comissão para aplicar as normas da concorrência da União — Admissibilidade dessa aplicação, à luz do direito internacional público — Intervenção de filiais, agentes ou sucursais estabelecidos fora da União — Irrelevância

(Artigo 101.° TFUE; Acordo EEE, artigo 53.°)

(cf. n.os 434‑437)

15.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Determinação do valor das vendas — Método de cálculo definido pelas orientações — Obrigação de a Comissão aplicar as orientações no respeito do princípio da igualdade de tratamento

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

(cf. n.os 452‑455, 479)

16.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Gravidade da infração — Critérios de apreciação — Margem de apreciação reservada à Comissão — Limites — Respeito dos princípios da proporcionalidade e da individualidade das penas e das sanções

(Artigo 101.° TFUE; Acordo EEE, artigo 53.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, pontos 13 e 19 a 23)

(cf. n.° 456)

17.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Determinação do valor das vendas — Volume de negócios global da empresa em causa — Volume de negócios realizado com as mercadorias objeto da infração — Consideração respetiva — Limites — Determinação do valor das vendas realizadas em relação direta ou indireta com a infração

(Artigos 101.° e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

(cf. n.os 458‑460, 467, 479)

18.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Fixação do montante de base — Determinação do valor das vendas — Ano de referência — Último ano completo da infração

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

(cf. n.° 479)

19.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Obrigação de a Comissão manter a sua prática decisória anterior — Inexistência

(Artigos 101.° e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

(cf. n.° 505)

20.    Concorrência — Coimas — Sanções aplicadas pelas instituições da União e sanções aplicadas num Estado terceiro por violação do direito nacional da concorrência — Violação do princípio ne bis in idem — Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°)

(cf. n.os 511‑515)

21.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Ajustamento do montante de base — Circunstâncias atenuantes — Margem de apreciação da Comissão para fazer uma apreciação global

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

(cf. n.os 527, 528)

22.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Ajustamento do montante de base — Circunstâncias atenuantes — Comportamento que diverge do concertado no âmbito do cartel — Apreciação

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 29)

(cf. n.os 560, 561)

23.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição do juiz da União — Alcance — Sujeição às orientações para o cálculo das coimas — Exclusão — Obrigação de respeitar o princípio da igualdade de tratamento

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 31.°; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

(cf. n.os 573‑578)

Resumo

A Nichicon Corporation (a seguir «Nichicon») é uma sociedade com sede no Japão, que fabrica e vende condensadores eletrolíticos de alumínio e de tântalo.

Por decisão de 21 de março de 2018 (1) (a seguir «decisão recorrida»), a Comissão deu por provado que a Nichicon tinha participado, com oito outras empresas ou grupos de empresas, numa infração ao artigo 101.° TFUE, que consistia em acordos e/ou práticas concertadas que tinham por objeto a coordenação das políticas de preços no respeitante ao fornecimento de condensadores eletrolíticos de alumínio e de tântalo. Após ter dado por provado que a infração decorreu entre 26 de junho de 1998 e 23 de abril de 2012 em todo o território do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»), a Comissão declarou a Nichicon responsável pela sua participação no cartel entre 26 de junho de 1998 e 31 de maio de 2010 e aplicou‑lhe uma coima de 72 901 000 EUR.

Para efeitos do cálculo do montante desta coima, a Comissão seguiu a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas (2) (a seguir «orientações de 2006»).

Em primeiro lugar, a Comissão determinou o montante de base tomando como referência o valor das vendas dos condensadores eletrolíticos faturados a clientes estabelecidos no EEE pela Nichicon no último ano completo de participação na infração e aplicando coeficientes multiplicadores em função da duração da participação na infração. Considerando que os acordos horizontais de coordenação dos preços se incluem, pela sua própria natureza, entre as infrações mais graves ao artigo 101.° TFUE, e recordando que o cartel abrangia todo o território do EEE, a Comissão fixou seguidamente em 16% a proporção do valor das vendas a ter em conta a título da gravidade da infração. Para garantir o caráter suficientemente dissuasivo da coima aplicada, a Comissão aplicou, além disso, um montante adicional de 16%.

Em segundo lugar, quanto ao ajustamento do montante de base da coima, a Comissão concedeu uma redução de 3%, dado que a participação da Nichicon em certas reuniões não estava demonstrada.

A Nichicon interpôs recurso de anulação da decisão recorrida, ao qual, porém, a Nona Secção Alargada do Tribunal Geral nega provimento.

Apreciação do Tribunal Geral

O Tribunal rejeita, em primeiro lugar, o argumento da Nichicon de que, dada a natureza heterogénea dos condensadores e a especificidade da procura nos diferentes mercados geográficos, a infração, além de não ter sido demonstrada pela Comissão, não podia abranger a totalidade das vendas de condensadores eletrolíticos para o EEE.

O Tribunal recorda, a título preliminar, que, para determinar os produtos abrangidos por um cartel, a Comissão não tem que definir o mercado em causa com base em critérios económicos. Com efeito, são os próprios membros do cartel que determinam os produtos objeto das suas discussões e práticas concertadas. Além disso, os produtos abrangidos por um cartel são determinados por referência às provas documentais de um comportamento anticoncorrencial efetivo relativamente a produtos específicos.

Tendo isto em conta, o Tribunal conclui que a Comissão considerou acertadamente que a infração única e continuada abrangia todos os condensadores eletrolíticos de alumínio e de tântalo vendidos no EEE. Esta conclusão tinha, de facto, sido confirmada pela Comissão ao fornecer a prova de que todas as trocas anticoncorrenciais entre os participantes no cartel abrangiam os dois produtos, que as discussões havidas em várias reuniões eram gerais e não se limitavam a certos subtipos de condensadores eletrolíticos de alumínio ou de tântalo, que os participantes no cartel não tinham introduzido, nas suas declarações de empresa, qualquer limitação quanto à definição dos condensadores abrangidos pelo cartel e que a maioria dos representantes dos participantes no cartel eram responsáveis pelo fabrico dos dois produtos e não de uma gama de produtos específicos.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral rejeita a alegação da Nichicon relativa ao facto de a Comissão ter violado o princípio da proporcionalidade ao tomar como valor de referência, no cálculo do montante de base, o valor total das vendas de condensadores eletrolíticos de alumínio e de tântalo faturados no seu último ano de participação no cartel no EEE, em vez do valor — mais restrito — das vendas expedidas para o EEE.

A este respeito, o Tribunal Geral refere que o ponto 13 das orientações de 2006, segundo o qual a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços realizadas pela empresa para determinar o montante de base da coima, não se opõe a que a Comissão tome em conta as vendas faturadas no EEE para efeitos do cálculo do referido valor. Esse critério é, além disso, suscetível de dar uma indicação correta da extensão da infração no mercado em causa, bem como da sua importância económica para as atividades dos participantes no cartel em causa. Por outro lado, a Nichicon não tinha fornecido nenhum elemento em apoio do seu argumento de que a consideração das referidas vendas não permitia refletir a incidência da infração na concorrência no EEE.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral rejeita a alegação da Nichicon de que, ao acrescentar um montante adicional ao montante de base para efeitos de dissuasão, a Comissão violou o princípio ne bis in idem e o princípio da proporcionalidade na medida em que já tinham sido aplicadas coimas em países terceiros à Nichicon.

O Tribunal lembra que a aplicação do princípio ne bis in idem está sujeita a três pressupostos cumulativos, a saber, a identidade dos factos, a identidade do infrator e a identidade do interesse jurídico protegido. Ora, tendo em conta que as sanções aplicadas pela Comissão e as sanções aplicadas pelas autoridades de Estados terceiros não prosseguem, evidentemente, os mesmos objetivos, não se verifica no caso presente o pressuposto da identidade do interesse jurídico protegido. Com efeito, as primeiras visam preservar uma concorrência não falseada no EEE ao passo que as segundas procuram proteger o mercado de países terceiros.

Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal observa que o objetivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima visa garantir o respeito das normas da concorrência estabelecidas pelo Tratado no mercado interno. Por conseguinte, a Comissão não tem que ter em conta eventuais sanções aplicadas por violações das normas da concorrência de Estados terceiros.

Em quarto lugar, o Tribunal Geral rejeita a alegação da Nichicon de que a redução de 3% do montante de base pela sua não participação em certas reuniões não respeita os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. Por um lado, quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade, o Tribunal observa que, não obstante a Nichicon não ter participado em determinadas reuniões, não tinha razões para sustentar que a sua participação no cartel apresentava um grau de nocividade menor que justificasse uma maior redução da coima. Por outro lado, quanto ao respeito do princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal Geral refere que todas as empresas que não tinham participado em determinadas reuniões ao longo de todo o período da infração, e que se encontravam, portanto, numa situação comparável à da Nichicon, tinham obtido a mesma redução da coima.


1      Decisão da Comissão Europeia, de 21 de março de 2018, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (AT.40136 — Condensadores).


2      Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2).