Language of document : ECLI:EU:C:2024:128

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 8 de fevereiro de 2024 (1)

Processo C174/23

HJ,

IK,

LM

contra

Twenty First Capital SAS

[pedido de decisão prejudicial submetido pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

«Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Gestores de fundos de investimento alternativos (GFIAs) — Diretiva 2011/61/UE — Condições de funcionamento — Artigo 13.° — Políticas e práticas remuneratórias dos GFIA —Âmbito de aplicação ratione temporis»






1.        A Diretiva 2011/61/UE (2) estabelece um enquadramento regulamentar e de supervisão harmonizado e rigoroso das atividades exercidas na União pelos gestores de fundo de investimento alternativos (a seguir «GFIAs»).

2.        Entre as medidas que prevê, a Diretiva 2011/61 exige aos Estados‑Membros que imponham aos GFIAs a obrigação de instaurar e manter, em relação a algumas categorias de pessoal, políticas e práticas remuneratórias adequadas a uma gestão sólida e eficaz dos riscos (artigo 13.°).

3.        Esta obrigação é extensiva aos empregados cujas atividades profissionais tenham um impacto significativo no perfil de risco dos fundos de investimento alternativos (a seguir «FIAs») por eles geridos.

4.        O litígio que dá origem a este reenvio prejudicial opõe um GFIA a vários dos seus colaboradores, a respeito das remunerações convencionadas num contrato de 27 de junho 2014. Os tribunais franceses de primeira e de segunda instância declararam nulo esse contrato, por não cumprir os requisitos previstos nas normas nacionais que transpõem a Diretiva 2011/61.

5.        A Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), chamada a decidir definitivamente o litígio, pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a aplicabilidade ratione temporis de algumas disposições da Diretiva 2011/61, no que respeita ao contrato objeto do litígio.

6.        Este pedido de decisão prejudicial dá, assim, ao Tribunal de Justiça a possibilidade de interpretar a Diretiva 2011/61 para determinar a partir de que momento é constituída a obrigação de os GFIAs cumprirem integralmente os requisitos em matéria de remuneração previstos no seu artigo 13.°

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2011/61

7.        De acordo com o considerando 24:

«A fim de ter em conta o efeito potencialmente nocivo de estruturas de remuneração inadequadamente concebidas para uma gestão sã dos riscos e o controlo de comportamentos de assunção de riscos por parte de indivíduos concretos, os GFIAs deverão ser expressamente obrigados a estabelecer e manter, para as categorias de pessoal cujas atividades profissionais tenham um impacto significativo no perfil de risco dos FIAs por eles geridos, políticas e práticas de remuneração consentâneas com uma gestão sã e eficaz dos riscos. Estas categorias de pessoal deverão incluir, pelo menos, a direção e os responsáveis pela assunção de riscos e pelas funções de controlo, bem como qualquer empregado cuja remuneração total o coloque no mesmo escalão de remuneração que os membros da direção e os responsáveis pela assunção de riscos.»

8.        O artigo 1.° («Objeto») prevê:

«A presente diretiva estabelece regras relativas à autorização, atividade e transparência dos gestores de fundos de investimento alternativos (GFIAs) que gerem e/ou comercializam fundos de investimento alternativos (FIAs) na União.»

9.        Nos termos artigo 4.° («Definições»), n.° 1:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por […] b) “GFIA”: uma pessoa coletiva cuja atividade regular seja a gestão de um ou mais FIAs».

10.      O artigo 6.° («Condições de acesso à atividade de GFIA)», n.° 1, dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que nenhum GFIA possa gerir FIAs se não tiver sido autorizado para o efeito nos termos da presente diretiva.

Os GFIAs autorizados nos termos da presente diretiva devem cumprir a todo o tempo as condições de autorização nela estabelecidas».

11.      O artigo 7.° («Pedido de autorização»), n.° 1, dispõe:

«Os Estados‑Membros devem exigir que os GFIAs requeiram autorização às autoridades competentes do respetivo Estado‑Membro de origem».

12.      O artigo 12.° («Princípios gerais»), que figura na secção 1 («Requisitos gerais») do capítulo III («Condições de funcionamento dos GFIA»), estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que os GFIA cumpram a todo o tempo as seguintes regras:

a)      Agir com honestidade, com a devida competência e com zelo, diligência e correção na condução das suas atividades;

[…]

e)      Cumprir todos os requisitos regulamentares aplicáveis ao exercício das suas atividades, a fim de promover os interesses dos FIAs e dos investidores dos FIAs por si geridos e a integridade do mercado;

[…]»

13.      O artigo 13.° («Remuneração») indica:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir que os GFIAs disponham de políticas e práticas remuneratórias para as categorias de pessoal, incluindo a direção, os responsáveis pela assunção de riscos e funções de controlo e qualquer empregado que aufira uma remuneração total que o integre no mesmo grupo de remuneração dos órgãos de direção e dos responsáveis pela assunção de riscos, cujas atividades profissionais tenham um impacto significativo no seu perfil de risco ou no perfil de risco dos FIAs por si geridos, que sejam consentâneas com uma gestão sólida e eficaz dos riscos, promovam uma gestão desse tipo e não encorajem a assunção de riscos incompatíveis com os perfis de risco, o regulamento ou os instrumentos constitutivos dos FIAs por si geridos.

Os GFIAs devem fixar as políticas e práticas de remuneração de acordo com o anexo II.

2.      A ESMA [Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, a seguir “ESMA”] deve assegurar a existência de orientações relativas a políticas de remuneração sãs que cumpram os princípios estabelecidos no anexo II. […]»

14.      Em conformidade com o artigo 61.° («Disposição transitória»), n.° 1:

«Os GFIAs que exerçam atividades no âmbito da presente diretiva antes de 22 de julho de 2013 devem tomar todas as medidas necessárias para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva e apresentar um pedido de autorização no prazo de um ano a contar dessa data.»

15.      O artigo 66.° («Transposição») prevê:

«1.      Os Estados‑Membros adotam as disposições legais, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 22 de julho de 2013. Devem comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições, bem como um quadro de correspondência entre essas disposições e a presente diretiva.

2.      Os Estados‑Membros aplicam as disposições legais, regulamentares e administrativas referidas no n.° 1 a partir de 22 de julho de 2013.

[…]»

16.      De acordo com o artigo 70.° («Entrada em vigor»), a Diretiva 2011/61 entrou em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 1 de julho 2011.

2.      Orientações da ESMA

17.      Em cumprimento do artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2011/61, a ESMA adotou as «Orientações relativas a políticas de remuneração sãs nos termos da DGFIA» (ESMA/2013/232), publicadas em 3 de julho de 2013 e retificadas em 30 de janeiro de 2014 (3).

B.      Direito nacional. Code monétaire et financier (4)

18.      A ordonnance n.° 2013‑676 de 25 juillet 2013 modifiant le cadre juridique de la gestion d’actifs (5), que transpôs a Diretiva 2011/61 para o direito francês, entrou em vigor em 28 de julho de 2013.

19.      Em particular, o Decreto‑Lei n.° 2013‑676 alterou o Código Monetário e Financeiro francês, introduzindo o artigo L. 533‑22‑2 com a seguinte redação:

–        O n.° I reproduz, em substância, o artigo 13.° da Diretiva 2011/61, exigindo aos GFIAs a determinação das políticas e práticas remuneratórias, nomeadamente, dos diretores e dos membros do seu conselho diretivo ou da sua comissão executiva, quando as atividades profissionais destes afetem os perfis de risco das sociedades de gestão de ativos ou dos FIAs que gerem.

–        O n.° II, último parágrafo, precisa que as condições das políticas e práticas remuneratórias dos GFIA são estabelecidas por regulamento da Autoridade dos Mercados Financeiros (a seguir «AMF»).

20.      O artigo 33.°, n.° I, do Despacho n.° 2013‑676 contém uma disposição transitória nos termos da qual «[a]s sociedades de gestão que exerçam, à data da publicação do presente despacho, atividades correspondentes às disposições nele contidas deverão requerer a sua autorização como sociedade de gestão de ativos […] antes de 22 de julho de 2014».

21.      O décret n.° 2013‑687 du 25 juillet 2013 pris pour l’application de l’ordonnance n.° 2013‑676 (6) refere numa nota explicativa o seguinte:

«Entrada em vigor: as sociedades de gestão que exerçam atividades correspondentes às disposições mencionadas no presente decreto na data da sua publicação deverão tomar todas as medidas necessárias para respeitar as suas disposições e apresentar um pedido de autorização adequado até 22 de julho de 2014 […]»

II.    Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

22.      A sociedade Twenty First Capital SAS geria organismos de investimento coletivo e, pelo menos, um FIA.

23.      Em 27 de junho de 2014, a Twenty First Capital celebrou um contrato de parceria (7), que previa diversas remunerações a favor de IK, HJ e LM (8).

24.      Em 18 de agosto de 2014, a Twenty First Capital obteve a autorização como GFIA ao abrigo da Diretiva 2011/61.

25.      Em 12 de novembro de 2015, a Twenty First Capital comunicou a IK, HJ e LM a sua recusa de cumprimento do contrato de parceria (9), alegando que a sua execução a colocaria numa situação de não conformidade regulamentar.

26.      Em 24 de dezembro de 2015 e em 6 de janeiro de 2016, HJ e IK (10) intentaram uma ação contra a Twenty First Capital no Tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França), destinada a obter a execução do contrato de parceria e o pagamento de uma indemnização. Em reconvenção, a Twenty First Capital pediu que este contrato fosse declarado nulo.

27.      O Tribunal de Primeira Instância, por Sentença de 10 de janeiro de 2019, anulou o contrato de parceria, por não cumprir as disposições nacionais que transpõem a Diretiva 2011/61, e julgou improcedentes os pedidos dos demandantes (11).

28.      Interposto recurso da sentença de primeira instância, a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) confirmou‑a em 8 de fevereiro de 2021 (12).

29.      IK, HJ e LM interpuseram recurso da decisão de segunda instância na Cour de Cassation (Tribunal de Cassação).

30.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que há que determinar, através de uma interpretação dos artigos 13.° e 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61, se o artigo L. 533‑22‑2 do Código Monetário e Financeiro, que entrou em vigor em 28 de julho de 2013, era aplicável à data de celebração do contrato de parceria (27 de junho de 2014).

31.      Observa, a este respeito, que existem três documentos, emitidos respetivamente pela Comissão Europeia (13), pela ESMA (14) e pela AMF (15), suscetíveis de contribuir para determinar o âmbito de aplicação ratione temporis das disposições da Diretiva 2011/61 e da legislação nacional que a transpõe.

32.      No entanto, as conclusões a extrair destes documentos não coincidem quanto à data de entrada em vigor dos requisitos do artigo 13.° da Diretiva 2011/61:

–        O documento da Comissão parece admitir a existência de um período transitório de um ano, que terminaria em 21 de julho de 2014, durante o qual as obrigações decorrentes da Diretiva 2011/61 não seriam juridicamente vinculativas (16).

–        Dos documentos da ESMA e da AMF resulta, no entanto, que um GFIA está sujeito às regras (nacionais e do direito da União) em matéria de remuneração a partir da data em que tenha obtido a autorização.

33.       O órgão jurisdicional de reenvio prevê, igualmente, outra eventual interpretação, consoante a remuneração tenha sido convencionada antes ou depois da transposição da Diretiva 2011/61 para o direito francês.

–        Na primeira hipótese (contratos celebrados antes da transposição da Diretiva 2011/61 para o direito nacional), «admitir‑se‑ia que é difícil pedir ao GFIA que ponha em causa imediatamente uma remuneração que não violava nenhuma regra quando foi convencionada». Quando muito, durante este período transitório, poderia ser‑lhe exigido que envidasse os melhores esforços para cumprir os novos requisitos em matéria de remuneração.

–        Na segunda hipótese (contratos celebrados após a transposição da Diretiva 2011/61 para o direito nacional), poderia argumentar‑se que «a entrada em vigor da legislação nacional que transpõe a Diretiva AIFM proíbe imediatamente que o GFIA convencione, para o futuro, remunerações contrárias às regras estabelecidas por esta diretiva, uma vez que já entrou em vigor».

34.      Ao considerar que nenhuma destas soluções é evidente, o Tribunal de Cassação submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      Devem os artigos 13.° e 61.°, n.° 1, da [Diretiva 2011/61] ser interpretados no sentido de que os gestores que exerciam atividades ao abrigo d[esta] diretiva antes de 22 de julho de 2013 são obrigados a cumprir as obrigações relativas às políticas e práticas de remuneração:

i)      no termo do prazo de transposição da referida diretiva,

ii)      na data de entrada em vigor das disposições de transposição da diretiva para o direito nacional,

iii)      a contar do termo do prazo de um ano, que terminou em 21 de julho de 2014, fixado no artigo 61.°, n.° 1, ou

iv)      a partir da obtenção da autorização como gestor ao abrigo da mesma?

b)      A resposta a esta questão depende da questão de saber se a remuneração paga pelo gestor de fundos de investimento alternativos a um trabalhador assalariado ou a um dirigente da sociedade foi acordada antes ou depois:

i)      do termo do prazo de transposição da diretiva;

ii)      da data de entrada em vigor das disposições de transposição da diretiva para o direito nacional;

iii)      do termo, em 21 de julho de 2014, do prazo estabelecido no artigo 61.°, n.° 1, da diretiva;

iv)       da data de obtenção da sua autorização pelo gestor de fundos de investimento alternativos?

2)      Admitindo que resulta da resposta à questão 1) que, na sequência da transposição da diretiva para o direito nacional, o gestor de fundos de investimento alternativos só está obrigado, durante um certo prazo, a envidar os melhores esforços para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva, cumpre essa obrigação se, durante esse prazo, contratar um trabalhador ou nomear um dirigente da sociedade em condições de remuneração que não respeitem as exigências da disposição nacional que transpõe o artigo 13.° da diretiva?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

35.      O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 21 de março 2023.

36.      Apresentaram observações escritas HJ, IK e LM (em conjunto), a Twenty First Capital, o Governo Francês e a Comissão.

37.      Não foi considerada necessária a realização de audiência.

IV.    Apreciação

A.      Aplicabilidade da Diretiva 2011/61

38.      Segundo HJ, IK e LM, o litígio não é abrangido ratione materiae pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/61, uma vez que se refere a remunerações alheias à atividade de gestão de FIAs (17).

39.      Como se sabe, um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação do direito da União goza de presunção de pertinência. Além disso, compete ao juiz nacional definir, sob sua responsabilidade, o quadro regulamentar e factual, cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar. Este só pode recusar pronunciar‑se sobre um desses pedidos em casos excecionais definidos pelo Tribunal de Justiça (18).

40.      Ora, neste processo, o tribunal de reenvio afirma que as remunerações objeto de litígio entravam, devido ao seu objeto, no âmbito da Diretiva 2011/61 e das disposições nacionais que a transpõem (19).

41.      Com base nesta premissa, que o Tribunal de Justiça tem de respeitar, não se verifica nenhuma das circunstâncias que permitiriam excluir a aplicabilidade da diretiva objeto do pedido de decisão prejudicial.

B.      Observação preliminar

42.      Nos termos do artigo 288.° TFUE, terceiro parágrafo, uma diretiva vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às autoridades nacionais a escolha da forma e dos meios.

43.      As diretivas têm como destinatários (e vinculam) os Estados‑Membros e, em princípio, não têm capacidade para impor diretamente obrigações exigíveis aos particulares ou que lhes sejam oponíveis (20).

44.      A Diretiva 2011/61 tem a particularidade de prever uma obrigação a cargo dos GFIAs, que exerciam atividades (no âmbito desta diretiva) antes de 22 de julho de 2013 (21). O seu artigo 61.°, n.° 1, exige‑lhes que tomem «todas as medidas necessárias para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva» e que apresentem um pedido de autorização no prazo de um ano a contar dessa data.

45.      Em coerência com a natureza específica das diretivas, a que já fiz referência, há que entender que são os Estados‑Membros que devem assegurar que os GFIAs respeitem a Diretiva 2011/61 quanto à sua autorização, ao exercício da sua atividade e à transparência na sua gestão dos FIAs.

C.      Primeira questão prejudicial, alínea a)

46.      O tribunal de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que precise a partir de que data «os GFIAs que exerciam atividades ao abrigo da diretiva [2011/61] antes de 22 de julho de 2013 são obrigados a cumprir as obrigações relativas às políticas e práticas de remuneração».

47.      Em conformidade com o artigo 13.° da Diretiva 2011/61, os Estados‑Membros devem exigir que os GFIAs apliquem, a determinadas categorias de pessoal, políticas e práticas remuneratórias (22) consentâneas com uma gestão sólida e eficaz dos riscos e promovam uma gestão desse tipo. Espera‑se que estas políticas e práticas «não encorajem a assunção de riscos incompatíveis com os perfis de risco, o regulamento ou os instrumentos constitutivos dos FIAs por si geridos».

48.      O artigo 66.° da Diretiva 2011/61 especifica como deve ser efetuada a transposição do respetivo conteúdo para o direito interno:

–        Nos termos do seu n.° 1, os Estados‑Membros adotam as disposições legais, regulamentares e administrativas para dar cumprimento à própria diretiva até 22 de julho de 2013 (23).

–        Em conformidade com o seu n.° 2, «os Estados‑Membros aplicam as disposições legais, regulamentares e administrativas referidas no n.° 1 a partir de 22 de julho de 2013».

49.      A leitura conjugada do artigo 13.°, n.° 1, e do artigo 66.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/61 põe em evidência que os Estados‑Membros eram obrigados a exigir aos GFIAs políticas e práticas remuneratórias consentâneas com uma gestão sólida e eficaz dos riscos e de acordo com o anexo II daquela diretiva a partir de 22 de julho de 2013.

50.      Este regime geral é acompanhado, todavia, de uma disposição transitória para os «GFIAs que exerçam atividades no âmbito da [Diretiva 2011/61] antes de 22 de julho de 2013». Estes GFIAs «devem tomar todas as medidas necessárias para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva e apresentar um pedido de autorização no prazo de um ano a contar dessa data» (24).

51.      A introdução do regime transitório para os GFIA que já exerciam (antes de 22 de julho de 2013) atividades no âmbito de aplicação da Diretiva 2011/61 é especialmente relevante neste litígio. Implica, com a ressalva que indicarei, que estes GFIAs não eram imediatamente obrigados a cumprir, em toda a sua amplitude, o disposto na Diretiva 2011/61 acerca das remunerações do seu pessoal superior.

52.      Desta premissa deduzo que há que excluir as duas primeiras hipóteses sobre as quais o tribunal de reenvio pretende ser esclarecido: as obrigações em matéria de remuneração dos GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 não se iniciaram «no termo do prazo de transposição da referida diretiva» [hipótese i)] nem «na data de entrada em vigor das disposições de transposição da diretiva para o direito nacional» [hipótese ii)].

53.      Reconheço que a redação do artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 não está isenta de ambiguidade: a expressão «no prazo de um ano a contar dessa data [22 de julho de 2013]» poderia ser interpretada em qualquer dos dois sentidos referidos nas hipóteses iii) e iv) apresentadas pelo tribunal de reenvio.

54.      Assim, tratar‑se‑ia de determinar se os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 eram obrigados, desde esta data até 22 de julho de 2014, a tomar as medidas necessárias para cumprir as suas obrigações e a apresentar um pedido de autorização ou apenas a apresentar este pedido.

55.      A interpretação de uma norma do direito da União exige que se tenham em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e os objetivos e a finalidade prosseguidos pelo ato de que faz parte (25).

56.      O artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 deve ser conjugado com o artigo 13.°, n.° 1, e com o artigo 66.°, n.os 1 e 2, desta mesma diretiva. A sua leitura conjugada revela, como já referi, que os Estados‑Membros eram obrigados a exigir dos GFIAs políticas e práticas remuneratórias consentâneas com uma gestão sólida e eficaz dos riscos a partir de 22 de julho de 2013.

57.      Ora, o legislador da União quis reconhecer um regime transitório aos GFIAs que já exerciam atividades abrangidas no âmbito de aplicação da Diretiva 2011/61. O período transitório destinava‑se a permitir a esta categoria de GFIAs adequar‑se progressivamente às exigências da própria diretiva.

58.      A análise do contexto em que se enquadra o artigo 61.° da Diretiva 2011/61 põe em evidência a importância do sistema de autorização por ela instaurado. O tribunal de reenvio pergunta, precisamente, se pode ser estabelecido um vínculo «entre a obtenção da autorização e a sujeição às regras decorrentes da diretiva» (26).

59.      Os Estados‑Membros asseguram que nenhum GFIA possa gerir FIAs em ter sido autorizado nos termos da Diretiva 2011/61. Os GFIAs autorizados nos termos desta última devem cumprir a todo o tempo as condições de autorização estabelecidas na Diretiva 2011/61 (27).

60.      Entre as informações a prestar pelos GFIAs às autoridades competentes para obter a sua autorização encontram‑se, precisamente, as relativas às «políticas e práticas de remuneração, nos termos do artigo 13.°» (28).

61.      Esta autorização só pode ser concedida «se [...] as autoridades competentes considerarem que o GFIA é capaz de cumprir as condições estabelecidas na [referida] diretiva» (29). Uma vez concedida a autorização, os GFIAs podem gerir FIAs com as estratégias de investimento descritas no seu pedido de autorização no seu Estado‑Membro de origem (30).

62.      O artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 também exige que os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 apresentem um pedido de autorização, nas condições descritas na referida diretiva, no prazo de um ano a contar dessa data.

63.      Dos artigos 7.°, 8.° e 61.° da Diretiva 2011/61 infere‑se que os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 não eram obrigados, antes de obterem a necessária autorização, a cumprir integralmente as obrigações em matéria de remuneração que este diploma legal exige.

64.      Pelo contrário, estas obrigações são‑lhes exigíveis após a concessão da autorização pelas autoridades nacionais competentes, depois de avaliarem a capacidade de os GFIAs respeitarem pro futuro as disposições decorrentes da Diretiva 2011/61. E se, como já referi, a autorização é indispensável para agir como GFIA, é coerente que a política remuneratória anterior à data de autorização não respeite as mesmas condições estritas da posterior.

65.      Assim, concordo com IK, HJ, LM e com o Governo Francês quanto ao facto de a totalidade das obrigações dos GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 ser exigível a partir do dia em que as autoridades nacionais competentes autorizavam a sua atividade (31). A partir desse momento, qualquer GFIA (quer estivesse ativo antes de 22 de julho de 2013 quer iniciasse a sua atividade depois desta data) fica sujeito, em toda a sua amplitude, ao regime de direito comum da Diretiva 2011/61.

66.      Esta interpretação não põe em causa a realização dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2011/61.

67.      O Tribunal de Justiça declarou que estes objetivos consistem «em proteger os investidores, em particular quando os seus interesses podem entrar em conflito com os dos gestores de fundos, tendo em vista tanto o risco como também a sustentabilidade das decisões de investimento, bem como garantir a estabilidade do sistema financeiro» (32).

68.      O Tribunal de Justiça declarou, igualmente, que «as políticas e práticas de remuneração delimitadas pel[a] Diretiv[a] […] 2011/61 visam, neste contexto, promover uma gestão sã e eficaz dos riscos e não constituir um incentivo à assunção de riscos incompatível com os perfis de risco, os regulamentos ou documentos constitutivos […] dos FIA que gerem» (33).

69.      Não considero que estes objetivos possam ser prejudicados pelo reconhecimento, a favor dos GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013, de um período transitório de adaptação que se prolonga até receberem a sua necessária autorização. A possibilidade de gozar deste período transitório permite, além do mais, conciliar a consecução daqueles objetivos com o imperativo da segurança jurídica.

70.      Em apoio desta posição militam, pelo menos, dois argumentos:

–        Por um lado, durante o período transitório de adaptação, os GFIAs não estavam isentos de quaisquer obrigações decorrentes da Diretiva 2011/61. Como exporei posteriormente, tinham de envidar esforços para tomar medidas que não fossem incompatíveis com a legislação nacional decorrente desta diretiva (34).

–        Por outro lado, como precisou a Comissão, o objetivo do artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 era dar um certo tempo aos GFIAs ativos antes de 22 de julho  de 2013, para que se pudessem preparar para cumprir os (novos) requisitos introduzidos por esta diretiva, a fim de obterem a autorização.

71.      Em suma, os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 só eram obrigados a cumprir integralmente as obrigações decorrentes desta diretiva a partir da obtenção da (necessária) autorização que deviam requerer no prazo de um ano a contar daquela data. As remunerações pagas após a obtenção da autorização deviam cumprir o disposto no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61.

72.      Esta mesma interpretação é defendida pela ESMA, autoridade para a qual a Diretiva 2011/61 prevê «atribuições de coordenação geral» (35). O artigo 13.°, n.° 2, desta diretiva confia‑lhe a missão de elaborar «orientações relativas a políticas de remuneração sãs que cumpram os princípios estabelecidos no anexo II» (36).

73.      A ESMA indica que, uma vez obtida a autorização, o GFIA deve sujeitar‑se às regras da Diretiva 2011/61 e às Orientações em matéria de remuneração, aplicáveis a partir da obtenção da autorização (37).

74.      A este critério há que acrescentar que, de acordo com a ESMA, no que se refere às remunerações variáveis, as regras da Diretiva 2011/61 são vinculativas para o exercício posterior à data em que foi concedida a autorização (38).

D.      Primeira questão prejudicial, alínea b)

75.      O tribunal de reenvio pretende saber que incidência poderia ter no litígio o facto de a remuneração paga pelo GFIA ter sido convencionada antes ou depois de qualquer das datas que apresenta como hipóteses [coincidentes com as da alínea a) da primeira questão].

76.      Na minha opinião, a data em que foi convencionada a remuneração é irrelevante para os efeitos que aqui interessam (39). A expressão da vontade contratual não prevalece sobre a finalidade da lei, pelo que a aplicabilidade do artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 não pode ficar dependente deste elemento subjetivo.

77.      Mais uma vez estou de acordo com a ESMA quanto a esta apreciação: a data do acordo em que foi convencionada a remuneração não é o fator determinante. A ESMA considera que as regras relativas às remunerações variáveis constantes das suas Orientações (40) são aplicáveis a partir do momento em que o GFIA obtenha a autorização (41).

78.      A tese que defendo respeita a jurisprudência do Tribunal de Justiça, expressa nos seguinte termos:

–        «Em princípio, uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura. Embora não seja aplicável às situações jurídicas constituídas e definitivamente adquiridas na vigência da lei anterior, é aplicável aos efeitos futuros de uma situação constituída na vigência da regra anterior, bem como às situações jurídicas novas. Só assim não será, e com ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam especificamente as condições para a sua aplicação no tempo» (42).

–        «Mais especificamente, no que respeita, às diretivas, em regra, só as situações jurídicas adquiridas posteriormente ao termo do prazo de transposição de uma diretiva podem ser associadas ao âmbito de aplicação ratione temporis desta diretiva» (43).

–        «O mesmo se aplica, a fortiori, às situações jurídicas constituídas na vigência da norma anterior que continuam a produzir efeitos posteriormente à entrada em vigor dos atos nacionais adotados para a transposição de uma diretiva após o termo do prazo de transposição da mesma» (44).

79.      O pagamento de uma remuneração decorrente de um acordo celebrado quando um GFIA ativo antes de 22 de julho de 2013 ainda não dispunha da necessária autorização constitui, na minha opinião, um dos eventuais efeitos futuros de uma situação constituída na vigência de uma regra anterior. Assim, não há inconveniente em estender a nova regra (a Diretiva 2011/61) às remunerações vencidas a partir do momento em que esta diretiva seja plenamente aplicável, independentemente da data do acordo inter partes anterior.

E.      Conclusão intercalar

80.      Atendendo ao exposto, considero que, nos termos dos artigos 13.° e 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61, os Estados‑Membros eram obrigados a exigir aos GFIA ativos antes de 22 de julho de 2013 o cumprimento integral das obrigações relativas às políticas e práticas remuneratórias, a partir da data de obtenção da autorização para agir como GFIA.

F.      Segunda questão prejudicial

81.      O tribunal de reenvio formula a sua questão para o caso de «resulta[r] da resposta à questão 1) que, na sequência da transposição da diretiva para o direito nacional, o [GFIA] só está obrigado, durante um certo prazo, a envidar os melhores esforços para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva».

82.      Com base nesta premissa, a questão é submetida nos seguintes termos: «[C]umpre [o GFIA] essa obrigação se, durante esse prazo, contratar um trabalhador ou nomear um dirigente da sociedade em condições de remuneração que não respeitem as exigências da disposição nacional que transpõe o artigo 13.° da diretiva [2011/61]?».

83.      Como acabo de expor, os Estados‑Membros eram obrigados a exigir aos GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 o respeito integral, a partir da data de obtenção da necessária autorização, das políticas e práticas remuneratórias que aquela diretiva, e as disposições nacionais de transposição, impõem.

84.      Também precisei que o artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 estabelece um regime transitório, aplicável aos GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013. Durante este período transitório, os GFIAs deviam tomar «todas as medidas necessárias para cumprir a legislação nacional decorrente da presente diretiva [2011/61]».

85.      As dúvidas recaem agora sobre o significado desta última expressão (tomar todas as medidas necessárias), no que respeita ao cumprimento das obrigações relativas às políticas e práticas remuneratórias.

86.      Em particular, discute‑se a questão de saber se um comportamento contrário ao artigo 13.° da Diretiva 2011/61, mas adotado antes da concessão da autorização, respeita, ou não, o artigo 61.°, n.° 1, desta diretiva.

87.      Na minha opinião, desde 22 de julho de 2013 recaía sobre os GFIAs já ativos nesse momento uma obrigação (relativa às políticas e práticas remuneratórias) cujo caráter vinculativo era de grau inferior à que lhes é exigida a partir da obtenção da autorização.

88.      O regime transitório do artigo 61.°, n.° 1, conjugado com o artigo 13.° da Diretiva 2011/61, situa‑se a meio caminho entre uma isenção total de respeitar as políticas e práticas remuneratórias decorrentes da Diretiva 2011/61 e a plena exigência de um rigoroso cumprimento destas mesmas políticas e práticas.

89.      O ponto de equilíbrio entre a plena sujeição e a isenção total pode ser estabelecido, conforme sugere a Comissão (45), aceitando que, durante aquele período transitório, o artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61 opera como uma cláusula de «melhores esforços» («best efforts»). O legislador da União pretendia apenas que fossem envidados esforços a este respeito, e não fixar os resultados concretos a alcançar (46).

90.      Considero que esta interpretação, por um lado, respeita o caráter excecional do regime transitório (conciliando‑o com o imperativo da segurança jurídica) e, por outro lado, é compatível com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2011/61.

91.      Assim, o referido regime transitório deve ser interpretado no sentido de que os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 eram obrigados a adaptar progressivamente as suas práticas às normas da Diretiva 2011/61. Pelo contrário, estas normas eram integralmente vinculativas para os GFIAs que, naquela data, não exerciam nenhuma atividade no âmbito da Diretiva 2011/61.

92.      Só um comportamento que se afaste manifestamente daquelas normas, no período compreendido entre 22 de julho de 2013 e a data da autorização, pode ser considerado contrário ao artigo 61.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 13.° da Diretiva 2011/61.

93.      Considero ser esta a interpretação mais coerente, no contexto em que se enquadram estas e outras disposições da Diretiva 2011/61. Em particular, como alega o Governo Francês:

–        Entre os princípios gerais relativos aos requisitos gerais [das condições de funcionamento] aplicáveis aos GFIAs, o primeiro é o de «agir com honestidade, com a devida competência e com zelo, diligência e correção na condução das suas atividades» (47).

–        Embora os GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013 devessem cumprir integralmente as obrigações decorrentes da Diretiva 2011/61 a partir da obtenção da autorização, não lhes eram permitidas condutas suscetíveis de desvirtuar a aplicação do quadro legal estabelecido pela mesma diretiva. Caso contrário, prejudicar‑se‑ia o objetivo de assegurar um alto nível de proteção dos investidores.

94.      Em suma, os GFIAs que exerciam atividades no âmbito da Diretiva 2011/61 antes de 22 de julho de 2013 não podiam adotar, depois desta data e antes da obtenção da autorização, condutas que se afastassem manifestamente do comportamento diligente que deles era esperado durante esse período.

V.      Conclusão

95.      Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões do Tribunal de Cassação nos seguintes termos:

«Os artigos 13.° e 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.° 1060/2009 e (UE) n.° 1095/2010,

devem ser interpretados no sentido de que

–        Os Estados‑Membros eram obrigados a exigir aos gestores de fundos de investimento alternativos que exerciam atividades no âmbito da Diretiva 2011/61 antes de 22 de julho de 2013 o cumprimento integral das obrigações relativas às políticas e práticas remuneratórias decorrentes desta diretiva, a partir da data de obtenção da autorização a requerer no prazo de um ano a contar de 22 de julho de 2013.

–        Um comportamento dos mencionados gestores de fundos de investimento alternativos (que exerciam atividades no âmbito da Diretiva 2011/61 antes de 22 de julho de 2013), adotado depois de 22 de julho de 2013, mas antes da obtenção da autorização, pode ser considerado contrário aos artigos 13.° e 61.°, n.° 1, dessa diretiva se, manifestamente, for suscetível de prejudicar a aplicação do quadro legal estabelecido pela mesma diretiva».


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.° 1060/2009 e (UE) n.° 1095/2010 (JO 2011, L 174, p. 1). A seguir, referir‑me‑ei a ela como «Diretiva 2011/61» ou «Diretiva AIFM».


3      Nenhuma destas orientações, salvo erro da minha parte, se refere à questão específica objeto do presente reenvio prejudicial, problema que a ESMA tratará ao responder a determinadas perguntas dos agentes económicos. As Orientações estão disponíveis em https://www.esma.europa.eu/sites/default/files/library/2015/11/esma_2013_00060000_pt_tra.pdf.


4      Código Monetário e Financeiro francês.


5      Decreto‑Lei n.° 2013‑676, de 25 de julho de 2013, que altera o quadro jurídico da gestão de ativos (JORF n.° 173, de 27 de julho de 2013). A seguir «Decreto‑Lei n.° 2013‑676».


6      Decreto n.° 2013‑687, de 25 de julho de 2013, adotado para execução do Decreto‑Lei n.° 2013‑676. Publicado em 30 de julho de 2013.


7      O contrato foi precedido de uma série de operações societárias: em março de 2014, a sociedade R Participations, criada por HJ e que tem como sócios LM e IK, cedeu à sociedade T, através da cessão de fundos de comércio, três organismos de investimento coletivo dedicados aos investimentos nos mercados emergentes («Fundos R»). HJ passou a ser empregado da sociedade T. A fim de organizar a transmissão desta atividade para a sociedade Twenty First Capital, foram assinados diversos contratos, datados de 27 de junho de 2014, nomeadamente o que dá origem ao litígio. Posteriormente, em 24 de outubro de 2014, a sociedade T cedeu à Twenty First Capital uma parte do seu fundo de comércio, que incluía os Fundos R. Em 11 de dezembro de 2014, HJ juntou‑se à Twenty First Capital na qualidade de membro da comissão executiva, diretor‑geral e segundo dirigente dessa sociedade.


8      O despacho de reenvio parte da premissa de que estas pessoas eram empregados cujas atividades profissionais eram suscetíveis de ter um impacto significativo no perfil de risco dos fundos que geriam. As remunerações previstas no contrato de parceria incluíam uma parte fixa, a pagar em quatro prestações anuais (artigo 2.º), e outra variável, em função dos lucros de exploração (artigo 3.º).


9      Segundo IK, HJ e LM, esta comunicação verificou‑se poucos dias antes do prazo para efetuar o primeiro pagamento e na mesma a Twenty First Capital indicou que se recusava a pagar‑lhes as quantias que lhes eram devidas por força dos artigos 2.° e 3.° do contrato de parceria.


10      LM interveio voluntariamente neste processo.


11      O Tribunal de Primeira Instância afirmou que a Twenty First Capital era um GFIA que geria, pelo menos, um FIA e que, por conseguinte, as remunerações previstas no contrato de parceria deviam respeitar o artigo L. 533‑22‑2 do Código Monetário e Financeiro francês e o artigo 319‑10 do Regulamento Geral da AMF. Estas disposições, acrescentou, fazem parte «de uma ordem pública de direção» (n.° 4 do despacho de reenvio).


12      Segundo o Tribunal De Recurso, «as remunerações previstas nos artigos 2.° e 3.° do contrato de parceria não estão em conformidade com as regras previstas na Diretiva AIFM, dado que são, designadamente, variáveis, desvinculadas dos resultados e, além disso, a remuneração variável fixada no artigo 3.° não se limitava ao primeiro ano. Daqui resulta que o objeto do contrato de parceria é ilícito, tanto no que se refere às regras impostas pelo direito financeiro como pelo artigo 1128.° do antigo Código Civil [francês]».


13      AIFMD Q&As from the European Commission (AIFMD, Perguntas e Respostas), disponível em https://finance.ec.europa.eu/system/files/201705/aifmdcommissionquestionsanswers_en.pdf.


14      Perguntas‑Respostas relativas à Diretiva 2011/61, publicadas pela ESMA, disponível em https://www.esma.europa.eu/sites/default/files/library/esma3432352_qa_aifmd.pdf.


15      Guide AIFM — Rémunération des gestionnaires de fonds d'investissement alternatif (Guía AIFM — Remuneração dos gestores de fundos de investimento alternativos), disponível em https://www.amffrance.org/fr/actualitespublications/publications/guides/guidesprofessionnels/guideaifmremunerationdesgestionnairesdefondsdinvestissementalternatif.


16      Durante este período transitório, esperava‑se apenas que os GFIAs envidassem os melhores esforços para cumprir os requisitos da legislação nacional que transpõe a Diretiva 2011/61.


17      Na sua opinião, as remunerações controvertidas ser‑lhes‑iam devidas pela venda e posterior gestão de outro tipo de fundos, mas não de FIAs, de modo que as regras da Diretiva 2011/61 não seriam aplicáveis.


18      Assim, se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio. V., por todos, Acórdão de 14 de setembro de 2023, TGSS (Recusa do complemento de maternidade) (C‑113/22, EU:C:2023:665, n.os 30 e 31).


19      O pedido de decisão prejudicial remete expressamente, a este respeito, para as apreciações dos órgãos jurisdicionais nacionais de primeira e de segunda instância. V. notas de pé de página 11 e 12 das presentes conclusões.


20      Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 66 e jurisprudência referida).


21      A seguir, para simplificar, referir‑me‑ei aos «GFIAs que exerçam atividades no âmbito da presente diretiva antes de 22 de julho de 2013» (expressão utilizada pelo artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61) como «GFIAs ativos antes de 22 de julho de 2013».


22      Quanto ao âmbito de aplicação material desta obrigação, remeto para os n.os 47 e segs. do Acórdão de 1 de agosto de 2022, HOLD Alapkezelő (C‑352/20, EU:C:2022:606); a seguir «Acórdão HOLD Alapkezelő».


23      Isto é confirmado pelo considerando 6 do Regulamento de Execução (UE) n.° 447/2013 da Comissão, de 15 de maio de 2013, que estabelece os procedimentos para os GFIAs que optem por ser abrangidos pela Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2013, L 132, p. 1).


24      Artigo 61.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61.


25      Por todos, Acórdão HOLD Alapkezelő, n.° 42 e jurisprudência referida.


26      N.° 26 do despacho de reenvio.


27      Artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2011/61.


28      Artigo 7.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2011/61.


29      Artigo 8.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2011/61. Sublinhado meu.


30      Artigo 8.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2011/61. É possível que a gestão dos FIA possa ser iniciada antes, nas condições descritas nesta mesma disposição.


31      Segundo a Comissão, o período transitório prolonga‑se até ao último dia do ano seguinte à entrada em vigor da Diretiva 2011/61, quer tenha, ou não, sido concedida autorização ao GFIA. De resto, defende, para todo este período, a mesma solução: só no seu termo é que as obrigações decorrentes da diretiva seriam vinculantes. V., neste sentido, o teor da resposta da Comissão transcrita na nota de pé de página 45 das presentes conclusões.


32      Acórdão HOLD Alapkezelő, n.° 52, conjugado com a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO 2009, L 302, p. 32), conforme alterada pela Diretiva 2014/91/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014 (JO 2014, L 257, p. 186), e com a Diretiva 2011/61.


33      Acórdão HOLD Alapkezelő, n.° 54. De acordo com o considerando 24 da Diretiva 2011/61, trata‑se de evitar «o efeito potencialmente nocivo de estruturas de remuneração inadequadamente concebidas para uma gestão sã dos riscos e o controlo de comportamentos de assunção de riscos por parte de indivíduos concretos».


34      A elas referir‑me‑ei nas minhas considerações sobre a segunda questão prejudicial.


35      Considerando 73 da Diretiva 2011/61.


36      V. ponto 17 das presentes conclusões.


37      Resposta número 1 à primeira pergunta da secção I («Remuneração») do documento da ESMA referido na nota de pé de página 14 das presentes conclusões: «According to Article 61(1) of the AIFMD, AIFMs performing activities under the AIFMD before 22 July 2013 have one year from that date to submit an application for authorisation. Once a firm becomes authorized under the AIFMD, it becomes subject to the AIFMD remuneration rules and the Remuneration Guidelines. Therefore, the relevant rules should start applying as of the date of authorisation».


38      Nos termos desta mesma resposta, «AIFMD regime on variable remuneration should apply only to full performance periods and should first apply to the first full performance period after the AIFM becomes authorised».


39      Diferente é o facto de a vontade contratual, expressa nos correspondentes acordos, ter eficácia inter partes a partir da assinatura dos mesmos. O que está em causa não é a interpretação das cláusulas contratuais, mas sim a sujeição das remunerações do GFIA ao quadro regulamentar num ou noutro momento.


40      Em especial, nas secções XI e XII destas Orientações.


41      Na resposta n.° 1 à primeira pergunta da secção I do documento referido na nota 14 das presentes conclusões, a ESMA reafirma este critério, aplicando‑o a dois «exemplos», correspondentes a diversas datas de termo do exercício contabilístico e de obtenção da autorização.


42      Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks (C‑267/20, EU:C:2022:494, n.° 32).


43      Ibidem, n.° 33.


44      Ibidem, n.° 34.


45      Do documento de «perguntas e respostas» da Comissão, referido na nota de pé de página 13 das presentes conclusões, consta: «During the one year transitional period, AIFMs are expected to comply, on a best efforts basis, with the requirements of the national law transposing the AIFMD».


46      V., sobre a distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado, Acórdão de 16 de março de 2023, Beobank (C‑351/21, EU:C:2023:215, n.° 53).


47      Artigo 12, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2011/61.