Language of document : ECLI:EU:T:2024:316

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

15 de maio de 2024 (*)

«Medicamentos para uso humano — Suspensão das autorizações nacionais de introdução no mercado do medicamento para uso humano que contém a substância ativa “hidroxietilamido (HEA), soluções para perfusão” — Recurso de anulação — Afetação direta — Inadmissibilidade parcial — Dever de fundamentação — Erro de direito — Erro manifesto de apreciação — Princípio da precaução — Proporcionalidade — Artigo 116.° da Diretiva 2001/83/CE»

No processo T‑416/22,

Fresenius Kabi Austria GmbH, com sede em Graz (Áustria), e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo (1), representados por W. Rehmann e A. Knierim, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Escobar Gómez e A. Sipos, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Irlanda, representada por A. Joyce, M. Tierney, M. Browne e D. O’Reilly, na qualidade de agentes, assistidos por P. McCann, SC, e E. O’Callaghan, barrister,

e por

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por S. Marino, S. Drosos e M. van Egmond, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh, J. Laitenberger (relator), J. Martín y Pérez de Nanclares e M. Stancu, juízes,

secretário: A. Marghelis, administrador,

visto o Despacho de 18 de outubro de 2022, Fresenius Kabi Austria e o./Comissão (T‑416/22 R, não publicado, EU:T:2022:636),

vistos os autos,

após a audiência de 14 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.° TFUE, as recorrentes, Fresenius Kabi Austria GmbH e as outras pessoas coletivas cujos nomes figuram em anexo, pedem, em substância, a anulação da Decisão de Execução C(2022) 3591 final da Comissão, de 24 de maio de 2022, relativa às autorizações de introdução no mercado, ao abrigo do artigo 107. °‑P da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de medicamentos para uso humano que contêm a substância ativa «hidroxietilamido (HES), soluções para perfusão» na sequência da avaliação de um estudo de segurança pós‑autorização (a seguir «decisão impugnada»), na medida em que impõe aos Estados‑Membros em questão a suspensão das autorizações nacionais de introdução no mercado (a seguir «AIM») dos medicamentos referidos no seu anexo I (a seguir «medicamentos em questão»).

I.      Antecedentes do litígio

2        As recorrentes fazem parte do grupo de dimensão mundial Fresenius Kabi que pertence ao grupo Fresenius, especializado em cuidados de saúde, que fabrica e distribui, nomeadamente, medicamentos que contêm hidroxietilamido (HEA) como substância ativa.

3        As recorrentes são titulares das AIM de uma parte dos medicamentos em questão.

4        Os medicamentos em questão, que foram autorizados a nível nacional, são indicados principalmente para o tratamento da hipovolemia (baixo volume de sangue) causada pela perda aguda (súbita) de sangue, quando um tratamento com soluções para perfusões alternativas conhecidas apenas sob o nome de «cristaloides» não é considerado suficiente.

5        Desde 2013, os medicamentos em questão foram objeto de várias avaliações no que diz respeito à sua relação risco‑benefício, nomeadamente tendo em conta um risco acrescido de disfuncionamento renal e de mortalidade na sua administração a doentes que sofrem de sépsis, de queimaduras ou que se encontram em estado crítico.

6        Em 19 de dezembro de 2013, a Comissão Europeia adotou a Decisão de Execução C(2013) 9793 (final), relativa às [AIM] dos medicamentos (soluções para perfusão) que contêm «hidroxietilamido», ao abrigo dos artigos 31.° e 107.°‑I da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Através desta decisão, dirigida aos Estados‑Membros, a Comissão decidiu que os Estados‑Membros em questão deviam alterar essas AIM com base nas conclusões científicas do Grupo de Coordenação para os Procedimentos de Reconhecimento Mútuo e Descentralizado — medicamentos para uso humano da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) (a seguir «CMDh»). Segundo esta decisão, importa estabelecer medidas de minimização dos riscos (a seguir «MMR»), designadamente sob a forma de novas contraindicações e de novas advertências, bem como através de uma redução da posologia destes medicamentos.

7        Em 17 de julho de 2018, a Comissão adotou a Decisão de Execução C(2018) 4832 final, relativa às [AIM] dos medicamentos para uso humano que contêm a substância ativa «hidroxietilamido (HEA), soluções para perfusão», ao abrigo do artigo 107.°‑I da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Através desta decisão, dirigida aos Estados‑Membros, a Comissão decidiu que os Estados‑Membros em questão deviam alterar essas AIM com base nas conclusões científicas do CMDh demonstrando, nomeadamente, as MMR adicionais pelo facto de as MMR iniciais não serem suficientemente respeitadas na prática clínica e de os medicamentos em questão continuarem a ser administrados a doentes que apresentam contraindicações. Estas MMR adicionais incluíam uma limitação do fornecimento dos medicamentos em questão apenas aos profissionais de saúde que tinham seguido uma formação específica obrigatória, bem como advertências mais visíveis nas embalagens.

8        Em 10 de fevereiro de 2022, o Comité de Avaliação do Risco de Farmacovigilância (a seguir «PRAC»), que é o Comité da EMA responsável pela avaliação das questões de segurança relacionadas com os medicamentos para uso humano, adotou um relatório de avaliação no qual concluiu, por maioria, que persistia a inobservância das informações sobre o produto, apesar das importantes MMR adicionais implementadas em 2018. O PRAC concluiu também que os medicamentos em questão continuavam a ser utilizados em populações que apresentam contraindicações e, por conseguinte, correm um maior risco de danos graves, incluindo mortalidade. O PRAC indicou que não foi possível identificar nenhuma MMR adicional nem nenhuma combinação de MMR que assegurasse suficientemente uma utilização segura dos medicamentos em questão. Com efeito, os casos de desrespeito das informações sobre o produto não se deviam, em seu entender, apenas a uma falta de sensibilização, mas pareciam resultar de uma escolha intencional por parte dos prescritores. Por conseguinte, o PRAC concluiu que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão era desfavorável e recomendou a suspensão das AIM desses medicamentos.

9        Em 23 de fevereiro de 2022, o CMDh, chamado a pronunciar‑se nos termos do artigo 107.°‑Q, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2010/84/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010, no que diz respeito à farmacovigilância (JO 2010, L 348, p. 74), considerou, por decisão adotada por maioria, que era necessário suspender as AIM dos medicamentos em questão.

10      Em 24 de maio de 2022, a Comissão, chamada a pronunciar‑se em conformidade com o artigo 107.°‑Q, n.° 2, quinto parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, adotou a decisão impugnada, destinada aos Estados‑Membros, pela qual decidiu que os Estados‑Membros em questão deviam suspender as AIM dos medicamentos em questão com base nas conclusões científicas juntas no anexo II dessa decisão.

11      O artigo 3.° da decisão impugnada prevê que os Estados‑Membros podem, a título excecional, sob certas condições e por um período máximo de 18 meses a contar da data de adoção desta decisão, adiar a execução da suspensão.

II.    Pedidos das partes

12      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na parte em que ordena aos Estados‑Membros que suspendam as AIM dos medicamentos referidos no anexo I dessa decisão;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada, na parte em que ordena aos Estados‑Membros que suspendam as AIM dos medicamentos que comercializam e que são referidos no anexo I dessa decisão;

–        condenar a Comissão nas despesas.

13      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível na parte em que visa a suspensão da AIM dos produtos que contêm HEA para os quais as recorrentes não são titulares ou, a título subsidiário, julgar o recurso inadmissível na íntegra;

–        em todo o caso, negar provimento ao recurso de anulação na medida em que é desprovido de fundamento na sua totalidade;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

14      À semelhança da Comissão, a Irlanda conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível na parte em que visa a suspensão da AIM dos produtos que contêm HEA para os quais as recorrentes não são titulares ou, a título subsidiário, julgar o recurso inadmissível na íntegra;

–        em todo o caso, negar provimento ao recurso de anulação na medida em que é desprovido de fundamento na sua totalidade;

15      A EMA conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade do recurso

16      A Comissão, apoiada pela Irlanda, alega, sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, que o recurso é inadmissível.

17      Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que o recurso deve ser julgado inadmissível, na medida em que as recorrentes pretendem obter a anulação da decisão impugnada relativamente a produtos diferentes daqueles para os quais detêm AIM, sem fornecer qualquer elemento que prove que atuariam em nome dos titulares das AIM em questão.

18      Em segundo lugar, a Comissão alega, mais especificamente, que o segundo pedido é inadmissível, dado que a decisão impugnada, dirigida aos Estados‑Membros, não diz diretamente respeito às recorrentes. Com efeito, resulta do artigo 3.° da decisão impugnada que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na execução dessa decisão dado que podem adiar a suspensão com base numa avaliação de mérito deixada à sua discrição. Além disso, a decisão impugnada contém medidas de execução, a saber, as decisões nacionais que suspendem as AIM em aplicação da decisão impugnada.

19      As recorrentes consideram que o seu recurso é admissível.

20      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos deste artigo, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

21      No caso em apreço, o presente recurso só pode ser declarado admissível na medida em que a decisão impugnada diga direta e individualmente respeito às recorrentes, por força da segunda hipótese visada no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

22      Em primeiro lugar, quanto ao requisito segundo o qual o ato da União Europeia objeto do recurso deve dizer individualmente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, importa recordar que uma pessoa singular ou coletiva só pode alegar que a decisão lhe diz individualmente respeito se a disposição controvertida a afetar devido a certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim a individualiza de maneira análoga à do destinatário (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223, e de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 72).

23      A decisão impugnada individualiza as recorrentes de forma análoga à de um destinatário, uma vez que estas são titulares de algumas das AIM dos medicamentos em questão e designadas como tais no anexo I da decisão impugnada. Por conseguinte, há que concluir que a decisão impugnada diz diretamente respeito aos recorrentes.

24      Em segundo lugar, o requisito segundo o qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pelo ato da União objeto do recurso, tal como previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos. Por um lado, o ato deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica do recorrente e, por outro, não deve deixar nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v., neste sentido, Despacho de 19 de junho de 2008, US Steel Košice/Comissão, C‑6/08 P, não publicado, EU:C:2008:356, n.° 59, e Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.° 42).

25      O mesmo sucede quando a possibilidade de os destinatários não implementarem um ato da União é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido ato (v. Acórdão de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.° 44 e jurisprudência referida).

26      Qualquer ato, seja de natureza regulamentar ou de outra natureza, pode, em princípio, dizer diretamente respeito a um particular e, assim produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica, independentemente do facto de saber se necessita de medidas de execução (Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 74).

27      No caso em apreço, a decisão impugnada altera a situação jurídica das recorrentes na medida em que obriga os Estados‑Membros a suspender as AIM de que são titulares. Resulta do n.° 22 da tréplica que a Comissão não contesta que as recorrentes preenchem o primeiro critério acima mencionado no n.° 24. Apenas põe em causa o segundo critério mencionado no referido número, ao afirmar que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na execução da decisão impugnada.

28      Quanto à questão de saber se um ato impugnado não deixa nenhum poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua execução, a simples circunstância de o ato impugnado dever ser objeto de medidas de execução não implica necessariamente a existência de uma margem de apreciação no que respeita aos destinatários desse ato (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 96).

29      A existência de uma margem de apreciação deve necessariamente ser determinada tendo em conta os efeitos jurídicos concretos visados pelo recurso e que podem efetivamente produzir‑se na situação jurídica do interessado. Assim, há que examinar os efeitos jurídicos produzidos pelas disposições desse ato, que são objeto do recurso, sobre a situação da pessoa que invoca o direito de recurso ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.os 97 e 98 e jurisprudência referida).

30      A este respeito, a Comissão invoca o artigo 3.° da decisão impugnada, que prevê que, sob certas condições, um Estado‑Membro pode excecionalmente adiar a suspensão das AIM em questão por um período não superior a 18 meses.

31      É certo que os Estados‑Membros gozam, ao abrigo desta disposição, de uma certa margem de apreciação no que respeita a um eventual adiamento da execução da decisão impugnada e, assim, quanto ao momento em que devem suspender as AIM dos medicamentos em questão. Em contrapartida, não dispõem de nenhuma margem de apreciação no que respeita à obrigação de suspender essas AIM, e isto, o mais tardar, no termo de um período de 18 meses a contar da data da adoção da decisão impugnada, pelo que as recorrentes não se lhe podem subtrair (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.os 105 e 110).

32      Resulta do que precede que a decisão impugnada não deixa nenhum poder de apreciação aos Estados‑Membros quanto à suspensão das AIM em causa, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União. Por conseguinte, diz diretamente respeito às recorrentes na medida em que são titulares dessas AIM.

33      A jurisprudência invocada pela Comissão (Acórdãos de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.os 47 a 59; de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑244/16 P, EU: C:2018:177, n.os 54 a 66, e Despacho de 14 de fevereiro de 2019, Associazione GranoSalus/Comissão, T‑125/18, EU:T:2019:92, n.os 74 a 85) não é suscetível de pôr em causa essa conclusão. Com efeito, esta jurisprudência não é pertinente no caso em apreço na medida em que diz respeito à terceira hipótese do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE [v. Acórdãos de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão (C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.° 45), de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.° 52), e Despacho de 14 de fevereiro de 2019, Associazione GranoSalus/Comissão (T‑125/18, EU:T:2019:92, n.° 65)].

34      Em terceiro lugar, embora as recorrentes peçam a anulação da decisão impugnada não só na parte que lhes diz respeito, mas também na parte em que diz respeito aos outros titulares de AIM de medicamentos que figuram no seu anexo I, não demonstram nem alegam ter legitimidade para agir em nome destes últimos, de modo que, mesmo admitindo que a decisão impugnada seja anulada, só o poderia ser parcialmente na parte em que esta decisão diz respeito às recorrentes. Assim, em todo o caso, a anulação pedida só poderia produzir os seus efeitos em relação aos medicamentos para os quais as recorrentes são titulares das AIM (v., neste sentido, Acórdão de 23 de setembro de 2020, BASF/Comissão, T‑472/19, não publicado, EU:T:2020:432, n.° 29 e jurisprudência referida).

35      Por outro lado, o argumento das recorrentes segundo o qual a decisão impugnada só pode ser anulada na sua totalidade e segundo o qual qualquer declaração de nulidade produz um efeito «erga omnes» é errado e, por conseguinte, deve ser rejeitado.

36      Por conseguinte, há que declarar o recurso admissível unicamente no que respeita aos medicamentos relativamente aos quais as recorrentes são titulares de uma AIM e julgar inadmissíveis os pedidos de anulação quanto ao restante devido à falta de legitimidade das recorrentes para obter a anulação da decisão impugnada na parte em que diz respeito a AIM para as quais elas não são titulares.

B.      Quanto à apresentação da contestação

37      As recorrentes alegam que a contestação da Comissão é extemporânea. A petição foi notificada à Comissão em 27 de julho de 2022. A contestação só foi apresentada em 13 de outubro de 2022, quando o prazo terminou em 10 de outubro de 2022, em conformidade com o artigo 81.°, n.° 1, o artigo 60.° e o artigo 58.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

38      Nos termos do artigo 6.°, primeiro parágrafo, da Decisão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2018, relativa à entrega e à notificação de atos processuais através da aplicação e‑Curia (JO 2018, L 240, p. 72), os atos processuais são notificados através da e‑Curia aos titulares de uma conta de acesso nos processos que lhes dizem respeito. Em conformidade com o artigo 6.°, terceiro parágrafo, desta decisão, o ato processual é notificado no momento em que o destinatário (representante ou assistente) pede acesso a esse ato.

39      No caso em apreço, tendo a petição sido transmitida à Comissão através da aplicação e‑Curia em 27 de julho de 2022 e tendo esta instituição pedido o acesso a esse ato processual em 3 de agosto de 2022, o prazo para apresentar a contestação expirava em 13 de outubro de 2022.

40      Por conseguinte, ao ter apresentado a contestação em 13 de outubro de 2022, a Comissão respeitou o referido prazo.

C.      Quanto ao mérito

41      Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam quatro fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2010/84. O segundo fundamento é relativo à violação do princípio da precaução. O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da proporcionalidade. O quarto fundamento é relativo à falta de fundamentação.

1.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de fundamentação

42      As recorrentes alegam que a decisão impugnada enferma de falta de fundamentação porque é contraditória.

43      Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada estabelece no seu anexo III uma condição para levantar a suspensão das AIM, que seria, se o raciocínio subjacente a esta decisão fosse seguido, impossível de preencher.

44      A este respeito, as recorrentes salientam que, segundo este anexo, para obter o levantamento da suspensão, os titulares de AIM devem, por um lado, apresentar provas científicas convincentes que atestem uma relação risco‑benefício favorável para uma população bem definida e, por outro, propor uma série de MMR que proteja suficientemente os doentes que correm um risco acrescido de prejuízo grave para a sua saúde.

45      Primeiro, as recorrentes sustentam que o uso dos medicamentos em questão em conformidade com os termos da AIM comprova já a existência de uma relação risco‑benefício favorável com base nos dados científicos atualmente disponíveis. Segundo as conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada, as restrições adotadas em 2013 não são suficientes, dado que os profissionais de saúde não as respeitam. As recorrentes alegam que admitir tal argumento, invocado para rejeitar as MMR adicionais que propuseram, implicaria que, geralmente seria impossível obter o levantamento de uma suspensão, uma vez que qualquer alegado uso sem AIM, mesmo que deliberada, se oporia sistematicamente à adoção de MMR adicionais.

46      Segundo, as recorrentes alegam que as conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada rejeitaram expressamente a execução de outras MMR. Assim, a decisão impugnada ordenava de facto uma revogação das AIM. As condições para levantar a suspensão nunca poderiam ser satisfeitas.

47      Terceiro, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada não indica as razões pelas quais a decisão tomada em 2013 não podia ser mantida enquanto se aguardavam os resultados de dois ensaios clínicos de fase IV em cirurgia e traumatologia (a seguir «estudos PHOENICS e TETHYS») ordenados em 2013 para satisfazer a condição relativa à produção de outros elementos de apreciação.

48      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada é contraditória devido à exceção prevista no seu artigo 3.°

49      Primeiro, seria contraditório que esta disposição exigisse que um Estado‑Membro que usasse esta exceção e adiasse a suspensão de uma AIM continuasse a respeitar as MMR introduzidas em 2018, apesar de estas medidas não serem eficazes, como enunciado nas conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada.

50      Segundo, o facto de esta disposição exigir que esse Estado‑Membro deva suspender o abastecimento de um estabelecimento acreditado se se afigurar que este não respeita as MMR demonstra que a Comissão considera que as restrições adicionais de abastecimento, conforme propostas pelas recorrentes, constituem MMR adicionais eficazes, contrariamente ao que é enunciado nas conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada.

51      Terceiro, a Comissão baseou a decisão de suspender as AIM em causa em considerações de saúde pública nos Estados‑Membros. Ao mesmo tempo, um Estado‑Membro pode, com fundamento no artigo 3.° da decisão impugnada, adiar excecionalmente a suspensão por um período de apenas 18 meses, se tal for considerado necessário tendo em conta considerações de saúde pública no referido Estado‑Membro.

52      A Comissão, apoiada pela Irlanda e pela EMA, conclui pela improcedência do quarto fundamento.

53      O dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, uma vez que esta é abrangida pela legalidade quanto ao mérito do ato controvertido (Acórdãos de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.° 35, e de 20 de setembro de 2019, ICL‑IP Terneuzen e ICL Europe Coöperatief/Comissão, T‑610/17, EU:T:2019:637, n.° 47).

54      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo desse ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga respeito na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.° 63 e jurisprudência referida, e de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.° 122 e jurisprudência referida).

55      Além disso, a participação dos interessados no processo de elaboração de um ato pode reduzir as exigências de fundamentação, uma vez que ela contribui para a sua informação (Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.° 116, e de 1 de fevereiro de 2013, Polyelectrolyte Producers Group e o./Comissão, T‑368/11, não publicado, EU:T:2013:53, n.° 101).

56      No caso em apreço, resulta do considerando 2 da decisão impugnada que o PRAC concluiu que persistia a inobservância das informações sobre o produto, apesar das importantes MMR implementadas no termo do processo de consulta concluído em 2018. Segundo o considerando 3 da decisão impugnada, o PRAC tomou em consideração a gravidade dos problemas de segurança e o facto de a proporção de doentes que estão expostos a esses riscos na falta de MMR eficazes poder ter consequências importantes para a saúde pública, incluindo uma mortalidade potencialmente acrescida. De acordo com o considerando 4 da decisão impugnada, o PRAC concluiu que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão já não era favorável e, por isso, recomendou a suspensão das AIM desses medicamentos.

57      Além disso, resulta do considerando 5 e do artigo 1.° da decisão impugnada que esta decisão foi adotada com base na posição da maioria dos Estados‑Membros representados no CMDh, que figura num documento intitulado «Conclusões científicas», reproduzido no anexo II da decisão impugnada e que faz, assim, parte integrante desta. Segundo estas conclusões, havia que adotar, no interesse da União, uma decisão que suspendesse as AIM dos medicamentos em questão.

58      Nestas conclusões científicas são expostas, numa dezena de páginas, as razões pelas quais se considerou que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão já não era favorável. Decorre, nomeadamente, destas que se previu a execução de MMR adicionais, mas que se considerou que nenhuma outra MMR podia ser identificada para assegurar uma utilização segura dos medicamentos em questão.

59      A crítica das recorrentes relativa à fundamentação da decisão impugnada visa, nomeadamente, pretensas contradições e incoerências que a viciam.

60      Quanto à argumentação de que as condições de levantamento da suspensão previstas no anexo III da decisão impugnada são contraditórias porque nunca poderiam estar preenchidas se se considerasse que as conclusões científicas rejeitam expressamente a eficácia das MMR, importa salientar que o anexo III da decisão impugnada indica o seguinte:

«Para levantar a suspensão, os titulares da [AIM] deve[m] fornecer provas sólidas que demonstrem uma relação risco‑benefício positiva numa população de doentes clinicamente pertinente, bem como um conjunto de [MMR] que possam proteger suficientemente os doentes que apresentam um risco elevado de prejuízo grave resultante da exposição às soluções para perfusão de HEA.»

61      Assim, segundo este anexo, as recorrentes podem fornecer todos os elementos de prova suscetíveis de demonstrar uma relação risco‑benefício favorável para cada medicamento em questão numa população de doentes clinicamente pertinente. Estes elementos de prova podem abranger, nomeadamente, todos os riscos e benefícios de cada medicamento em questão e novas propostas de MMR. Por outro lado, não resulta de modo algum da decisão impugnada ou das conclusões científicas que figuram no anexo II desta decisão que esteja lógica e necessariamente excluído que, no futuro, possam ser identificadas MMR suscetíveis de proteger suficientemente os doentes que apresentam um risco elevado de prejuízo grave resultante de uma exposição aos medicamentos em questão. Com efeito, o considerando 3 da decisão impugnada faz unicamente referência à inexistência de MMR eficazes. As conclusões científicas indicam que o PRAC concluiu que nenhuma MMR ou combinação de MMR que assegurem suficientemente uma utilização segura dos medicamentos em questão «pôde ser identificada», sendo que o uso do tempo verbal no passado indica que esta constatação é válida no passado até ao momento em que o PRAC adotou a sua conclusão.

62      Quanto à exceção prevista no artigo 3.° da decisão impugnada, o considerando 6 da referida decisão indica que, a título excecional, os Estados‑Membros podem adiar provisoriamente a suspensão das AIM em questão, desde que estejam preenchidas certas condições para proteger os doentes e que as MMR previamente acordadas sejam mantidas e monitorizadas. O artigo 3.° da decisão impugnada menciona, nomeadamente, como condições que podem justificar um adiamento da suspensão que esse adiamento seja considerado necessário tendo em conta considerações de saúde pública no Estado‑Membro em questão [artigo 3.°, alínea a), da decisão impugnada] e várias outras condições destinadas a assegurar o respeito das MMR.

63      Contrariamente ao que as recorrentes alegam, estas condições não estão em contradição com a suspensão prevista na decisão impugnada, que se baseia em considerações de saúde pública e a circunstância de as MMR não terem sido consideradas suficientes para tornar favorável a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão.

64      Com efeito, as considerações de saúde pública que justificam um adiamento da suspensão podem ser diferentes das que justificam a suspensão e terem por base, por exemplo, a necessidade de o setor de saúde se preparar durante o período de adiamento para a suspensão das AIM, sem, todavia, justificar um adiamento por um período ilimitado.

65      No que respeita às MMR, cabe constatar que estas foram consideradas insuficientes, nomeadamente devido ao facto de as MMR iniciais não terem sido respeitadas de forma suficiente. Por outro lado, resulta de um estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022 que a taxa de incumprimento das MMR variava consideravelmente entre as diferentes instalações dos diferentes Estados‑Membros que participaram no estudo. Assim, a abordagem seguida pela Comissão que consiste em sujeitar a possibilidade de um Estado‑Membro adiar a suspensão das AIM em questão por um período limitado às condições destinadas a assegurar o cumprimento das MMR e a estabelecer uma obrigação de suspender o abastecimento de um estabelecimento acreditado quando se verifique que este último não respeita as MMR não é incoerente com a consideração subjacente da decisão impugnada conforme recordada no n.° 63, supra.

66      Por último, o argumento das recorrentes segundo o qual a decisão impugnada devia ter indicado as razões pelas quais a decisão tomada em 2013 não podia ser mantida, nomeadamente enquanto se aguardavam os resultados dos estudos PHOENICS e TETHYS, não demonstra falta de fundamentação. Com efeito, primeiro, como resulta designadamente do considerando 2 da decisão impugnada e das conclusões científicas que figuram no anexo II, a decisão impugnada foi tomada na sequência da avaliação do último estudo de utilização do medicamento que tinha avaliado a eficácia das MMR adotadas em 2018. Segundo, embora as recorrentes considerem que os dados resultantes dos estudos PHOENICS e TETHYS são suscetíveis de tornar favorável a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão, têm a possibilidade de os submeter à autoridade competente para que esta avalie se as condições para levantar a suspensão estão preenchidas, como é indicado no anexo III da decisão impugnada. Terceiro, a questão de saber se a Comissão deveria ter aguardado pelos resultados desses dois estudos antes de adotar a decisão impugnada está abrangida pelo mérito da decisão impugnada e será examinada no âmbito do terceiro fundamento, relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade.

67      Do mesmo modo, o argumento das recorrentes segundo o qual a utilização dos medicamentos em questão em conformidade com os termos da AIM comprova uma relação risco‑benefício favorável com base nos dados científicos atualmente disponíveis faz igualmente parte do mérito da decisão impugnada e será examinado no âmbito do primeiro e segundo fundamentos.

68      Em suma, a decisão impugnada, incluindo as conclusões científicas que figuram no seu anexo II, indica de forma detalhada os fundamentos em que ela assenta. A fundamentação da decisão impugnada revela, nomeadamente, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir às recorrentes, que, além do mais, participaram no procedimento que conduziu à adoção da decisão impugnada, conhecer as justificações da medida tomada e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

69      Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 116 da Diretiva 2001/83, conforme alterada, e ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da precaução

70      As recorrentes alegam que a decisão impugnada não tem fundamento, dado que as condições previstas no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que habilitam as autoridades competentes a suspender as AIM de medicamentos não estão preenchidas. As conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada não permitem estabelecer uma relação risco‑benefício desfavorável no âmbito de uma utilização dos medicamentos em questão nas indicações aprovadas.

71      A Comissão, apoiada pela Irlanda e pela EMA, alega que não houve erro relativamente ao respeito das condições jurídicas previstas no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, nem erro manifesto de apreciação na avaliação dos dados disponíveis sobre a segurança dos medicamentos em questão, uma vez que os dados científicos corroboraram a conclusão de que a relação risco‑benefício desses produtos não podia ser considerada favorável.

a)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito resultante de uma interpretação errada do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116 da Diretiva 2001/83, conforme alterada

72      As recorrentes sustentam que o artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, só permite revogar ou suspender uma AIM se o produto em questão se revelar nocivo no âmbito da utilização prevista, ou seja, se não apresentar uma relação risco‑benefício favorável relativamente à sua utilização conforme com a AIM.

73      A este respeito, as recorrentes alegam que a relação risco‑benefício, conforme definida no artigo 1.°, ponto 28‑A, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (JO 2004, L 136, p. 34), é apreciada principalmente à luz da utilização que está prevista do medicamento e que é definida pelas indicações da AIM e pelas restrições de utilização conexas igualmente mencionadas na AIM. Segundo o artigo 1.°, ponto 28, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2004/27, o termo «risco» cobriria qualquer risco relacionado com a qualidade, a segurança ou a eficácia do medicamento no que respeita à saúde dos doentes ou da saúde pública. Nos termos do considerando 7 da Diretiva 2001/83, as noções de nocividade e de efeito terapêutico não podem ser examinadas senão em relação recíproca e apenas têm um significado relativo, apreciado em função do progresso da ciência e tendo em conta o destino do medicamento. A qualidade, a eficácia e a segurança do medicamento estão sempre ligadas à utilização que dele está prevista, que é examinada no decurso do processo de autorização. Nenhum medicamento pode ser seguro e eficaz se não for utilizado como indicado.

74      A Comissão, apoiada pela Irlanda e pela EMA, conclui pela improcedência da primeira parte do primeiro fundamento.

75      Nos termos do artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, as autoridades competentes suspendem, revogam ou alteram uma AIM caso se considere que o medicamento é nocivo, ou que falta o efeito terapêutico, ou que a relação risco‑benefício não é favorável ou que o medicamento não tem a composição quantitativa e qualitativa declarada.

76      Estes pressupostos de alteração, de suspensão ou de revogação de uma AIM são alternativos e não cumulativos (Acórdãos de 11 de dezembro de 2014, PP Nature‑Balance Lizenz/Comissão, T‑189/13, não publicado, EU:T:2014:1056, n.° 41, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 44). Devem, além disso, ser interpretados em conformidade com o princípio geral que decorre da jurisprudência segundo o qual deve incontestavelmente ser reconhecida à proteção da saúde pública uma importância preponderante face a considerações económicas (Acórdãos de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.° 99, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 44).

77      No caso em apreço, a questão de saber se a primeira parte do primeiro fundamento é procedente depende da interpretação do conceito de «relação risco‑benefício».

78      Regra geral, e como resulta de jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v. Acórdão de 7 de maio de 2019, Alemanha/Comissão, T‑239/17, EU:T:2019:289, n.° 40 e jurisprudência referida), marcando, porém, a redação clara e precisa o limite para a interpretação (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, American Airlines/Comissão, T‑430/18, EU:T:2020:603, n.° 109; v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2010, Comissão/Reino Unido, C‑582/08, EU:C:2010:429, n.° 51 e jurisprudência referida). A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação (v. Acórdão de 16 de março de 2023, Towercast, C‑449/21 P, EU:C:2023:207, n.° 31 e jurisprudência referida).

1)      Quanto à interpretação literal do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

79      O conceito de «relação risco‑benefício» é definido no artigo 1.°, ponto 28‑A, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, como sendo «a avaliação dos efeitos terapêuticos positivos do medicamento em relação ao risco definido no primeiro travessão do ponto 28)».

80      O artigo 1.°, ponto 28, primeiro travessão, desta diretiva define o conceito de «Risco associado ao uso do medicamento» como «qualquer risco para a saúde dos doentes ou a saúde pública relacionado com a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento».

81      Nenhuma das disposições referidas nos números anteriores inclui nem exclui expressamente a tomada em consideração dos riscos resultantes do uso de um medicamento sem AIM na avaliação da sua relação risco‑benefício nos termos do artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada.

82      Pelo contrário, a redação do artigo 1.°, ponto 28, primeiro travessão, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, é genérica na medida em que esta disposição faz referência a «qualquer risco» para a saúde do doente ou para a saúde pública relacionado com a qualidade, a segurança ou a eficácia do medicamento. Do mesmo modo, esta disposição não restringe o conceito de «segurança do medicamento» a utilizações específicas. Assim, esta disposição não exclui os riscos resultantes do uso de um medicamento sem AIM do conceito de riscos associados à segurança desse medicamento.

83      Resulta de uma interpretação literal do conceito de «relação risco‑benefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que este é suficientemente amplo para permitir a tomada em consideração dos risco associado ao uso de um medicamento sem AIM.

2)      Quanto à interpretação contextual do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

84      Primeiro, o artigo 23.°, n.° 2, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, estabelece certas obrigações de informação que incumbem a cada titular de uma AIM de um medicamento.

85      Embora seja verdade que esta disposição não prevê, enquanto tal, a suspensão de uma AIM devido a uma relação risco‑benefício desfavorável resultante da tomada em consideração do risco associado ao uso de um medicamento sem AIM, ela prevê expressamente a obrigação de o titular de uma AIM comunicar à autoridade nacional competente os «dados de utilização do medicamento, quando essa utilização estiver fora dos termos da [AIM]». Esta obrigação de informação seria, em larga medida, esvaziada de sentido se a autoridade competente não pudesse ter em conta esses dados e deles retirar consequências regulamentares.

86      Além disso, resulta desta disposição, e mais especificamente da relação entre, por um lado, o fim do primeiro período do segundo parágrafo e, por outro, o fim do segundo período do segundo parágrafo, que os «dados de utilização do medicamento, quando essa utilização estiver fora dos termos da [AIM]» podem ser «novas informações que possam influenciar a avaliação dos benefícios e dos riscos do medicamento em questão».

87      Segundo, o artigo 101.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, descreve o objetivo do sistema de farmacovigilância e o alcance das informações que visa recolher. Resulta desta disposição que o conceito de «riscos dos medicamentos para os doentes ou para a saúde pública» abrange igualmente os riscos resultantes de um uso «fora dos termos da [AIM]». Nem a Diretiva 2001/83 nem nenhuma outra disposição do direito da União contêm qualquer indicação de que este conceito deve ter, no âmbito do artigo 101.° da Diretiva 2001/83, um alcance diferente do artigo 116.° da referida diretiva, no sentido de que, no âmbito da primeira disposição, cobre o risco associado ao uso de um medicamento sem AIM do medicamento em questão e que, no âmbito da segunda disposição, não cobre esses riscos.

88      Além disso, resulta do artigo 101.°, n.° 2, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que os Estados‑Membros podem tomar em conta todas as informações recolhidas no âmbito do sistema de farmacovigilância, incluindo as informações relativas ao risco associado ao uso de um medicamento sem AIM, para examinar as opções que permitam prevenir os riscos ou reduzi‑los e, se necessário, para tomar medidas de natureza regulamentar respeitantes à AIM em causa. Esta disposição não contém nenhuma indicação de que a suspensão ou a revogação de uma AIM seria excluída por princípio das medidas que os Estados‑Membros podem tomar para fazer face ao risco associado ao uso de um medicamento sem AIM.

89      Terceiro, no artigo 22.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2010/84, que diz respeito a uma situação diferente da do caso em apreço, a saber, a decisão de conceder uma AIM sob certas condições, o legislador previu expressamente as condições em que as informações sobre a eficácia e a segurança de um medicamento relativas à sua utilização «em condições normais» podem ser limitadas.

90      Assim, o facto de o artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, não fazer nenhuma referência às «condições normais» de utilização corrobora a interpretação da Comissão segundo a qual o conceito de «risco associado ao uso do medicamento» abrange igualmente o risco associado ao seu uso sem AIM.

91      Resulta de uma interpretação contextual do conceito de «relação risco‑benefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que este conceito abrange igualmente o risco associado ao uso sem AIM de um medicamento.

92      O argumento das recorrentes, segundo o qual o artigo 23.°, n.° 2, e o artigo 101.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, preveem apenas obrigações de farmacovigilância para o titular da AIM e não a suspensão de uma AIM, não é suscetível de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, as referidas disposições não são examinadas como base legal da decisão impugnada, mas no âmbito de uma interpretação contextual do conceito de «relação risco‑benefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada.

3)      Quanto à interpretação do conceito de «relação riscobenefício» tendo em conta o objetivo do artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

93      Resulta do considerando 2 da Diretiva 2001/83 que a salvaguarda da saúde pública constitui o objetivo essencial desta diretiva (v. Acórdão de 5 de maio de 2011, Novo Nordisk, C‑249/09, EU:C:2011:272, n.° 37 e jurisprudência referida).

94      O artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, prossegue este objetivo, na medida em que impõe às autoridades competentes a obrigação de suspender, revogar ou alterar a AIM caso se considere que a relação risco‑benefício não é favorável.

95      Como foi referido acima, no n.° 76, o artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, deve ser interpretado em conformidade com o princípio geral que decorre da jurisprudência segundo o qual deve incontestavelmente ser reconhecida à proteção da saúde pública uma importância preponderante face a considerações económicas.

96      Para que este objetivo seja eficazmente prosseguido, as autoridades competentes devem poder ter em conta as informações relativas a todos os riscos para a saúde pública colocados por um medicamento, incluindo os associados a um uso sem AIM. Com efeito, o uso de um medicamento sem AIM pode apresentar riscos para a saúde pública semelhantes aos associados ao seu uso de acordo com a sua AIM. Não é raro o uso de um medicamento sem AIM. Faz parte da decisão profissional de um médico que pondera os benefícios e os riscos desse uso. Por conseguinte, este médico deve estar devidamente informado.

97      Consequentemente, deve ser rejeitado o argumento das recorrentes segundo o qual o facto de suspender a AIM de um medicamento seguro e eficaz quando é utilizado em conformidade com as indicações não corresponde, por definição, ao objetivo de proteção da saúde pública.

98      Resulta de uma interpretação do conceito de relação risco‑benefício tendo em conta o objetivo do artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que este conceito abrange igualmente o risco associado ao uso de um medicamento sem AIM.

99      Em conclusão, resulta de uma interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, que a Comissão não violou esta disposição ao ter em conta o risco colocado pelo uso sem AIM dos medicamentos em causa na avaliação da sua relação risco‑benefício.

100    Esta conclusão é corroborada pelos trabalhos preparatórios da Diretiva 2010/84, que alterou o artigo 116.° da Diretiva 2001/83. Em particular, resulta do anexo I do documento de trabalho da Comissão, de 10 de dezembro de 2008, que acompanha a proposta de diretiva que altera a Diretiva 2001/83, que o conceito de «condições normais de utilização» foi suprimido «por não estar definido e poder ser interpretado como limitando as medidas regulamentares no caso de um problema grave de saúde pública relacionado com a utilização não contemplada na rotulagem (por exemplo, em crianças)».

4)      Quanto aos outros argumentos das recorrentes

101    Todos os outros argumentos invocados pelas recorrentes não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão de que o conceito de relação risco‑benefício que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, abrange igualmente o risco associado ao uso de um medicamento sem AIM.

102    Primeiro, quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual os titulares de uma AIM de um medicamento não são responsáveis pela sua utilização sem AIM, o que, em seu entender, resulta da jurisprudência, basta constatar que esta circunstância não exclui a tomada em consideração do risco associado ao uso de um medicamento sem AIM para avaliar a relação risco‑benefício desta no âmbito do exercício do poder de adotar medidas regulamentares. A decisão impugnada não pressupõe nem sugere que as recorrentes e os outros titulares das AIM dos medicamentos em questão são responsáveis pela utilização sem AIM desses medicamentos.

103    Segundo, o argumento relativo ao considerando 7 da Diretiva 2001/83 não é pertinente, dado que esse considerando faz referência ao texto inicial da Diretiva 2001/83, incluindo ao seu artigo 116.°, que não previa a alternativa em que se baseia a decisão impugnada, a saber, a de que uma AIM é suspensa, revogada ou alterada quando se considere que a relação risco‑benefício não é favorável.

104    Terceiro, o argumento segundo o qual o direito da União não regula a utilização sem AIM de um medicamento também não é pertinente. Com efeito, a circunstância de o direito da União não definir as condições de uso dos medicamentos sem AIM não significa que os riscos resultantes desse uso não possam ou não devam ser tomados em consideração no âmbito do exercício do poder da União de adotar medidas regulamentares.

105    Quarto, o argumento das recorrentes segundo o qual a utilização abusiva de um medicamento só pode ser impedida a nível nacional também não pode ser acolhido. A circunstância de o direito nacional prever consequências relativas ao uso abusivo de um medicamento não impede que as autoridades da União possam ou mesmo devam exercer o poder que lhes é confiado, com diligência, de adotar medidas regulamentares, incluindo para fazer face aos riscos resultantes do uso sem AIM.

106    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação, e quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da precaução

107    As recorrentes fazem referência à jurisprudência relativa ao princípio da precaução segundo a qual este princípio autoriza as autoridades competentes, quando haja incerteza, a tomar as medidas adequadas para prevenir certos riscos potenciais para a saúde das pessoas, a segurança e o ambiente, sem terem de esperar que a realidade e a gravidade desses riscos sejam plenamente demonstradas. Segundo essa jurisprudência, incumbe à autoridade competente provar que as condições relativas à suspensão de uma AIM estão preenchidas, dever que a Comissão e a EMA terão desrespeitado no presente processo. Para este efeito, a Comissão é obrigada a apresentar indícios sérios e concludentes que permitam duvidar razoavelmente da inocuidade do medicamento em questão. Tais indícios não existem no presente processo.

108    A este respeito, as recorrentes invocam, designadamente, argumentos que visam pôr em causa a demonstração dos riscos, a pretensa omissão de ter em conta os benefícios dos medicamentos em questão resultantes de uma necessidade médica e as conclusões relativas à inexistência de MMR eficazes.

109    A Comissão, apoiada pela Irlanda e pela EMA, conclui pela improcedência da segunda parte do primeiro fundamento, e do segundo fundamento.

110    O princípio da precaução, que constitui um princípio geral do direito da União, permite, em caso de incerteza, que as autoridades competentes tomem medidas adequadas a prevenir certos riscos potenciais para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente sem terem que aguardar a plena demonstração da existência e da gravidade desses riscos (v. Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 45 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, PP Nature‑Balance Lizenz/Comissão, C‑82/15 P, não publicado, EU:C:2015:796, n.° 21).

111    Consequentemente, de acordo com o princípio da precaução, os riscos para a saúde que os fundamentos que constam do artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83 se destinam a prevenir devem não só ter caráter concreto, mas também potencial (Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 46; v., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 2014, Acino/Comissão, C‑269/13 P, EU:C:2014:255, n.° 59, e de 3 de dezembro de 2015, PP Nature‑Balance Lizenz/Comissão, C‑82/15 P, não publicado, EU:C:2015:796, n.° 23).

112    Neste sistema, o artigo 116.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83 confere direitos às empresas titulares de AIM, uma vez que lhes garante a manutenção das AIM enquanto não for demonstrada a existência de um dos pressupostos para as alterar, suspender ou revogar (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.° 96). Daí resulta, no que respeita ao ónus da prova, que é à autoridade competente, no caso, a Comissão, que cabe demonstrar que estão preenchidos os pressupostos relativos à revogação, suspensão ou alteração de uma AIM, previstos no artigo 116.° da Diretiva 2001/83 (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 2013, Acino/Comissão, T‑539/10, não publicado, EU:T:2013:110, n.° 79, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 47).

113    Contudo, tendo em conta o princípio da precaução, a Comissão pode limitar‑se a fornecer indícios sérios e concludentes que, sem afastar a incerteza científica, permitam razoavelmente duvidar da inocuidade do medicamento em causa, do seu efeito terapêutico, da existência de uma relação risco‑benefício favorável ou da composição qualitativa e quantitativa declarada (Acórdãos de 3 de dezembro de 2015, PP Nature‑Balance Lizenz/Comissão, C‑82/15 P, não publicado, EU:C:2015:796, n.° 23, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 48).

114    Todavia, a adoção de uma decisão de alteração, de suspensão ou de revogação de uma AIM de um medicamento só se justifica se essa decisão for apoiada por dados científicos ou médicos objetivos e novos (v. Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:C:2019:624, n.° 49 e jurisprudência referida).

115    A esse respeito, a autoridade competente é obrigada a indicar os principais relatórios e peritagens científicas em que se baseia e a precisar, em caso de divergência significativa, as razões por que se afasta das conclusões dos relatórios ou das peritagens apresentados pelas empresas em questão. Esta obrigação impõe‑se muito particularmente em caso de incerteza científica. Deverá proceder‑se de forma contraditória e transparente, a fim de garantir que a substância em causa foi sujeita a uma avaliação científica aprofundada e objetiva, baseada num confronto das teses científicas mais representativas e das posições científicas avançadas pelos laboratórios farmacêuticos em questão (Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 50).

116    Quanto à fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal Geral, o presente recurso inscreve‑se no domínio médico‑farmacológico que reveste um caráter técnico e científico complexo.

117    Em conformidade com a jurisprudência, quando a Comissão é chamada a efetuar avaliações técnicas ou científicas complexas, dispõe de um amplo poder de apreciação. No âmbito da sua fiscalização jurisdicional, o juiz da União deve verificar o respeito das regras de processo, a exatidão material dos factos considerados pela Comissão, a não existência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a ausência de desvio de poder (v. Acórdão de 9 de setembro de 2010, Now Pharm/Comissão, T‑74/08, EU:C:2010:376, n.° 111 e jurisprudência referida).

118    No que respeita ao alcance da fiscalização exercida sobre as apreciações científicas, importa recordar que o Tribunal Geral não pode substituir a apreciação do CMDh pela sua própria apreciação, que seguiu a recomendação do PRAC. A sua fiscalização jurisdicional exerce‑se apenas sobre a regularidade do seu funcionamento, bem como sobre a coerência interna e a fundamentação da recomendação do PRAC e do parecer do CMDh. Neste último aspeto, o julgador apenas pode verificar se a recomendação e o parecer contêm fundamentação que permita verificar as considerações em que se basearam e se estabelecem um nexo compreensível entre as considerações médicas ou científicas e as conclusões que contêm (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2014, Nature‑Balance Lizenz/Comissão, T‑189/13, não publicado, EU:T:2014:1056, n.° 52, e de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.° 51).

119    Todavia, no caso em apreço, como resulta do artigo 1.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, a Comissão, depois de ter consultado o Comité Permanente dos Medicamentos para Uso Humano (considerando 7 da decisão impugnada), baseou essa decisão nas conclusões científicas do CMDh, uma vez que esse comité estava de acordo com as conclusões globais do PRAC e as suas razões justificavam a recomendação. As conclusões científicas do CMDh figuram no anexo II dessa decisão e fazem, assim, parte integrante da decisão impugnada. Portanto, há que considerar que a fiscalização jurisdicional que incumbe ao Tribunal Geral, em especial a do erro manifesto de apreciação, deve ser exercida com base em todas as considerações contidas nesse parecer e no relatório de avaliação acima referido (v., neste sentido, e por analogia, Acórdãos de 5 de dezembro de 2018, Bristol‑Myers Squibb Pharma/Comissão e EMA, T‑329/16, não publicado, EU:T:2018:878, n.° 98, e de 19 de dezembro de 2019, Vanda Pharmaceuticals/Comissão, T‑211/18, EU:T:2019:892, n.° 54).

120    Em primeiro lugar, o procedimento que conduziu à adoção da decisão impugnada surge na sequência de várias avaliações que tiveram lugar em 2013, no âmbito de um processo de consulta em 2012 ao abrigo do artigo 31.° da Diretiva 2001/83 e no âmbito de um processo de consulta em 2013 ao abrigo do artigo 107.°‑I desta diretiva, conforme alterada, e em 2018, no âmbito de um processo de consulta ao abrigo deste mesmo artigo. Como resulta das conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada, no âmbito das consultas de 2012 e de 2013, ficou demonstrado que os medicamentos em questão estavam associados a um risco acrescido de mortalidade nos doentes que sofrem de sépsis, que apresentam insuficiência renal ou que se encontram num estado crítico. A este respeito, o PRAC fez referência a três ensaios controlados escalonados (a seguir «ECR»), a saber, os estudos 6S (Perner e o., 2012), VISEP (Brunkhorst e o., 2008) e CHEST (Myburgh e o., 2012) e a duas meta‑análises, a saber, os estudos Zarychanski e o., 2013, e Perel, Roberts, and Ker, 2013. Segundo os estudos 6S e VISEP, o tratamento com produtos que contêm HEA está associado a um risco acrescido de mortalidade para 90 dias. Estes resultados foram igualmente confirmados pelas duas meta‑análises. Os três ECR demonstraram uniformemente a existência de um risco acrescido de terapia de substituição renal ou de insuficiência renal após tratamento com produtos que contêm HEA.

121    Resulta dos autos, e mais especificamente do relatório do PRAC no âmbito do processo de consulta de 2013, que este comité considerou que, para os doentes que sofrem de sépsis ou de um choque séptico, os riscos de uma mortalidade acrescida prevaleciam sobre os benefícios limitados dos medicamentos em questão. Por outro lado, o PRAC constatou a inexistência de «elementos de prova […] que indiquem que [os benefícios associados à] utilização [dos medicamentos] no âmbito de outras indicações prevaleciam sobre os riscos» constatados.

122    Por conseguinte, foram estabelecidas MMR, nomeadamente sob a forma de novas contraindicações, incluindo para os doentes que sofrem de sépsis, de insuficiência renal ou em estado crítico, e novas advertências.

123    Em segundo lugar, os dois estudos de utilização do medicamento impostos no âmbito do processo de consulta de 2013 revelaram, em 2017 e em 2018, um incumprimento significativo destas MMR iniciais. Resulta dos autos, e mais especificamente do relatório de avaliação do PRAC no âmbito do processo de consulta de 2018, que este comité considerou que os benefícios dos medicamentos em questão no âmbito de uma utilização conforme com a indicação aprovada eram modestos e que a alegada utilidade clínica dos medicamentos em questão não prevalecia sobre os riscos de mortalidade acrescida e de insuficiência renal para os doentes que se encontravam em estado crítico ou que sofriam de sépsis que continuavam a estar expostos a esses medicamentos. Por conseguinte, o PRAC recomendou, desde 2018, a suspensão das AIM dos medicamentos em questão.

124    No entanto, como constatado nas conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada, em 2018, a Comissão decidiu que os medicamentos em questão podiam permanecer no mercado desde que, porém, fosse aplicado um conjunto de MMR adicionais para assegurar que os medicamentos em questão não fossem utilizados em doentes que correm o risco de sofrer um prejuízo grave. A realização de um novo estudo de utilização do medicamento que tinha por objeto a eficácia destas novas MMR foi imposta como condição da AIM, uma vez que o cumprimento da nova rotina e destas MMR foi considerado essencial para assegurar uma relação risco‑benefício favorável para os medicamentos em questão.

125    Em terceiro lugar, o PRAC concluiu em 2013 e confirmou em 2018 que a realização de estudos de segurança adicionais era necessária para os doentes em cirurgia eletiva e em traumatologia, uma vez que os riscos poderiam ser menores nesses doentes. A este respeito, constata‑se que o anexo IV da Decisão de Execução C(2013) 9793 final refere o seguinte:

«[O(s) titular(es) de AIM] deverá(ão) realizar dois [ECR] de fase IV com um controlo adequado e critérios de avaliação clinicamente significativos para demonstrar a eficácia e a segurança em contexto perioperatório e em traumatologia.»

126    Apesar de, segundo esse anexo, estivesse previsto que os relatórios de estudo finais estivessem disponíveis no final de 2016, os resultados dos estudos não estavam disponíveis no procedimento que conduziu à adoção da decisão impugnada.

127    Em quarto lugar, resulta das conclusões científicas que constam do anexo II da decisão impugnada que o objeto principal do relatório de avaliação do PRAC de 2022 era o último estudo de utilização do medicamento.

128    No entanto, nessa ocasião, o PRAC examinou também elementos de prova adicionais fornecidos pelos titulares das AIM em causa, incluindo novos estudos, a saber, os estudos de Gupta, de 2021, de Suzuki, de 2020, de Kwak, de 2018, de Nizar, de 2020, de Mahrouse, de 2021, e de Lee, de 2021. A este respeito, o PRAC concluiu que esses dados não punham em causa os benefícios e os riscos do uso dos medicamentos em questão, tal como tinham sido estabelecidos, e não continham informação significativa relativa a uma potencial alteração do seu perfil de segurança.

129    Quanto ao estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022, o PRAC avaliou os seus resultados e as respostas fornecidas pelos titulares das AIM. Nesta base, este comité concluiu que as informações sobre o produto ainda não eram respeitadas, apesar do vasto leque de MMR adicionais aplicadas em 2018. O PRAC exprimiu, nomeadamente, sérias preocupações relativamente a uma percentagem, em seu entender, ainda elevada, de incumprimento das contraindicações, que constituía 6,6 % das prescrições não conformes, a saber, 3,5 % de prescrições em doentes que se encontram em estado crítico, 2,2 % de prescrições em doentes com insuficiência renal e cerca de 1 % de prescrições a doentes que sofrem de sépsis. Aliás, os resultados desse estudo demonstraram que 7 dos 18 doentes que sofriam de sépsis e tratados com uma solução à base de HEA apresentavam, além de sépsis, uma contraindicação adicional. Além disso, o PRAC estava preocupado com a elevada taxa de incumprimento global das informações sobre o produto em dois Estados‑Membros.

130    O PRAC indicou também que a restrição da dose administrada e da duração do tratamento era, em geral, bem respeitada. Contudo, considerou que os dados científicos incluíam também certos elementos de prova que demonstram um prejuízo nos doentes tratados com doses conformes com as recomendações existentes. Por conseguinte, considerou que não é possível concluir que os produtos que contêm HEA são seguros para doentes com contraindicações quando a dose administrada e a duração do tratamento estão em conformidade com as recomendações.

131    Além disso, o PRAC analisou se a introdução de MMR adicionais poderia reduzir o incumprimento das informações sobre o produto para os medicamentos em questão. Como constatou acima no n.° 8, o PRAC concluiu que não foi possível identificar nenhuma MMR adicional nem nenhuma combinação de MMR que assegurasse suficientemente uma utilização segura dos medicamentos em questão.

132    Em quinto lugar, o PRAC e, seguidamente, o CMDh concluíram que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão já não era favorável, visto que o risco associado ao uso desses medicamentos prevalecia sobre os benefícios. Por conseguinte, o PRAC e, seguidamente, o CMDh recomendaram a suspensão das AIM dos medicamentos em questão. Através da decisão impugnada, a Comissão, depois de ter consultado o Comité Permanente dos Medicamentos para Uso Humano, seguiu esta recomendação.

133    À luz das considerações que figuram nos n.os 110 a 119, supra, e à luz dos argumentos invocados pelas recorrentes, é, portanto, necessário examinar se a argumentação destas demonstra que as conclusões científicas que figuram no anexo II da decisão impugnada enfermam de um erro manifesto de apreciação quanto à avaliação da relação risco‑benefício que, consequentemente, implica a ilegalidade da decisão impugnada baseada nessas conclusões.

1)      Quanto ao estabelecimento do risco associado ao uso de um medicamento sem AIM

134    Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão é favorável. Existem numerosos dados clínicos que confirmam a eficácia e a inocuidade desses medicamentos. Relatórios periódicos atualizados de segurança estabelecem regularmente um perfil de segurança robusto. De resto, o próprio PRAC confirmou em 2021 que a relação risco‑benefício continuava a ser a mesma. A utilização dos medicamentos em questão só suscitou preocupações no plano da segurança para os doentes que sofrem de sépsis, de insuficiência renal ou que se encontram num estado crítico. Em 2013, não houve nenhum elemento de apreciação científica que referisse uma relação risco‑benefício não favorável no que respeita a outras populações de doentes (por exemplo, em cirurgia e em traumatologia) e, portanto, não foi examinado. As recorrentes alegam que não existe nenhum alerta de segurança devido a uma utilização conforme à AIM. Em apoio desta afirmação, as recorrentes invocam numerosos dados, incluindo publicações científicas recentes, orientações da sociedade de anestesiologia e de medicina de cuidados intensivos alemã (Deutsche Gesellschaft für Anästhesiologie und Intensivmedizin) e de outras orientações médicas. As conclusões científicas não têm em conta estes elementos de prova. O estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022 também não sugere que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão não é favorável no âmbito de uma utilização conforme com a indicação aprovada.

135    Em segundo lugar, a Comissão não faz uma distinção suficiente entre a utilização sem AIM em doentes que apresentam um estado crítico e a utilização sem AIM no âmbito de outras indicações não associadas a riscos de segurança.

136    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a relação risco‑benefício considerada favorável em 2013 para a indicação revista deveria ter sido examinada para os doentes em cirurgia eletiva e em traumatologia. Os estudos PHOENICS e TETHYS foram, respetivamente, realizados a fim de fornecer outros elementos de apreciação nessas populações de doentes. Enquanto se aguardavam os relatórios de ensaios clínicos destes dois estudos, nenhum elemento clínico ou científico permitiu considerar que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão não era favorável para uma utilização conforme com a indicação aprovada.

137    No âmbito das suas observações sobre o articulado de intervenção apresentado pela EMA, as recorrentes indicam que os estudos PHOENICS e TETHYS passaram a estar disponíveis. Esses estudos provam a inocuidade e a eficácia dos produtos que contêm HEA e que a decisão impugnada era injustificada. Por outro lado, as condições para levantar a suspensão previstas no anexo III da decisão impugnada estão preenchidas, como parece reconhecer a própria Comissão nos n.os 88 e 89 da sua tréplica, graças aos dados resultantes desses estudos.

138    O estudo PHOENICS, relativo aos doentes em cirurgia eletiva, demonstra a «não inferioridade» de uma solução HEA equilibrada moderna relativamente a uma solução eletrolítica apropriada em termos de segurança. Mostra também que o primeiro produto é mais eficaz do que o segundo na estabilização hemodinâmica e do equilíbrio hidrosódico.

139    O estudo TETHYS, relativo aos doentes em traumatologia, demonstra que a solução HEA equilibrada moderna não é inferior à solução eletrolítica no que respeita ao critério de avaliação principal combinado da mortalidade a 90 dias e da insuficiência renal a 90 dias.

140    Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada se baseia nos resultados do estudo CHEST realizado em 2012, cuja fiabilidade foi posta em causa, nomeadamente, por um comité de peritos ad hoc da EMA e que suscitou críticas no seio da comunidade científica. Além disso, os resultados desse estudo já não são pertinentes.

141    Com efeito, primeiro, os volumes de HEA utilizados no âmbito desse estudo, bem como no âmbito dos estudos VISEP e 6S, são muito mais importantes do que os utilizados na prática clínica atual.

142    Segundo, estes estudos já não refletiriam a prática clínica atual, na medida em que a duração mediana de tratamento atual, na sequência das medidas aplicadas em 2013 e em 2019, seria muito curta e limitada a uma única prescrição em quase todos os doentes.

143    Terceiro, a nova análise do estudo CHEST estava viciada, designadamente pelo facto de ter sido efetuada por quase todos os mesmos autores que realizaram o estudo original sem que os dados originais tivessem sido comunicados, como o redator‑adjunto do British Medical Journal, Peter Doshi, destacou no artigo fornecido no anexo A.28 da réplica. O estudo de Kajdi  e o., 2014, citado pelo PRAC no seu relatório de avaliação de 2018, não diz respeito nem ao estudo CHEST nem ao HEA.

144    A Comissão, apoiada pela EMA, contesta estes argumentos.

145    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral constata que a decisão impugnada assenta na consideração de que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão não é favorável devido aos riscos resultantes do uso desses medicamentos sem AIM. A este respeito, resulta das conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada, e mais especificamente da conclusão global, que o PRAC considerou que esse relatório já não era favorável atendendo à gravidade dos problemas de segurança e à proporção de doentes que apresentavam contraindicações, incluindo os doentes em estado crítico, com insuficiência renal ou que sofriam de sépsis que continuavam, porém, a estar expostos a riscos resultantes do uso de medicamentos que contêm HEA, incluindo a um risco acrescido de mortalidade. Daqui resulta também que o PRAC considerava que o cumprimento das MMR estabelecidas em 2013 e em 2018 era essencial para assegurar uma relação risco‑benefício favorável para os medicamentos em questão.

146    A circunstância de a decisão impugnada assentar em riscos associados ao uso sem AIM, nomeadamente nos doentes que apresentam contraindicações, é conforme com o artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, como decorre das considerações que figuram acima nos n.os 77 a 106. São, portanto, inoperantes os argumentos das recorrentes segundo os quais a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão seria favorável se apenas se tivesse tido em conta a utilização conforme com a AIM dos medicamentos em questão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2000, EFMA/Conselho, C‑46/98 P, EU:C:2000:474, n.° 38).

147    Em segundo lugar, o argumento segundo o qual a Comissão não fez uma distinção suficiente entre a utilização sem AIM em doentes que apresentam um estado crítico e a utilização sem AIM no âmbito de outras indicações não associadas a riscos de segurança, deve ser rejeitado. Com efeito, como acima se observa no n.° 129, o PRAC exprimiu designadamente sérias preocupações quanto a uma taxa elevada de incumprimento das contraindicações. Por outro lado, o PRAC constatou que, tendo em conta o facto de ter sido demonstrado um prejuízo grave nos doentes com um sépsis, uma insuficiência renal ou um estado crítico, a proporção significativa de utilização de soluções para perfusão à base de HEA nessas populações suscitava preocupações importantes em matéria de saúde pública.

148    Em terceiro lugar, quanto aos riscos nos doentes que sofrem de sépsis, que apresentam uma insuficiência renal ou que se encontram num estado crítico, resulta das considerações que figuram no n.° 120, supra, que estes foram estabelecidos no âmbito dos processos de consulta de 2012 e de 2013 com base em três estudos e em duas meta‑análises. Por outro lado, como foi constatado no n.° 128, supra, também foram examinados elementos de prova adicionais apresentados pelos titulares das AIM em causa, incluindo novos estudos. Segundo as conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada, estes também não justificavam uma conclusão sobre os benefícios e os riscos dos medicamentos em questão diferente da demonstrada.

149    Nenhum dos argumentos das recorrentes é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

i)      Quanto à não comunicação de efeitos indesejáveis

150    Resulta dos autos que o PRAC, no âmbito do processo de consulta de 2018, examinou e rejeitou o argumento dos titulares das AIM em causa relativo à pretensa não comunicação de efeitos indesejáveis para a segurança dos medicamentos em questão. A este respeito, o PRAC constatou que esses dados eram particularmente difíceis de interpretar. Tendo em conta a natureza dos medicamentos em questão, o facto de estarem no mercado há décadas, as situações em que são utilizados, a saber, em situações de emergência em que os doentes são tratados com multiterapias, e a possibilidade de decorrer um período entre uma exposição aguda à HEA e o aparecimento de uma insuficiência renal ou de uma morte, o PRAC esperava uma taxa considerável de «subnotificação». Assim, este comité concluiu que, tendo em conta os limites da declaração espontânea, os riscos em causa tinham sido estabelecidos e confirmados com base em dados provenientes da ECR e não em declarações espontâneas.

151    As recorrentes só apresentam um argumento a este respeito. Na sua opinião, seria antes de esperar uma «sobrenotificação» tendo em conta o facto de os medicamentos em questão serem utilizados em situações em que os doentes são tratados com multiterapias e devido à difusão de várias comunicações diretas aos profissionais de saúde.

152    Este argumento não demonstra que os dados resultantes das declarações espontâneas são mais fiáveis do que os ECR e as meta‑análises em que se baseiam as conclusões científicas e não é suscetível de demonstrar que a decisão de determinar os riscos com base nos ECR e nas meta‑análises e não nos dados resultantes das declarações espontâneas era manifestamente errada.

ii)    Quanto à fiabilidade do estudo CHEST

153    Antes de mais, resulta dos autos que o PRAC, no seu relatório de avaliação de 2018, examinou as preocupações relativas à condução do estudo CHEST manifestadas por certas partes interessadas. O PRAC indicou também que, na sua análise anterior, tinha sublinhado os potenciais limites desse estudo. No entanto, nesse mesmo relatório de avaliação, o PRAC concluiu que, na análise independente deste estudo levada a cabo pelo Duke Clinical Research Institute, tinham sido observadas pequenas diferenças relativamente a alguns resultados secundários e terciários, mas que estas não tinham tido impacto nas conclusões. O PRAC considerou que esta nova análise era suficientemente tranquilizadora e que confirmava os principais resultados do estudo CHEST.

154    A este respeito, é certo que, na página 26 do relatório de avaliação de 2018, é erradamente indicado que a análise efetuada pelo Duke Clinical Research Institute foi realizada por «Kajdi, M.E. et al.» em «2014». No entanto, trata‑se de um erro de escrita, como resulta nomeadamente da referência aos autores e ao ano de publicação («Patel, A., et al., 2017») que seguidamente figura nessa mesma página e na lista das referências desse relatório.

155    Em seguida, a mera circunstância de o estudo CHEST ter sido criticado no seio da comunidade científica não é suscetível de demonstrar que a apreciação do PRAC baseada na referida análise é manifestamente errada, nomeadamente porque toma em consideração certos limites desse estudo.

156    Por último, as recorrentes não apresentam nenhum argumento que ponha em causa o conteúdo dessa nova análise nem da sua apreciação pelo PRAC, limitando‑se a contestar a independência dessa análise. Todavia, resulta do artigo de P. Doshi fornecido no anexo A.28 da réplica, no qual as recorrentes se baseiam, que apenas três dos oito autores da análise independente tinham igualmente participado no estudo CHEST e que, segundo o New England Journal of Medicine, que publicou a análise, estes autores do estudo CHEST apenas estiveram envolvidos na nova análise independente deste estudo com vista unicamente a confirmar que os dados tinham sido corretamente recebidos e que os elementos de dados tinham sido corretamente identificados. Nestas circunstâncias, as recorrentes não demonstraram que o PRAC não se podia basear na análise em causa.

157    Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos das recorrentes relativos à fiabilidade do estudo CHEST.

iii) Quanto à inexistência de dados baseados na posologia revista

158    O argumento das recorrentes segundo o qual os resultados do estudo CHEST assim como os dos estudos VISEP e 6S já não são pertinentes na medida em que já não refletem a prática clínica atual relativa à posologia, deve ser rejeitado. Com efeito, foi decidido em 2013, nomeadamente com base nesses estudos, que certos doentes não deviam receber nenhum tratamento com os medicamentos em questão. Por outro lado, as recorrentes não contestaram esta decisão na altura. Assim, não podem pôr em causa esta decisão no âmbito do novo procedimento que conduziu à adoção da decisão impugnada.

159    É certo que incumbe à Comissão provar que as condições relativas à suspensão das AIM em questão, enunciadas no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, estão preenchidas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2013, Acino/Comissão, T‑539/10, não publicado, EU:T:2013:110, n.° 79) e que a adoção de uma decisão de suspensão das AIM só se justifica se essa decisão for apoiada por dados científicos ou médicos objetivos e novos (v. Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:C:2019:624, n.° 49 e jurisprudência referida). Todavia, esta circunstância não significa que a Comissão não está autorizada a utilizar dados que foram utilizados em processos anteriores para fundamentar as mesmas conclusões. No caso em apreço, a Comissão não se afastou das conclusões anteriores relativas aos riscos demonstrados adotados nesses processos. Em contrapartida, a decisão impugnada baseia‑se na nova conclusão de que as MMR não são suficientemente eficazes para tornar a relação risco‑benefício favorável. A este respeito, a Comissão baseou‑se em novos dados, a saber, os decorrentes do último estudo de utilização do medicamento relativo à eficácia das MMR.

160    Por conseguinte, importa concluir que foi corretamente que a Comissão se baseou, na decisão impugnada, em certos resultados e em certas conclusões dos processos anteriores.

iv)    Quanto aos estudos PHOENICS e TETHYS

161    Os estudos PHOENICS e TETHYS, cujos relatórios foram fornecidos pelas recorrentes nos anexos A.29 e A.30 das suas observações sobre os articulados de intervenção apresentados pela Irlanda e pela EMA, apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de março de 2023, foram concluídos, respetivamente, em 6 de julho e em 25 de junho de 2022. Os relatórios apresentados datam, respetivamente, de 16 e de 17 de fevereiro de 2023.

162    Ora, segundo a jurisprudência, no âmbito de um recurso de anulação baseado no artigo 263.° TFUE, a legalidade dos atos da União contestados deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que esses atos foram adotados (Acórdão de 20 de setembro de 2019, PlasticsEurope/ECHA, T‑636/17, EU:T:2019:639, n.° 217).

163    Ora, os relatórios dos estudos PHOENICS e TETHYS não estavam disponíveis no momento da adoção da decisão impugnada, ou seja, em 24 de maio de 2022, e não podiam, portanto, ser tomados em consideração pela Comissão.

164    Por conseguinte, os argumentos das recorrentes relativos a estes dois estudos são inoperantes no âmbito do presente litígio.

2)      Quanto à necessidade médica e aos tratamentos alternativos

165    As recorrentes sustentam que os tratamentos alternativos aos medicamentos em questão são menos avaliados, potencialmente menos seguros e não satisfazem a necessidade médica existente. As conclusões científicas não têm isso em conta. O HEA é seguro e melhor do que os cristaloides, como foi demonstrado no estudo Chappell e o. 2021, cujos excertos são apresentados no anexo A.25 da petição. A utilização excessiva de cristaloides está associada a riscos acrescidos para a saúde dos doentes. Além disso, os coloides sintéticos alternativos foram objeto de menos estudos do que a HEA e, provavelmente, não constituem melhores alternativas.

166    A Comissão contesta estes argumentos.

167    A este respeito, resulta dos autos que o PRAC, no âmbito do processo de consulta de 2018, ao abrigo do artigo 107.°‑I da Diretiva 2001/83, conforme alterada, examinou e discutiu a questão de saber se a suspensão das AIM dos medicamentos em questão daria lugar a uma necessidade médica não satisfeita. O PRAC tomou em consideração, nomeadamente, as informações apresentadas pelos Estados‑Membros e pelo Reino da Noruega, bem como os pareceres dos titulares das AIM dos medicamentos em questão.

168    O PRAC examinou mais especificamente os argumentos invocados por oito Estados‑Membros segundo os quais a suspensão das AIM dos medicamentos em questão poderia ter impacto nas práticas clínicas nacionais, uma vez que os medicamentos em questão respondiam nesse momento a uma necessidade médica no seu território. A este respeito, o PRAC examinou e rejeitou, nomeadamente, o argumento segundo o qual a utilização dos medicamentos em questão pode ser pertinente para os doentes que apresentam um risco acrescido de sobrecarga hídrica e de edema tissular, tendo em conta o efeito de economia volémica reivindicado.

169    O PRAC também examinou os argumentos apresentados por seis Estados‑Membros segundo os quais a relação risco‑benefício das alternativas aos medicamentos em questão não era melhor. A este respeito, constatou que esta afirmação não era sustentada por dados pertinentes. O PRAC analisou, nomeadamente, dois estudos, a saber, o estudo Ripollés  e o., de 2016, e o estudo Ertmer e o., de 2018, apresentados por um Estado‑Membro. Concluiu que a eventualidade de não ser satisfeita uma necessidade médica em caso de suspensão das AIM dos medicamentos em questão não estava demonstrada.

170    Por outro lado, como acima se observa no n.° 128, resulta das conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada que o PRAC examinou elementos de prova adicionais fornecidos pelos titulares das AIM em causa, nomeadamente os estudos de Gupta, de 2021, de Suzuki, de 2020, de Kwak, de 2018, de Nizar, de 2020, de Mahrouse, de 2021, e de Lee, de 2021, no âmbito dos quais foram comparadas soluções que continham HEA, quer com a albumina quer com os cristaloides. No que se refere, mais especificamente, à meta‑análise de Chappell de 2021 em que as recorrentes se baseiam em apoio da sua argumentação, o PRAC constatou que já tinha avaliado a maior parte dos ensaios clínicos que comparavam soluções que continham HEA com cristaloides nessa meta‑análise que tinham sido publicados antes do processo de consulta de 2017. Em seu entender, os quatro artigos que foram publicados depois de 2018 não identificaram um risco acrescido de toxicidade renal nos doentes tratados com produtos contendo 6 % de HEA. Como já foi observado no n.° 128, supra, o PRAC concluiu que esses dados não punham em causa os benefícios e riscos dos medicamentos em questão tal como tinham sido estabelecidos e que esses dados não continham informação significativa relativa a uma alteração potencial do seu perfil de segurança.

171    Por último, resulta também das conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada que o CMDh examinou e rejeitou certas contribuições de terceiros, recebidas após a adoção da recomendação do PRAC, relativas, nomeadamente, ao perfil de segurança e à pertinência dos medicamentos em questão entre as opções terapêuticas para o tratamento da hipovolemia. Assim, como a Comissão alega, sem que este ponto tenha sido contestado pelas recorrentes, nessas contribuições os terceiros afirmavam que os produtos que continham HEA apresentavam uma melhor relação risco‑benefício e uma melhor disponibilidade do que os tratamentos de substituição.

172    Como indicado nas conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada, o CMDh concluiu que essas observações não tinham incidência nas conclusões globais e na recomendação do PRAC.

173    As recorrentes limitam‑se a invocar um outro parecer relativo à necessidade médica e aos tratamentos alternativos, fazendo referência, nos n.os 59 e 60 da petição, a um certo número de publicações em apoio do seu argumento. No entanto, a sua argumentação na petição é genérica e não faz referência às considerações detalhadas do PRAC e do CMDh, e as recorrentes não explicam em que medida essas considerações são manifestamente erradas.

174    Por conseguinte, o seu argumento de que as alternativas aos medicamentos em questão não apresentam uma melhor relação risco‑benefício e de que as conclusões científicas em que a decisão impugnada se baseia não as tomam em consideração, não pode ser acolhido.

3)      Quanto à eficácia das MMR

175    Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que o estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022 mostra que a posologia revista é respeitada em quase 100 %. Além disso, esse estudo tende a indicar que as contraindicações são respeitadas pela grande maioria dos profissionais de saúde que participaram no estudo, com exceção de dois estabelecimentos em Itália que, entretanto, perderam a sua acreditação para utilizar os medicamentos em questão. Afigura‑se que, na maior parte dos países, as prescrições dos medicamentos em questão efetuadas apesar de uma contraindicação constituem a exceção e não a regra. Segundo as recorrentes, tal utilização sem AIM não pode ser extrapolada para outros países que não participaram no estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022. Além disso, as conclusões científicas mostram que a taxa mais elevada de incumprimento, a saber, a verificada na Bélgica, estava principalmente relacionada com a utilização de pequenas doses em partos por cesariana que não está associada a um risco particular para as doentes, mas que tem benefícios, como demonstram vários estudos e publicações e a orientação S 3 «[t]erapia volémica intravascular no adulto» adotada por 14 sociedades alemãs.

176    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a eficácia das MMR é confirmada pelo facto de o número total de unidades de medicamentos vendidos ter diminuído significativamente.

177    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que o incumprimento das MMR não deve ser tomado em consideração, uma vez que não são responsáveis por isso e porque o direito da União não se aplica.

178    A Comissão, apoiada pela EMA, contesta estes argumentos.

i)      Quanto à representatividade da amostra tida em conta no âmbito do estudo de utilização do medicamento avaliada em 2022

179    Os estudos como o estudo de utilização do medicamento em causa são realizados por defeito numa amostra representativa da população‑alvo, como corretamente alega a EMA.

180    Neste estudo de utilização do medicamento participaram 32 hospitais situados em nove Estados‑Membros, a saber, a Bélgica, a República Checa, a França, a Alemanha, a Hungria, a Itália, a Polónia, a Espanha e os Países Baixos.

181    Como resulta do protocolo do estudo, esta amostra composta por esses nove Estados‑Membros foi proposta pelas próprias recorrentes. As conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada evidenciam que o PRAC examinou a representatividade dessa amostra, que considerou que representava uma repartição generalizada na União e que a representatividade da amostra tinha sido confirmada pelo facto de a exclusão do sítio que possui o maior número de doentes, numa análise de sensibilidade post hoc, não ter tido efeito pertinente nos resultados globais. O PRAC concluiu que o estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022 era representativo da sua utilização principal clínica na União.

182    O simples facto de as taxas de incumprimento das informações sobre o produto, incluindo as contraindicações, variarem significativamente entre os diferentes sítios nos diferentes Estados‑Membros não é suscetível de demonstrar que a amostra não era representativa ou que deveria ter sido selecionada uma amostra mais ampla.

183    Dado que as recorrentes não invocaram outros argumentos a este respeito, não há que pôr em causa a conclusão, que figura nas conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada, segundo a qual a amostra tida em conta no âmbito do estudo de utilização do medicamento avaliada em 2022 era representativa.

ii)    Quanto à inexistência de MMR eficazes

184    No que se refere ao cumprimento das MMR instituídas e à inexistência de MMR eficazes para fazer face aos riscos constatados, resulta do considerando 2 da decisão impugnada que o PRAC concluiu que o desrespeito das informações sobre o produto persistia apesar das importantes MMR adicionais implementadas no termo do processo de consulta concluído em 2018. Por outro lado, resulta do considerando 3 da decisão impugnada que este também concluiu pela inexistência, no momento da adoção da decisão impugnada, de MMR suscetíveis de melhorar esta situação de forma eficaz. Esta última constatação visa simultaneamente as MMR existentes e as MMR adicionais propostas.

185    O PRAC examinou, nomeadamente, várias MMR adicionais propostas, a saber, uma alteração das informações sobre o produto e do programa de acesso controlado com vista a fornecer produtos que contêm HEA apenas aos hospitais acreditados e aos profissionais de saúde formados para a utilização segura dos produtos, uma carta de compromisso, uma revisão do material de formação, uma certificação anual e testes pós‑formação obrigatórios para os profissionais de saúde, uma certificação anual dos hospitais, mais comunicação por parte dos titulares das AIM aos profissionais de saúde, bem como uma entrega dos medicamentos em questão em quatro Estados‑Membros limitada aos hospitais que possuam uma taxa de incumprimento inferior a 20 % com base nas informações relativas à indicação e às contraindicações a incluir numa base de dados relativa a cada doente tratado.

186    A este respeito, o PRAC constatou que resultava das informações obtidas durante o presente processo de consulta que a inobservância das informações sobre o produto não se devia apenas a uma falta de sensibilização para as MMR, o que, em seu entender, tornava provavelmente ineficazes a implementação de certas MMR propostas, como a comunicação e a formação. O PRAC considerou também que uma maior complexidade poderia até ter um resultado oposto, ou seja, menor cumprimento das informações sobre o produto. Segundo o PRAC, devido à nova redução esperada do número de sítios acreditados e ao interesse limitado dos sítios em participar nos estudos de utilização dos medicamentos, a realização de outro estudo para medir o cumprimento das MMR revistas adicionais propostas podia não produzir resultados significativos, o que não permitiria medir se os futuros doentes seriam tratados em conformidade com o que é indicado nas informações sobre o produto.

187    Nenhum dos argumentos das recorrentes é suscetível de demonstrar um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão.

188    Em primeiro lugar, pelas razões expostas nos n.os 79 a 105, supra, há que rejeitar o argumento das recorrentes de que a Comissão não devia ter tomado em consideração o desrespeito das MMR em vigor no momento da adoção da decisão impugnada, uma vez que não são responsáveis por isso e que o direito da União não é aplicável.

189    Em segundo lugar, quanto ao argumento das recorrentes de que a eficácia das MMR existentes no momento da adoção da decisão impugnada é confirmada pelo facto de o número total de unidades de medicamentos vendidos ter diminuído significativamente, há que observar que resulta das conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada que o PRAC teve em conta a diminuição das vendas dos medicamentos em questão no espaço económico europeu. A este respeito, o PRAC considerou que resultava dos volumes das vendas que, apesar dessa diminuição, um número considerável de doentes estava sempre exposto aos medicamentos em questão, mesmo tendo em conta o facto de a posologia reduzida ser, em geral, respeitada e, por conseguinte, de as quantidades utilizadas por doente serem reduzidas. Segundo o PRAC, esta circunstância suscitava preocupações face às elevadas taxas de incumprimento das restrições‑chave, como a indicação e as contraindicações. As recorrentes não apresentam nenhum argumento suscetível de pôr em causa estas considerações.

190    Em terceiro lugar, é certo que resulta dos autos que o último estudo de utilização do medicamento tinha revelado uma diminuição, qualificada de «considerável» no referido estudo, taxas de inobservância das informações sobre o produto e, nomeadamente, taxa de desrespeito das contraindicações. No entanto, resulta das conclusões científicas em que se baseia a decisão impugnada que, nomeadamente, a taxa de inobservância das contraindicações foi considerada como ainda sendo demasiado elevada.

191    A este respeito, as conclusões científicas sublinham que o nível de incumprimento deve ser proporcional aos riscos estabelecidos. Ora, tendo em conta a gravidade do prejuízo demonstrado nos doentes que apresentam sépsis, insuficiência renal ou um estado crítico, a mera circunstância de a taxa de incumprimento das contraindicações ter evoluído de forma positiva não é suficiente para retirar plausibilidade à apreciação de que a proporção significativa de utilização de soluções para perfusão à base de HEA nessas populações suscita sempre preocupações importantes em matéria de saúde pública.

192    Tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 116 e seguintes, supra, e mais especificamente a importância do objetivo prosseguido, a saber, a proteção da saúde pública, bem como a gravidade dos riscos estabelecidos que incluem um risco caracterizado de mortalidade, esta apreciação não é manifestamente errada. Além disso, o juiz da União não está habilitado a pôr em causa tal apreciação fixando ele próprio uma taxa de inobservância das contraindicações que, em seu entender, ainda seria aceitável atendendo aos riscos para a saúde pública.

193    Em quarto lugar, quanto às MMR adicionais propostas, nos termos do artigo 104.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2010/84, os titulares de AIM, com base no sistema de farmacovigilância, procedem à avaliação científica de todas as informações, ponderam opções de minimização e prevenção dos riscos e tomam as medidas reguladoras necessárias.

194    Daqui resulta que incumbe às recorrentes propor MMR adicionais eficazes para responder aos riscos constatados e, nomeadamente, aos riscos para a saúde pública resultantes da utilização dos medicamentos em questão em doentes que apresentam contraindicações.

195    As recorrentes não apresentam nenhum argumento suscetível de pôr em causa a consideração de que a inobservância das informações sobre o produto não se devia a uma falta de conhecimento dos profissionais de saúde e, portanto, a conclusão de que as MMR adicionais que consistem em providenciar mais formação não são provavelmente eficazes (v. n.° 186, supra).

196    Além disso, no que respeita mais especificamente à MMR proposta pelas recorrentes numa explicação oral de 7 de fevereiro de 2022, a saber, a de fornecer os medicamentos em questão em quatro Estados‑Membros apenas aos hospitais que possuem uma taxa de inobservância inferior a 20 % com base em informações relativas à indicação e às contraindicações a incluir numa base de dados respeitante a cada doente tratado, resulta das conclusões científicas em que a decisão impugnada se baseia que os titulares das AIM não tinham apresentado uma avaliação da sua viabilidade técnica. Segundo estas conclusões, o PRAC mantinha as suas dúvidas quanto ao impacto potencial desta MMR na redução dos riscos, na sua viabilidade e no facto de esta MMR resultar num encargo administrativo adicional nas circunstâncias da prática clínica em que as decisões devem ser tomadas rapidamente.

197    Atendendo ao facto de que incumbia às recorrentes propor MMR adicionais suscetíveis de serem eficazes para fazer face aos riscos constatados, foi sem cometer um erro manifesto de apreciação que a Comissão adotou a decisão impugnada sem esperar, mais uma vez, os resultados de uma tentativa adicional de implementar MMR adicionais baseadas numa abordagem semelhante à das MMR já existentes.

198    Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, o primeiro e segundo fundamentos são julgados improcedentes na íntegra.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

199    As recorrentes alegam que a decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade.

200    Em primeiro lugar, alegam que a suspensão das AIM dos medicamentos em questão não contribui para a segurança do doente, mas tem o efeito oposto. Os medicamentos alternativos não apresentam uma melhor relação risco‑benefício à luz dos dados científicos disponíveis. As orientações relativas à utilização de medicamentos que contêm HEA, à semelhança da fornecida no anexo A.19 da petição, dão indicações sobre a utilização segura desses medicamentos e confirmam o seu valor terapêutico. O HEA é seguro e comporta vantagens em relação aos cristaloides e aos coloides sintéticos alternativos que foram objeto de menos estudos do que o HEA e, provavelmente, não são melhores alternativas.

201    Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada é desproporcionada na medida em que o desrespeito verificado dos termos das AIM pode ser suficiente e efetivamente sanado com a adoção das MMR adicionais, como as que propuseram no decurso do procedimento. Estas medidas foram concebidas com o objetivo de dissuadir os profissionais de saúde de utilizarem os medicamentos em questão sem AIM e para que todos os estabelecimentos de saúde que não respeitassem as MMR deixassem de ser abastecidos. O argumento de que o desrespeito das restrições resulta da escolha deliberada dos profissionais de saúde não permite rejeitar a adoção de tais medidas, uma vez que qualquer utilização sem AIM é da responsabilidade desses profissionais. As recorrentes sublinham que, no caso em apreço, a utilização sem AIM em contraindicação diminuiu de forma evidente em virtude de uma comunicação direta aos profissionais de saúde, a formação e a supervisão.

202    Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que a suspensão é desproporcionada e inadequada na medida em que tornou obsoletos os estudos PHOENICS e TETHYS que estavam em curso. Em seu entender, era necessário esperar, na falta de comunicação de efeitos indesejáveis, os resultados desses estudos que teriam por objetivo atualizar novos elementos de apreciação relativos à segurança e à utilização efetiva do produto.

203    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que a suspensão ordenada à escala da União é desproporcionada na medida em que, segundo as próprias conclusões do PRAC, não há utilização sem AIM à escala da União nos doentes que sofrem de sépsis ou que se encontram num estado crítico. O desrespeito observado num Estado‑Membro não pode ser extrapolado para outros Estados‑Membros, dado que as constatações feitas nos nove Estados‑Membros selecionados divergem significativamente.

204    A Comissão, apoiada pela Irlanda e pela EMA, conclui pela improcedência do terceiro fundamento.

205    O princípio da proporcionalidade é reconhecido por jurisprudência constante como fazendo parte dos princípios gerais do direito da União. Por força deste princípio, os atos das instituições da União não devem ultrapassar os limites do adequado e necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pela medida em causa, entendendo‑se que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, EU:C:1990:391, n.° 13; de 5 de maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, EU:C:1998:192, n.° 96, e de 11 de dezembro de 2014, PP Nature‑Balance Lizenz/Comissão, T‑189/13, não publicado, EU:T:2014:1056, n.° 111).

206    No que respeita à fiscalização jurisdicional destas condições no caso em apreço, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, as decisões relativas à aplicação dos critérios da eficácia, da segurança e da qualidade de um medicamento são o resultado de apreciações complexas do domínio médico‑farmacológico, que são objeto de uma fiscalização jurisdicional restrita. Com efeito, quando uma instituição da União é chamada a efetuar avaliações complexas, dispõe de um amplo poder de apreciação cujo exercício está sujeito a uma fiscalização jurisdicional que se limita a verificar se a medida em causa não padece de erro manifesto ou de desvio de poder ou se a autoridade competente não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 23 de setembro de 2020, BASF/Comissão, T‑472/19, não publicado, EU:T:2020:432, n.° 109 e jurisprudência referida).

207    Para apreciar o respeito pelo princípio da proporcionalidade no âmbito da saúde pública, há que ter em conta o facto de que a saúde e a vida das pessoas ocupam a primeira linha entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado FUE (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Vanda Pharmaceuticals /Comissão, T‑211/18, EU:C:2019:892, n.° 154 e jurisprudência referida).

208    O Tribunal Geral declarou que, atendendo, precisamente, à exclusividade dos critérios de segurança, eficácia e qualidade consagrados no âmbito do sistema de harmonização da concessão e da gestão das AIM de medicamentos da União, é unicamente à luz desses critérios que se aprecia a proporcionalidade de uma medida de suspensão ou revogação de uma AIM. Daqui se conclui que os interesses relevantes no âmbito da fiscalização da proporcionalidade se identificam com os interesses conexos com a proteção da saúde pública, considerados aquando da aplicação da regulamentação relevante (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Vanda Pharmaceuticals/Comissão, T‑211/18, EU:C:2019:892, n.° 155 e jurisprudência referida).

a)      Quanto ao objetivo prosseguido pela decisão impugnada

209    No respeitante, antes de mais, ao objetivo da decisão impugnada, resulta do considerando 3 que esta foi adotada pela Comissão para fazer face a riscos significativos para a saúde pública. Este objetivo está em conformidade com o objetivo essencial da Diretiva 2001/83, conforme resulta do seu considerando 2.

210    O argumento das recorrentes de que a decisão impugnada não contribui para a segurança do doente, dado o valor terapêutico dos medicamentos em questão e o facto de a relação risco‑benefício dos medicamentos alternativos não ser melhor, não põe em causa esta conclusão. Com efeito, a suspensão das AIM em questão contribui efetivamente para assegurar a proteção da saúde pública, nomeadamente na medida em que impede que os doentes que apresentam certas contraindicações sejam tratados com estes medicamentos e corram sérios riscos para a sua saúde, incluindo um risco de mortalidade.

b)      Quanto à existência de medidas menos restritivas

211    Em seguida, atendendo à argumentação apresentada pelas recorrentes, é necessário examinar se, no caso em apreço, existe ou não outra medida adequada, mas menos restritiva.

1)      Quanto à adoção de MMR adicionais

212    As recorrentes consideram que os riscos em questão podem ser suficiente e efetivamente sanados e, mais especificamente, o risco de desrespeito das contraindicações através da adoção de MMR adicionais.

213    Primeiro, o artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, prevê três possibilidades para uma autoridade competente quando verifique que a relação risco‑benefício de um medicamento não é favorável. Em tal situação, a autoridade competente pode suspender, revogar ou alterar a AIM em causa. Ao prever estas três opções de intensidade diferente, o legislador da União teve em conta o princípio da proporcionalidade.

214    Assim, a autoridade competente deve recorrer, num primeiro momento, à alteração da AIM que constitui a medida menos restritiva de entre as previstas no artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, conforme alterada, desde que essa alteração constitua uma medida adequada.

215    Segundo, eventuais medidas menos restritivas relativamente à medida adotada só podem ser tomadas em consideração no âmbito da fiscalização da proporcionalidade se forem igualmente aptas a realizar o objetivo prosseguido pelo ato controvertido adotado pela instituição da União (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de dezembro de 2004, Arnold André, C‑434/02, EU:C:2004:800, n.° 55; de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, EU:C:2004:802, n.° 56; e de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.° 180).

216    Ora, já se constatou, nos n.os 184 e seguintes, supra, que as conclusões relativas à inexistência de MMR adicionais eficazes não enfermam de nenhum erro manifesto de apreciação. Por conseguinte, o argumento das recorrentes de que podia ser suficiente e efetivamente sanado o desrespeito constatado pela adoção de MMR adicionais também não pode ser acolhido no âmbito do fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade.

2)      Quanto aos estudos PHOENICS e TETHYS

217    No caso em apreço, a decisão impugnada prevê expressamente, no anexo III, a possibilidade de os titulares das AIM dos medicamentos em questão fornecerem provas sólidas que demonstrem uma relação risco‑benefício favorável numa população de doentes clinicamente pertinente, a fim de levantar a suspensão. Por conseguinte e como se concluiu no n.° 66, supra, se se verificar que os dados resultantes dos estudos PHOENICS e TETHYS são suscetíveis de tornar a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão favorável, as recorrentes poderão submetê‑los com o objetivo de obter o levantamento da suspensão. Aliás, resulta dos n.os 125 e 126, supra, que a realização desses estudos era uma condição para a manutenção da AIM e que os seus resultados finais deviam estar disponíveis no final de 2016. Nestas condições, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o princípio da proporcionalidade ao adotar a decisão impugnada sem esperar que esses resultados estivessem disponíveis. Se essa acusação fosse admitida, bastaria, com efeito, a qualquer titular de AIM diferir a realização de um estudo de segurança que condicionasse a manutenção no mercado de um medicamento para obter a declaração e, sendo caso disso, punir a indisponibilidade dos resultados desse estudo.

218    Por conseguinte, os argumentos das recorrentes de que a decisão impugnada é desproporcionada e inadequada por ter sido adotada antes de os resultados dos estudos PHOENICS e TETHYS estarem disponíveis não têm fundamento.

c)      Quanto à existência de inconvenientes desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos

219    Por último, há que examinar, à luz dos argumentos invocados pelas recorrentes, se a decisão impugnada causa inconvenientes desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos.

1)      Quanto à suspensão das AIM dos medicamentos em questão à escala da União

220    Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual a suspensão das AIM dos medicamentos em questão à escala da União é desproporcionada na medida em que não existe utilização sem AIM à escala da União nos doentes que sofrem de sépsis ou que se encontram num estado crítico, o Tribunal Geral constata o seguinte.

221    Como resulta das considerações que figuram acima, nos n.os 179 e seguintes, supra, observa‑se, nas conclusões científicas em que a decisão impugnada se baseia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, que a amostra tida em conta no estudo de utilização do medicamento avaliada em 2022 era representativa da União. Esta conclusão implica que a amostra era representativa de todos os Estados‑Membros, incluindo aqueles em que nenhum sítio tinha participado nesse estudo e daqueles em que os dados provenientes desse estudo demonstravam taxas de inobservância das informações sobre o produto, nomeadamente contraindicações, consideravelmente menos elevadas do que noutros.

222    A mera circunstância de, segundo esse estudo, as taxas de inobservância das informações sobre o produto, nomeadamente as contraindicações, variarem consoante os diferentes sítios nos diferentes Estados‑Membros que participaram no estudo de utilização do medicamento avaliado em 2022 não impedia, portanto, a Comissão de adotar uma medida à escala da União.

223    Por conseguinte, deve ser rejeitado o argumento das recorrentes de que a decisão impugnada é desproporcionada na medida em que os medicamentos em questão não são utilizados à escala da União nos doentes que sofrem de sépsis ou que se encontram num estado crítico.

2)      Quanto aos benefícios dos medicamentos em questão

224    A decisão impugnada também não causa inconvenientes desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos resultantes do facto de a suspensão das AIM dos medicamentos em questão impedir também a sua utilização em doentes que não apresentem contraindicações. Com efeito, resulta das considerações enunciadas no âmbito do exame da segunda parte do primeiro fundamento que a decisão impugnada não está viciada por um erro manifesto de apreciação, nem relativa à conclusão de que a relação risco‑benefício dos medicamentos em questão já não é favorável, nem relativa, em caso de suspensão das AIM, a uma pretensa necessidade médica não satisfeita.

225    Por conseguinte, o argumento das recorrentes relativo ao valor terapêutico dos medicamentos em questão também não pode ser acolhido no âmbito do fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade.

3)      Quanto à possibilidade de levantar a suspensão

226    O argumento das recorrentes, apresentado no âmbito do quarto fundamento, de que a decisão impugnada ordena de facto uma revogação das AIM, também não pode ser acolhido no âmbito do terceiro fundamento.

227    Como se concluiu nos n.os 60 e 61, supra, este argumento assenta na hipótese errada de que as condições para levantar a suspensão previstas no anexo III da decisão impugnada nunca poderiam ser preenchidas. Na realidade, estas condições são formuladas de forma ampla e aberta a fim de permitir às recorrentes fornecer todos os elementos de prova suscetíveis de demonstrar uma relação risco‑benefício favorável para os medicamentos em questão.

4)      Quanto à possibilidade de adiar a execução da suspensão das AIM

228    A possibilidade, prevista no artigo 3.° da decisão impugnada, de adiar provisoriamente a suspensão das AIM em questão também não demonstra a existência de um desequilíbrio entre os inconvenientes associados à suspensão das AIM e os seus objetivos.

229    Primeiro, esta possibilidade continua sujeita a certas condições que visam, nomeadamente, proteger os doentes e que as MMR sejam respeitadas (v. n.° 62, supra). Assim, os riscos para a saúde pública resultantes do uso de medicamentos sem AIM, nomeadamente nos doentes que apresentem contraindicações, são, na medida do possível, minimizados.

230    Segundo, esta possibilidade é uma expressão do princípio da proporcionalidade, na medida em que permite um adiamento nos Estados‑Membros em que ainda é considerado necessário um período transitório, tendo em conta considerações de saúde pública específicas do Estado‑Membro em questão.

231    Resulta de tudo o que precede que atentos todos os argumentos aduzidos pelas recorrentes não resulta que a decisão impugnada ultrapassa os limites do que é adequado e necessário para a realização do objetivo prosseguido.

232    Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente e, portanto, o recurso na sua totalidade.

IV.    Quanto às despesas

233    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias, em conformidade com o pedido desta.

234    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a Irlanda e a EMA suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Fresenius Kabi Austria GmbH e as outras recorrentes indicadas no anexo suportarão as suas próprias despesas e as efetuadas pela Comissão Europeia, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      A Irlanda e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) suportarão as suas próprias despesas.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Laitenberger

Martín y Pérez de Nanclares

 

      Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de maio de 2024.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

II. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à admissibilidade do recurso

B. Quanto à apresentação da contestação

C. Quanto ao mérito

1. Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de fundamentação

2. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada, e ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da precaução

a) Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito resultante de uma interpretação errada do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

1) Quanto à interpretação literal do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

2) Quanto à interpretação contextual do conceito de «relação riscobenefício» que figura no artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

3) Quanto à interpretação do conceito de «relação riscobenefício» tendo em conta o objetivo do artigo 116.° da Diretiva 2001/83, conforme alterada

4) Quanto aos outros argumentos das recorrentes

b) Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação, e quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da precaução

1) Quanto ao estabelecimento do risco associado ao uso de um medicamento sem AIM

i) Quanto à não comunicação de efeitos indesejáveis

ii) Quanto à fiabilidade do estudo CHEST

iii) Quanto à inexistência de dados baseados na posologia revista

iv) Quanto aos estudos PHOENICS e TETHYS

2) Quanto à necessidade médica e aos tratamentos alternativos

3) Quanto à eficácia das MMR

i) Quanto à representatividade da amostra tida em conta no âmbito do estudo de utilização do medicamento avaliada em 2022

ii) Quanto à inexistência de MMR eficazes

3. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a) Quanto ao objetivo prosseguido pela decisão impugnada

b) Quanto à existência de medidas menos restritivas

1) Quanto à adoção de MMR adicionais

2) Quanto aos estudos PHOENICS e TETHYS

c) Quanto à existência de inconvenientes desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos

1) Quanto à suspensão das AIM dos medicamentos em questão à escala da União

2) Quanto aos benefícios dos medicamentos em questão

3) Quanto à possibilidade de levantar a suspensão

4) Quanto à possibilidade de adiar a execução da suspensão das AIM

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.


1   A lista dos outros recorrentes é anexada apenas à versão notificada às partes.