Language of document : ECLI:EU:C:2019:168

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 28 de fevereiro de 2019 (1)

Processo C723/17

Lies Craeynest e o.

contra

Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de língua neerlandesa de Bruxelas, Bélgica)]

«Pedido de decisão prejudicial — Diretiva 2008/50/CE — Qualidade do ar ambiente — Valores‑limite — Localização dos pontos de amostragem — Discricionariedade — Fiscalização jurisdicional — Critérios para a determinação de excedência dos valores‑limite»






I.      Introdução

1.        A cidade de Bruxelas e a cidade de Paris revelaram‑se recentemente paladinos da qualidade do ar, ao lograr a prolação pelo Tribunal Geral da União Europeia de um acórdão que anulou os valores‑limite das emissões de óxido de azoto fixados pela Comissão Europeia para as novas avaliações de veículos ligeiros de passageiros e comerciais em condições de utilização reais (2). Não obstante, no presente processo, vários residentes e uma organização ambiental insurgem‑se contra a Região de Bruxelas‑Capital devido à avaliação da qualidade do ar.

2.        Este processo tem por objeto as medições com base nas quais se determina se são ou não respeitados os ambicionados valores‑limite que permitem assegurar a qualidade do ar ambiente, nos termos da Diretiva 2008/50/CE(3). Impõe‑se esclarecer, por um lado, de que modo a instalação de pontos de amostragem está sujeita ao controlo dos tribunais nacionais e, por outro, se é possível, a partir dos resultados de vários pontos de amostragem, estabelecer um valor médio, a fim de se apreciar se os valores‑limite são ou não respeitados. Neste contexto, a primeira questão, particularmente, assume elevada relevância jurídica, pois implica que se precise a intensidade da fiscalização jurisdicional que os tribunais nacionais têm de assegurar, por força do direito da União.

II.    Quadro jurídico

3.        O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50 refere os seus principais objetivos:

«A presente diretiva estabelece medidas destinadas a:

1.      Definir e fixar objetivos relativos à qualidade do ar ambiente destinadas a evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos para a saúde humana e para o ambiente na sua globalidade;»

4.        O artigo 2.o, pontos 25 e 26, da Diretiva 2008/50 define determinados métodos de medição:

«25.      “Medição fixa”: uma medição efetuada num local fixo, quer de modo contínuo quer por amostragem aleatória, a fim de determinar os níveis de acordo com os objetivos de qualidade dos dados relevantes;

26.      “Medição indicativa”: uma medição que respeita objetivos de qualidade dos dados menos rigorosos do que os definidos para as medições fixas;»

5.        O artigo 6.o da Diretiva 2008/50 contém os critérios de avaliação da qualidade do ar:

«1.      Os Estados‑Membros avaliam a qualidade do ar ambiente relativamente aos poluentes referidos no artigo 5.o em todas as suas zonas e aglomerações, de acordo com os critérios definidos nos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo e no anexo III.

2.      Em todas as zonas e aglomerações onde o nível dos poluentes referidos no n.o 1 exceder o limiar de avaliação superior fixado para esses poluentes, devem utilizar‑se medições fixas para avaliar a qualidade do ar ambiente. Essas medições fixas podem ser completadas por técnicas de modelização e/ou medições indicativas a fim de fornecer informações adequadas sobre a distribuição espacial da qualidade do ar ambiente.

3.      Em todas as zonas e aglomerações onde o nível dos poluentes referidos no n.o 1 for inferior ao limiar de avaliação superior fixado para esses poluentes, pode utilizar‑se uma combinação de medições fixas e de técnicas de modelização e/ou medições indicativas para avaliar a qualidade do ar ambiente.

4.      Em todas as zonas e aglomerações onde o nível dos poluentes referidos no n.o 1 for inferior ao limiar de avaliação inferior fixado para esses poluentes, a utilização de técnicas de modelização ou de medições indicativas ou de ambas é considerada suficiente para avaliar a qualidade do ar ambiente.

[…]»

6.        Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50, a localização dos pontos de amostragem para a medição do dióxido de enxofre, dióxido de azoto e óxidos de azoto, partículas em suspensão (PM10 e PM2,5), chumbo, benzeno e monóxido de carbono no ar ambiente é determinada segundo os critérios estabelecidos no anexo III.

7.        Nos termos do artigo 7.o, n.o 2, e do anexo V da Diretiva 2008/50, o número de pontos de amostragem é determinado em função da população da aglomeração ou zona.

8.        O artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50 obriga os Estados‑Membros a respeitar vários valores‑limite:

«Os Estados‑Membros asseguram que, em todas as suas zonas e aglomerações, os níveis de dióxido de enxofre, PM10, chumbo e monóxido de carbono no ar ambiente não excedam os valores‑limite fixados no anexo XI.

Os valores‑limite de dióxido de azoto e de benzeno fixados no anexo XI não podem ser excedidos a partir das datas fixadas no mesmo anexo.

O cumprimento destes requisitos é avaliado de acordo com o anexo III.

[…]»

9.        O artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50 determina que, em caso de excedência dos valores‑limite em determinada zona ou aglomeração, tenham de ser elaborados planos de qualidade do ar, a fim de se respeitar os valores em causa.

10.      O anexo III, parte B, ponto 1, da Diretiva 2008/50 incide sobre o local das medições realizadas para proteção da saúde humana:

«a)      Os pontos de amostragem focalizados na proteção da saúde humana deverão ser instalados de forma a fornecer dados relativos a:

–        áreas no interior de zonas e aglomerações em que ocorram as concentrações mais elevadas às quais a população possa ser exposta direta ou indiretamente por um período significativo relativamente ao período de referência do(s) valor(es)‑limite;

–        outras áreas no interior das zonas e aglomerações representativas da exposição da população em geral.

b)      Os pontos de amostragem devem, em geral, ser instalados de forma a evitar a realização de medições em microambientes de área muito reduzida na sua vizinhança imediata, o que significa que o ponto de amostragem deve localizar‑se de forma a que o ar recolhido seja representativo da qualidade do ar num segmento de rua de comprimento não inferior a 100 m em zonas de tráfego denso, e não inferior a 250 m × 250 m em zonas industriais, se tal for viável.

[…]

f)      Os pontos de amostragem deverão, sempre que possível, ser também representativos de localizações semelhantes não situadas na sua vizinhança imediata.

[…]»

11.      Resulta dos autos que a Região de Bruxelas‑Capital transpôs corretamente as disposições mais relevantes da Diretiva 2008/50.

III. Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

12.      L. Craeynest, C. Lopez Devaux, F. Mertens, K. Goeyens e K. De Schepper são ou foram, todos eles, residentes na Região de Bruxelas‑Capital. K. Goeyens faleceu entretanto, tendo S. Vandermeulen assumido a sua posição na lide. A ClientEarth é uma associação sem fins lucrativos de direito inglês, com um centro de atividades na Bélgica. O seu objeto associativo consiste, entre outros, em promover a proteção do ambiente por meio da sensibilização e da instauração de ações judiciais.

13.      Os demandantes alegam, no Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de língua neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) contra a Região de Bruxelas‑Capital e o Instituto da Gestão do Ambiente de Bruxelas, que não foi elaborado um plano de qualidade do ar adequado. O tribunal nacional submete neste processo ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      Devem os artigos 4.o, n.o 3, e 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, conjugados com o artigo 288.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 2008/50, ser interpretados no sentido de que, quando se alega que um Estado‑Membro não instalou os pontos de amostragem numa zona de acordo com os critérios mencionados no ponto B, n.o 1, alínea a), do anexo III da referida diretiva, cabe ao órgão jurisdicional nacional averiguar, a pedido de particulares diretamente afetados pela excedência dos valores‑limite previstos no artigo 13.o, n.o 1, da mesma diretiva, se os pontos de amostragem foram instalados de acordo com estes critérios e, em caso negativo, tomar todas as medidas necessárias face à autoridade nacional, como a emissão de uma ordem judicial, para que os pontos de amostragem sejam instalados de acordo com aqueles critérios?

2)      A excedência de um valor‑limite, na aceção dos artigos 13.o, n.o 1, e 23.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50, ocorre desde logo quando a excedência de um valor‑limite, num período de referência de um ano civil, conforme previsto no anexo XI desta diretiva, for determinada com base nas medições de um único ponto de amostragem, na aceção do artigo 7.o desta diretiva, ou só ocorre quando resulta da média das medições de todos os pontos de amostragem numa determinada zona, na aceção desta diretiva?»

14.      L. Craeynest e o., a Região de Bruxelas‑Capital, o Reino dos Países Baixos, a República Checa e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estes intervenientes participaram também na audiência de 10 de janeiro de 2019, com exceção dos Países Baixos.

IV.    Apreciação jurídica

15.      Pelo presente pedido de decisão prejudicial, pretende‑se apurar, em primeiro lugar, em que medida os tribunais nacionais podem fiscalizar a instalação de pontos de amostragem e, em segundo lugar, se é possível estabelecer um valor médio a partir dos resultados de diferentes pontos de amostragem, para se determinar se os valores‑limite estão ou não a ser respeitados.

A.      Quanto à localização dos pontos de amostragem

16.      Pretende saber‑se, por meio da primeira questão, se os tribunais nacionais podem apreciar a localização dos pontos de amostragem para controlo do respeito dos valores‑limite da Diretiva 2008/50 e quais as medidas que podem ou devem adotar em caso de desrespeito dos critérios estabelecidos na diretiva para essa localização.

17.      Esta questão pode ser entendida no sentido de que se pretende determinar se os tribunais nacionais devem dispor, no quadro da execução do direito da União, de determinados poderes, especialmente o poder de dar ordens à administração pública. Esta questão suscita‑se também, de forma ainda mais acentuada, noutro pedido de decisão prejudicial pendente, este proveniente da Alemanha, no qual se pergunta ao Tribunal de Justiça se os tribunais nacionais podem ser obrigados a aplicar medidas de coação privativas da liberdade a titulares de cargos públicos, como forma de impor a elaboração de um plano de qualidade do ar, na aceção do artigo 23.o da Diretiva 2008/50 (4).

18.      Será eventualmente de responder a esta questão que o direito da União, em princípio, não pretendeu criar perante os órgãos jurisdicionais nacionais, para proteger o direito da União, vias de recurso diferentes das estabelecidas pelo direito nacional (5). Só assim não seria se resultasse da economia da ordem jurídica nacional em causa que não existe nenhuma outra via de recurso que permita, ainda que a título incidental, assegurar o respeito dos direitos conferidos pelo direito da União (6).

19.      Contudo, no presente caso, não se afigura necessário aprofundar esta questão, já que é pacífico que o tribunal nacional dispõe de competência para dar ordens. Diferentemente, o que aqui se impõe esclarecer é quais são as medidas de fiscalização que o tribunal nacional deve adotar em relação à localização dos pontos de amostragem.

20.      Efetivamente, a aplicação das regras sobre a localização dos pontos de amostragem, como resulta do pedido de decisão prejudicial e adiante se expõe mais pormenorizadamente, implica o exercício de discricionariedade, no contexto de uma avaliação complexa de questões científicas e de ponderações a efetuar.

21.      Neste sentido, poder‑se‑ia também discutir se estas regras são suficientemente precisas para poderem ser diretamente aplicáveis (7). Mas mesmo que esteja excluída a aplicabilidade direta das disposições da diretiva, subsiste o direito a que um órgão jurisdicional verifique se a legislação nacional e a sua aplicação se mantiveram dentro dos limites da margem de apreciação traçada pela referida diretiva (8).

22.      Mas como acertadamente refere a Comissão, no presente caso, não se discute, em última análise, a aplicabilidade direta do direito da União, uma vez que as disposições da Diretiva 2008/50 foram transpostas para o direito nacional. Sucede que também a aplicação do direito nacional no processo principal exige que se estabeleçam os limites da margem de apreciação das autoridades competentes. E, para o efeito, é necessário precisar qual é a fiscalização jurisdicional mínima da aplicação das regras relevantes exigida pelo direito da União.

23.      Assim, apreciarei primeiro o regime jurídico relativo à identificação dos pontos de amostragem e, seguidamente, a intensidade da fiscalização jurisdicional exigida pelo direito da União.

24.      Em todo o caso, antecipe‑se que as disposições da Diretiva 2008/50, relativas à fiscalização da aplicação da diretiva pela Comissão, não podem afetar a responsabilidade dos tribunais nacionais. Estas regras constituem apenas uma concretização da atribuição geral que o artigo 17.o, n.o 1, segunda e terceira frases, TUE confere à Comissão, que é, em suma, a de velar pela aplicação do direito da União.

1.      O regime de identificação de localizações

25.      O tribunal nacional duvida, concretamente, de que as regras relativas à determinação das localizações dos pontos de amostragem estatuam obrigações incondicionais, cujo cumprimento possa ser fiscalizado pelos tribunais, a pedido de particulares. Afigura‑se‑lhe que, na Diretiva 2008/50, não foram definidas regras específicas sobre a forma como devem ser identificadas ou delimitadas as «áreas […] em que ocorram as concentrações mais elevadas».

26.      Refere‑se, a este propósito, ao artigo 7.o, n.o 1, e ao anexo III, parte B, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 2008/50. Segundo estas disposições, o local de instalação dos pontos de amostragem deve ser escolhido de modo que permita recolher dados relativos a áreas no interior de zonas e aglomerações em que ocorram as concentrações mais elevadas às quais a população possa ser exposta direta ou indiretamente por um período significativo relativamente ao período de referência do(s) valor(es)‑limite.

27.      Além disso, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, e do anexo III, parte B, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2008/50, o local de instalação dos pontos de amostragem deve, geralmente, ser escolhido de modo que evite a realização de medições em microambientes de área muito reduzida na sua vizinhança imediata. Esta regra é concretizada estatuindo‑se que o ar recolhido deve ser representativo da sua qualidade num segmento de rua de comprimento não inferior a 100 m em zonas de tráfego denso e não inferior a 250 m × 250 m em zonas industriais, se tal for viável.

28.      Dito isto, encontra‑se fixada a dimensão das áreas em que se verificam as concentrações mais elevadas. Essa dimensão não pode ser estabelecida exclusivamente com recurso aos meios da ciência jurídica, tendo‑se de aplicar métodos provenientes das ciências naturais, mas isso não exclui uma fiscalização jurisdicional.

29.      A Diretiva 2008/50 não especifica expressamente esses métodos provenientes das ciências naturais, com referência à identificação das áreas em que se verificam as concentrações mais elevadas, mas atendendo ao contexto normativo da diretiva, as autoridades competentes têm de recorrer a medições, a técnicas de modelização e a outras informações.

30.      Revela‑o, particularmente, o regime com base no qual se determinam os métodos de fiscalização do respeito dos valores‑limite da qualidade do ar ambiente. Nos termos do artigo 5.o e do anexo II, parte B, da Diretiva 2008/50, a poluição de zonas e aglomerações deve ser determinada com base em dados recolhidos durante medições efetuadas ao longo de cinco anos ou, pelo menos, com base numa combinação de dados provenientes de inventários de emissões e métodos de modelização com campanhas de medição de curta duração no período do ano e nos locais passíveis de representar os níveis de poluição mais elevados.

31.      Com base nos valores assim obtidos, é possível verificar se foi excedido um limiar de avaliação inferior ou superior. Abaixo do limiar inferior, ou seja, nos locais onde é muito improvável que os limiares venham a ser excedidos, basta, segundo o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/50, para avaliar a qualidade do ar ambiente, fiscalizar o respeito dos valores‑limite, por meio da utilização de técnicas de modelização ou de medições indicativas ou de ambas. Por seu turno, entre os dois limiares, onde portanto é mais provável que os valores‑limite sejam excedidos, pode utilizar‑se, segundo o artigo 6.o, n.o 3, uma combinação de medições fixas (artigo 2.o, ponto 25) e de técnicas de modelização e/ou medições indicativas (artigo 2.o, ponto 26). Já quando o limiar superior é excedido e, portanto, é mais provável que os valores‑limite venham a ser excedidos, o artigo 6.o, n.o 2, impõe que sejam utilizadas medições fixas para avaliar a qualidade do ar ambiente. Essas medições fixas podem ser completadas por técnicas de modelização e/ou medições indicativas, a fim de fornecer informações adequadas sobre a distribuição espacial da qualidade do ar ambiente.

32.      Estes possíveis métodos de determinação da qualidade do ar, especialmente as medições e as técnicas de modelização, devem ser utilizados logo no momento da demarcação da localização dos pontos de amostragem fixos.

33.      Por conseguinte, se, como sucede no processo principal, for controvertida a localização desses pontos de amostragem, as autoridades competentes terão de esclarecer com base em que informação adequada acerca da distribuição espacial da qualidade do ar ambiente determinaram as várias localizações dos pontos de amostragem e como obtiveram essa informação.

2.      A intensidade da fiscalização jurisdicional

34.      No entanto, o que se acabou de expor ainda não responde à questão de saber como os tribunais nacionais fiscalizam o cumprimento das regras relativas à localização dos pontos de amostragem.

35.      As autoridades competentes violam manifestamente as referidas regras, caso conscientemente não instalem os pontos de amostragem nos locais onde as concentrações são mais elevadas ou caso a localização não tenha nenhum fundamento científico. Os tribunais nacionais têm de poder declarar a existência destas violações.

36.      Além disso, resulta do raciocínio exposto que as áreas onde se verificam as concentrações mais elevadas devem, pelo menos em regra, poder ser identificadas através de uma combinação de medições, técnicas de modelização e outras informações. Só que neste domínio existe uma margem considerável para divergências de opinião, por exemplo em relação à localização, ao momento e à frequência das medições e, principalmente, à técnica de modelização utilizada.

37.      Por conseguinte, impõe‑se apreciar a intensidade da fiscalização jurisdicional exigida pela União Europeia, ou seja, a que recai sobre a margem de apreciação de que as autoridades competentes dispõem na aplicação dos critérios para decidir da localização dos pontos de amostragem. Efetivamente, o tribunal nacional pretende apurar em que medida a Diretiva 2008/50 permite que o princípio (nacional) da separação de poderes limite o seu poder de fiscalização da atuação da administração no quadro da instalação de pontos de amostragem.

a)      Autonomia processual dos EstadosMembros

38.      Esta questão deve ser respondida tendo presente a autonomia processual dos Estados‑Membros. Porque inexistem disposições de direito da União sobre as modalidades de controlo jurisdicional de decisões administrativas tomadas em execução da Diretiva 2008/50, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro regular essas modalidades, ao abrigo do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e que não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (9).

39.      É imaginável que os Estados‑Membros, no exercício da sua autonomia processual, atribuam aos seus tribunais poderes de fiscalização muito amplos, que porventura até lhes permita substituírem‑se à administração pública e alterar ou substituir as respetivas decisões. Uma vez que tais decisões judiciais respeitem as exigências do direito da União relativamente às decisões administrativas e, particularmente, assentem numa base científica suficiente, cumprindo também as regras processuais, nada se tem a opor a um tal modelo(10)

40.      Sucede que o pedido de decisão prejudicial não tem por objeto esta questão jurídica; tem, sim, em vista a identificação das competências mínimas indispensáveis ao exercício da fiscalização jurisdicional admissível. Uma vez que o pedido não contém indícios de uma eventual violação do princípio da equivalência, está unicamente em causa o princípio da efetividade, ou seja, determinar qual a medida de fiscalização jurisdicional necessária para que a invocação das disposições aplicáveis de direito da União não seja excessivamente difícil.

b)      A fiscalização de uma avaliação cientificamente complexa

41.      No que concerne ao controlo efetivo da determinação da localização de um ponto de amostragem, importa notar que as regras acima referidas implicam que se proceda a uma avaliação cientificamente complexa. Num primeiro momento, há que decidir com recurso a que métodos é que se irão recolher informações adequadas à seleção da localização e, num segundo momento, é necessário apreciar essas informações, a fim de se determinar uma localização concreta.

42.      Os níveis mínimos que a fiscalização de uma tal decisão pelos tribunais nacionais tem de cumprir resultam dos critérios de fiscalização que os tribunais da União aplicam ao fiscalizar medidas comparáveis adotadas pelas instituições. O direito da União não exige que os Estados‑Membros instaurem um mecanismo de fiscalização jurisdicional das decisões nacionais de aplicação de disposições de direito da União, implicando uma fiscalização mais alargada do que a exercida pelo Tribunal de Justiça em casos similares (11).

43.      Os critérios que daí resultam caracterizam‑se por — no caso de apreciações científicas ou técnicas complexas, bem como de exames comparativos — existir, em regra, uma ampla discricionariedade, que só é passível de fiscalização limitada. Em alguns casos, essa discricionariedade é menor e, portanto, suscetível de mais controlo, especialmente em caso de ingerência particularmente grave nos direitos fundamentais.

44.      A ampla discricionariedade de que gozam as instituições da União, quando têm de proceder a apreciações científicas ou técnicas complexas, refere‑se especialmente à avaliação das circunstâncias de facto na determinação do tipo e do alcance das medidas, mas também, de alguma forma, ao apuramento da matéria de facto que subjaz ao procedimento (12).

45.      Nestes casos, a fiscalização de direito material pelo juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício dessa discricionariedade não ultrapassa manifestamente os limites do seu poder discricionário. Em tal contexto, o juiz da União não pode, com efeito, substituir pela sua apreciação a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas instituições, às quais o legislador exclusivamente conferiu esta atribuição (13).

46.      Não obstante, recai sobre o órgão competente a obrigação de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso em apreço (14), respeitar as regras processuais (15) e, especialmente, fundamentar suficientemente a sua decisão, a fim de permitir aos tribunais da União verificar se os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do poder discricionário estavam reunidos(16).

47.      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, ainda, que o alcance da margem de apreciação do legislador da União, quando estão em causa ingerências nos direitos fundamentais, pode, à luz do princípio da proporcionalidade, revelar‑se limitado, em função de um certo número de elementos. Entre eles figuram, designadamente, o domínio em questão, a natureza do direito em causa garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), a natureza e a gravidade da ingerência, bem como a sua finalidade (17). Desta forma, considerou‑se que a Diretiva 2006/24/CE (18), tendo em conta, por um lado, o importante papel desempenhado pela proteção dos dados pessoais na perspetiva do direito fundamental ao respeito da vida privada e, por outro, a amplitude e a gravidade da ingerência neste direito que a conservação abrangente e injustificada de dados relativos a ligações comporta, deveria ficar sujeita a uma fiscalização estrita (19), tendo o Tribunal de Justiça acabado por declarar a sua invalidade.

48.      Dito de forma mais geral, os direitos emergentes do direito da União não podem ficar privados de efeito útil e, em particular, não podem ser esvaziados de sentido, ou seja, da sua essência (20).

49.      Estes critérios estabelecem o nível mínimo de fiscalização jurisdicional do cumprimento do direito da União nos Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça sublinha ainda, a este respeito, que qualquer mecanismo nacional de fiscalização jurisdicional de uma decisão deve permitir ao órgão jurisdicional chamado a decidir aplicar efetivamente, no âmbito da fiscalização da legalidade da referida decisão, os princípios e as regras pertinentes do direito da União (21).

50.      Interpreto esta última condição como uma chamada de atenção para o facto de os tribunais nacionais terem de determinar, cuidadosamente, se uma determinada questão se encontra abrangida por uma ampla discricionariedade e, portanto, apenas impõe uma fiscalização jurisdicional limitada ou se estão em causa outras questões que exigem uma fiscalização jurisdicional mais estrita, particularmente no que concerne aos limites da discricionariedade ou aos vícios processuais.

c)      Aplicação à questão submetida no presente processo

51.      O ponto de partida para a aplicação destes critérios à decisão sobre a localização de pontos de amostragem para avaliação da qualidade do ar é a apreciação complexa que as autoridades competentes têm de realizar, a fim de decidir da mencionada localização desses pontos. Têm de escolher métodos científicos que lhes permitam obter as informações necessárias, ponderar o esforço exigido por cada um dos eventuais métodos investigativos e, no fim, apreciar os resultados.

52.      No âmbito desta valoração, o direito da União, em regra, conferir‑lhes‑ia uma ampla margem de discricionariedade e imporia uma fiscalização jurisdicional mais limitada.

53.      Contudo, importa salientar a grande importância da regulamentação em matéria de qualidade do ar ambiente, referida pela Comissão. A Diretiva 2008/50 assenta no pressuposto de que a excedência dos valores‑limite constitui a causa de um elevado número de mortes prematuras (22). A regulamentação em matéria de qualidade do ar ambiente concretiza, desta forma, os deveres de proteção da União que emanam do direito à vida, consagrado no artigo 2.o, n.o 1, da Carta, bem como do princípio de um elevado nível de proteção do ambiente exigido pelo artigo 3.o, n.o 3, TUE, pelo artigo 37.o da Carta e pelo artigo 191.o, n.o 2, TFUE. Desta forma, medidas que possam prejudicar a aplicação útil da Diretiva 2008/50 são, em razão da sua relevância, comparáveis à grave ingerência nos direitos fundamentais, com fundamento na qual o Tribunal de Justiça considerou dever submeter a conservação de dados relativos a ligações a uma fiscalização estrita.

54.      Se os pontos de amostragem não forem instalados nas áreas em que efetivamente se verificam as concentrações mais elevadas, a utilidade da Diretiva 2008/50 pode ficar seriamente ameaçada. De facto, os valores‑limite ambicionados ficarão sem efeito, se o seu respeito for fiscalizado no local errado. Numa situação deste tipo, é imaginável que uma excedência dos valores‑limite fique por descobrir, deixando‑se, consequentemente, de adotar as medidas necessárias para assegurar a qualidade do ar.

55.      Este risco e, particularmente, o objetivo fixado no artigo 1.o da Diretiva 2008/50, de velar por uma adequada qualidade do ar para proteção da vida e da saúde das populações, limitam a discricionariedade das autoridades competentes na complexa apreciação que subjaz à determinação dos pontos de amostragem(23). Na dúvida, devem escolher uma estratégia que minimize o risco de não se detetarem excedências de valores‑limite.

56.      A fiscalização jurisdicional do exercício da discricionariedade deve estar configurada em conformidade: os tribunais podem limitar‑se a apurar erros manifestos, se os mesmos puderem conduzir a uma aplicação excessivamente rígida da Diretiva 2008/50, porém, em caso de dúvidas suscetíveis de comprometer a realização dos objetivos de proteção da diretiva, impõe‑se um exame mais exaustivo.

57.      Que se extrai daqui em relação ao critério de fiscalização a aplicar in casu?

58.      O Tribunal de Justiça, à luz do princípio da precaução, ao incidir sobre a avaliação adequada, segundo o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats (24), estabeleceu dever‑se adotar um critério de apreciação restritivo. Essa avaliação deve conter considerações e conclusões completas, precisas e definitivas, suscetíveis de dissipar toda e qualquer dúvida cientificamente razoável quanto aos efeitos dos trabalhos previstos para o sítio protegido em causa (25). De outra forma, não é possível autorizar o plano ou projeto, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, o qual no limite só poderá ser autorizado por razão imperativa de reconhecido interesse público, na aceção do artigo 6.o, n.o 4.

59.      Este critério produz os mesmos efeitos que uma presunção de que os planos ou projetos são suscetíveis de afetar as zonas de conservação, pelo que, em princípio, devem ser evitados. Esta presunção só pode ser ilidida caso se dissipe toda e qualquer dúvida cientificamente razoável.

60.      É certo que não se pode, desde logo, aplicar um critério deste tipo à fiscalização da decisão sobre a localização de pontos de amostragem, porque muito provavelmente todos os métodos de escolha da localização são passíveis de dúvida cientificamente razoável. Não obstante, por algum método as autoridades competentes têm de se decidir, pois de outra forma — ao contrário do que impõe a Diretiva 2008/50 — não poderiam ser instalados pontos de amostragem. Por outras palavras: no âmbito da seleção de uma localização para pontos de amostragem, não existe presunção de que um determinado local é melhor do que outro.

61.      As autoridades competentes devem, porém, em princípio, aplicar o «melhor» método disponível. Este método será o que der flanco ao menor número possível de dúvidas cientificamente razoáveis. Mas encontrar‑se este método não é, a priori, tarefa trivial, do ponto de vista científico, porque se terá de ponderar as diferentes dúvidas a fim de se estabelecer quais as menos pertinentes.

62.      Além disso, parte‑se do princípio de que os métodos para identificação das áreas em que se verificam as concentrações mais elevadas podem ser melhorados, por meio de mais investimento na investigação. Assim, especificamente, é expectável que mais medições, ou seja, o prolongamento do período da medição, mas também mais medições indicativas em diferentes localizações conduzam a resultados mais precisos. No entanto, regra geral, mais esforço implica também mais custos, podendo dar origem a atrasos. Por conseguinte, a decisão relativa ao esforço a incutir implica necessariamente ponderação, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, segunda frase, da Diretiva 2008/50, que resulta igualmente da obrigação da obtenção de informações adequadas.

63.      Em relação a ambos os aspetos, ou seja, à avaliação das dúvidas cientificamente razoáveis e à ponderação do esforço que se justifica para as dissipar, não podem os tribunais nacionais limitar‑se a identificar erros manifestos, por causa da importância das regras sobre a qualidade do ar para a vida e a saúde das pessoas.

64.      O que as autoridades competentes têm de fazer é convencer os tribunais com base em argumentos fundamentados. Estes argumentos terão, essencialmente, de assumir uma natureza científica, mas também podem abranger, no quadro da ponderação, aspetos de natureza económica. Por seu turno, a contraparte pode opor‑se com os seus próprios argumentos científicos, devidamente fundamentados, ao que for alegado. Como é evidente, também é imaginável o tribunal ordenar a produção de prova pericial, a fim de nela se poder basear quando tiver de decidir o litígio, de natureza científica.

65.      Se as autoridades competentes não conseguirem convencer o tribunal, deverão pelo menos proceder a exames adicionais, como por exemplo a novas medições ou aplicar outras técnicas de modelização sobre o desenvolvimento da qualidade do ar.

66.      Se os tribunais nacionais dispuserem de poderes para dar ordens à administração, poderão ordenar que se realizem tais exames. Se, contudo, os tribunais apenas dispuserem de poderes para anular as decisões da administração, então, terá pelo menos de recair sobre as autoridades competentes o dever de extrair dessa anulação e dos fundamentos da decisão as consequências devidas.

3.      Resposta à primeira questão

67.      Impõe‑se, assim, responder à primeira questão que os órgãos jurisdicionais nacionais, a pedido de interessados, devem averiguar se os pontos de amostragem foram instalados de acordo com os critérios mencionados no anexo III, ponto B, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/50 e, se não for esse o caso, deverão, nos limites dos seus poderes jurisdicionais, adotar todas as medidas necessárias, perante as autoridades nacionais, para que os pontos de amostragem sejam instalados de acordo com esses critérios. De uma decisão judicial deste tipo pode resultar o dever de instalar pontos de amostragem em determinadas localizações, quando da informação disponível resulte que essa instalação é necessária. Se isso não for possível, as autoridades competentes poderão ser obrigadas a efetuar averiguações com vista à determinação das localizações corretas.

B.      Quanto à avaliação do respeito dos valoreslimite

68.      A segunda questão destina‑se a esclarecer se a excedência de um valor‑limite, na aceção dos artigos 13.o, n.o 1, e 23.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50, ocorre desde logo quando a excedência do mesmo, num período de referência de um ano civil, conforme previsto no anexo XI desta diretiva, for determinada com base nas medições de um único ponto de amostragem, na aceção do artigo 7.o desta diretiva, ou se só ocorre quando resulta da média das medições de todos os pontos de amostragem numa determinada zona, na aceção desta diretiva.

1.      Quanto à Decisão de Execução 2011/850/UE

69.      A Comissão invoca, relativamente à Diretiva 2008/50, a sua Decisão de Execução 2011/850/UE (26), pois o artigo 10.o desta prevê que os Estados‑Membros disponibilizam à Comissão os resultados da medição de todos os pontos de amostragem. Se o respeito dos valores‑limite pudesse ser apreciado globalmente, essa disponibilização seria desnecessária.

70.      Sucede que a Comissão não pode determinar, por via de uma decisão de execução, como se impõe respeitar os valores‑limite. Efetivamente, resulta da conjugação do artigo 290.o, n.o 1, e do artigo 291.o, n.o 2, TFUE que a Comissão, quando exerce um poder de execução, não pode alterar nem completar o ato legislativo (27). E mesmo que a decisão de execução, contrariamente ao que o seu próprio nome indica, devesse ser considerada um ato delegado, na aceção do artigo 290.o TFUE, ter‑se‑ia de inserir no âmbito regulamentar, conforme definido pela Diretiva 2008/50 (28).

71.      Desta forma, a interpretação da Diretiva 2008/50 assume caráter decisivo.

2.      Quanto à letra do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50

72.      O teor do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50 não responde cabalmente à questão.

73.      Na versão alemã do artigo 13.o, n.o 1, primeira frase, da Diretiva 2008/50, os Estados‑Membros asseguram que, «überall in ihren Gebieten und Ballungsräumen» [N.T.: «em todas as suas zonas e aglomerações», na versão portuguesa da mesma diretiva], os níveis de dióxido de enxofre, PM10, chumbo e monóxido de carbono no ar ambiente não excedam os valores‑limite fixados no anexo XI. Esta formulação é passível de ser entendida no sentido de estes valores‑limites terem de ser respeitados em todos os locais, ou seja, não poderem ser excedidos em nenhum local. Neste sentido, a excedência num ponto de amostragem constituiria, desde logo, uma violação desta disposição. Na versão inglesa, utiliza‑se a formulação «throughout their zones and agglomerations», pelo que tem um conteúdo equiparável.

74.      Já as versões francesa («dans l’ensemble de leurs zones et agglomérations»), neerlandesa («in de gehele zones en agglomeraties») e espanhola («en todas sus zonas y aglomeraciones») podem ser interpretadas no sentido de se referirem ao conjunto de todas as suas zonas e aglomerações. Esta formulação não implica necessariamente que os valores‑limite tenham de ser respeitados em todos os locais, se bem que também não o exclui.

75.      Acontece, ainda, que o artigo 13.o, n.o 1, segunda frase, da Diretiva 2008/50 não referencia um local específico. Segundo esta disposição, os valores‑limite de dióxido de azoto e de benzeno fixados no anexo XI não podem ser excedidos a partir das datas fixadas no mesmo anexo. Esta disposição dá abertura a ambas as interpretações, em todas as versões linguísticas.

76.      Portanto, uma vez que o artigo 13.o, n.o 1, primeira frase, da Diretiva 2008/50 não tem necessariamente o mesmo sentido nas várias versões linguísticas e que a segunda frase é passível de várias interpretações, importa analisar com mais profundidade o contexto normativo em que este regime jurídico se insere e o objetivo por ele prosseguido.

3.      Quanto ao contexto normativo do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50

77.      O anexo III assume particular importância para a interpretação do artigo 13.o, n.o 1, primeira e segunda frases, da Diretiva 2008/50, pois é de acordo com o mesmo que, segundo a terceira frase, se avalia o cumprimento dos requisitos referidos nas duas primeiras frases. Ora, acontece que as modalidades de medição fixadas no anexo III militam em desfavor de uma apreciação global de zonas e aglomerações.

78.      De salientar que a qualidade do ar ambiente, nos termos do anexo III, parte A, ponto 1, será avaliada em todas as localizações (29), com exceção das localizações específicas enunciadas no n.o 2, em que essa avaliação não se realizará. As localizações excecionadas correspondem a áreas muito circunscritas, tais como zonas inacessíveis ao público em geral e em que não haja habitação fixa, fábricas ou instalações industriais às quais se apliquem todas as disposições relevantes em matéria de saúde e segurança no trabalho, faixas de rodagem das estradas e faixas separadoras centrais das estradas, salvo se existir acesso pedestre à faixa separadora central. Segundo esta previsão, não é suposto realizar‑se uma apreciação global, mas sim local.

79.      Convém, no entanto, referir que também aqui as versões linguísticas não são coerentes, pois na versão neerlandesa a qualidade do ar deve ser avaliada por toda a parte («overal»), o que apesar de tudo confere mais abertura para uma apreciação global do que, por exemplo, a versão alemã. Mas também nesta versão excecionam‑se determinadas localizações da avaliação, o que não faria sentido no quadro de uma apreciação global.

80.      Mas impõe‑se rejeitar a adoção de um valor médio das medições nos vários locais, especialmente porque o artigo 7.o, n.o 1, e o anexo III, parte B, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/50 preveem dois tipos de pontos de amostragem fixos. No anexo III, parte B, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, estão em causa aqueles em que se obtêm dados sobre «áreas […] em que ocorram as concentrações mais elevadas», e no segundo travessão estão em causa pontos de amostragem em que se obtêm dados sobre áreas representativas da exposição da população em geral.

81.      Pode fazer sentido comunicar‑se o resultado de medições em vários locais, a fim de se determinar a exposição da população em geral. Mas por que motivo dever‑se‑ia extrair dos dados relativos às concentrações mais elevadas e dos dados sobre exposição geral um valor médio? Os valores médios, pela sua própria natureza, destinam‑se a dar conta de uma situação geral, mas é precisamente isso que este segundo tipo de dados já faz.

82.      Além disso, o regime sobre a qualidade dos dados, no anexo I, parte B, quarto travessão, da Diretiva 2008/50, revela, com especial nitidez, que a qualidade do ar deve ser avaliada localmente e não ser objeto de apreciação global. Segundo o que aí se prevê, deve descrever‑se a extensão de qualquer área ou, se for esse o caso, a extensão rodoviária no interior da zona ou aglomeração em que as concentrações excedam algum valor‑limite. É de realçar que, a este propósito, não se vislumbram divergências entre as várias versões linguísticas.

83.      Por conseguinte, o contexto normativo do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50 releva claramente a favor do entendimento, segundo o qual o respeito dos valores‑limite deve ser apreciado com base nos resultados das medições dos pontos de amostragem fixos, sem a criação de um valor médio dos resultados de todos os pontos de amostragem.

4.      Quanto aos objetivos do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50

84.      As conclusões a que se chegou no seguimento da análise do contexto normativo são confirmadas pela finalidade dos valores‑limite em apreciação. Estes têm em vista, como resulta do artigo 1.o, n.o 1, bem como das epígrafes do artigo 13.o e do anexo XI da Diretiva 2008/50, a proteção da saúde humana.

85.      Contudo, são de recear problemas de saúde humana em todos os locais onde os valores‑limite sejam excedidos. É aí que têm de ser adotadas as medidas adequadas, a fim de evitar esses problemas. Saber se uma excedência se verifica ou não com referência à totalidade da zona ou aglomeração tem uma importância muito limitada, no que concerne ao mencionado risco. É exemplificativo disto mesmo a anedota do especialista em estatística que se afoga num lago, apesar de este, em média, ter poucos centímetros de profundidade.

5.      Resposta à segunda questão

86.      Um valor‑limite, conforme previsto no anexo XI da Diretiva 2008/50, é excedido, na aceção dos artigos 13.o, n.o 1, e 23.o, n.o 1, da mesma diretiva, quando os resultados das medidas efetuadas num único ponto de amostragem, na aceção do artigo 7.o desta diretiva, forem superiores a esse valor‑limite.

V.      Conclusão

87.      Pelo exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que declare o seguinte:

1)      Os órgãos jurisdicionais nacionais, a pedido de interessados, devem averiguar se os pontos de amostragem foram instalados de acordo com os critérios mencionados no anexo III, ponto B, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa e, se não for esse o caso, deverão, nos limites dos seus poderes jurisdicionais, adotar todas as medidas necessárias, perante as autoridades nacionais, para que os pontos de amostragem sejam instalados de acordo com esses critérios. De uma decisão judicial deste tipo pode resultar o dever de instalar pontos de amostragem em determinadas localizações, quando da informação disponível resulte que essa instalação é necessária. Se isso não for possível, as autoridades competentes poderão ser obrigadas a efetuar averiguações com vista à determinação das localizações corretas.

2)      Um valor‑limite, conforme previsto no anexo XI da Diretiva 2008/50, é excedido, na aceção dos artigos 13.o, n.o 1, e 23.o, n.o 1, da mesma diretiva, quando os resultados das medidas efetuadas num único ponto de amostragem, na aceção do artigo 7.o desta diretiva, forem superiores a esse valor‑limite.


1      Língua original: alemão.


2      Acórdão do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2018, Ville de Paris e o./Comissão (T‑339/16, T‑352/16 e T‑391/16, EU:T:2018:927).


3      Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO 2008 L 152, p. 1), na redação da Diretiva (UE) 2015/1480 da Comissão, de 28 de agosto de 2015 (JO 2015 L 226, p. 4) (a seguir «Diretiva 2008/50»).


4      Decisão do Bayerischer Verwaltungsgerichtshof de 9 de novembro de 2018, Deutsche Umwelthilfe (22 C 18.1718, ECLI:DE:BAYVGH:2018:201109.22C18:1718.00), pendente no do Tribunal de Justiça sob o número C‑752/18.


5      Acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 40), e de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 51).


6      Acórdão de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 41).


7      V., a propósito da aplicação direta de diretivas, Acórdãos de 4 de dezembro de 1974, van Duyn (41/74, EU:C:1974:133, n.o 6); de 19 de janeiro de 1982, Becker (8/81, EU:C:1982:7, n.o 25); e de 17 de outubro de 2018, Klohn (C‑167/17, EU:C:2018:833, n.o 28).


8      Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C‑72/95, EU:C:1996:404, n.o 56); de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 66); de 25 de julho de 2008, Janecek (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 46); de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.os 100 a 103); de 5 de setembro de 2012, Rahman e o. (C‑83/11, EU:C:2012:519, n.o 25); e de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 44).


9      V., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188, n.o 5); de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.os 35 e 36); e de 22 de fevereiro de 2018, INEOS Köln (C‑572/16, EU:C:2018:100, n.o 42).


10      V., neste sentido, Acórdão de 24 de abril 2008, Arcor (C‑55/06, EU:C:2008:244, n.os 164 a 169).


11      Acórdãos de 21 de janeiro de 1999, Upjohn (C‑120/97, EU:C:1999:14, n.o 35); de 9 de junho de 2005, HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370, n.o 76); de 9 de março de 2010, ERG e o. (C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.os 60 e 61); e de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 46).


12      Acórdãos de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 75); de 15 de outubro de 2009, Enviro Tech (Europe) (C‑425/08, EU:C:2009:635, n.os 47 e 62); de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803, n.o 55); de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 49); e de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 53).


13      Acórdãos de 15 de outubro de 2009, Enviro Tech (Europe) (C‑425/08, EU:C:2009:635, n.o 47); de 21 de julho de 2011, Etimine (C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60); de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão (C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 75); e de 14 de junho de 2018, Lubrizol France/Conselho (C‑223/17 P, não publicado, EU:C:2018:442, n.o 38).


14      Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14); de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 76 e 77); e de 15 de outubro de 2009, Enviro Tech (Europe) (C‑425/08, EU:C:2009:635, n.o 62).


15      Acórdão de 3 de julho de 2014, Conselho/In‘t Veld (C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.o 63).


16      Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14), e de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 69).


17      Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 47).


18      Diretiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva 2002/58/CE (JO 2006, L 105, p. 54).


19      Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 48). V., também, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems (C 362/14, EU:C:2015:650, n.º 78).


20      V., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.os 46 e 48).


21      Acórdãos de 21 de janeiro de 1999, Upjohn (C‑120/97, EU:C:1999:14, n.o 36); de 9 de junho de 2005, HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370, n.o 77); e de 6 de outubro de 2015, East Sussex County Council (C‑71/14, EU:C:2015:656, n.o 58).


22      V. Conclusões por mim apresentadas no processo Comissão/Bulgária (C‑488/15, EU:C:2016:862, n.os 2 e 3) e proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de setembro de 2005, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa [COM (2005) 447 final, p. 2].


23      V. minhas Conclusões no processo Comissão/Bulgária (C‑488/15, EU:C:2016:862, n.o 96).


24      Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7).


25      Acórdãos de 11 de abril de 2013, Sweetman e o. (C‑258/11, EU:C:2013:220, n.o 44); de 21 de julho de 2016, Orleans e o. (C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.o 50); e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (floresta de Białowieża) (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 114).


26      Decisão de Execução 2011/850/UE da Comissão, de 12 de dezembro de 2011, que estabelece regras para as Diretivas 2004/107/CE e 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao intercâmbio recíproco e à comunicação de informações sobre a qualidade do ar ambiente (JO 2011, L 335, p. 86).


27      Acórdão de 15 de outubro de 2014, Parlamento/Comissão (C‑65/13, EU:C:2014:2289, n.os 44 e 45), e de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 46).


28      Acórdãos de 18 de março de 2014, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2014:170, n.o 38); de 16 de julho de 2015, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑88/14, EU:C:2015:499, n.o 29); e de 17 de março de 2016, Parlamento/Comissão (C‑286/14, EU:C:2016:183, n.o 30).


29      Francês: «dans tous les emplacements», inglês: «at all locations».