Language of document : ECLI:EU:C:2021:339

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

29 de abril de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial com tramitação urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu — Motivos de não execução facultativa — Artigo 4.o, n.o 5 — Pessoa procurada que foi definitivamente julgada pelos mesmos factos num país terceiro — Condenação cumprida ou que já não pode ser cumprida segundo as leis do país de condenação — Execução — Margem de apreciação da autoridade judiciária de execução — Conceito de “mesmos factos” — Remissão de pena concedida por uma autoridade não judicial graças a uma medida de clemência geral»

No processo C‑665/20 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), por Decisão de 7 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de dezembro de 2020, no processo relativo à execução do mandado de detenção europeu emitido contra

X,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Ilešič (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de março de 2021,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de X, por D. W. H. M. Wolters e S. W. Kuijpers, advocaten,

–        em representação do Openbaar Ministerie, por N. Bakkenes e K. van der Schaft,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e F. Halabi, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1, e retificação no JO 2006, L 279, p. 30), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «decisão‑quadro»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, nos Países Baixos, de um mandado de detenção europeu emitido em 19 de setembro de 2019 pelo Amtsgericht Berlin‑Tiergarten (Tribunal de Primeira Instância de Tiergarten, Berlim, Alemanha) para efeitos de procedimento penal contra X.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 CAAS

3        O artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen (Luxemburgo), em 19 de junho de 1990, que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (JO 2000, L 239, p. 19, a seguir «CAAS»), que figura no capítulo 3, intitulado «Aplicação do princípio ne bis in idem», do título III dessa convenção, prevê:

«Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma ação judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja atualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão de condenação foi proferida.»

 Decisãoquadro

4        Os considerandos 5, 6, 10 e 12 da decisão‑quadro enunciam:

«(5)      O objetivo que a União [Europeia] fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados‑Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. […]

(6)      O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

[…]

(10)      O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [TUE], verificada pelo Conselho nos termos do n.o 1 do artigo 7.o do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.

[…]

(12)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […], nomeadamente o seu capítulo VI. […]»

5        Nos termos do artigo 1.o dessa decisão‑quadro, intitulado «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar»:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

6        O artigo 3.o da decisão‑quadro intitulado «Motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu», dispõe:

«A autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução (a seguir designada “autoridade judiciária de execução”) recusa a execução de um mandado de detenção europeu nos seguintes casos:

1.      Se a infração na origem do mandado de detenção estiver abrangida por amnistia no Estado‑Membro de execução, quando este for competente para o respetivo procedimento penal nos termos da sua legislação penal;

2.      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado‑Membro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do Estado‑Membro de condenação;

3.      Se, nos termos do direito do Estado‑Membro de execução, a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu não puder, devido à sua idade, ser responsabilizada pelos factos que fundamentam o mandado de detenção europeu.»

7        O artigo 4.o dessa decisão‑quadro, intitulado «Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu», prevê:

«A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu:

[…]

5.      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação;

[…]»

 Direito neerlandês

8        A decisão‑quadro foi transposta para o direito neerlandês pela wet tot implementatie van het kaderbesluit van de Raad van de Europese Unie betreffende het Europees aanhoudingsbevel en de procedures van overlevering tussen de lidstaten van de Europese Unie (Lei que Aplica a Decisão‑Quadro do Conselho da União Europeia relativa ao Mandado de Detenção Europeu e aos Processos de Entrega entre os Estados‑Membros), de 29 de abril de 2004 (Stb. 2004, n.o 195), conforme alterada pela última vez pela Lei de 22 de fevereiro de 2017 (Stb. 2017, n.o 82) (a seguir «OLW»).

9        O artigo 9.o, n.o 1, alíneas d) e e), da OLW, que transpõe o artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro e o artigo 4.o, n.o 5, da mesma, enuncia:

«A entrega da pessoa procurada não é autorizada relativamente a um facto pelo qual:

[…]

d.      a pessoa procurada tenha sido objeto de decisão de absolvição ou não pronúncia por um juiz neerlandês, ou de uma decisão definitiva equivalente por um juiz de outro Estado‑Membro da União Europeia ou de um país terceiro;

e.      a pessoa procurada tenha sido condenada por uma decisão judicial, quando:

1)      a pena ou a medida aplicada já tenha sido cumprida;

2)      a pena ou a medida aplicada já não possa ser cumprida;

3)      a condenação consista numa declaração de culpa sem aplicação de uma pena ou de uma medida;

4)      a pena ou medida aplicada seja cumprida nos Países Baixos;

[…]»

10      Nos termos do artigo 28.o, n.o 2, da OLW:

«Se o rechtbank [(Tribunal de Primeira Instância)] constatar […] que a entrega não pode ser autorizada […], cabe‑lhe recusar essa entrega na sua decisão.»

 Direito alemão

11      O artigo 51.o do Strafgesetzbuch (Código Penal), intitulado «Imputação», dispõe, no seu n.o 3:

«Quando a pessoa condenada é condenada a uma pena no estrangeiro pelo mesmo facto, essa pena é imputada, até ao limite da execução já cumprida, à nova pena.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Em 19 de setembro de 2019, o Amtsgericht Berlin‑Tiergarten (Tribunal de Primeira Instância de Tiergarten, Berlim) emitiu um mandado de detenção europeu contra X com vista à entrega deste para efeitos de procedimento penal por atos que supostamente cometeu em Berlim (Alemanha) em 30 de outubro de 2012.

13      Alegadamente, nesse dia, X amarrou Y, sua companheira à data dos factos, e Z, filha desta, de dez anos de idade, ameaçando‑as com uma faca. A seguir, violou Y antes de a mutilar. Antes de abandonar a casa de Y, barricou as divisões da casa onde Y e Z estavam amarradas com o intuito de lhes causar a morte.

14      As infrações pelas quais a entrega é pedida são as seguintes:

–        tentativa de homicídio voluntário sobre a sua companheira;

–        tentativa de homicídio sobre a filha menor da sua companheira;

–        violação da sua companheira;

–        golpes e lesões graves na sua companheira;

–        sequestro da sua companheira; e

–        sequestro da filha menor da sua companheira.

15      Com base nesse mandado de detenção europeu, X foi interpelado nos Países Baixos e presente ao órgão jurisdicional de reenvio em 18 de março de 2020.

16      X informou esse órgão jurisdicional de que não consentia na sua entrega às autoridades judiciárias alemãs e foi colocado em detenção enquanto aguardava uma decisão a esse respeito.

17      Como fundamento da oposição deduzida à sua entrega, X invocou o princípio ne bis in idem, alegando, nomeadamente, que tinha sido definitivamente julgado pelos mesmos factos num país terceiro, a saber, no Irão.

18      Segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, X foi perseguido no Irão pelos factos acima referidos, com exceção do sequestro de Y, que, quanto aos seus elementos materiais, foi, no entanto, incluído na qualificação de «tentativa de homicídio contra Y».

19      X foi condenado no Irão por uma sentença penal definitiva por ofensas corporais graves infligidas a Y, bem como pelas tentativas de homicídio de Y e de Z. Em contrapartida, foi absolvido definitivamente das acusações de violação de Y e de sequestro voluntário de Z.

20      Em aplicação do direito iraniano, X teve de cumprir unicamente a mais pesada das penas de prisão a que foi condenado, a saber, uma pena de prisão com a duração de sete anos e seis meses. X cumpriu a maior parte dessa pena e foi‑lhe concedida uma remissão de pena para o restante desta, graças a medida de clemência geral proclamada pelo Guia Supremo do Irão, por ocasião do 40.o aniversário da Revolução Islâmica.

21      Pelas ofensas corporais graves infligidas a Y, X foi condenado, além disso, a pagar a esta uma diya (quantia em dinheiro). Devido à sua situação de insolvência, X foi autorizado a escalonar o pagamento procedendo a um primeiro pagamento de 200 000 000 de riais iranianos (IRR) (cerca de 4 245 euros) seguido de prestações mensais de 2 % da diya. Após ter efetuado o primeiro pagamento e liquidado a primeira mensalidade, X foi posto em liberdade no Irão em 5 de maio de 2019. Em 7 de setembro de 2020, as autoridades iranianas emitiram um mandado de detenção contra X por não ter pagado as restantes prestações vencidas.

22      No órgão jurisdicional de reenvio, X sustenta que foi perseguido e julgado definitivamente no Irão pelos mesmos factos pelos quais a sua entrega é pedida em aplicação do mandado de detenção europeu contra ele emitido. Foi absolvido definitivamente em relação a uma parte dos factos, ao passo que a outra parte deu origem a uma condenação a uma pena de prisão, que X cumpriu praticamente na íntegra e cuja parte restante está abrangida pela medida de clemência mencionada no n.o 20 do presente acórdão. X alega, além disso, que a diya não constitui uma pena ou uma medida, mas uma obrigação de pagar uma indemnização à vítima.

23      X deduz daí que, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alíneas d) e e), ponto 1, da OLW, a sua entrega às autoridades alemãs em aplicação do mandado de detenção europeu contra ele emitido deveria ser recusada. Alega, em especial, que o artigo 9.o, n.o 1, da OLW não estabelece nenhuma distinção entre uma decisão definitiva proferida num Estado‑Membro e uma decisão definitiva proferida num país terceiro. Deste modo, o legislador neerlandês fez uso da faculdade que a decisão‑quadro reconhece aos Estados‑Membros de recusarem a entrega em caso de decisão definitiva e de pena cumprida integralmente num país terceiro e, por conseguinte, os órgãos jurisdicionais neerlandeses são obrigados a dar‑lhe cumprimento.

24      O Openbaar Ministerie (Ministério Público, Países Baixos) sustenta, a título principal, que a exceção invocada por X, relativa a uma condenação anterior no Irão, não pode ser acolhida. Tratando‑se de uma condenação proferida num país terceiro, cabe, com efeito, ao órgão jurisdicional de reenvio, na qualidade de autoridade judiciária de execução ao abrigo do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, afastar a aplicação do artigo 9.o, n.o 1, alínea e), da OLW para apreciar se a condenação proferida no Irão pode aspirar ao reconhecimento mútuo ao abrigo de uma confiança mútua decorrente de Tratados ou do direito consuetudinário. Tendo em conta a rutura das relações diplomáticas e a inexistência de cooperação judiciária com a República Islâmica do Irão, bem como a existência de diferenças significativas entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros da União e o da República Islâmica do Irão, não existe tal confiança no sistema jurídico iraniano. O Ministério Público conclui daí que a condenação proferida contra X no Irão não pode constituir um motivo válido para a não execução do mandado de detenção europeu emitido contra X.

25      A título subsidiário, o Ministério Público alega que o artigo 9.o, n.o 1, alínea e), da OLW não se opõe à execução desse mandado de detenção, uma vez que a pena pronunciada no Irão ainda não foi cumprida na íntegra e pode ser executada posteriormente. O Ministério Público invoca, a esse respeito, o mandado de detenção emitido pelas autoridades iranianas contra X devido ao desrespeito, por este último, dos prazos fixados para o pagamento da diya. A título igualmente subsidiário, o Ministério Público alega que, não se tendo os órgãos jurisdicionais iranianos pronunciado a respeito das acusações de sequestro de Y, a entrega de X deveria ser autorizada a esse título.

26      Nessas condições, o órgão jurisdicional de reenvio exprime, antes de mais, dúvidas quanto à questão de saber se o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro foi corretamente transposto para o direito neerlandês. Em especial, salienta que essa disposição enumera os motivos de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu, ao passo que o artigo 9.o, n.o 1, da OLW prevê que, perante tais motivos, a execução deve ser recusada, não dispondo a autoridade judiciária de execução de nenhuma margem de apreciação a esse respeito.

27      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, a fim de determinar se deve recusar, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, alínea e), da OLW, a entrega de X no que respeita ao sequestro voluntário de Y, cabe‑lhe verificar se esse facto, que é imputado a X na Alemanha, e a tentativa de homicídio de Y, facto pelo qual X foi condenado no Irão, dizem respeito aos «mesmos factos», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da OLW e do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro.

28      Por último, no que respeita aos factos pelos quais X foi condenado definitivamente no Irão, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a questão de saber se deve recusar, no todo ou em parte, a execução do mandado de detenção europeu em causa depende do alcance da condição, prevista no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, de que, em caso de condenação definitiva num país terceiro pelos mesmos factos, a sanção pronunciada «tenha sido cumprida ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação».

29      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, em especial, se uma medida de clemência como a concedida a X no Irão deve ser tida em conta no âmbito da aplicação do referido artigo 4.o, n.o 5.

30      Por considerar que a resposta à questão de saber se o mandado de detenção europeu emitido contra X pode ser executado depende da interpretação a dar ao artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 4.o, n.o 5, da [decisão‑quadro] ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o direito interno, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não recusar a execução do [mandado de detenção europeu]?

2)      Deve o conceito de “mesmos factos” previsto no artigo 4.o, n.o 5, da [decisão‑quadro] ser interpretado do mesmo modo que no artigo 3.o, n.o 2, da [decisão‑quadro]? Em caso de resposta negativa, de que modo deve este conceito ser interpretado na primeira disposição?

3)      Deve a condição do artigo 4.o, n.o 5, da [decisão‑quadro] de que “a pena tenha sido cumprida […] ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação” ser interpretada no sentido de que abrange uma situação em que a pessoa procurada foi definitivamente condenada pelos mesmos factos numa pena privativa de liberdade que cumpriu parcialmente no país de condenação e que lhe foi perdoada na parte restante por uma autoridade não judicial desse país, no âmbito de uma medida geral de clemência que também se aplica a pessoas condenadas que tenham cometido delitos graves, como a pessoa procurada, e que não se baseou em considerações racionais de política penal?»

 Pedido de tramitação prejudicial urgente

31      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

32      A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da decisão‑quadro, que faz parte dos domínios a que se refere o título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Por conseguinte, está abrangido pelo âmbito de aplicação da tramitação urgente definido no artigo 107.o do Regulamento de Processo e, portanto, pode ser submetido à tramitação prejudicial urgente.

33      Em segundo lugar, importa, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ter em consideração a circunstância de a pessoa em causa no processo principal estar atualmente privada de liberdade e de a sua manutenção em detenção depender da decisão do litígio no processo principal [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 28 e jurisprudência referida].

34      Ora, resulta da decisão de reenvio que a medida de detenção de que X é objeto foi ordenada no âmbito da execução do mandado de detenção europeu contra ele emitido e que a manutenção dessa medida depende da resposta do Tribunal de Justiça às questões prejudiciais.

35      Nestas condições, a Quinta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 18 de dezembro de 2020, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação prejudicial urgente.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

36      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o seu direito interno, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação a fim de determinar se deve ou não recusar a execução de um mandado de detenção europeu pelo motivo referido nessa disposição.

37      A título preliminar, importa recordar que a decisão‑quadro, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, destina‑se a facilitar e a acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, fixado à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 38 e jurisprudência referida].

38      No domínio regido pela decisão‑quadro, o princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, como resulta designadamente do considerando 6 desta, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra a sua expressão no artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro, que consagra a regra por força da qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições da referida decisão‑quadro [Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 39 e jurisprudência referida].

39      Decorre daí que as autoridades judiciárias de execução apenas podem, em princípio, recusar dar execução a tal mandado pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos na decisão‑quadro. Por conseguinte, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção, que deve ser objeto de interpretação estrita [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 37 e jurisprudência referida].

40      A decisão‑quadro enuncia expressamente, no seu artigo 3.o, os motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu e, nos artigos 4.o e 4.o‑A, os seus motivos de não execução facultativa [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 40 e jurisprudência referida].

41      No que respeita aos motivos de não execução facultativa enumerados no artigo 4.o da decisão‑quadro, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito da transposição da decisão‑quadro, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação. Assim, estes são livres de transpor ou não esses motivos para o seu direito interno. Podem igualmente limitar as situações em que a autoridade judiciária de execução pode recusar dar execução a um mandado de detenção europeu, facilitando assim a entrega das pessoas procuradas, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo contemplado no artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg, C‑123/08, EU:C:2009:616, n.os 58, 59 e 61).

42      Além disso, importa observar que, segundo os termos do artigo 4.o da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução «pode recusar» a execução de um mandado de detenção europeu pelos motivos enumerados nos n.os 1 a 7 desse artigo, entre os quais figura, nomeadamente, o facto de resultar das informações de que dispõe essa autoridade que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, esta tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou já não possa ser cumprida segundo as leis do país de condenação.

43      Resulta assim da redação do artigo 4.o da decisão‑quadro, em especial da utilização do verbo «poder», conjugado com o infinitivo do verbo «recusar», cujo sujeito é a autoridade judiciária de execução, que esta última deve, ela própria, dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não ser recusada a execução do mandado de detenção europeu pelos motivos referidos nesse artigo 4.o (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut, C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 33 e jurisprudência referida).

44      Daqui resulta que, quando optem pela transposição de um ou vários dos motivos de não execução facultativa previstos no artigo 4.o da decisão‑quadro, os Estados‑Membros não podem prever que as autoridades judiciárias devem recusar a execução de qualquer mandado de detenção europeu formalmente abrangido pelo âmbito de aplicação dos referidos motivos, sem estas terem a possibilidade de tomar em consideração as circunstâncias próprias de cada caso concreto.

45      Esta interpretação do artigo 4.o da decisão‑quadro é corroborada pelo contexto em que se inscreve este artigo.

46      Em primeiro lugar, com efeito, como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente sublinhado, a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, ao passo que a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 39].

47      Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, uma disposição nacional que prive a autoridade judiciária de execução da possibilidade de ter em conta as circunstâncias, próprias de cada caso, que podem levar a considerar que as condições da recusa de entrega não estão fundamentalmente preenchidas teria por efeito substituir a simples faculdade, prevista no artigo 4.o da decisão‑quadro, por uma verdadeira obrigação, transformando assim em princípio a exceção que constitui a recusa de entrega.

48      Em segundo lugar, a redação do artigo 4.o da decisão‑quadro deve ser comparada à do artigo 3.o desta, que, em conformidade com a sua epígrafe, enuncia motivos de «não execução obrigatória», por força dos quais a autoridade judiciária de execução «recusa» a execução do mandado de detenção europeu. Assim, a autoridade judiciária de execução não dispõe de nenhuma margem de apreciação ao abrigo do artigo 3.o da decisão‑quadro.

49      Além disso, a própria redação do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro é praticamente idêntica à do artigo 3.o, n.o 2, desta, salvo no caso de uma pessoa julgada definitivamente pelos mesmos factos «num país terceiro», enquanto o segundo visa o caso de uma pessoa que tenha sido definitivamente julgada pelos mesmos factos «por um Estado‑Membro».

50      Ora, a inexistência de uma margem de apreciação da autoridade judiciária de execução no âmbito da aplicação do motivo de não execução previsto no artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro decorre da exigência relativa ao respeito do princípio ne bis in idem contemplado no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

51      Esse princípio, tal como é garantido no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, implica que uma pessoa não pode ser perseguida penalmente num Estado‑Membro por uma infração pela qual já tenha sido absolvida ou já tenha sido condenada «na União».

52      A este respeito, importa recordar que o direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes com ele partilham, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.o TUE [Acórdão de 24 de setembro de 2020, Generalbundesanwalt beim Bundesgerichtshof (Princípio da especialidade), C‑195/20 PPU, EU:C:2020:749, n.o 30]. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros, nomeadamente nos respetivos sistemas de justiça penal.

53      O princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um destes Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 35 e jurisprudência referida].

54      Tal confiança mútua existe igualmente entre os Estados partes na CAAS, cujo artigo 54.o se opõe a que aquele que já tenha sido julgado definitivamente por um Estado contratante seja «[perseguido]» por outro Estado contratante (Acórdão de 29 de junho de 2016, Kossowski, C‑486/14, EU:C:2016:483, n.o 50 e jurisprudência referida).

55      Em contrapartida, uma confiança no sistema de justiça penal dos países terceiros que não são partes nesse acordo ou dos que não mantêm outras relações privilegiadas com a União não pode, em princípio, ser presumida, o que implica que deve ser reconhecida à autoridade judiciária de execução, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, uma margem de apreciação a fim de verificar se, tendo em conta o conjunto das circunstâncias particulares de cada caso, nomeadamente as condições em que a pessoa procurada foi julgada e, sendo caso disso, a condenação pronunciada contra ela foi executada, há que recusar a execução do mandado de detenção europeu.

56      Esta interpretação é, além disso, conforme com o objetivo do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro que, como decorre da redação dessa disposição e em conformidade com o artigo 67.o, n.o 1, TFUE, visa permitir à autoridade judiciária de execução garantir a segurança jurídica da pessoa procurada tomando em consideração o facto de esta ter sido julgada definitivamente pelos mesmos factos num país terceiro, desde que, em caso de condenação, esta tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não já possa ser cumprida segundo as leis do país de condenação (v., por analogia, no que diz respeito ao artigo 54.o da CAAS, Acórdão de 29 de junho de 2016, Kossowski, C‑486/14, EU:C:2016:483, n.o 44).

57      A este respeito, importa salientar que a condição de que a condenação tenha sido cumprida ou esteja em cumprimento ou já não possa ser cumprida segundo as leis do país de condenação, uma vez que tem por efeito, caso não esteja preenchida, impor a entrega da pessoa procurada a fim de que esta seja perseguida ou que cumpra a pena privativa de liberdade contra ela pronunciada, concorre para a realização do objetivo do mecanismo do mandado de detenção europeu que consiste em prevenir, no espaço de liberdade, segurança e justiça, a impunidade das infrações [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 47, e, por analogia, Acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic, C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 77].

58      Nesse contexto, importa recordar que a decisão‑quadro deve ser objeto de uma interpretação que seja suscetível de assegurar a conformidade com as exigências do respeito dos direitos fundamentais das pessoas em questão, sem, no entanto, pôr em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros, de que o mandado de detenção europeu, como previsto pelo legislador da União, constitui um dos elementos essenciais (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 63).

59      Ora, na medida em que, como decorre do n.o 55 do presente acórdão, os princípios da confiança mútua e do reconhecimento mútuo, que constituem os fundamentos do mecanismo do mandado de detenção europeu, não são automaticamente transponíveis relativamente às decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais de países terceiros, a realização do objetivo, enunciado no artigo 3.o, n.o 2, TUE, de prevenção da criminalidade e de combate a esta no espaço de liberdade, segurança e justiça correria o risco de ficar comprometido se a autoridade judiciária de execução, independentemente das circunstâncias particulares de cada caso, tivesse de recusar a entrega da pessoa procurada pelo motivo enunciado no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro.

60      Daqui resulta que a aplicação concreta do motivo de não execução previsto no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro deve ser deixada à apreciação da autoridade judiciária de execução que, para esse efeito, deve dispor de uma margem de apreciação que lhe permita proceder a um exame caso a caso, tomando em consideração o conjunto das circunstâncias pertinentes, em especial, as circunstâncias em que a pessoa procurada foi julgada no país terceiro, a fim de determinar se a não entrega dessa pessoa é suscetível de violar o interesse legítimo de todos os Estados‑Membros na prevenção da criminalidade no espaço de liberdade, segurança e justiça.

61      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio parece excluir, salvo recurso a uma interpretação contra legem, que a OLW possa ser aplicada de forma a reconhecer à autoridade judiciária de execução essa margem de apreciação.

62      A este respeito, importa recordar, por um lado, que sendo a decisão‑quadro desprovida de efeito direto, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não é obrigado, com fundamento unicamente no direito da União, a afastar a aplicação de uma disposição do seu direito nacional que é contrária à decisão‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 71 e jurisprudência referida).

63      Por outro lado, embora o caráter vinculativo de uma decisão‑quadro crie, para as autoridades nacionais, uma obrigação de interpretar o direito nacional, tanto quanto possível, à luz da letra e da finalidade da decisão‑quadro, a fim de alcançar o resultado por esta prosseguido, o princípio da interpretação conforme não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 72, 73, 76 e jurisprudência referida).

64      Todavia, esse princípio da interpretação conforme exige que se tome em consideração o direito interno no seu todo e se apliquem métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena efetividade da decisão‑quadro e alcançar uma solução conforme com a finalidade por esta prosseguida (Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 77 e jurisprudência referida).

65      No caso em apreço, o Governo neerlandês assinalou, na audiência no Tribunal de Justiça, que estava em vias de adoção uma proposta de lei destinada a alterar o artigo 9.o da OLW, a fim de o tornar conforme com a decisão‑quadro.

66      Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, nomeadamente, se, tendo em conta esta potencial alteração legislativa, o direito neerlandês pode ser objeto de uma aplicação tal que conduza a um resultado compatível com o pretendido pela decisão‑quadro.

67      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o seu direito interno, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação a fim de determinar se deve ou não recusar a execução de um mandado de detenção europeu pelo motivo previsto na referida disposição.

 Quanto à segunda questão

68      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «mesmos factos», que figura nessas duas disposições, deve ser objeto de uma interpretação uniforme.

69      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União, que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [Acórdão de 25 de junho de 2020, Ministerio Fiscal (Autoridade competente para receber um pedido de proteção internacional), C‑36/20 PPU, EU:C:2020:495, n.o 53 e jurisprudência referida].

70      No que respeita, em especial, ao conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro, o Tribunal de Justiça considerou que, na medida em que essa disposição não continha uma remissão para o direito dos Estados‑Membros relativamente a este conceito, este último deve ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 38).

71      O Tribunal de Justiça verificou, além disso, que o conceito de «mesmos factos» figurava igualmente no artigo 54.o da CAAS e, tendo em conta o objetivo comum deste artigo e do artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro, que consiste em evitar que uma pessoa seja de novo perseguida ou julgada num procedimento penal pelos mesmos factos, declarou que esses dois conceitos devem ser interpretados de forma idêntica, no sentido de que visam apenas a materialidade dos factos e de que englobam um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, independentemente da qualificação jurídica destes factos ou do interesse jurídico protegido (Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, EU:C:2010:683, n.os 39, 40 e jurisprudência referida).

72      À semelhança do artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro, o artigo 4.o, n.o 5, desta não contém nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros, pelo que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 69 do presente acórdão, o sentido e o alcance do conceito de «mesmos factos», que figura nessa disposição, devem igualmente ter, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa.

73      A este respeito, importa salientar, antes de mais, que este conceito está formulado em termos estritamente idênticos ao que figura no artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro.

74      No que respeita, em seguida, ao contexto em que estes dois conceitos se inscrevem, importa observar que a redação do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro é absolutamente comparável à do artigo 3.o, n.o 2, desta, com a ressalva de que esta última disposição, que prevê um dos «motivos de não execução obrigatória» do mandado de detenção europeu, diz respeito a uma decisão proferida «por um Estado‑Membro», ao passo que o artigo 4.o, n.o 5, dessa decisão‑quadro, que enuncia um dos «motivos de não execução facultativa», diz respeito a uma decisão proferida «por um país terceiro».

75      Nestas condições, razões de coerência e de segurança jurídica ditam que seja atribuído o mesmo alcance aos conceitos formulados em termos idênticos em cada uma dessas duas disposições, bem como no artigo 54.o da CAAS (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Özçelik, C‑453/16 PPU, EU:C:2016:860, n.o 33).

76      A circunstância de o artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro dizer respeito às decisões proferidas na União, ao passo que o seu artigo 4.o, n.o 5, visa as proferidas num país terceiro, não pode, enquanto tal, justificar que seja conferido um alcance diferente ao referido conceito.

77      É certo que a aplicação do princípio ne bis in idem pressupõe necessariamente a existência de confiança no sistema de justiça penal do país em que a decisão foi proferida (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2006, Van Esbroeck, C‑436/04, EU:C:2006:165, n.o 30 e jurisprudência referida). Ora, como decorre do n.o 55 do presente acórdão, o elevado grau de confiança existente entre os Estados‑Membros não pode ser presumido em relação a países terceiros e, em especial, ao sistema de justiça penal destes últimos.

78      Todavia, importa sublinhar, por um lado, que foi precisamente devido a esta incerteza que o legislador da União integrou entre os motivos de não execução facultativa, em vez de entre os motivos de não execução obrigatória, a circunstância de a pessoa procurada ter sido julgada definitivamente num país terceiro.

79      Ao fazê‑lo, com efeito, permite aos Estados‑Membros limitarem as situações em que a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu por esse motivo, facilitando assim a entrega das pessoas procuradas, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo consagrado no artigo 1.o, n.o 2, da decisão‑quadro (Acórdão de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg, C‑123/08, EU:C:2009:616, n.os 58 e 59).

80      Além disso, na medida em que, como resulta da resposta à primeira questão, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação no âmbito da aplicação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, essa autoridade deve, da mesma forma, ter em conta, a fim de determinar se deve ou não recusar a entrega da pessoa procurada, a confiança que pode legitimamente depositar no sistema de justiça penal do país terceiro em causa.

81      Por outro lado, conferir ao artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro e, em especial, ao conceito de «mesmos factos», na aceção desta, um alcance mais reduzido do que o reconhecido no artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro e no artigo 54.o da CAAS seria dificilmente conciliável com esta última disposição, dado que esta convenção é aplicável não só aos Estados‑Membros mas igualmente a certos países terceiros que a ela aderiram.

82      Por último, no que respeita à finalidade dessa disposição, importa recordar que, à semelhança do artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro, o artigo 4.o, n.o 5, desta visa permitir à autoridade judiciária de execução garantir a segurança jurídica da pessoa procurada tomando em consideração, no âmbito da margem de apreciação de que dispõe, o facto de esta ter sido julgada definitivamente pelos mesmos factos noutro Estado, o que intercede igualmente a favor de uma interpretação coerente do conceito de «mesmos factos», que figura nas referidas disposições.

83      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «mesmos factos», que figura nessas duas disposições, deve ser objeto de interpretação uniforme.

 Quanto à terceira questão

84      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, que sujeita a aplicação do motivo de não execução facultativa previsto nessa disposição à condição de que, em caso de condenação, a sanção tenha sido executada, que esteja atualmente a ser executada ou que já não possa ser executada segundo as leis do país de condenação, deve ser interpretado no sentido de que essa condição está preenchida quando a pessoa procurada foi condenada definitivamente pelos mesmos factos a uma pena de prisão que foi parcialmente executada no país terceiro no qual a condenação foi pronunciada, beneficiando ao mesmo tempo, quanto à parte restante desta, de uma remissão de pena concedida por uma autoridade não judicial desse país, graças a uma medida de clemência geral que beneficia igualmente pessoas condenadas por factos graves e que não procede a considerações objetivas de política penal.

85      Segundo os termos do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução do mandado de detenção europeu se resultar das informações de que dispõe que a pessoa procurada foi julgada definitivamente pelos mesmos factos por um país terceiro, «na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação» (a seguir «condição de execução»).

86      A este respeito, importa observar que o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro se refere, de maneira geral, às «leis do país de condenação», sem outras precisões sobre a causa da impossibilidade de executar a condenação.

87      Por conseguinte, em princípio, impõe‑se reconhecer todas as medidas de clemência previstas pelas leis do país de condenação que têm por efeito que a sanção proferida não já possa ser cumprida, e isto independentemente, nomeadamente, da gravidade dos factos, da autoridade que concedeu a medida, bem como das considerações em que esta se baseia.

88      Daqui resulta que uma remissão de pena, concedida em conformidade com o direito do país de condenação, não pode a priori ser excluída do âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, inclusive quando tenha sido concedida por uma autoridade não judicial graças a uma medida de clemência geral que beneficia igualmente pessoas condenadas por factos graves e que não procede a considerações objetivas de política penal.

89      Esta interpretação, baseada na redação do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, é corroborada pelo contexto desta disposição e pela finalidade prosseguida por esta, bem como, de modo mais geral, pelo objetivo da decisão‑quadro.

90      No que respeita, em primeiro lugar, ao contexto em que se inscreve o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, por um lado, importa salientar que a condição de execução prevista nessa disposição está formulada em termos praticamente idênticos à que figura no artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro. O artigo 54.o da CAAS contém igualmente essa condição redigida de forma absolutamente semelhante.

91      Por conseguinte, pelas mesmas razões que as expostas nos n.os 74 a 81 do presente acórdão, deve atribuir‑se a essa condição um alcance idêntico.

92      Por outro lado, importa observar que, por força do artigo 3.o, n.o 1, da decisão‑quadro, a autoridade judiciária de execução recusa a execução do mandado de detenção europeu «se a infração na origem do mandado de detenção estiver abrangida por amnistia no Estado‑Membro de execução, quando este for competente para o respetivo procedimento penal nos termos da sua legislação penal».

93      A amnistia, uma vez que tem geralmente por objetivo retirar aos factos nela visados o caráter criminoso, com a consequência de que a infração já não poderá dar origem a perseguição e, se já tiver sido proferida uma condenação, que um termo será dado à sua execução, implica, portanto, em princípio, que a sanção pronunciada já não pode ser cumprida, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro.

94      Todavia, não se pode considerar que o legislador da União, porque previu especificamente a hipótese da amnistia no Estado‑Membro de execução no artigo 3.o, n.o 1, dessa decisão‑quadro, tenha tido a intenção de excluir a amnistia no Estado‑Membro de condenação, ou mesmo outras medidas de clemência adotadas por uma autoridade não judicial desse Estado, do âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro.

95      Com efeito, como resulta da sua redação, o artigo 3.o, n.o 1, da decisão‑quadro visa a hipótese específica em que a infração cometida pela pessoa procurada não pode dar origem à instauração de procedimentos penais no Estado‑Membro de execução por estar abrangida por amnistia nesse Estado‑Membro, ao passo que a condição de execução prevista no artigo 4.o, n.o 5, e no artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro visa a situação, fundamentalmente diferente, em que a pessoa procurada foi condenada num país terceiro ou num Estado‑Membro que não o Estado‑Membro de execução.

96      Em segundo lugar, no que respeita à finalidade da condição de execução prevista no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, resulta do n.o 57 do presente acórdão que esta condição de execução consiste em prevenir, no espaço de liberdade, segurança e justiça, a impunidade das infrações.

97      A este respeito, importa recordar que, como resulta do artigo 67.o, n.o 3, TFUE, o objetivo definido para a União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, implica a necessidade de a União envidar esforços para garantir um elevado nível de segurança através de medidas de prevenção da criminalidade e de combate à mesma, através de medidas de coordenação e de cooperação entre as autoridades policiais e judiciárias e as outras autoridades competentes, bem como através do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal e, se necessário, através da aproximação das legislações penais (Acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic, C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 62).

98      Nesse contexto, a condição de execução reveste especial importância, dado que, no caso de não estar preenchida, tem por efeito prevenir a aplicação do princípio ne bis in idem e, portanto, impor a entrega da pessoa procurada a fim de que esta seja perseguida ou cumpra a pena privativa de liberdade contra ela pronunciada.

99      O princípio ne bis in idem enunciado tanto no artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro como no artigo 3.o, n.o 2, desta e no artigo 54.o da CAAS não visa, todavia, apenas evitar, no espaço de liberdade, segurança e justiça, a impunidade das pessoas condenadas por uma decisão penal definitiva, mas destina‑se igualmente a garantir a segurança jurídica através do respeito das decisões dos órgãos públicos que se tornaram definitivas (v., neste sentido, Acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic, C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 77).

100    Ora, a segurança jurídica das pessoas que foram objeto de uma decisão definitiva só pode ser garantida de forma útil se estas tiveram a certeza de que, uma vez condenadas e quando a sanção que lhes foi aplicada já não pode ser executada segundo as leis do país de condenação, se podem deslocar no interior da União sem o receio de novas perseguições pelos mesmos factos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Bourquain, C‑297/07, EU:C:2008:708, n.os 49 a 50), incluindo quando beneficiaram de uma remissão de pena concedida por uma autoridade não judicial, graças a uma medida de clemência geral que não procede a considerações objetivas de política penal.

101    No entanto, há que salientar que, ao contrário do motivo de não execução obrigatória previsto no artigo 3.o, n.o 2, da decisão‑quadro, na aplicação do qual a autoridade judiciária de execução não dispõe de nenhuma margem de apreciação, tal autoridade deve, como foi indicado no n.o 60 do presente acórdão, beneficiar, no âmbito da aplicação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 5, dessa decisão‑quadro, de uma margem de apreciação que lhe permita proceder a um exame caso a caso, tomando em consideração o conjunto das circunstâncias pertinentes. Entre estas figuram, nomeadamente, o facto de a pessoa procurada ter beneficiado de uma medida de clemência geral, a extensão dessa medida, bem como as condições em que a referida medida foi tomada.

102    Este exame das circunstâncias pertinentes deve ser efetuado à luz dos objetivos, recordados no n.o 99 do presente acórdão, prosseguidos pelo artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro e, de modo mais geral, do objetivo, enunciado no artigo 3.o, n.o 2, TUE, de prevenção da criminalidade e combate à mesma no espaço de liberdade, segurança e justiça.

103    Em especial, no exercício da margem de apreciação de que dispõe, a autoridade judiciária de execução deve ponderar, por um lado, a prevenção da impunidade e o combate à criminalidade e, por outro, a garantia da segurança jurídica da pessoa em causa a fim de alcançar o objetivo fixado à União de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, em conformidade com o artigo 67.o, n.os 1 e 3, TFUE.

104    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 5, da decisão‑quadro, que sujeita a aplicação do motivo de não execução facultativa previsto nessa disposição à condição de que, em caso de condenação, a sanção tenha sido executada, que esteja atualmente a ser executada ou que já não possa ser executada segundo as leis do país de condenação, deve ser interpretado no sentido de que essa condição está preenchida quando a pessoa procurada foi condenada definitivamente pelos mesmos factos a uma pena de prisão que foi parcialmente executada no país terceiro no qual a condenação foi pronunciada, beneficiando ao mesmo tempo, quanto à parte restante desta, de uma remissão de pena concedida por uma autoridade não judicial desse país, graças a uma medida de clemência geral que beneficia igualmente pessoas condenadas por factos graves e que não procede a considerações objetivas de política penal. Cabe à autoridade judiciária de execução, no exercício da margem de apreciação de que dispõe, ponderar, por um lado, a prevenção da impunidade e o combate à criminalidade e, por outro, a garantia da segurança jurídica da pessoa em questão.

 Quanto às despesas

105    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1)      O artigo 4.o, n.o 5, da DecisãoQuadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os EstadosMembros, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, quando um EstadoMembro tenha optado por transpor esta disposição para o seu direito interno, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação a fim de determinar se deve ou não recusar a execução de um mandado de detenção europeu pelo motivo previsto na referida disposição.

2)      O artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 5, da DecisãoQuadro 2002/584, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «mesmos factos», que figura nessas duas disposições, deve ser objeto de interpretação uniforme.

3)      O artigo 4.o, n.o 5, da DecisãoQuadro 2002/584, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299, que sujeita a aplicação do motivo de não execução facultativa previsto nessa disposição à condição de que, em caso de condenação, a sanção tenha sido executada, que esteja atualmente a ser executada ou que já não possa ser executada segundo as leis do país de condenação, deve ser interpretado no sentido de que essa condição está preenchida quando a pessoa procurada foi condenada definitivamente pelos mesmos factos a uma pena de prisão que foi parcialmente executada no país terceiro no qual a condenação foi pronunciada, beneficiando ao mesmo tempo, quanto à parte restante desta, de uma remissão de pena concedida por uma autoridade não judicial desse país, graças a uma medida de clemência geral que beneficia igualmente pessoas condenadas por factos graves e que não procede a considerações objetivas de política penal. Cabe à autoridade judiciária de execução, no exercício da margem de apreciação de que dispõe, ponderar, por um lado, a prevenção da impunidade e o combate à criminalidade e, por outro, a garantia da segurança jurídica da pessoa em questão.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.