ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
1 de Outubro de 1998 (1)
«Navegação interior Saneamento estrutural Condições para a entrada ao
serviço de novas embarcações Exclusão»
No processo T-155/97,
Natural van Dam AG, sociedade de direito suíço, com sede em Basileia (Suíça),
Danser Container Line BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em
Sliedrecht (Países Baixos), representadas por Marius J. van Dam, advogado no foro
de Roterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado
Fernand Entringer, 34 A, Rue Phillipe II,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Berend-Jan
Drijber e posteriormente por Laura Pignataro e Maurits Lugard, membros do
Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão SG(97) D/1862 da
Comissão, de 7 de Março de 1997, que recusa aos recorrentes o benefício do artigo
8.°, n.° 3, alínea c) do Regulamento (CEE) n.° 1101/89 do Conselho, de 27 de Abril
de 1989, relativo ao saneamento estrutural da navegação interior (JO L 116, p. 25),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),
composto por: P. Lindh, presidente, K. Lenaerts e J. D. Cooke, juízes,
secretário: A. Mair, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 14 de Maio de 1998,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- O Regulamento (CEE) n.° 1101/89 do Conselho de 27 de Abril de 1989 relativo ao
saneamento estrutural da navegação interior (JO L 116, p. 0025), a seguir
«Regulamento n.° 1101/89», pretende reduzir o excesso de capacidades de carga
que se manifestam em todos os sectores do mercado de transportes por via
navegável. Para tanto, são previstas uma acção de desmantelamento a nível
comunitário e medidas de acompanhamento. A regra «velho por novo» impõe ao
proprietário duma nova embarcação, para a sua colocação ao serviço, a obrigação
de desmantelar, sem prémio de desmantelamento, uma tonelagem equivalente à
desta embarcação. Se não proceder ao desmantelamento de qualquer embarcação,
deve pagar um contribuição especial para o fundo criado para este efeito, a que
está sujeita a sua nova embarcação (artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1101/89).
- 2.
- O artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89 prevê a possibilidade de
excluir da aplicação deste regime geral as «embarcações especializadas».
- 3.
- Em 7 de Dezembro de 1990, a Comissão, após consulta dos Estados-Membros e
das organizações representativas da navegação interior, estabeleceu uma nota
respeitante à definição dos critérios gerais da apreciação dos pedidos de exclusão
de embarcações especializadas do Regulamento n.° 1101/89 (a seguir «nota
interpretativa»).
- 4.
- Esta nota precisa que a exclusão pode ser concedida se estiverem cumulativamente
reunidas as três condições seguintes:
a embarcação deve estar especialmente concebida para o transporte de uma
categoria determinada de mercadorias e deve ser tecnicamente inapta, sem
modificação da sua construção, para o transporte de outras mercadorias;
a mercadoria não pode ser transportada ou não é admitida ao transporte
pelas embarcações que não disponham de instalações técnicas especiais;
o proprietário da embarcação especializada deve comprometer-se por
escrito a que nenhuma outra mercadoria seja transportada na sua
embarcação enquanto a regra «velho por novo» se aplicar e deve
declarar-se disposto a pagar posteriormente a contribuição especial «velho
por novo» se, por quaisquer razões, desejar transportar com a sua
embarcação outras mercadorias durante o período de aplicação da regra
«velho por novo».
- 5.
- Natural van Dam AG e Danser Container Line BV, que exploram uma linha de
contentores no Reno, encaravam a possibilidade de mandar construir três
embarcações especializadas destinadas ao transporte de substâncias perigosas em
contentores, arvorando a bandeira suíça ou a de um Estado-Membro.
- 6.
- Em 5 de Julho de 1996, apresentaram à Comissão um pedido de exclusão ao
abrigo do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89.
- 7.
- Em apoio do seu pedido, sublinharam os benefícios, tanto para o mercado da
navegação como para a política geral de transportes, que preconiza o
descongestionamento de transporte rodoviário, do desenvolvimento do transporte
fluvial de substâncias perigosas através de embarcações especializadas não sujeitas
a restrições quantitativas. Argumentaram que o pagamento da contribuição prevista
pelo Regulamento n.° 1101/89 tornaria o seu projecto económica e comercialmente
inviável, provocando por esse facto um efeito contrário ao que se esperava da
política geral dos transportes.
- 8.
- Além disso, enumeraram as especificações técnicas destas embarcações que
respondiam às exigências de segurança e informaram quanto às dificuldades
financeiras inerentes a estas. Na sua opinião, a importância dos investimentos
realizados justificava a exoneração do pagamento da contribuição «velho por
novo».
- 9.
- Finalmente, alegaram que estas embarcações especializadas continuariam a servir
para o transporte de contentores contendo outras mercadorias, sendo o transporte
destas normalmente assegurado por navios convencionais.
- 10.
- Em 25 de Outubro de 1996, os Estados-Membros e as organizações representativas
da navegação interior foram consultados em conformidade com o procedimento
previsto no artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89.
- 11.
- Na sequência desta consulta, a Comissão informou os requerentes, por carta de 7
de Março de 1997 [SG(97) D/1862], que não lhes concedia a exoneração solicitada
(a seguir «decisão impugnada»).
- 12.
- Referindo-se às condições constantes da nota interpretativa, a Comissão sublinhou,
por um lado, que as três embarcações em questão eram tecnicamente aptas para
o transporte de mercadorias diferentes das substâncias perigosas e, por outro lado,
que estas últimas substâncias podem ser transportadas em embarcações
convencionais que respondam às prescrições técnicas do regulamento relativo ao
transporte de substâncias perigosas no Reno (a seguir «regulamento ADNR»).
- 13.
- A Comissão deduziu daí que a entrada ao serviço das embarcações em questão
teria por efeito um aumento da capacidade da frota sujeita às medidas de
saneamento estrutural e, por conseguinte, que estas embarcações não podiam ser
consideradas como «especializadas» na acepção do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do
Regulamento n.° 1101/89.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 14.
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 7 de Maio de 1997, os
recorrentes interpuseram o presente recurso de anulação da decisão impugnada.
- 15.
- Com base no relatório preliminar do juiz relator, o Tribunal (Quarta Secção)
decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Todavia, nos termos do artigo
64.° do Regulamento de Processo, pediu aos recorrentes que lhe transmitissem o
regulamento ADNR. Os recorrentes deram satisfação a este pedido.
- 16.
- Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo
Tribunal na audiência de 14 de Maio de 1998.
- 17.
- As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão impugnada;
condenar a recorrida nas despesas.
- 18.
- A Comissão, recorrida, conclui pedindo que o Tribunal se digne:
negar provimento ao recurso;
condenar as recorrentes nas despesas.
Quanto ao mérito
- 19.
- Em apoio do seu pedido, as recorrentes invocam um número importante de
argumentos, que agrupam em dois fundamentos, baseados respectivamente na
violação do Regulamento n.° 1101/89 e na violação pela Comissão da obrigação de
fundamentação.
Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do Regulamento n.° 1101/89
Argumentos das partes
- 20.
- Os recorrentes consideram que as suas embarcações são especializadas na acepção
do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89 e devem, por
conseguinte, beneficiar da excepção à regra «velho por novo».
- 21.
- Em apoio da sua tese, as recorrentes invocam quatro argumentos.
- 22.
- Em primeiro lugar, a Comissão não fez, na decisão impugnada, uma análise
correcta do objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1101/89. Este objectivo não
é travar a passagem de novos fluxos de transporte rodoviário de mercadorias para
o transporte fluvial, mas, pelo contrário, desenvolver esta alternativa. Em apoio da
sua afirmação, as recorrentes invocam o segundo considerando do Regulamento
n.° 1101/89, nos termos do qual a diminuição da parte da navegação interior no
mercado global dos transportes se deve às mutações progressivas das indústrias de
base cujo abastecimento é essencialmente assegurado por via navegável.
Acrescentam que as três embarcações contribuíram para a criação dum sector do
transporte de substâncias perigosas específicas, que, pela sua novidade, não se
encontrava na situação de excesso de capacidade que o Regulamento n.° 1101/89
pretende reduzir. Concluem que, segundo uma interpretação útil do artigo 8.°, n.° 3,
alínea c) do mesmo Regulamento, as suas embarcações deveriam beneficiar da
exoneração.
- 23.
- Em segundo lugar, as recorrentes contestam a tese da Comissão segundo a qual a
possibilidade de transportar outras mercadorias obsta a que as suas embarcações
sejam qualificadas como embarcações especializadas. Sustentam que esta
possibilidade tem por consequência desenvolver um novo segmento de mercado do
transporte fluvial, a saber, o transporte de substâncias perigosas em contentores,
onde não se verifica um excesso de capacidade estrutural, e permite à navegação
interior conquistar uma nova parte do mercado dos transportes em geral.
- 24.
- Em terceiro lugar, as recorrentes contestam a afirmação da Comissão segundo a
qual as três embarcações contribuiriam para o aumento da capacidade da frota. A
este propósito, retomam os argumentos relativos ao objectivo do Regulamento
n.° 1101/89, precisando que as três embarcações estiveram na origem de um novo
conceito logístico de onde resultou a criação do mercado específico do transporte
por contentores. Esse novo mercado asseguraria o transporte referido por navios,
substituindo assim o transporte rodoviário actualmente utilizado. As recorrentes
acrescentam que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, as suas embarcações
teriam, por conseguinte, oferecido uma nova capacidade concorrencial que não
aumentou a capacidade das frotas dos outros sectores.
- 25.
- Em quarto lugar, consideram que as características técnicas das embarcações erespectiva conformidade com o regulamento ADNR (Anexo B1, n.os 10111 e
seguintes, e 10400 e seguintes do regulamento ADNR) punham em evidência a sua
especificidade. Na sua opinião, resulta do regulamento ADNR que, neste caso,
estão em causa não substâncias perigosas genericamente consideradas, mas
substâncias perigosas especiais que exigem das embarcações destinadas ao
respectivo transporte o respeito de características técnicas especiais.
- 26.
- As embarcações dos recorrentes pertencem, assim, a uma categoria específica no
quadro do regulamento ADNR. A este propósito, as recorrentes contestam a
afirmação da Comissão segundo a qual a aplicação e o respeito do regulamento
ADNR não subentende a especificidade das embarcações. Na opinião das
recorrentes, a fim de tornar comercialmente possível o projectado transporte de
substâncias perigosas específicas nas águas interiores, são utilizadas nas
embarcações em questão técnicas especiais de construção, de que não beneficiam
as embarcações convencionais. Além disso, tanto as técnicas especiais de
construção como a não aplicação às embarcações projectadas das proibições de
grupagens estabelecidas pelo regulamento ADNR caracterizam a especialização das
referidas embarcações.
- 27.
- A Comissão contesta a pertinência de todos estes argumentos, considerando que
estes são contrários ao objectivo fixado pelo Regulamento n.° 1101/89, que é o de
reduzir o excesso de capacidade estrutural no sector da navegação interior. Os
navios em questão não respondem a nenhuma das três condições cumulativas de
exoneração definidas na nota interpretativa. A este propósito, a recorrida salienta
mais particularmente o facto de as embarcações deverem vir a ser utilizadas no
transporte de vários tipos de mercadorias. Finalmente, considera que o carácter
especializado das embarcações na acepção do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do
Regulamento n.° 1101/89 não pode resultar do respeito das prescrições do
regulamento ADNR, já que este se aplica de forma geral a todas as embarcações
afectas ao transporte de substâncias perigosas.
Apreciação do Tribunal
- 28.
- O artigo 1.° do Regulamento n.° 1101/89 dispõe:
«1. As embarcações de navegação interior afectas ao transporte de mercadorias
entre dois ou mais pontos nas vias navegáveis dos Estados-membros ficam
sujeitas a medidas de saneamento estrutural do sector da navegação
interior, nas condições previstas no presente regulamento.
2. As medidas referidas no número anterior abrangem:
a redução do excesso de capacidades estruturais, através de acções de
desmantelamento, coordenadas no plano comunitário,
medidas de acompanhamento destinadas a evitar o agravamento do
excesso de capacidades existentes ou o aparecimento de novos
excessos de capacidade.»
- 29.
- Esta disposição deve ser interpretada à luz do segundo e sexto considerandos do
regulamento, nos termos dos quais:
«Considerando que as previsões não permitem encarar um aumento da
procura neste sector, nos anos mais próximos, suficiente para absorver esse
excesso de capacidade; que, com efeito, a parte que a navegação interior
representa no mercado global dos transportes continua a diminuir, devido
às mutações progressivas das indústrias de base cujo abastecimento é
essencialmente assegurado por via navegável;
(...)
Considerando que o excesso de capacidade se manifesta, de modo geral, em
todos os sectores do mercado de transportes por via navegável; que as
medidas a adoptar devem, portanto, ter carácter geral e abranger todas as
embarcações de carga, bem como os rebocadores-empurradores (...)»
- 30.
- O artigo 8.°, n.° 3, alínea c) do Regulamento dispõe:
«c) A Comissão pode, após consulta aos Estados-membros e às
organizações representativas da navegação interior a nível comunitário,
excluir embarcações especializadas do âmbito de aplicação do n.° 1.»
- 31.
- Constituindo uma derrogação do regime geral aplicável, esta disposição deve ser
interpretada de forma estrita, atendendo à finalidade do Regulamento n.° 1101/89.
- 32.
- As recorrentes consideram poder beneficiar da referida derrogação,
designadamente pelo facto de o regulamento n.° 1101/89 não se opor à entrada em
serviço de novas embarcações que operam num segmento de mercado da
navegação interna que consiste no transporte de substâncias perigosas em
contentores. Com efeito, este tipo de transporte representa uma oferta nova que
não contribui para o aumento do excesso de capacidade existente no mercado da
navegação interior.
- 33.
- Todavia, as recorrentes afirmaram ao longo do processo que as embarcações
consideradas se destinavam ao transporte não apenas de substâncias perigosas mas
também de outras mercadorias (v. n.° 9 supra). Durante a audiência, precisaram
mesmo que tinham a intenção de transportar outras mercadorias na medida em
que o transporte apenas de substâncias perigosas em contentores não seria
economicamente viável.
- 34.
- Por isso, resulta claramente das explicações das recorrentes que as suas
embarcações contribuiriam para o aumento da capacidade de carga das frotas
encarregadas do transporte de mercadorias que se encontram já em situação de
excesso de capacidade. A entrada ao serviço destas embarcações contrariaria, por
conseguinte, os objectivos do Regulamento n.° 1101/89.
- 35.
- A este propósito, não tem qualquer relevância o facto de as embarcações em causa
operarem num segmento distinto do mercado da navegação interior, a saber, o
mercado do transporte em contentores. A concessão de uma exoneração nos
termos do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89 exige, em
conformidade com a economia e a finalidade desse regulamento, que as novas
embarcações não contribuam para o aumento da capacidade de transporte de
mercadorias que podem ser transportadas por outros navios que já operam no
mercado da navegação interior. É, por conseguinte, obrigatório tomar em conta o
mercado da navegação interior no seu conjunto, para apreciar se a entrada ao
serviço de uma nova embarcação contribui para o aumento do excesso de
capacidade existente neste sector.
- 36.
- O argumento das recorrentes segundo o qual as suas embarcações teriam
contribuído para o descongestionamento de transporte rodoviário e para o
aumento da capacidade concorrencial da navegação interior também não invalida
a conclusão de que a entrada em serviço das embarcações dos recorrentes teria
contrariado o objectivo do Regulamento n.° 1101/89. Com efeito, resulta das
explicações das recorrentes fornecidas no decurso da fase escrita do processo,
nomeadamente da sua afirmação de que as embarcações poderiam transportar
outras mercadorias abrangidas pelo mercado da navegação interior (v. n.os 33 e 34
supra), que o objectivo prosseguido no quadro do projecto de entrada ao serviço
das suas embarcações não era unicamente permitir o descongestionamento do
transporte rodoviário. Nestas condições, por muito legítimo que seja em si mesmo
o objectivo de descongestionamento do transporte rodoviário, não podia
justificar-se uma operação que tem por efeito o agravamento do excesso de
capacidade existente.
- 37.
- Finalmente, quanto aos argumentos das recorrentes segundo os quais a natureza
especializada das embarcações em questão resultava do respeito por estas das
prescrições do regulamento ADNR, deve precisar-se que as regras de segurança
e as condições técnicas estabelecidas por este regulamento se aplicam, segundo a
natureza e as propriedades físicas das substâncias transportadas, de forma mais ou
menos obrigatória ao conjunto das embarcações destinadas ao transporte de
substâncias perigosas. Com efeito, as substâncias perigosas na acepção do
regulamento ADNR incluem todos os objectos e matérias cujo transporte só seja
autorizado em certas condições.
- 38.
- Por consequência, mesmo que as embarcações em questão respondessem
efectivamente, no que respeita à sua construção, a severas prescrições do
regulamento ADNR, não se tratava de embarcações especializadas na acepção do
artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89.
- 39.
- A respectiva conformidade com as prescrições do regulamento ADNR é, portanto,
desprovida de qualquer pertinência para a solução do litígio.
- 40.
- Além disso, resulta das explicações das recorrentes que o respeito das severas
condições técnicas exigidas pelo regulamento ADNR permitiria às embarcações em
questão não ficar sujeitas às proibições de grupagem. Estas embarcações seriam,
portanto, autorizadas a transportar simultaneamente vários tipos de mercadorias,
de modo que seriam susceptíveis de contribuir para o excesso de capacidade
existente no sector do transporte fluvial.
- 41.
- Daí resulta que a Comissão tinha razões legais para considerar que as embarcações
em causa não deveriam ser exoneradas, em razão, nomeadamente, da vontade dos
recorrentes de transportar mercadorias diferentes daquelas para as quais as suas
embarcações estão especialmente concebidas.
- 42.
- Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.
Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação pela Comissão da sua
obrigação de fundamentação
Argumentos das partes
- 43.
- As recorrentes censuram a falta de exaustão do estudo das características técnicas
das embarcações pela Comissão. Esta, ao considerar que a entrada ao serviço das
três embarcações contribuiria para o aumento de capacidade de carga da frota, não
tomou em consideração os benefícios resultantes da conquista de um novo
mercado, até então detido pelo transporte rodoviário, para a navegação interior.
- 44.
- Por outro lado, a Comissão não indicou o conteúdo do ponto de vista dos
Estados-Membros e das organizações interessadas. Além disso, na sua apreciação,
estes últimos basearam-se em factos incorrectos. Com efeito, as substâncias
perigosas consideradas não podiam ser objecto de transporte através de barcos
convencionais que não dispusessem de instalações específicas, contrariamente ao
que afirma a Comissão.
- 45.
- A Comissão contesta estes argumentos. Sustenta nomeadamente que o simples
facto de as três embarcações estarem tecnicamente aptas para o transporte de
outras mercadorias justificava a recusa de concessão de uma exoneração às
recorrentes, o que resultava expressamente da decisão impugnada.
- 46.
- Além disso, a opinião dos Estados-Membros e das organizações interessadas que,
diga-se de passagem, não tinha carácter vinculativo, sustentava amplamente a
decisão impugnada.
Apreciação do Tribunal
- 47.
- A obrigação de fundamentar uma decisão individual tem como objectivo permitir
ao juiz comunitário exercer o seu controlo de legalidade e ao interessado conhecer
os fundamentos da medida tomada, a fim de defender os seus direitos e verificar
se a decisão é ou não razoável (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça
de 28 de Março de 1984, Bertoli/Comissão, 8/83, Recueil, p. 1649, n.° 12; acórdãos
do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1992, La Cinq/Comissão,
T-44/90, Colect. p. II-1, n.° 42, e de 29 de Junho de 1993,Asia Motor France e o./
Comissão, T-7/92, Colect. p. II-669, n.° 30).
- 48.
- Assim, a Comissão não é obrigada, na fundamentação das suas decisões, a tomarposição sobre todos os argumentos que os interessados invocam em apoio do seu
pedido. Basta-lhe expor os factos e as considerações jurídicas que revestem uma
importância essencial na estrutura da decisão.
- 49.
- Na decisão impugnada, a Comissão expõe as características principais das
embarcações e a sua aptidão técnica para o transporte de outras mercadorias,
elementos de facto que, na sua opinião, justificam a referida decisão à luz da nota
interpretativa.
- 50.
- A Comissão fundamentou, portanto, de forma juridicamente satisfatória, a sua
recusa de qualificar as embarcações em questão como embarcações especializadas
na acepção do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento n.° 1101/89.
- 51.
- Além disso, os recorrentes não podem censurar a instituição por não ter
mencionado o ponto de vista dos Estados-Membros e das organizações
interessadas. Com efeito, resulta do artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do Regulamento
n.° 1101/89 e do décimo terceiro considerando deste regulamento que os
Estados-Membros e as organizações representativas da navegação interior têm um
papel consultivo. Daí resulta que a Comissão não é obrigada a seguir a posição
adoptada por estas instâncias. Tendo o ponto de vista destas apenas o valor de um
parecer, a eventual divergência de pontos de vista entre elas e a Comissão não
poria em causa a validade da decisão da instituição. Nestas condições, a Comissão
não era obrigada a informar os recorrentes do ponto de vista pormenorizado dos
Estados-Membros e das organizações interessadas.
- 52.
- Daí resulta que a decisão impugnada não sofre de qualquer insuficiência de
fundamentação.
- 53.
- Por conseguinte, o segundo fundamento deve também ser julgado improcedente.
- 54.
- Resulta do exposto que o recurso deve ser julgado improcedente na sua totalidade.
Quanto às despesas
- 55.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas se a parte contrária o tiver requerido. Tendo as
recorrentes sido vencidas, devem ser condenadas nas despesas, em conformidade
com o pedido feito nesse sentido pela Comissão.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),
decide:
- 1.
- É negado provimento ao recurso.
- 2.
- As recorrentes são condenadas nas despesas.
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em de Setembro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
P. Lindh