Language of document : ECLI:EU:C:2019:333

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 30 de abril de 2019 (1)

Processos apensos C708/17 e C725/17

«EVN Bulgaria Toplofikatsia» EAD

contra

Nikolina Stefanova Dimitrova

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad, Bulgária)]

e

«Toplofikatsia Sofia» EAD

contra

Mitko Simeonov Dimitrov,

com intervenção de:

«Termokomplekt» OOD

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sofia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Aquecimento urbano — Edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento — Proteção dos consumidores — Diretiva 2011/83/UE — Artigo 27.o — Fornecimento não solicitado — Legislação nacional que prevê que os condóminos devem contribuir para as despesas de aquecimento, mesmo que não o utilizem nas suas frações — Eficácia energética ‑ Diretiva 2006/32/CE ‑ Artigo 13.o, n.o 2 — Diretiva 2012/27/UE — Artigo 10.o, n.o 1 — Faturação da energia baseada no consumo efetivo — Legislação nacional que prevê que uma parte das despesas de aquecimento é repartida entre os condóminos em função do volume aquecido das suas frações»






I.      Introdução

1.        Com dois pedidos de decisão prejudicial, o Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad, Bulgária) e o Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária) submeteram ao Tribunal de Justiça várias questões que incidem, em substância, sobre a compatibilidade da legislação búlgara em matéria de fornecimento de energia térmica com a Diretiva 2011/83/UE (2) relativa aos direitos dos consumidores, a Diretiva 2006/32/CE (3) relativa à eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos e a Diretiva 2012/27/UE (4) relativa à eficiência energética.

2.        Esses pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, a sociedade EVN Bulgaria Toplofikatsia EAD (a seguir «EVN») a Nikolina Stefanova Dimitrova e, por outro, a sociedade Toplofikatsia Sofia EAD a Mitko Simeonov Dimitrov sobre à recusa destes particulares em pagar as suas faturas de aquecimento. Contestam as faturas em causa, alegando que, embora os seus prédios sejam abastecidos por uma rede de aquecimento, não consentiram em ter o aquecimento urbano e não o utilizam nos respetivos apartamentos.

3.        As numerosas questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio dizem essencialmente respeito a duas problemáticas. Por um lado, esses órgãos jurisdicionais interrogam‑se sobre o ponto de saber se a legislação búlgara, na medida em que prevê que os condóminos de edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento devem contribuir para as despesas de aquecimento mesmo que, à semelhança de N. Dimitrova e de M. Dimitrov, dele não façam uso nas suas frações, impõe aos particulares, na mesma situação, que aceitem um fornecimento não solicitado de aquecimento urbano, contrário ao artigo 27.o da Diretiva 2011/83.

4.        Por outro lado, o Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad) interroga‑se sobre a compatibilidade da legislação em questão, na medida em que prevê que uma parte dessas despesas seja repartida entre os condóminos em função do volume aquecido das suas frações, isto é, independentemente do seu consumo efetivo, com as disposições das Diretivas 2006/32 e 2012/27 que obrigam os Estados‑Membros a assegurarem, em determinadas circunstâncias, que a faturação da energia fornecida aos consumidores finais seja «baseada no consumo real».

5.        Nas presentes conclusões, explicarei as razões por que, em meu entender, as Diretivas 2011/83, 2006/32 e 2012/27 não se opõem a tal legislação nacional.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Direito do consumo

6.        O artigo 3.o da Diretiva 2011/83, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente diretiva aplica‑se, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor. Aplica‑se também aos contratos de fornecimento de água, gás, eletricidade ou aquecimento urbano, incluindo por fornecedores públicos, na medida em [que] estes produtos de base sejam fornecidos numa base contratual.

[…]

5.      A presente diretiva não prejudica o direito nacional no domínio dos contratos em geral, nomeadamente as regras relativas à validade, à formação ou aos efeitos dos contratos, na medida em que estes aspetos do direito nacional geral dos contratos não estejam regulados na presente diretiva.

[…]»

7.        O artigo 27.o desta diretiva, intitulado «Fornecimento não solicitado», dispõe:

«O consumidor está isento da obrigação de pagar qualquer contrapartida nos casos de fornecimento não solicitado de bens, água, gás, eletricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou de prestação não solicitada de serviços, proibidos nos termos do artigo 5.o, n.o 5 e do ponto 29 do anexo I da [Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (5)]. A ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.»

8.        O anexo I da Diretiva 2005/29, intitulado «Práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias», menciona, no seu ponto 29, o facto de «[e]xigir o pagamento imediato ou diferido ou a devolução ou a guarda de produtos fornecidos pelo profissional que o consumidor não tinha solicitado […] (fornecimento não solicitado)».

2.      Diretivas relativas à eficiência energética

9.        A Diretiva 2006/32 foi substituída, com efeitos a partir de 5 de junho de 2014, pela Diretiva 2012/27 (6). No entanto, tendo em conta os períodos abrangidos pelos factos dos processos principais, estas duas diretivas são‑lhes aplicáveis.

10.      O artigo 13.o da Diretiva 2006/32, intitulado «Contagem e faturação discriminada do consumo de energia», dispunha:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que, na medida em que seja tecnicamente viável, financeiramente razoável e proporcional às potenciais economias de energia, sejam fornecidos aos consumidores finais de eletricidade, gás natural, sistemas urbanos de aquecimento e/ou de arrefecimento e água quente para uso doméstico, contadores individuais a preços competitivos que reflitam com exatidão o consumo real de energia do consumidor final e que deem informações sobre o respetivo período real de utilização.

Em caso de substituição de contadores já existentes, devem ser sempre fornecidos contadores individuais a preços competitivos, a menos que tal seja tecnicamente inviável ou não seja rentável relativamente ao potencial estimado de economia a longo prazo. No caso de uma nova ligação num novo edifício ou de grandes obras de renovação, na aceção da [Diretiva 2002/91/CE relativa ao desempenho energético dos edifícios (7)], devem ser sempre fornecidos contadores individuais a preços competitivos.

2.       Os Estados‑Membros devem assegurar que, quando adequado, a faturação efetuada pelos distribuidores de energia, pelos operadores das redes de distribuição e pelos comercializadores de energia a retalho se baseie no consumo real de energia e seja apresentada em termos claros e compreensíveis. […].

[…]»

11.      O artigo 9.o da Diretiva 2012/27, intitulado «Contagem», retoma, no seu n.o 1, o disposto no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/32. O n.o 3 do referido artigo 9.o prevê:

«Se o aquecimento e o arrefecimento ou a água quente forem fornecidos a um edifício por uma rede de aquecimento urbano ou por uma central que sirva vários edifícios, deve ser instalado um calorímetro ou um contador de água quente no permutador de calor ou no ponto de chegada.

Nos prédios de apartamentos e nos edifícios multiusos alimentados por uma fonte de aquecimento/arrefecimento central, por uma rede de aquecimento urbano ou por uma central que sirva vários edifícios, devem ser também instalados contadores individuais até 31 de dezembro de 2016 para medir o consumo de calor, de frio ou de água quente de cada unidade, se tal for tecnicamente viável e rentável. Se a utilização de contadores individuais não for tecnicamente viável ou rentável para medir o calor, devem ser utilizados calorímetros individuais para medir o consumo de calor em cada radiador, a não ser que o Estado‑Membro em causa prove que a instalação desses calorímetros não seria rentável. Nesses casos, poderá ponderar‑se o recurso a métodos alternativos de medição do consumo de calor que sejam rentáveis.

Caso os prédios de apartamentos sejam alimentados por um sistema de aquecimento e arrefecimento urbano ou se neles prevalecerem sistemas próprios comuns de aquecimento ou arrefecimento, para assegurar a transparência e a exatidão da contagem do consumo individual, os Estados‑Membros podem introduzir regras transparentes em matéria de repartição dos custos do consumo térmico ou de água quente nesses edifícios. Se adequado, essas regras devem incluir orientações quanto à repartição dos custos de calor e/ou água quente, do seguinte modo:

a)      Água quente para uso doméstico;

b)      Calor irradiado pela instalação do edifício para efeitos de aquecimento das zonas comuns (caso as escadas e os corredores estejam equipados com radiadores);

c)      Aquecimento dos apartamentos.»

12.      O artigo 10.o da Diretiva 2012/27, intitulado «Informações sobre a faturação», prevê, no seu n.o 1:

«Caso os consumidores finais não disponham dos contadores inteligentes a que se referem [a Diretiva 2009/72/CE que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (8) e a Diretiva 2009/73/CE que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural (9)], os Estados‑Membros asseguram, até 31 de dezembro de 2014, que as informações sobre a faturação sejam precisas e baseadas no consumo efetivo, em conformidade com o anexo VII, ponto 1.1, para todos os setores abrangidos pela presente diretiva, incluindo os distribuidores de energia, os operadores das redes de distribuição e as empresas de venda de energia a retalho, sempre que tal seja tecnicamente viável e economicamente justificado.

[…]»

13.      O ponto 1.1 do anexo VII da Diretiva 2012/27, intitulado «Faturação com base no consumo efetivo», enuncia:

«A fim de permitir que os consumidores finais regulem o seu próprio consumo de energia, a faturação deverá ser estabelecida com base no consumo efetivo pelo menos uma vez por ano […].»

B.      Direito búlgaro

14.      O artigo 133.o, n.o 2, da Zakon za energetikata (Lei da Energia) (10) dispõe que «[a] ligação das instalações dos clientes num edifício em regime de propriedade horizontal [se efetua] com o consentimento escrito dos condóminos representativos de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio».

15.      O artigo 142.o, n.o 2, desta lei dispõe que «[a] energia térmica destinada ao aquecimento de um edifício em regime de propriedade horizontal [se subdivide] em calor emitido pela instalação interior, em energia térmica destinada ao aquecimento das partes comuns e em energia térmica destinada ao aquecimento das frações».

16.      O artigo 149.o‑A, n.o 1, da referida lei enuncia que «[o]s clientes de energia térmica num edifício em regime de propriedade horizontal podem adquirir a energia térmica de um fornecedor escolhido por acordo escrito dos condóminos representativos de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio».

17.      O artigo 149.o‑B da mesma lei especifica o conteúdo do contrato escrito previsto em caso de venda de energia térmica por um fornecedor a clientes residentes num edifício em regime de propriedade horizontal.

18.      Nos termos do disposto no artigo 153.o, n.os 1, 2 e 6, da Lei da Energia:

«1.      Todos os proprietários e titulares de um direito real de uso de uma fração, num edifício em regime de propriedade horizontal ligado ao ramal de ligação ou a um ramal autónomo deste, são clientes de energia térmica e são obrigados a instalar aparelhos para a repartição do consumo de energia térmica, previstos no artigo 140.o, n.o 1, ponto 2, nos emissores de calor que se encontram nas suas frações e de pagar as despesas relativas ao consumo de energia térmica, nas condições e de acordo com as modalidades estabelecidas pelo regulamento em causa, referido no artigo 36.o, n.o 3.

2.      Sempre que os proprietários representativos de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio e ligados ao ramal de ligação ou a um ramal autónomo deste não queiram ser clientes de energia térmica destinada ao aquecimento ou à água quente, devem declará‑lo por escrito à empresa de transporte de energia térmica e pedir a cessação do abastecimento em energia térmica destinada ao aquecimento ou à água quente desse ramal de ligação ou de um ramal autónomo deste.

[…]

6.      Os clientes residentes num edifício em regime de propriedade horizontal que tenham cortado a alimentação de energia térmica dos emissores de calor que se encontram nas suas frações, continuam a ser clientes de energia térmica no que respeita ao calor emitido pela instalação interior e pelos emissores de calor situados nas partes comuns do prédio.»

19.      O naredba za toplosnabdyavaneto (Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano), n.o 16‑334, de 6 de abril de 2007, prevê as modalidades e condições técnicas relativas ao aquecimento urbano, à gestão operacional do sistema de aquecimento, à ligação dos produtores e dos clientes à rede de aquecimento, à distribuição, à suspensão e à supressão da ligação ao aquecimento urbano.

20.      Decorre do artigo 61.o, n.o 1, deste regulamento que, para os edifícios em regime de propriedade horizontal, a repartição do consumo de energia térmica entre os condóminos/clientes de energia deve ser efetuada em conformidade com as regras previstas pela metodologia constante do anexo ao referido regulamento (a seguir «metodologia prevista pelo Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano»).

21.      O ponto 6.1.3. da metodologia prevista no Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano enuncia que «[a] quantidade de energia térmica […] emitida pela instalação interior é repartida proporcionalmente ao volume aquecido das frações de acordo com a planta do imóvel».

III. Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A.      Processo C708/17

22.      N. Dimitrova é proprietária de um apartamento num edifício em regime de propriedade horizontal sito na cidade de Plovdiv (Bulgária). Esse edifício está equipado com uma instalação interior de aquecimento e de água quente (11) ligada a uma rede de aquecimento urbano (12). A EVN fornece ao referido prédio, através dessa rede, a energia térmica utilizada para o aquecimento e a água quente para uso doméstico.

23.      Uma sociedade terceira, encarregada da contagem e da repartição, entre os diferentes condóminos, do consumo de energia térmica do edifício em questão, atribuiu ao apartamento de N. Dimitrova, em aplicação da metodologia prevista pelo Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano, um consumo no montante de 266,25 leva búlgaros (BGN) (cerca de 136 euros) para o período compreendido entre 1 de novembro de 2012 e 30 de abril de 2015.

24.      N. Dimitrova não tendo pago esse montante, a EVN apresentou, em 12 de julho de 2016, um requerimento de injunção de pagamento no Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad), que foi deferido por esse órgão jurisdicional.

25.      N. Dimitrova deduziu oposição ao referido requerimento de injunção. Foi, então, intentada pela EVN uma ação no mesmo órgão jurisdicional, em que pede que seja declarado o seu crédito e que seja condenada a ré no pagamento de juros de mora e de juros legais. N. Dimitrova contesta, nesse âmbito, o crédito em questão. Alega, designadamente, que não existe entre ela e a EVN qualquer obrigação contratual. N. Dimitrova contesta igualmente as faturas que lhe foram emitidas, com o fundamento de que não refletem o consumo real de energia térmica, contrariamente ao que prevê o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32.

26.      Nessas condições, o Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 13.o, n.o 2, da [Diretiva 2006/32] opõe‑se à possibilidade de um fornecedor de aquecimento urbano exigir a contrapartida pela energia térmica consumida através do sistema de aquecimento de um edifício em regime de propriedade horizontal abastecido pela rede de aquecimento urbano, na proporção da dimensão das frações a aquecer de acordo com a planta do imóvel, sem ter em conta a energia térmica efetivamente consumida em cada fração?

2)      É compatível com o artigo 27.o da [Diretiva 2011/83] uma disposição nacional que obriga os consumidores que sejam proprietários de apartamentos em edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal a pagar pela energia térmica fornecida através do sistema de aquecimento do edifício abastecido pela rede de aquecimento urbano, quando deixaram de utilizar a energia térmica por terem retirado os radiadores dos seus apartamentos ou por os funcionários do fornecedor do aquecimento urbano, a seu pedido, terem tecnicamente impedido o radiador de fornecer calor?

3)      Este regime nacional constitui uma prática comercial desleal na aceção da [Diretiva 2005/29]?»

B.      Processo C725/17

27.      M. Dimitrov é proprietário de um apartamento num edifício em regime de propriedade horizontal sito na cidade de Sófia (Bulgária). Esse edifício está equipado com uma instalação interior de aquecimento e de água quente ligada a uma rede de aquecimento urbano. A Toplofikatsia Sofia fornece ao referido prédio, através dessa rede, a energia térmica para o aquecimento e a água quente para uso doméstico.

28.      A Toplofikatsia Sofia demandou M. Dimitrov no Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) a fim de obter a declaração da existência de um crédito correspondente ao fornecimento do aquecimento para o período compreendido entre 1 de maio de 2014 e 30 de abril de 2016 e às despesas da sociedade «Termokomplekt» OOD que efetuou a contagem e a repartição do consumo do prédio. Nesse âmbito, M. Dimitrov alega não existir qualquer obrigação contratual entre ele e a Toplofikatsia Sofia, uma vez que não assinaram um contrato escrito e que não utiliza o aquecimento urbano no seu apartamento.

29.      Nessas condições, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A [Diretiva 2011/83] exclui do seu âmbito de aplicação as disposições do direito tradicional dos contratos relativas à celebração de contratos, mas será que também exclui o regime jurídico desta estrutura extremamente atípica, legalmente prevista, de formação de relações contratuais?

2)      Se a [Diretiva 2011/83], neste caso, não excluir um regime jurídico próprio: trata‑se de um contrato, na aceção do artigo 5.o da diretiva, ou de outro instrumento? Quer se trate ou não de um contrato: é a diretiva aplicável ao caso em apreço?

3)      Deve considerar‑se que os “contratos de facto” deste tipo são abrangidos pela [Diretiva 2011/83] independentemente do momento em que se formaram, ou, pelo contrário, a diretiva só se aplica a apartamentos adquiridos por um novo proprietário ou — de um modo ainda mais restrito — a apartamentos construídos de raiz (ou seja, locais de consumo em relação aos quais é solicitada a ligação à rede de aquecimento urbano)?

4)      Se a [Diretiva 2011/83] for aplicável: o regime jurídico nacional viola o artigo 5.o, n.o 1, alínea f), [desta diretiva,] em conjugação com o n.o 2 [deste artigo], que prevê o direito ou a possibilidade de resolução da relação jurídica?

5)      Se tiver de ser celebrado um contrato: prevê‑se alguma forma para o mesmo e qual o teor das informações que devem ser disponibilizadas ao consumidor (aqui: a cada condómino e não ao condomínio)? A falta de informações atempadas e tornadas acessíveis influencia a formação da relação jurídica?

6)      É necessário um pedido expresso, ou seja, uma declaração de vontade formal do consumidor para que o mesmo se torne parte nessa relação jurídica?

7)      Quando tenha sido celebrado um contrato, formal ou não, entende‑se que o aquecimento das partes comuns do edifício (em particular, das escadas) está incluído no objeto do contrato e que o consumidor contratou o serviço em relação a esta parte do serviço, nos casos em que não existe um pedido nesse sentido, nem da sua parte nem da parte do condomínio (por exemplo, nos casos em que os radiadores tenham sido suprimidos, o que deve ser presumido para a maioria das situações — com efeito, os peritos não fazem nenhuma referência a radiadores nas partes comuns do edifício)?

8)      Para que o proprietário seja considerado um consumidor que solicitou o aquecimento das partes comuns do edifício, é relevante (ou é indiferente) que o abastecimento de calor na sua fração tenha sido cortado?»

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

30.      As decisões de reenvio são datadas de 6 de dezembro de 2017 (C‑708/17) e de 5 de dezembro de 2017 (C‑725/17). Deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, nos dias 19 e 27 do mesmo mês.

31.      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2018, os processos C‑708/17 e C‑725/17 foram apensados, em razão da sua conexão, para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

32.      A EVN, a Toplofikatsia Sofia, N. Dimitrova, o Governo lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. As mesmas partes, com exceção do Governo lituano, fizeram‑se representar na audiência de alegações que teve lugar em 12 de dezembro de 2018.

V.      Análise

A.      Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais

33.      A EVN alega que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à terceira questão prejudicial submetida pelo Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad) no processo C‑708/17. Com efeito, com a referida questão, esse órgão jurisdicional não pede que o Tribunal de Justiça interprete o direito da União, mas que declare a existência de uma prática comercial desleal, exercício que é da competência das instituições nacionais.

34.      Não partilho desse ponto de vista. Em meu entender, nada impede um órgão jurisdicional nacional de pedir ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um reenvio prejudicial, que se pronuncie sobre a qualificação de uma determinada situação factual como prática comercial desleal, na aceção da Diretiva 2005/29, na medida em que procede ao apuramento e à apreciação dos factos necessários. Com efeito, a qualificação, à luz do direito da União, de factos apurados por um órgão jurisdicional nacional pressupõe uma interpretação desse direito, para a qual, no âmbito do procedimento previsto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente (13).

35.      A EVN contesta, ainda, a admissibilidade de todas as questões prejudiciais submetidas pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) no processo C‑725/17. Segundo a referida sociedade, esse órgão jurisdicional não formulou nenhuma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça possa pronunciar‑se. O referido órgão jurisdicional também não forneceu qualquer explicação sobre as razões que o conduziram a interrogar‑se sobre o alcance das disposições do direito da União cuja interpretação pede ou sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido.

36.      A meu ver, esta objeção deve igualmente ser afastada. As questões do Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) dizem respeito, em substância, à interpretação da Diretiva 2011/83. Na sua decisão de reenvio, esse órgão jurisdicional indicou as razões pelas quais esta diretiva é pertinente para o litígio que lhe foi submetido e explicou ter dúvidas quanto à compatibilidade das disposições da Lei da Energia, designadamente com o artigo 27.o da referida diretiva. Por conseguinte, as suas questões cumprem os pressupostos aplicáveis em matéria de admissibilidade (14).

B.      Quanto ao mérito

1.      Considerações preliminares

37.      Os presentes processos têm por objeto, em substância, a repartição das despesas de aquecimento nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento urbano (15).

38.      N. Dimitrova e M. Dimitrov são proprietários de apartamentos que fazem parte de tais edifícios. As sociedades demandantes nos processos principais, EVN e Toplofikatsia Sofia, são os distribuidores de energia (16) que fornecem a esses prédios, pelas redes de aquecimento às quais estão ligados, a energia térmica para o aquecimento e a água quente para uso doméstico. Essa energia é distribuída pelas diferentes partes dos referidos edifícios através de uma instalação interior de aquecimento e de água quente composta, na sua base, por um ramal de ligação (17) e por um conjunto de condutas e instalações de distribuição, incluindo colunas montantes que atravessam cada apartamento.

39.      O fornecimento de aquecimento e de água quente para uso doméstico na Bulgária é regulado pela Lei da Energia e pelo Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano. Essa legislação prevê que, sempre que um edifício seja abastecido por uma rede de aquecimento, cada um dos condóminos cuja fração esteja ligada à instalação interior de aquecimento e de água quente deve contribuir para as despesas correspondentes à energia térmica fornecida ao referido prédio (18).

40.      A este respeito, a referida legislação enuncia que essas despesas são repartidas entre os condóminos, separando a energia térmica utilizada como água quente para uso doméstico e a energia térmica destinada ao aquecimento subdividindo‑se, por sua vez, esta última em calor emitido pela instalação interior (isto é, as perdas de calor da rede de distribuição interna), o calor utilizado para o aquecimento das partes comuns (escadas, halls de entrada, caves comuns, etc.) e o calor utilizado para o aquecimento das partes privativas (19). Enquanto o aquecimento e a água quente utilizados nas partes privativas são faturados em função do consumo efetivo de cada um, a energia térmica emitida pela instalação interior e a energia térmica utilizada para o aquecimento das partes comuns são repartidas entre os condóminos em função do volume aquecido das suas frações conforme indicado na planta do edifício (20).

41.      N. Dimitrova e M. Dimitrov não utilizam o aquecimento e a água quente para uso doméstico coletivos nos seus apartamentos e contestam o facto de, além disso, serem obrigados a contribuir para as despesas do aquecimento utilizado no prédio, em especial as despesas correspondentes ao calor emitido pela instalação interior (21). Alegam, a este respeito, que as disposições da Lei da Energia e do Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano são contrárias ao direito do consumo da União (secção 2).

42.      Por outro lado, N. Dimitrova contesta a regra de repartição dos custos do calor emitido pela instalação interior prevista no regulamento do aquecimentos urbano que, baseado no critério do volume aquecido das frações, não tem em conta a quantidade de energia efetivamente consumida por cada condómino, contrariamente às exigências impostas pela regulamentação da União em matéria de eficiência energética (secção 3).

43.      Preciso, por último, que os presentes processos estão longe de ser casos isolados. A questão da contribuição para as despesas de aquecimento urbano dos condóminos que tenham renunciado à utilização do aquecimento urbano nas suas frações gera, segundo as informações contidas nas decisões de reenvio e as fornecidas pelas partes, um contencioso de massa nos tribunais búlgaros. Esse contencioso denota uma verdadeira crise social ligada ao preço da energia na Bulgária. Uma parte significativa do parque imobiliário búlgaro consiste em prédios mal isolados no plano térmico, construídos antes de 1989, numa época em que o preço da energia era estreitamente controlado pelo Estado. Desde então, segundo as estatísticas mencionadas pela Comissão, esse preço foi multiplicado por 25 nesse Estado‑Membro, pelo que o aquecimento urbano se tornou incomportável para inúmeros lares.

2.      Quanto à Diretiva 2011/83 (segunda e terceira questões no processo C708/17 e conjunto das questões no processo C725/17)

44.      A segunda e terceira questões no processo C‑708/17 e o conjunto das questões no processo C‑725/17 dizem respeito, em substância, à compatibilidade das disposições da Lei da Energia que regulam o fornecimento de energia térmica nos edifícios em regime de propriedade horizontal com o direito do consumo da União. Essas disposições podem ser resumidas da seguinte forma.

45.      A ligação a uma rede de aquecimento da instalação interior de um edifício em regime de propriedade horizontal a uma rede de calor requer o consentimento escrito dos condóminos representativos de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio em questão (22). Essa ligação dá origem a um contrato (23) e o fornecimento de energia térmica ao edifício está sujeito a condições gerais (24).

46.      Sempre que um imóvel esteja ligado a uma rede de aquecimento, o artigo 153.o, n. 1, da Lei da Energia prevê que todos os proprietários (ou titulares de um direito real como o usufruto ou o direito de uso) das partes privativas com ligação à instalação interior são clientes de energia térmica. Nesta qualidade, devem contribuir para as despesas que correspondem à energia térmica utilizada no edifício, nas condições e de acordo com as modalidades previstas pelo Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano. Também assim é para os proprietários, como N. Dimitrova e M. Dimitrov, que ainda não o eram quando foi tomada a decisão da ligação.

47.      Cada condómino pode optar por não utilizar na sua fração a energia térmica assim fornecida, desligando os seus radiadores (25). Em contrapartida, em conformidade com o artigo 153.o, n.o 6, da Lei da Energia, os condóminos que tenham renunciado ao aquecimento nas suas frações continuam obrigados a pagar uma parte das despesas de aquecimento do prédio, a saber, as despesas que correspondem ao calor emitido pela instalação interior (ou seja, recordo, as perdas da rede de distribuição interna) e pelo aquecimento das partes comuns. Assim é até à supressão da ligação do edifício à rede de aquecimentos (que implica a resolução do contrato de fornecimento de aquecimento urbano), que requer também o acordo escrito dos condóminos representativos de, pelo menos, dois terços do valor total do prédio em questão (26). É ponto assente que tal decisão não foi tomada pelos condóminos dos edifícios em causa nos processos principais.

48.      N. Dimitrova e M. Dimitrov, a que se juntam os órgãos jurisdicionais de reenvio, consideram essa situação incompatível com o direito do consumo da União, em especial, com o artigo 27.o da Diretiva 2011/83. Entendem, designadamente, que a Lei da Energia obriga os condóminos que não utilizam o aquecimento urbano nas suas frações a pagar um «fornecimento não solicitado» de esse aquecimento, na aceção dessa disposição. Ora, a referida disposição prevê, nesta matéria, um verdadeiro recurso contratual (remedy): um consumidor confrontado com tal fornecimento «está isento da obrigação de pagar qualquer contrapartida». Entendem, pois, que não deverão ser obrigados a contribuir para os custos de aquecimento nos seus edifícios.

49.      As críticas de N. Dimitrova e de M. Dimitrov concentram‑se nos n.os 1 e 6 do artigo 153.o da Lei da Energia. Por um lado, está em causa o facto de, em conformidade com o primeiro número, a obrigação de cada condómino contribuir para as despesas de aquecimento e de água quente coletivos não resultar da celebração de um contrato entre este e o distribuidor, mas existir pelo simples facto de ser titular da propriedade de uma fração ligada à instalação interior. Em especial, os proprietários que ainda não o eram à época em que foi tomada a decisão de ligar o prédio à rede de aquecimento, nunca «solicitaram» beneficiar do aquecimento urbano. Por outro lado, contestam o facto de o segundo número obrigar os condóminos que tenham desligado ou retirado os radiadores das suas frações a contribuir para as despesas de aquecimento do edifício, quando, ao agir desta forma, manifestaram a sua vontade de renunciar ao aquecimento urbano.

50.      Tendo em conta o exposto, deve‑se, a meu ver, a fim de fornecer uma resposta útil aos órgãos jurisdicionais de reenvio, agrupar e reformular a segunda e terceira questões no processo C‑708/17 e o conjunto das questões no processo C‑725/17 numa única questão, que consiste em saber se a Diretiva 2011/83 se opõe a uma legislação nacional, como o artigo 153.o, n.os 1 e 6, da Lei da Energia, que prevê que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento, os condóminos devem contribuir para as despesas de aquecimento do prédio, ainda que não tenham solicitado individualmente o fornecimento do aquecimento urbano e mesmo que dele não façam uso nas suas frações.

51.      Em princípio, há que determinar, antes de conhecer desta questão, se a Diretiva 2011/83 é aplicável nos processos principais (27). A este respeito, recordo que, como prevê o seu artigo 3.o, n.o 1, esta diretiva se aplica, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos «contratos celebrados entre um profissional e um consumidor», entre os quais os «contratos de fornecimento de água, gás, eletricidade ou aquecimento urbano, incluindo por fornecedores públicos, na medida em estes produtos de base sejam fornecidos numa base contratual». Além disso, a referida diretiva aplica‑se, em conformidade com o seu artigo 28.o, n.o 2, apenas aos «contratos celebrados após 13 de junho de 2014».

52.      No entanto, não penso que seja necessário abordar em profundidade esta problemática no presente processo. A este respeito, resulta das decisões de reenvio que, no direito búlgaro, o fornecimento de aquecimento e de água quente para uso doméstico aos edifícios em regime de propriedade horizontal por uma rede de aquecimento dá origem a um contrato, que o condomínio é uma comunidade desprovida de personalidade jurídica (28) e que cada condómino é considerado o consumidor final obrigado ao pagamento dos encargos da energia térmica utilizada no edifício (29). Deste modo, é possível prosseguir sob a premissa de que existe efetivamente, para efeitos da Diretiva 2011/83, um «contrato de fornecimento de aquecimento urbano» entre um «profissional» (o fornecedor/distribuidor) e um «consumidor» (cada condómino) e que esta diretiva é aplicável ratione temporis (30), sem que seja útil abordar em pormenor esses diferentes aspetos, tanto mais que, a meu ver, essa diretiva manifestamente não se opõe a uma legislação como o artigo 153.o, n.os 1 e 6, da Lei da Energia.

53.      A este respeito, em primeiro lugar, recordo que, como precisa o seu artigo 3.o, n.o 5, a Diretiva 2011/83 «não prejudica o direito nacional no domínio dos contratos em geral, nomeadamente as regras relativas à validade, à formação ou aos efeitos dos contratos, na medida em que estes aspetos do direito nacional geral dos contratos não estejam regulados na presente diretiva» (31).

54.      Ora, os n.os 1 e 6 do artigo 153.o da Lei da Energia dizem, precisamente, respeito à formação, à validade e aos efeitos do contrato de fornecimento de energia em relação a cada condómino e às modalidades de resolução desse contrato (32). Elas dispõem, em substância, que cada condómino está vinculado ao distribuidor de energia e deve, a este título, contribuir para as despesas de aquecimento (até que a ligação tenha sido resolvida por acordo aprovado por maioria qualificada dos condóminos). Em suma, existe, em conformidade com estas disposições, enquanto não tiver sido tomada a decisão de pôr termo à ligação, um contrato válido e efetivo entre N. Dimitrova e M. Dimitrov, por um lado, e os distribuidores, por outro. As disposições da Diretiva 2011/83 não podem pôr em causa essa situação de facto, uma vez que a formação, a validade e os efeitos dos contratos não são precisamente, em princípio, questões harmonizadas por esta diretiva (33). Esta não impõe, portanto, em princípio, exigências de fundo ou de forma para a celebração e a validade de tal contrato ou ainda para a sua resolução (34).

55.      Admito que a simples constatação do caráter limitado da harmonização efetuada pela Diretiva 2011/83 não basta para responder à questão submetida. Com efeito, o artigo 27.o dessa diretiva, relativo aos fornecimentos não solicitados, incide, de certa forma, sobre a formação das relações contratuais (35).

56.      A este respeito, lembro, em segundo lugar, que, no que respeita ao conceito de «fornecimento não solicitado», o artigo 27.o da Diretiva 2011/83 remete para o anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29 (36). Esse ponto define o «fornecimento não solicitado» como exigir o pagamento imediato ou deferido de produtos fornecidos pelo profissional que o consumidor não tinha solicitado. Esse artigo 27.o precisa igualmente que a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento não solicitado não vale como consentimento (37).

57.      A este respeito, recordo que, no direito da União, os fornecimentos não solicitados tinham inicialmente dado origem a uma disposição da Diretiva 97/7/CE relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância (38), que a Diretiva 2011/83 substituiu. A ideia era lutar contra a prática que consiste, para um profissional, em enviar a um consumidor um determinado produto indicando que, se este não fosse reexpedido num determinado prazo, o profissional iria considerar que a sua oferta de venda tinha sido aceite e iria reclamar ao consumidor o pagamento do preço — em outros termos, em forçar o consentimento do consumidor na compra. Ao dispensar este último de qualquer contrapartida em caso de fornecimento não solicitado e ao precisar que o seu silêncio não vale como consentimento, o artigo 27.o da Diretiva 2011/83 proíbe que um contrato se forme validamente na sequência de tal prática. Nesta medida, esta disposição harmoniza o direito nacional dos contratos (39).

58.      No entanto, em segundo lugar, uma das condições essenciais da qualificação de fornecimento não solicitado, na aceção do artigo 27.o da Diretiva 2011/83, é o facto de o fornecimento em causa não ter sido prévia e expressamente solicitado pelo consumidor. Além disso, esta disposição visa impedir que um profissional imponha ao consumidor uma relação contratual.

59.      Ora, no caso em apreço, por um lado, o fornecimento de energia contestado não foi efetuado por iniciativa de um profissional, mas em conformidade com os preceitos do legislador búlgaro. Nos termos da Lei da Energia, o distribuidor de energia térmica deve ligar à rede de aquecimento os consumidores que o solicitem (40) e abastecer em energia térmica os prédios ligados. Duvido fortemente que seja possível considerar que um fornecimento efetuado por força de uma obrigação legal ou regulamentar possa ser qualificado de «fornecimento não solicitado», na aceção do artigo 27.o da Diretiva 2011/83 (41).

60.      Por outro lado, e em todo o caso, o fornecimento de aquecimento resulta efetivamente de um pedido expresso e prévio. Cada condómino encontra‑se vinculado ao distribuidor quando a maioria qualificada dos condóminos tenha expressamente consentido, por escrito, nesse fornecimento. Na realidade, N. Dimitrova e M. Dimitrov contestam o facto de uma determinada maioria de condóminos poder vincular todos eles (incluindo as pessoas que se tornaram proprietárias posteriormente) e de a mesma maioria ser necessária para renunciar a qualquer fornecimento de energia térmica no imóvel.

61.      O artigo 153.o, n.os 1 e 6, da Lei da Energia, longe de instituir um fornecimento não solicitado, insere‑se no âmbito de uma «situação de grupo» complexa, a propriedade horizontal dos bens imóveis. A este respeito, recordo que os edifícios em regime de propriedade horizontal, como os que estão em causa nos processos principais, contêm partes privativas, que são objeto de um direito de propriedade exclusiva, e partes comuns sujeitas a um regime de indivisão forçada, de que cada condómino possui necessariamente uma quota‑parte. As partes comuns são, em princípio, indissociáveis e afetadas ao uso e à utilidade de todos, e estão, portanto, sujeitas a uma administração organizada com base em decisões tomadas por uma determinada maioria dos condóminos (42). Esse regime é indispensável para permitir uma gestão eficaz dessas partes comuns: uma regra de unanimidade torná‑la‑ia impraticável.

62.      Ora, a instalação interior de aquecimento e de água quente é precisamente uma parte comum do condomínio (43). O fornecimento de aquecimento e de água quente coletivos no edifício, uma vez que implica a utilização dessa instalação interior, é um serviço coletivamente oferecido aos condóminos e portanto, necessariamente uma questão que releva do condomínio no seu todo. A «solicitação» do aquecimento urbano assenta, logicamente, numa decisão desse condomínio (44).

63.      Por outro lado, após ter sido tomada essa decisão, é igualmente lógico que cada condómino deva contribuir para as despesas correspondentes às perdas da instalação interior e ao consumo de calor das outras partes comuns do edifício: na qualidade de comproprietário dessas partes, é, igualmente, «consumidor» desse calor (45). Pouco importa, a este respeito, que pretenda aquecer a sua fração pelos seus próprios meios sem recorrer ao aquecimento coletivo, que não ocupe o prédio ou que tenha retirado os seus radiadores (46).

64.      O mesmo acontece em relação aos proprietários que entraram no condomínio depois de ter sido tomada a decisão de ligação do edifício ao aquecimento urbano. O princípio segundo o qual os novos condóminos ficam vinculados pelas decisões tomadas pelo condomínio, incluindo a ligação ao aquecimento urbano, tende a assegurar a estabilidade do condomínio — caso contrário, qualquer decisão seria posta em causa em cada transferência de propriedade no edifício. De resto, quem comprar um apartamento é avisado de que o edifício em questão é abastecido por uma rede de aquecimento e que determinados encargos são associados às partes comuns que adquirem com essa fração (47). Além disso, as condições gerais aplicáveis ao aquecimento urbano são conhecidas do público (48).

65.      Neste contexto, não se pode deduzir do artigo 27.o da Diretiva 2011/83, como parecem fazer N. Dimitrova e M. Dimitrov, que um consumidor tem sempre que consentir individualmente a entrega de qualquer bem ou o fornecimento de qualquer serviço e deve poder rescindir individualmente o contrato que prevê essa entrega ou esse fornecimento. Considero que a Diretiva 2011/83 não se opõe a que, em determinadas situações complexas, que impliquem uma forma de comunidade de consumidores e um bem ou serviço que lhes seja coletivamente fornecido, o consentimento dado por alguns deles vincule os restantes (49), inclusive os novos membros dessa comunidade, nas situações e condições previstas pelo direito nacional dos Estados‑Membros. Esta diretiva, ou o direito da União em geral, simplesmente não regula essas questões particulares.

66.      Em face de todas estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às segunda e terceira questões no processo C‑708/17 e ao conjunto das questões no processo C‑725/17 que a Diretiva 2011/83 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento, os condóminos tenham que contribuir para as despesas de aquecimento do prédio, mesmo que não tenham solicitado individualmente o fornecimento do aquecimento urbano e mesmo que dele não façam uso nas suas frações.

3.      Quanto às diretivas relativas à eficiência energética (primeira questão no processo C708/17)

67.      A primeira questão submetida pelo Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad) no processo C‑708/17 incide sobre o método de repartição, entre os condóminos de um edifício abastecido por uma rede de aquecimento, dos encargos que correspondem à energia térmica neste consumida. A redação desta questão visa a Diretiva 2006/32. No entanto, uma vez que o débito contestado por N. Dimitrova diz respeito à energia térmica fornecida entre 1 de novembro de 2012 e 30 de abril de 2015 (50) e que essa diretiva foi substituída pela Diretiva 2012/27 a partir de 5 de junho de 2014, há que dar uma resposta à luz destas duas diretivas (51).

68.      Conforme foi referido no n.o 40 das presentes conclusões, a legislação búlgara prevê que as despesas que correspondem ao calor emitido pela instalação interior (recordo, as perdas da rede de distribuição interna) são repartidas entre os condóminos proporcionalmente ao volume aquecido das suas frações.

69.      N. Dimitrova alega que essa regra de repartição não respeita as exigências que resultam do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32, substituído pelo artigo 10.o, n.o 1, e pelo anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27.

70.      A este respeito, o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 impunha aos Estados‑Membros o dever de assegurar que, quando adequado, a faturação emitida aos consumidores finais de energia, designadamente, «se baseie no consumo real». O artigo 10.o, n.o 1, e o anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27 reiteram essa obrigação, precisando que deve ser satisfeita pelos Estados‑Membros até 31 de dezembro de 2014, para todos os setores abrangidos por esta diretiva, sempre que tal seja tecnicamente viável e economicamente justificado (52).

71.      Ora, segundo N. Dimitrova, a regra de repartição dos encargos relativos ao calor emitido pela instalação interior prevista no regulamento relativo ao aquecimento urbano, tem a consequência de o montante faturado aos condóminos referente a esse calor não depende da quantidade de energia térmica potencial ou efetivamente emitida (ou melhore, perdida) pela instalação interior nas suas frações — e, portanto, «realmente consumida» por cada condómino (53). O Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad) tende a partilhar desse entendimento.

72.      Por conseguinte, esse órgão jurisdicional interroga o Tribunal de Justiça. em substância, sobre a questão de saber se o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32, o artigo 10.o, n.o 1, e o anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27 se opõe a tal regra de repartição. Pergunta, igualmente, se a resposta a esta questão depende do ponto de saber se é tecnicamente possível ou não determinar a quantidade de calor efetivamente emitida pela instalação interior em cada fração.

73.      Em meu entender, há que responder a esta questão pela negativa. A este respeito, considero oportuno voltar, primeiro, às condições em que deve ser feita a faturação baseada no consumo real e às técnicas em que esta assenta no que respeita ao fornecimento de calor e de água quente para uso doméstico nos edifícios em regime de propriedade horizontal (em primeiro lugar) e, depois, no que respeita às situações em que este método de faturação é imposto, à extensão dessa obrigação (em segundo lugar).

74.      Em primeiro lugar,  conforme recordei, o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 impunha aos Estados‑Membros o dever de assegurar que, «quando adequado», a faturação da energia aos consumidores finais se baseie no consumo real. O artigo 10.o, n.o 1, e o anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27 indicam, por sua vez, que essa faturação deve ser aplicada «sempre que tal seja tecnicamente viável e economicamente justificado». Essas condições devem, a meu ver, ser lidas à luz das disposições relativas à contagem dos consumos de energia, que constam do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/32 e do artigo 9.o da Diretiva 2012/27.

75.      A este respeito, o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/32 e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27 preveem, em termos quase idênticos, que sejam instalados contadores individuais que permitam medir consumo efetivo pelos clientes finais de energia. O nível de exigência nesta matéria varia em função do tipo de edifícios em causa: a sua instalação é imposta para os novos edifícios ou para os que são objeto de grandes obras de renovação, ao passo que, nos edifícios existentes, essa instalação está condicionada a que seja tecnicamente viável, financeiramente razoável e proporcional às economias potenciais (54).

76.      O legislador da União veio clarificar (55), no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2012/27, a forma de aplicar essa medida no que respeita ao consumo de aquecimento, de arrefecimento e de água quente para uso doméstico, nomeadamente nos prédios em propriedade horizontal abastecidos por uma rede de calor.

77.      Esta disposição precisa assim que, em tais prédios, por um lado, deve ser instalado um calorímetro ou um contador de água quente no permutador de calor ou no ponto de chegada (56). Por outro lado, os Estados‑Membros devem assegurar que sejam instalados até 31 de dezembro de 2016 contadores individuais de consumo para medir o consumo de calor, de frio ou de água quente de cada unidade, «se tal for tecnicamente viável e rentável». Se assim não for, devem ser utilizados calorímetros (57) para medir o consumo de calor em cada radiador, «a não ser que o Estado‑Membro em causa prove que a instalação desses calorímetros não seria rentável» (58). Neste último caso, poderá ponderar‑se o recurso a métodos alternativos de medição do consumo de calor que sejam rentáveis.

78.      Daqui resulta que, no que respeita ao aquecimento nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecido por uma rede de aquecimento, a faturação baseada no consumo efetivo, referida no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 e no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27, deve ser implementada para os ocupantes com instrumentos que permitam determinar esse consumo, nas condições previstas no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/32 e no artigo 9.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2012/27. Esse método de faturação baseia‑se na medição dos contadores térmicos individuais ou, na falta deles, nas contagens dos calorímetros situados nas partes privativas (59).

79.      No caso vertente, é ponto assente que tais instrumentos estavam instalados nos apartamentos de N. Dimitrova e de M. Dimitrov (60). Por conseguinte, devem beneficiar de uma fatura baseada no seu consumo efetivo de energia térmica (61).

80.      No entanto, em segundo lugar, considero que nem o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 nem o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27 impõem que, quando esse método de faturação deva ser aplicado, a fatura de energia térmica dos consumidores finais dependa unicamente do consumo efetivo.

81.      Com efeito, contrariamente ao que afirma N. Dimitrova, estas disposições não estabelecem um princípio segundo o qual cada consumidor final de energia apenas deve pagar o que efetivamente consumiu. A sua redação limita‑se a indicar que a faturação deve ser «baseada no» consumo efetivo. Esta exigência deve, a meu ver, ser lida à luz dos objetivos destas diretivas e da génese dessas disposições.

82.      A este respeito, recordo que as Diretivas 2006/32 e 2012/27 têm, nomeadamente, por objetivo melhorar a eficiência energética na União, em especial, na fase das utilizações finais (62). Inscrevem‑se na linha de duas recomendações do Conselho (63) e de uma Primeira Diretiva (64) que visam promover o recurso, no que respeita à repartição dos custos de aquecimento, de arrefecimento e de água quente para uso doméstico nos edifícios em regime de propriedade horizontal equipados com instalações coletivas, a regras de repartição que levem em conta o consumo efetivo de cada ocupante. Com efeito, a correlação estabelecida entre o consumo individual efetivo e a faturação incentiva cada um a adotar comportamentos energeticamente eficientes (65) a fim de diminuir o primeiro e reduzir, na mesma medida, a segunda.

83.      A faturação baseada no consumo efetivo, conforme prevista no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 e no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27, não é, portanto, uma finalidade em si: este método de faturação tem por objetivo incentivar os ocupantes de edifícios em regime de propriedade horizontal a adotar comportamentos energeticamente eficientes, a fim de obter economias de energia na fase da utilização final. Tal objetivo implica que uma parte da fatura de energia térmica dos consumidores finais dependa do seu consumo efetivo, a que corresponde à utilização que fazem dos radiadores das suas frações, isto é, ao seu comportamento individual (66).

84.      Em contrapartida, repartir a integralidade da energia térmica consumida num prédio pelos seus diferentes condóminos segundo os dados fornecidos pelos contadores individuais ou calorímetros das suas frações iria além do que reclama o objetivo de economia de energia prosseguido. Sobretudo, tal regra de repartição seria não equitativa e suscetível de comprometer a realização desse objetivo a longo prazo.

85.      Com efeito, por um lado, como sublinharam a Toplofikatsia Sofia, a EVN, o Governo lituano e a Comissão, as diferentes frações nos edifícios em regime de propriedade horizontal não são independentes no plano térmico. O calor circula, em certa medida, entre as paredes das frações adjacentes, dos locais em que a temperatura é mais alta para os locais em que a temperatura é inferior, de modo que o consumo individual de cada um é influenciado pelo comportamento de aquecimento dos outros (67). Uma repartição dos custos de aquecimento baseada unicamente no consumo individual seria assim suscetível de incentivar certos ocupantes, cujas frações estivessem, por exemplo, situadas no meio do edifício, a desligar os seus radiadores durante toda a estação de aquecimento e a depender exclusivamente do calor proveniente dos seus vizinhos, o que, por sua vez, implicaria custos suplementares para estes.

86.      Além disso, o consumo individual nas frações depende da sua localização no edifício. A este respeito, certas frações podem ser naturalmente mais frias e exigir mais calor do que outras com a mesma área para atingir uma determinada temperatura, devido à sua localização desfavorável — por exemplo, as frações situadas no último andar, no primeiro andar por cima de um parque de estacionamento, de um hall de entrada ou de outro local não aquecido, numa esquina do edifício, ou ainda voltadas para norte. Seria assim não equitativo repartir a energia térmica consumida num edifício em propriedade horizontal apenas em função do consumo individual.

87.      Por outro lado, fazer depender a totalidade da fatura de energia do consumo individual poderia tornar mais difícil a adoção de medidas que permitissem melhorar a eficiência energética global do edifício, tais como grandes obras de renovação, e obter economias de energia significativas a longo prazo. Com efeito, tais medidas reclamam, regra geral, uma decisão da assembleia dos condóminos. Ora, a repartição dos custos de aquecimento entre eles tem um impacto direto nos incentivos de cada um a tomar essa decisão e a suportar os custos dessas obras. Uma repartição baseada apenas, ou demasiadamente, no consumo individual incentivará os ocupantes em situação energética favorável — que têm, por exemplo, uma fração idealmente situada a meio do edifício, que beneficia do calor proveniente das frações adjacentes e que sofre poucas perdas para o exterior — a não se comprometerem nesse sentido, contrariamente aos proprietários de frações menos eficientes no plano energético, que correm o risco de se encontrar em minoria (68).

88.      Como sublinham a Comissão, a EVN e a Toplofikatsia Sofia, é, pois, habitual, nos Estados‑Membros, a fatura de aquecimento dos prédios em regime de propriedade horizontal abastecido por uma rede de calor ou por uma instalação coletiva, conter uma parte variável, que depende do consumo real medido ou das contagens dos calorímetros das partes privativas, e uma parte fixa, alocada a cada condómino segundo critérios independentes desses dados. Esta parte fixa reflete assim o facto de uma parte do aquecimento utilizado no edifício não depender do comportamento individual de cada um dos seus ocupantes. É o caso não só das transferências de calor acima referidas, mas também do calor emitido pela instalação interior, o pano de fundo dos presentes processos (ou ainda da utilizada nas partes comuns).

89.      Neste contexto, o artigo 9.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva 2012/27 prevê que, para esses edifícios, os Estados‑Membros podem introduzir regras transparentes em matéria de repartição dos custos do consumo térmico ou de água quente nesses edifícios, a fim de assegurar a transparência e a exatidão da contagem do consumo individual. Esta disposição precisa ainda que, se adequado, essas regras devem incluir orientações quanto à repartição dos custos de calor e/ou água quente utilizada como (a) água quente para uso doméstico; (b) calor irradiado pela instalação do edifício para efeitos de aquecimento das zonas comuns (caso as escadas e os corredores estejam equipados com radiadores) e (c) aquecimento dos apartamentos.

90.      Conforme resulta desta disposição, a introdução de tais regras de repartição é facultativa (69). Os Estados‑Membros são assim livres de aprovar essas regras ou deixar a decisão relativa à proporção de parte fixa e de parte variável à liberdade contratual de cada condomínio, ou ainda de adotar um quadro geral que deixe aos condomínios uma margem de manobra.

91.      Além disso, quanto ao conteúdo dessas eventuais regras, como salientaram a EVN, a Toplofikatsia Sofia e o Governo lituano, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2012/27 deixa a sua escolha a cada Estado‑Membro, desde que as regras adotadas sejam «transparentes». Os Estados‑Membros dispõem, portanto, de uma ampla margem de apreciação. Assim, a Bulgária optou por uma repartição baseada numa divisão entre o consumo nas partes privativas, medido através de contadores ou de calorímetros, e uma parte fixa que separa o calor das partes comuns e o calor emitido pela instalação interior, repartida em função do volume aquecido de cada fração. Em contrapartida, a maior parte dos Estados‑Membros optou por um método que consiste em repartir entre os condóminos uma determinada percentagem do consumo total do prédio (por exemplo, 30 %), em função de um critério como o volume ou a superfície de cada fração (sem distinguir entre o calor emitido nas partes comuns e o calor emitido pela instalação interior), enquanto a percentagem restante depende das contagens dos contadores ou calorímetros. Esses diferentes métodos são, a meu ver, compatíveis com as Diretivas 2006/32 e 2012/27 (70).

92.      Por último, contrariamente ao que parece pensar N. Dimitrova (71), a faturação baseada no consumo efetivo não implica que os critérios escolhidos pelos Estados‑Membros para repartir a parte fixa da fatura — no caso, as despesas relativas ao calor emitido pela instalação interior — reflitam o mais fielmente possível o consumo efetivo. No que respeita à proporção da fatura que não depende das contagens dos instrumentos situados nas partes privativas, os Estados‑Membros são, em meu entender, livres de a repartir de acordo com o critério que julguem adequado, como a área útil (em m2) de cada local ou o seu volume aquecido (em m3). Por outras palavras, o legislador búlgaro não tinha de adotar um critério que refletisse o calor emitido pela instalação interior em cada fração — mesmo supondo que esse dado fosse tecnicamente mensurável (72).

93.      No entanto, a realização do objetivo prosseguido pela regra de faturação baseada no consumo efetivo, conforme prevista no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32 e no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27, implica, a meu ver, que a parte variável seja significativa. Com efeito, é essencial para incentivar o desenvolvimento de comportamentos energéticos eficientes.

94.      Em resumo, sou da opinião que estas disposições impõem aos Estados‑Membros que assegurem que uma parte da fatura dependa do consumo efetivo, e que essa parte seja suficiente para produzir as alterações comportamentais pretendidas por estas disposições (73).

95.      Resulta destas considerações que, a meu ver, as regras previstas na Lei da Energia e pelo Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano respeitam as exigências em matéria de contagem e de faturação previstas pelas Diretivas 2006/32 e 2012/27. Por um lado, como sublinham a EVN e a Toplofikatsia Sofia, a Lei da Energia prevê a instalação de contadores de energia térmica no ramal de ligação de cada edifício e de contadores individuais ou calorímetros em cada fração para o aquecimento e de contadores para a água quente de uso doméstico (74). As faturas contêm uma parte variável, correspondente ao consumo nas partes privativas, baseada no consumo real de cada condómino, medido por esses contadores individuais ou estimado através dos calorímetros, e essa parte variável é, em média, significativa (75). Por outro lado, o legislador búlgaro previu, para a parte fixa, regras de repartição que respeitam a exigência de transparência constante do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2012/27: essas regras definem claramente de que forma a energia consumida no edifício é determinada e os critérios segundo os quais as despesas correspondentes são repartidas entre os condóminos.

96.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão no processo C‑708/17 que o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32, o artigo 10.o, n.o 1, e o anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento, uma parte das despesas do aquecimento utilizado no prédio, correspondente ao calor emitido pela instalação interior de aquecimento e de água quente, seja repartida entre os condóminos em função do volume aquecido das suas frações, independentemente da quantidade de calor efetivamente emitida em cada fração.

VI.    Conclusão

97.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal Regional de Asenovgrad, Bulgária), no processo C‑708/17, e pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária), no processo C‑725/17, do seguinte modo:

1)      A Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento, os condóminos tenham que contribuir para as despesas de aquecimento do prédio, mesmo que não tenham solicitado individualmente o fornecimento do aquecimento urbano e mesmo que dele não façam uso nas suas frações.

2)      O artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2006/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa à eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos e que revoga a Diretiva 93/76/CEE do Conselho, o artigo 10.o, n.o 1, e o anexo VII, ponto 1.1, da Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal abastecidos por uma rede de aquecimento, uma parte das despesas do aquecimento utilizado no prédio, correspondente ao calor emitido pela instalação interior de aquecimento e de água quente, seja repartida entre os condóminos em função do volume aquecido das suas frações, independentemente da quantidade de calor efetivamente emitida em cada fração.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa à eficiência na utilização final de energia e aos serviços energéticos e que revoga a Diretiva 93/76/CEE do Conselho (JO 2006, L 114, p. 64).


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE (JO 2012, L 315, p. 1).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22).


6      Sem prejuízo de exceções sem pertinência para os presentes processos. V. artigo 27.o, n.o 1, e artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27.


7      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2002, relativa ao desempenho energético dos edifícios (JO 2003, L 1, p. 65).


8      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).


9      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94).


10      DV n.o 107 de 9 de dezembro de 2003.


11      Ou seja, um conjunto de condutas e de instalações de distribuição e fornecimento de energia térmica, incluindo as colunas montantes de aquecimento que atravessam cada apartamento.


12      Nas presentes conclusões, os termos «energia térmica» e «calor» serão sinónimos, bem como as expressões «rede de aquecimento urbano» e «rede de aquecimento».


13      V., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Asociación Profesional Elite Taxi (C‑434/15, EU:C:2017:981, n.o 20 e jurisprudência referida). Assim sendo, a meu ver, esta questão deve ser examinada em conjunto com as questões que incidem sobre a Diretiva 2011/83 (v. nota 36 das presentes conclusões).


14      Exigências que constam, designadamente, do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.


15      Como prevê o considerando 25 da Diretiva 2011/83, o aquecimento urbano consiste no fornecimento de calor, nomeadamente sob a forma de vapor ou de água quente, a partir de uma fonte de produção central e através de um sistema de transmissão e distribuição a múltiplos edifícios, para efeitos de aquecimento.


16      Na aceção do artigo 2.o, n.o 20, da Diretiva 2012/27.


17      Esse ramal de ligação inclui o permutador em que se efetua a transferência de energia entre a rede de aquecimento e a rede de distribuição interna do edifício (v. artigo 135.o, n.o 1, da Lei da Energia). Corresponde ao ponto de chegada da energia pelos distribuidores e está equipado com um contador que permite medir a quantidade de calor fornecida ao prédio. Resulta, contudo, da decisão de reenvio no processo C‑725/17 que o edifício em causa nesse processo é um prédio de grande altura, equipado com dois circuitos de distribuição que dispõem cada um de um ramal de ligação.


18      V. artigo 153.o, n.o 1, da Lei da Energia.


19      V. artigo 140.o‑A e artigo 142.o, n.o 2, da Lei da Energia.


20      V. ponto 6.1.3. da metodologia prevista no Regulamento relativo ao Fornecimento de Aquecimento Urbano.


21      É ponto assente que o processo C‑708/17 diz apenas respeito à energia térmica emitida pela instalação interior. A este respeito, o representante de N. Dimitrova indicou, na audiência, que o apartamento em causa está atualmente desocupado e que as partes comuns do seu prédio não são aquecidas. A decisão de reenvio assenta igualmente na premissa de que N. Dimitrova teria feito retirar os seus radiadores. O seu representante indicou, no entanto, que estes estão colocados e utilizáveis. De qualquer modo, este pormenor não tem, a meu ver, qualquer influência na interpretação solicitada. A situação é menos clara no que respeita a M. Dimitrov. A decisão de reenvio no processo C‑725/17 indica que este não utiliza o aquecimento no seu apartamento, mas que lhe foi faturada, a esse título, uma determinada quantidade de calor. Essa decisão refere‑se igualmente aos custos do calor emitido pela instalação interior. Menciona, ainda, radiadores instalados nas partes comuns do prédio, ao passo que a sétima questão nesse processo assente na premissa de que não existem.


22      Artigo 133.o, n.o 2, da Lei da Energia.


23      Artigos 149.o‑A e 149.o‑B da Lei da Energia. Estas disposições preveem que a compra de energia térmica, decidida pelos condóminos, dá lugar a um contrato escrito com um fornecedor que, segundo a minha compreensão, é, ou o próprio distribuidor de energia térmica, como parece ser o caso nos processos principais (EVN para Plovdiv e Toplofikatsia Sofia para Sófia), ou uma empresa terceira que celebrou ela própria um contrato com esse distribuidor para o fornecimento da energia adquirida.


24      Artigo 150.o da Lei da Energia. Essas condições gerais são definidas pelos distribuidores, aprovadas por uma comissão administrativa e devem ser publicadas, pelo menos, num jornal diário nacional e num jornal diário local.


25      Ou mesmo, recorrendo a uma solução mais radical que consiste em retirar os seus radiadores.


26      Artigo 153.o, n.os 2 e 3, da Lei da Energia.


27      Segundo entendo, é o objeto da segunda, terceira e oitava questões prejudiciais no processo C‑725/17.


28      V. igualmente, sobre este ponto, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:86, n.o 43).


29      V. n.o 46 das presentes conclusões. Saliento, a este respeito, que o legislador da União veio, na recente Diretiva (UE) 2018/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que altera a [Diretiva 2012/27] (JO 2018, L 328, p. 210), que ainda não é aplicável, distinguir «consumidores finais» e «utilizadores finais». Os «utilizadores finais» são, em conformidade com o novo artigo 10.o‑A introduzido pela Diretiva 2018/2002, nomeadamente, as pessoas singulares ou coletivas que ocupam um edifício ou uma fração autónoma num prédio de apartamentos ou edifício multiusos alimentado com aquecimento, arrefecimento ou água quente para uso doméstico de uma fonte central que não tenha contrato direto ou individual com o fornecedor de energia. Pelo contrário, os «consumidores finais» são as pessoas diretamente vinculadas ao fornecedor.


30      Embora, como sublinha o Governo lituano, nada seja menos certo, tendo em conta períodos do factos dos processos principais.


31      V., igualmente, neste sentido, considerando 14 da Diretiva 2011/83. Do mesmo modo, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2005/29 dispõe que esta última diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato.


32      É certo que os n.os 1 e 6 do artigo 153.o da Lei da Energia não são, em bom rigor, «disposições gerais» de direito dos contratos, no sentido de regras de direito comum aplicáveis a qualquer tipo de contratos. Essa objeção parece‑me estar subjacente à primeira questão prejudicial no processo C‑725/17. Todavia, para efeitos da exclusão prevista no artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2011/83, o caráter geral ou especial da regra não importa tanto como o seu objeto: sempre que uma disposição nacional trate de uma questão que releva por natureza do direito dos contratos (formação, validade, causa, objeto, etc.), ela não cai, em princípio, no âmbito de aplicação desta diretiva.


33      Recordo, a este respeito, que na sua Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores [COM (2008) 0614 final], a Comissão tinha ponderado uma harmonização completa do direito dos contratos de consumo. O legislador da União procedeu finalmente a uma harmonização claramente mais limitada, orientada para certos e determinados contratos e questões específicas: introdução de uma obrigação geral de informação, reformulação e uniformização das obrigações de informação e do direito de retratação relativo aos contratos à distância e aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, etc.


34      Esta interpretação não é posta em causa pelas disposições referidas pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) na sua decisão de reenvio. A este respeito, o artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2011/83 não regula a questão da rutura da relação contratual, mas apenas a obrigação de o profissional fornecer ao consumidor a informação relativa às condições de resolução do contrato, previstas pelo direito nacional. Do mesmo modo, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, além de se aplicarem, respetivamente, aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e aos contratos à distância, e, por conseguinte, não aos contratos de fornecimento de aquecimento urbano, limitam‑se a regular a forma pela qual deve ser fornecida essa informação.


35      Daí a precisão constante do artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2011/83, segundo a qual esta diretiva não prejudica o direito nacional no domínio dos contratos em geral «na medida em que» os aspetos do direito nacional geral dos contratos não estejam regulados na referida diretiva.


36      Assim, em meu entender, não há que decidir de forma autónoma quanto à Diretiva 2005/29, como Rayonen sad Asenovgrad (Tribunal da Comarca de Asenovgrad) na terceira questão. Com efeito, esta parece‑me ser colocada para efeitos de aplicação da solução (remedy) prevista no artigo 27.o da Diretiva 2011/83.


37      O artigo 27.o da Diretiva 2011/83 foi transposto em termos análogos ao artigo 62.o do zakon za zashtita na potrebitelite (Lei da Proteção dos Consumidores) (DV n.o 99, de 9 de dezembro de 2005).


38      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO 1997, L 144, p. 19). Tratava‑se do artigo 9.o desta diretiva.


39      De resto, como foi indicado no n.o 48 das presentes conclusões, este artigo oferece ao consumidor um recurso (remedy) contratual.


40      V. artigo 133.o, n.o 1, da Lei da Energia.


41      É certo que isto suscita a questão inédita de saber se a proibição dos fornecimentos não solicitados, conforme prevista no artigo 27.o da Diretiva 2011/83, é oponível aos legisladores nacionais, isto é, de saber se este é obrigado a não colocar os profissionais numa situação em que sejam forçados a impor aos consumidores tais fornecimentos. Porém, o presente processo não necessita de aprofundar esta questão.


42      Na Bulgária, as relações jurídicas que decorrem da propriedade imobiliária são reguladas pela Zakon za sobstvenostta (Lei da Propriedade). A zakon za upravlenie na etazhnata sobstvenost (Lei relativa à Administração dos Condomínios) define igualmente os respetivos direitos e deveres dos proprietários, utilizadores e ocupantes no âmbito da gestão do bem detido em regime de propriedade horizontal. O seu artigo 10.o designa a assembleia geral e um conselho de administração como órgãos de gestão.


43      Artigo 140.o, n.o 3, da Lei da Energia. A mesma regra consta na Lei da Propriedade e na Lei relativa à Administração dos Condomínios.


44      O mesmo acontece em relação a todos os prestadores que intervêm nas partes comuns. Assim, podemos pensar no prestador encarregado da reparação ou da manutenção da instalação interior, do jardineiro encarregado de um espaço comum, etc. Nesta matéria, é usual que cada condómino deva recorrer aos prestadores designados pelo condomínio e pagar uma quota‑parte dos encargos coletivos referentes a tais prestações. V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:86, n.o 43).


45      Observo que tanto o Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional, Bulgária), por Acórdão n.o 5, de 22 de abril de 2010, no processo constitucional n.o 15 de 2009, como o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) no seu Acórdão interpretativo n.o 2/2016, de 25 de maio de 2017, decidiram, com base em motivos semelhantes, que não há conflito entre o artigo 153.o, n.os 1 e 6, da Lei da Energia e o artigo 62.o da Lei relativa à Proteção dos Consumidores que proíbe os fornecimentos não solicitados.


46      Além disso, uma parte desse calor penetra no seu apartamento. V. n.o 85 das presentes conclusões.


47      V., neste sentido, Acórdão n.o 5, de 22 de abril de 2010, do Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional).


48      V. nota 24 das presentes conclusões. De resto, como indicou a Comissão na audiência, um condómino pode, em determinadas condições, pedir à assembleia geral que reconsidere a questão da ligação do edifício à rede de aquecimento urbano e contestar judicialmente a eventual decisão dessa assembleia.


49      Sobre este ponto, não importa, portanto, saber se é o grupo no seu todo (no caso vertente, o condomínio) ou cada uma das pessoas que o constitui (cada condómino) que é o «consumidor» do serviço ou do produto solicitado, na aceção da Diretiva 2011/83.


50      Do mesmo modo, o crédito controvertido no processo C‑725/17 diz respeito ao calor fornecido entre 1 de maio de 2014 e 30 de abril de 2016. Ora, embora o Sofiyski rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) não tenha interrogado o Tribunal de Justiça sobre a interpretação das diretivas em matéria de eficiência energética, uma resposta sua sobre esta problemática pode ser útil para decidir igualmente esse processo.


51      V. n.o 9 das presentes conclusões. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma norma nova do direito da União é imediatamente aplicável, salvo derrogação, aos efeitos futuros de uma situação nascida na vigência da norma anterior (v., nomeadamente, Acórdão de 10 de junho de 2010, Bruno e o., C‑395/08 e C‑396/08, EU:C:2010:329, n.o 53 e jurisprudência referida). As Diretivas 2006/32 e 2012/27 são, por conseguinte, ambas aplicáveis ratione temporis aos processos principais: a primeira para a energia térmica consumida até 5 de junho de 2014; a segunda para a que foi consumida a contar da referida data.


52      O artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2012/27 precisa que esta disposição não se aplica aos consumidores finais que disponham dos contadores inteligentes a que se referem as Diretivas 2009/72 e 2009/73 relativas, respetivamente, à eletricidade e ao gás natural. Esta precisão não diz, assim, respeito ao fornecimento de calor.


53      N. Dimitrova alega que é possível dar uma estimativa precisa do calor emitido pela instalação interior em cada fração, determinando, caso a caso, se as colunas dessa instalação atravessam efetivamente o apartamento em causa e, se for caso disso, considerando as características técnicas dos tubos que atravessam esse apartamento, em especial, o seu isolamento (de natureza a impedir qualquer transferência de calor) e a sua superfície de aquecimento (quanto maior for a superfície do tubo, tendo em conta, designadamente, o seu diâmetro, maior será a quantidade de calor emitida).


54      A ideia é ter em conta a configuração dos edifícios existentes e introduzir uma rácio custo‑eficácia. Trata‑se, nomeadamente, de apreciar se o custo das alterações que devem ser introduzidas nas instalações dos prédios existentes e, designadamente, antigos, para implementar a medida individual do consumo, é proporcional às economias de energia suscetíveis de serem realizadas graças a essa medida. V. considerando 30 da Diretiva 2012/27, bem como S. Robinson e G. Vogt, Guidelines on good practice in costeffective cost allocation and billing of individual consumption of heating, cooling and domestic hot water in multiapartment and multipurpose buildings, Support for the implementation of Articles 911 of Directive 2012/27/EU on energy efficiency with respect to thermal energy supplied from collective systems, Empirica GmbH, dezembro de 2016.


55      V. considerandos 32 e 33 da Diretiva 2012/27.


56      Isto é, a nível do ramal de ligação (v. nota 17 das presentes conclusões).


57      Contrariamente a um contador de energia térmica, um calorímetro não mede a quantidade de calor efetivamente fornecida a um apartamento, mas dá apenas uma dimensão representativa da mesma, integrando no tempo a diferença de temperatura entre um ponto de superfície do radiador emissor no qual está fixado e a temperatura ambiente da divisão.


58      Conforme indiquei, estas condições de viabilidade e rentabilidade visam ter em conta as instalações existentes e o custo que implicaria a sua eventual alteração. Assim, a instalação de contadores individuais necessitaria, em determinados casos, de substituir o conjunto da instalação interior de um edifício, não podendo tais contadores, designadamente, ser instalados nos sistemas de distribuição em colunas verticais. Nesses prédios, é autorizada, em alternativa, a instalação dos calorímetros em cada radiador. Todavia, esses calorímetros não podem, por sua vez, ser instalados nos edifícios em que o aquecimento funciona sem radiador ou superfície de permutação térmica em que possam ser colocados. De qualquer modo, a instalação de instrumentos que permitem determinar o consumo individual não é útil nos edifícios cujos ocupantes não possam controlar os seus radiadores. V. considerandos 28 e 29 da Diretiva 2012/27 e S. Robinson e G. Vogt, op.cit.


59      O que é confirmado pela nova Diretiva 2018/2002, que introduziu na Diretiva 2012/27 um artigo 10.o‑A, que incide especificamente sobre a faturação do consumo de aquecimento, arrefecimento e água quente para uso doméstico, e que precisa, no seu n.o 1, que «[c]aso estejam instalados contadores ou contadores de energia térmica, os Estados‑Membros asseguram que as informações sobre a faturação e o consumo sejam […] baseadas no consumo real ou nas leituras dos contadores de energia térmica» (o sublinhado é meu).


60      Resulta das decisões de reenvio que o apartamento da primeira tem um «contador térmico», enquanto o apartamento do segundo tem calorímetros instalados.


61      Não é necessário dirimir, no presente processo, a questão da data exata em que a faturação baseada no consumo efetivo se tornou obrigatória nos seus edifícios, por força do direito da União.


62      V. considerandos 1 a 3 e 32 da Diretiva 2006/32 e considerandos 2 e 60 da Diretiva 2012/27.


63      Recomendações 76/493/CEE do Conselho, de 4 de maio de 1976, relativa à utilização racional da energia nas instalações de aquecimento dos edifícios existentes (JO 1976, L 140, p. 12) e 77/712/CEE do Conselho, de 25 de outubro de 1977, relativa à regulação do aquecimento, à produção de água quente para uso doméstico e à medição das quantidades de calor nos edifícios novos (JO 1977, L 295, p. 1).


64      Diretiva 93/76/CEE do Conselho, de 13 de setembro de 1993, relativa à limitação das emissões de dióxido de carbono através do aumento da eficácia energética (Save) (JO 1993, L 237, p. 28).


65      Por exemplo, não abrir as janelas, a fim de arejar, deixando os radiadores ligados, reduzir a temperatura das divisões, designadamente as que não são ocupadas, ou durante a noite, etc. V. considerandos 29 da Diretiva 2006/32 e 30 a 33 da Diretiva 2012/27.


66      A Diretiva 93/76 impunha, assim, que a faturação da energia se baseasse «numa proporção adequada» com base no consumo real (v. considerando 11 e artigo 3.o desta diretiva).


67      Segundo a EVN, o elemento de faturação, previsto pela Lei da Energia, que corresponde ao calor emitido pela instalação interior, engloba não só as perdas da instalação interior stricto sensu, mas também, mais genericamente, as transferências de calor dentro do edifício.


68      V. S. Robinson e G. Vogt, documento já referido, p. 31. Seria igualmente contrário ao espírito do artigo 19.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2012/27, do qual decorre que os Estados‑Membros devem considerar as medidas adequadas para eliminar os obstáculos à eficiência energética no que respeita «[à] repartição dos incentivos […] entre proprietários, a fim de assegurar que estas partes não sejam dissuadidas de fazer investimentos, que de outro modo fariam, na melhoria da eficiência pelo facto de não obterem individualmente todos os benefícios ou pela inexistência de regras aplicáveis à repartição entre si dos custos e benefícios, incluindo as regras e medidas nacionais que regulam os processos de decisão no quadro da copropriedade».


69      Todavia, observo que a nova Diretiva 2018/2002 torna obrigatória a adoção de regras de repartição pelos Estados‑Membros (v. artigo 9.o‑B, n.o 3, introduzido nessa diretiva pela Diretiva 2012/27).


70      O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que a Diretiva 2012/27 fixa, de forma geral, um quadro para a redução do consumo de energia, deixando aos Estados‑Membros a escolha das modalidades da sua aplicação e que esses dispõem, a este respeito, de um amplo poder de apreciação. V., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Saras Energía (C‑561/16, EU:C:2018:633, n.o 24 e jurisprudência referida). Em meu entender, também assim é, a fortiori, no que respeita à Diretiva 2006/32. Diferentes métodos de repartição dos custos da energia térmica foram assim escolhidos pelos Estados‑Membros em função das suas preferências e características próprias. V. L. Castellazzi, Analysis of Member States’ rules for allocating heating, cooling and hot water costs in multiapartment/purpose buildings supplied from collective systems — Implementation of EED Article 9(3), EUR 28630 EN, Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2017.


71      V. nota 53 das presentes conclusões.


72      De resto, como alega a Toplofikatsia Sofia, o critério do volume aquecido, retido pelo legislador búlgaro, reflete a difusão de calor.


73      Por outro lado, preciso que o facto de a Diretiva 2006/32 não mencionar expressamente a possibilidade de adotar regras de repartição, contrariamente ao artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2012/27, não significa que a interpretação da Primeira Diretiva deva ser diferente da da Segunda Diretiva. O objetivo das regras de faturação baseada no consumo efetivo é o mesmo nas duas diretivas, e o aditamento pelo legislador do referido artigo 9.o, n.o 3, apenas visava clarificar a aplicação dessas regras.


74      V. artigo 140.o da Lei da Energia.


75      V. artigo 145.o, n.o 1, da Lei da Energia. A Toplofikatsia Sofia indicou na audiência que decorre da aplicação dessas regras que a parte fixa da fatura varia, na Bulgária, entre 30 % e 70 %, em função das características de cada edifício e, em especial, do seu isolamento.