Language of document : ECLI:EU:T:2015:926

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

3 de dezembro de 2015 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Petição apresentada no Parlamento — Difusão no sítio Internet do Parlamento de certos dados pessoais — Inexistência de violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que confere direitos aos particulares»

No processo T‑343/13,

CN, residente em Brumath (França), representado por M. Velardo, advogado,

demandante,

apoiado por:

Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD), representada inicialmente por A. Buchta e V. Pozzato, e em seguida por A. Buchta, M. Pérez Asinari, F. Polverino, M. Guglielmetti e U. Kallenberger, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Parlamento Europeu, representado por N. Lorenz e S. Seyr, na qualidade de agentes,

demandado,

que tem por objeto um pedido de indemnização do dano alegadamente sofrido pelo demandante na sequência da difusão no sítio Internet do Parlamento de certos dados pessoais que lhe diziam respeito,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, F. Dehousse e A. M. Collins (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de março de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Até 2011, o demandante, CN, foi funcionário do Conselho da União Europeia. Em 23 de setembro de 2009, através de um formulário disponível em linha no sítio Internet do Parlamento, apresentou uma petição no Parlamento Europeu a respeito do apoio concedido aos membros deficientes das famílias dos funcionários europeus, das dificuldades com as quais são confrontados os funcionários europeus com problemas de saúde durante a sua carreira e do mau tratamento do seu processo por parte do Conselho.

2        Em 8 de janeiro de 2010, a Comissão Europeia foi consultada, em conformidade com o artigo 202.°, n.° 6, do Regimento do Parlamento (JO 2011, L 116, p. 1, a seguir «Regimento»), atual artigo 216.°, n.° 6, do Regimento na sua versão de julho de 2014.

3        Em 15 de janeiro de 2010, a Comissão das Petições do Parlamento informou o demandante de que a sua petição tinha sido declarada admissível.

4        Depois de ter recebido a resposta da Comissão, em 15 de março de 2010, a Comissão das Petições decidiu arquivar a petição tendo disso informado o demandante em 14 de junho de 2010.

5        Depois de ter rejeitado a petição, o Parlamento publicou no seu sítio Internet um documento relativo a esta petição intitulado «Comunicação aos membros» (a seguir «comunicação»). A comunicação descrevia de forma sucinta o conteúdo da petição e a resposta da Comissão. Indicava em particular o nome do demandante, precisando que este sofria de uma doença grave que ameaçava a sua vida e que o seu filho tinha uma grave deficiência mental ou física.

6        Em maio de 2011, o demandante foi colocado em situação de baixa por doença pelo Conselho devido ao seu estado de saúde.

7        Em abril de 2012, o demandante enviou uma carta ao serviço «Europe direct contact centre» da Comissão, que a transmitiu ao Parlamento em 10 de abril de 2012. Nesta carta, o demandante pedia que a comunicação fosse retirada do sítio Internet do Parlamento.

8        Em 20 de abril de 2012, o Parlamento respondeu ao demandante indicando que tinha retirado a comunicação da Internet.

9        Em 31 de agosto de 2012, o demandante reiterou o seu pedido através do seu advogado, pois, segundo ele, os dados pessoais em causa ainda eram visíveis no sítio Internet do Parlamento.

10      Em 24 de setembro de 2012, o Parlamento respondeu que a publicação da comunicação era lícita. Acrescentou que os dados pessoais do demandante seriam, contudo, apagados da Internet, e isto apesar de não haver qualquer obrigação jurídica nesse sentido.

11      Em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, o Parlamento indicou que as últimas operações de apagamento, relativas aos motores de busca habituais, tinham ocorrido em 8 de outubro de 2012.

12      Em 4 de dezembro de 2012, o advogado do demandante reiterou o pedido, tendo indicado que os dados pessoais em causa ainda eram visíveis na Internet.

13      Em 10 de janeiro de 2013, o Parlamento respondeu ao advogado do demandante no sentido de que considerava o seu comportamento lícito. Acrescentou que todos os documentos que estavam no seu sítio Internet tinham, todavia, sido tratados ou estavam a ser tratados de modo a apagar os dados pessoais do demandante.

14      Segundo o demandante, os dados pessoais em causa estiveram disponíveis na Internet pelo menos até esta última data.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de junho de 2013, o demandante intentou a presente ação.

16      Por articulado entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de outubro de 2013, a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD) pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do demandante. Por despacho de 21 de novembro de 2013, o presidente da Sexta Secção admitiu a intervenção. A AEPD apresentou o seu articulado de intervenção em 7 de fevereiro de 2014. As partes apresentaram as suas observações sobre este articulado nos prazos fixados.

17      O demandante conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        condenar a União Europeia e o Parlamento no pagamento de 1 000 euros para reparação do dano patrimonial sofrido e de 40 000 euros para reparação do dano moral sofrido, acrescidos de juros calculados à taxa de 6,75%;

–        condenar a União e o Parlamento nas despesas.

18      O Parlamento conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        julgar a ação improcedente;

–        condenar o demandante nas despesas.

19      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu abrir a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, convidou as partes a apresentarem certos documentos, colocou‑lhes questões escritas e convidou‑as a responder antes da audiência. As partes deram cumprimento a esses pedidos nos prazos estabelecidos.

20      Na audiência de 24 de março de 2015, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal.

 Questão de direito

21      Em apoio da sua ação, o demandante apresenta um fundamento único, baseado na responsabilidade extracontratual da União. Segundo o demandante, no caso vertente estão preenchidos os três requisitos que permitem originar esta responsabilidade, concretamente, a ilegalidade do comportamento do Parlamento, a existência de um dano e a existência de um nexo de causalidade entre a ilegalidade e o dano.

22      A AEPD apoia os pedidos do demandante no que respeita à ilegalidade do comportamento do Parlamento.

23      O Parlamento considera que a ação é totalmente improcedente.

1.     Quanto à ilegalidade do comportamento do Parlamento

 Argumentos das partes

24      A título preliminar, o demandante alega que, segundo a jurisprudência, quando surge uma ilegalidade num domínio no qual a instituição em causa tem um amplo poder de apreciação, a responsabilidade extracontratual da União depende da constatação de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito cujo objetivo é conferir direitos aos particulares. O critério decisivo para considerar que existe uma violação suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, por uma instituição, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação.

25      Ao invés, segundo o demandante, quando uma instituição apenas dispuser de uma margem de apreciação extremamente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito da União pode ser suficiente para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

26      O demandante considera que, no que respeita à decisão de publicar a comunicação no sítio Internet do Parlamento, este último não dispunha de nenhum poder de apreciação, atendendo ao quadro jurídico aplicável [o artigo 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o artigo 8.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 22.° da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 13 de dezembro de 2006 e ratificada pela União em 23 de dezembro de 2010 (a seguir «Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência»), e o Regulamento (CE) n.° 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1)].

27      O demandante sustenta que o Parlamento violou estas disposições ao publicar informações sobre o seu estado de saúde e sobre o estado de saúde do seu filho, bem como sobre a sua vida profissional.

28      O demandante invoca, em particular, o artigo 5.°, alínea d), e os artigos 10.° e 16.° do Regulamento n.° 45/2001. Do documento em que aceitou o tratamento público da sua petição não resultava o seu consentimento inequívoco quanto à publicação de dados pessoais ou o seu acordo expresso quanto à publicação de dados relativos à sua saúde e à existência de uma pessoa deficiente na sua família.

29      De resto, apesar de o demandante ter pedido a retirada dos dados pessoais do sítio Internet do Parlamento, este último reagiu inicialmente pela negativa, apenas tendo aceitado o pedido depois da intervenção do seu advogado, em violação do direito ao apagamento de dados pessoais. Por outro lado, o facto de o Parlamento ter aceitado apagar os dados implica o reconhecimento implícito da ilegalidade da publicação. Com efeito, o artigo 16.° do Regulamento n.° 45/2001 apenas prevê o apagamento de dados cujo tratamento seja ilícito.

30      O dever de transparência do Parlamento não pode justificar a divulgação de dados pessoais relativos ao estado de saúde e à existência de uma pessoa deficiente na família. Mesmo partindo do princípio de que a publicação de um resumo das petições com o objetivo de fornecer informações sobre as atividades das instituições da União seja um interesse digno de proteção, a violação dos direitos do demandante é desproporcionada.

31      Na réplica, o demandante acrescenta que o Parlamento também violou o artigo 12.° da Decisão da Mesa, de 22 de junho de 2005, relativa às disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001 (JO C 308, p. 1, a seguir «disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001»), que prevê que um pedido de apagamento deve ser tratado num prazo de quinze dias úteis e que, caso o pedido de apagamento seja aceite, o mesmo será «imediatamente» executado. Ora, no caso vertente, o processo durou cerca de dez meses.

32      Segundo o demandante, o artigo 203.° do Regimento não impõe nem autoriza a publicação de informações como as que estão em causa no caso concreto. De resto, o Regimento, que é um documento de organização interna, não derroga o Regulamento n.° 45/2001.

33      O Parlamento considera que o seu comportamento foi legal.

34      No que respeita à fase inicial do tratamento público da petição, o Parlamento alega que o seu comportamento respeitou o artigo 5.°, alínea b) (tratamento necessário ao respeito de uma obrigação jurídica), o artigo 5.°, alínea d) (tratamento baseado num consentimento dado de forma inequívoca), o artigo 10.°, n.° 2, alínea a) (consentimento explícito para o tratamento dos dados sensíveis), e o artigo 10.°, n.° 2, alínea d) (tratamento de dados manifestamente tornados públicos pela pessoa em causa), do Regulamento n.° 45/2001.

35      Em primeiro lugar, no que em particular respeita ao argumento relativo ao artigo 5.°, alínea b), do Regulamento n.° 45/2001, o Parlamento recorda que o artigo 203.° do Regimento (atual artigo 217.°) fixa como regra geral a publicidade das petições. Nos termos do seu artigo 201.°, n.° 9 (atual artigo 215.°, n.° 9), as petições convertem‑se, regra geral, em documentos públicos e o nome do peticionário, bem como o conteúdo da petição, podem ser publicados pelo Parlamento por razões de transparência. Por conseguinte, a apresentação de uma petição implica, em princípio, a sua publicidade, o que permite que outros cidadãos se associem ao signatário. Por outro lado, o Parlamento alega que, ao abrigo dos artigos 10.° TUE e 11.° TUE, bem como dos artigos 15.° TFUE e 232.° TFUE, os seus trabalhos decorrem principalmente em público.

36      Em segundo lugar, segundo o Parlamento, o tratamento dos dados pessoais foi conforme com o artigo 5.°, alínea d), do Regulamento n.° 45/2001, uma vez que o demandante tinha indubitavelmente dado o seu consentimento para o tratamento da sua petição. O demandante foi devidamente informado e não fez uso da possibilidade que lhe foi oferecida de pedir o tratamento anónimo ou confidencial da sua petição.

37      Em terceiro lugar, o Parlamento sustenta que o consentimento dado pelo demandante nas condições acima descritas foi um consentimento explícito para o tratamento dos dados sensíveis na aceção do artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001.

38      No que diz respeito à fase posterior à publicação dos dados, relativa ao pedido de apagamento, o Parlamento observa que o principal requisito para que a pessoa em causa possa obter o apagamento dos seus dados com base no artigo 16.° do Regulamento n.° 45/2001 é que o tratamento destes seja ilegal, o que não era o caso. Apesar disso, por simples cortesia, o Parlamento apagou os dados do demandante.

39      O Parlamento observa, de resto, que o Regulamento n.° 45/2001 não contém nenhuma disposição que preveja a possibilidade de retirar o consentimento dado. Admitindo que essa retirada seja possível, a mesma apenas poderia ter efeitos para o futuro. Além disso, é impossível apagar retroativamente certos dados, como os que figuram na ata de uma sessão do Parlamento, publicada no Jornal Oficial da União Europeia.

40      No seu articulado de intervenção, a AEPD concentra‑se no requisito relativo ao comportamento alegadamente ilegal do Parlamento.

41      A AEPD considera que, para que o consentimento seja válido, o mesmo deve ser informado e específico, concretamente, deve estar ligado à operação de tratamento de dados de que a pessoa foi informada. Para a AEPD, estes requisitos não estavam preenchidos no caso vertente. Nenhuma das informações fornecidas no formulário em linha informava claramente o peticionário das consequências exatas do tratamento previsto. Nesse formulário, não era de forma alguma mencionada a circunstância de que os dados sensíveis passavam a ser acessíveis na Internet. A AEPD acrescenta que o artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001 oferece uma proteção suplementar relativamente ao artigo 5.°, alínea d), do referido regulamento, na medida em que exige que as informações fornecidas à pessoa para obter o seu consentimento mencionem claramente os dados sensíveis e a operação de tratamento prevista. Segundo a AEPD, qualquer outra interpretação esvaziaria de conteúdo o artigo 5.°, alínea d), deste regulamento.

42      Atendendo ao exposto, a AEPD considera que o Parlamento não obteve o consentimento expresso do demandante na aceção do artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001.

 Apreciação do Tribunal Geral

43      Por força do artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções».

44      O Tribunal de Justiça decidiu que a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, por comportamento ilícito dos seus órgãos depende do preenchimento de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento censurado à instituição, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre este comportamento e o dano alegado (acórdãos de 11 de julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colet., EU:T:1997:113, n.° 20, e de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão, T‑212/03, Colet., EU:T:2008:315, n.° 35). O requisito relativo ao comportamento ilegal das instituições da União exige a violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (acórdão MyTravel/Comissão, já referido, EU:T:2008:315, n.° 37). O critério decisivo para considerar que uma violação do direito da União é suficientemente caracterizada é o da inobservância manifesta e grave, pela instituição da União, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colet., EU:C:1996:79, n.° 55).

45      No que diz respeito ao requisito relativo à ilegalidade do comportamento das instituições, importa analisar, em primeiro lugar, se o objetivo das normas de direito invocadas pelo demandante é conferir direitos aos particulares e, em segundo lugar, se o Parlamento cometeu uma violação suficientemente caracterizada dessas normas.

46      Na petição, o demandante invoca, por um lado, disposições relativas à proteção de dados pessoais constantes da Carta dos Direitos Fundamentais, do Regulamento n.° 45/2001 e das disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001 e, por outro, disposições relativas à proteção da vida privada constantes da CEDH e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

 Quanto às normas relativas à proteção de dados pessoais

47      Importa observar que o direito à proteção de dados pessoais, consagrado no artigo 8.° da Carta dos Direitos Fundamentais, é desenvolvido pelo Regulamento n.° 45/2001 no que respeita aos atos das instituições e órgãos da União e pelas disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001 no que em particular diz respeito ao Parlamento. Estas diferentes disposições têm por objeto conferir direitos aos particulares. Por conseguinte, podem ser invocadas pelo demandante na sua ação de indemnização.

48      Quanto à existência de uma alegada violação suficientemente caracterizada destas normas, os argumentos desenvolvidos pelo demandante dizem, no essencial, respeito à aplicação do Regulamento n.° 45/2001 e das suas disposições de execução. O demandante não contesta, nomeadamente, a compatibilidade destas normas com o direito consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, e contrariamente ao que o demandante alega, o acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, Colet., EU:C:2010:662), não é relevante para a solução do presente litígio.

49      Além disso, segundo a jurisprudência, decorre do primeiro período do considerando 15 do Regulamento n.° 45/2001 que, para um tratamento efetuado durante o exercício de atividades situadas no âmbito de aplicação do referido regulamento, não é necessária a remissão para outras disposições, porquanto, nesses casos, é manifesto que se aplica o próprio Regulamento n.° 45/2001 (acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Bavarian Lager, C‑28/08 P, Colet., EU:C:2010:378, n.° 62). Por conseguinte, para efeitos da presente ação, importa analisar as disposições do Regulamento n.° 45/2001 e as suas disposições de execução.

50      Resulta da jurisprudência que há que dar à expressão «dados relativos à saúde» uma interpretação lata, de modo a que abranja todos os aspetos, quer físicos quer psíquicos, da saúde de uma pessoa [v., por analogia, acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist, C‑101/01, Colet., EU:C:2003:596, n.° 50, relativo à Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31)]. Este conceito não pode, contudo, ser alargado ao ponto de abranger expressões que não implicam a divulgação de qualquer dado relativo à saúde ou à condição médica de uma pessoa (v., neste sentido, acórdão de 31 de maio de 2005, Dionyssopoulou/Conselho, T‑105/03, ColetFP, EU:T:2005:189, n.° 33).

51      É à luz destas considerações que importa analisar, em primeiro lugar, a publicação inicial dos dados pessoais em causa e, em seguida, a resposta do Parlamento ao pedido do demandante no sentido de que esses dados fossem retirados do seu sítio Internet.

–       Difusão dos dados pessoais na Internet

52      A título preliminar, há que observar que, no caso vertente, o Parlamento realizou uma série operações de tratamento de dados pessoais na aceção do artigo 2.°, alínea b), do Regulamento n.° 45/2001. A difusão de dados pessoais, incluindo a difusão na Internet, constitui uma operação de tratamento na aceção da referida disposição.

53      A comunicação publicada no sítio Internet do Parlamento indicava, nomeadamente, que o demandante, que era identificado pelo nome, tinha recentemente sofrido de uma doença grave que podia ameaçar a sua vida e que o seu filho sofria de uma deficiência. Da comunicação também constavam certas informações relativas à carreira do demandante.

54      Por conseguinte, importa constatar que o tratamento de dados efetuado pelo Parlamento dizia respeito a dados pessoais do demandante (nomeadamente informações relativas à sua carreira) e a dados pessoais sensíveis relativos à saúde do demandante e à saúde do seu filho. Importa analisar separadamente o tratamento dessas diferentes séries de dados pessoais.

55      Em primeiro lugar, o tratamento dos dados pessoais sensíveis do demandante deve ser analisado à luz do artigo 10.° do Regulamento n.° 45/2001.

56      Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 45/2001, é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem dados relativos à saúde. Contudo, segundo o artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do referido regulamento, esta proibição não se aplica, nomeadamente, quando a pessoa em causa tiver dado o seu consentimento explícito.

57      Neste contexto, há que recordar que o artigo 2.°, alínea h), do Regulamento n.° 45/2001 define o consentimento da pessoa em causa como «qualquer manifestação de vontade, livre, específica e informada, pela qual a pessoa em causa aceita que dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento».

58      No caso vertente, importa determinar se, como alega o Parlamento, o demandante tinha dado o seu consentimento explícito para a publicação dos seus dados pessoais sensíveis na Internet.

59      No presente caso, dado que o artigo 2.°, alínea h), do Regulamento n.° 45/2001 não impõe nenhum requisito de forma, a apresentação da petição pode ser vista como uma manifestação de vontade por parte do demandante.

60      De resto, este último não invoca nenhuma circunstância que permita duvidar da circunstância de que a petição foi livremente apresentada, sem coerção, constrangimento, intimidação ou engano.

61      Ao abrigo da mesma disposição, o consentimento deve ser específico, concretamente, ligado a uma operação de tratamento (ou a uma série de operações de tratamento) com finalidades precisas. A referida disposição também prevê que, para que seja válido, o consentimento deve ser informado, o que implica que a pessoa em causa dispõe, no momento em que dá o seu consentimento, das informações essenciais relativas aos aspetos fundamentais do tratamento, atendendo ao contexto do caso concreto.

62      Por último, como resulta do artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001, quando o consentimento for relativo ao tratamento de dados sensíveis, o mesmo deve ser explícito. Por outras palavras, o consentimento deve ser expresso, não sendo possível deduzi‑lo implicitamente das ações da pessoa em causa.

63      É à luz destas considerações que há que analisar o caso vertente.

64      Há que observar que o sítio Internet do Parlamento recomenda que os peticionários leiam a «Ajuda em linha» antes de apresentarem uma petição. Da referida «Ajuda em linha», na rubrica «Publicidade de uma petição», consta o seguinte:

«Informa‑se os peticionários de que as atas são publicadas no Jornal Oficial e que, por essa razão, algumas informações, como o nome do peticionário e o número da petição, estão disponíveis na Internet. Tal tem implicações na proteção de dados pessoais, chamando‑se a atenção dos peticionários para este ponto em especial. Se, enquanto peticionário, não pretender que o seu nome seja divulgado, o Parlamento Europeu respeitará o seu direito ao respeito da vida privada. No entanto, é necessário que faça esse pedido de forma clara e explícita na sua petição. De igual modo, se pretender que a sua petição seja tratada de forma confidencial terá de fazer esse pedido claramente. A Comissão das Petições dá importância à transparência, podendo as suas reuniões ser visionadas em linha. Por conseguinte, é possível seguir os debates em qualquer computador, a partir do sítio do Parlamento Europeu. Regra geral, as reuniões da Comissão são públicas. Os peticionários poderão assistir à reunião em que a sua petição for analisada, se apresentarem um pedido nesse sentido.»

65      Além disso, aquando da apresentação da sua petição através do sítio Internet do Parlamento, o demandante preencheu um formulário respondendo pela afirmativa às seguintes questões:

«Se a Comissão das Petições vier a declarar a sua petição admissível, concorda que a mesma seja objeto de tratamento público?»

«Aceita que o seu nome seja inscrito num registo público acessível na Internet?»

66      Por outro lado, cumpre ter em conta os seguintes elementos.

67      Em primeiro lugar, o Tribunal deve tomar em consideração a sistemática e a finalidade do direito de petição ao Parlamento concedido pelos artigos 24.° TFUE e 227.° TFUE. Este direito de petição é expressamente concebido como um instrumento de participação na vida democrática, cuja vocação é ser transparente para permitir que outros cidadãos a ela eventualmente se associem e, por conseguinte, suscitar um debate público. Além disso, há que referir os artigos 15.° TFUE e 232.° TFUE, que preveem que os trabalhos do Parlamento decorrem principalmente em público. É, pois, neste contexto que devem ser aplicadas as normas que regulam o exercício do direito de petição, nomeadamente, as que figuram nos artigos 201.° e seguintes do Regimento (atuais artigos 215.° e seguintes).

68      Em segundo lugar, importa ter em conta o sentido comum da expressão «tratamento público» para uma pessoa média quando lhe é pedido que preencha um formulário no momento em que apresenta a sua petição.

69      Em terceiro lugar, há que recordar que, no momento da apresentação, o demandante foi informado pelo Parlamento de que podia pedir um tratamento anónimo, ou até confidencial, da sua petição, de que as atas eram publicadas no Jornal Oficial, de que «certas informações», incluindo o nome do peticionário, estavam disponíveis na Internet, de que havia um registo público acessível na Internet e de que as reuniões da Comissão das Petições podiam ser visionadas em linha.

70      Em quarto lugar, importa realçar o conteúdo específico da petição em causa, concretamente, o facto de uma instituição da União alegadamente não ter tomado em consideração a doença do demandante (e a deficiência do seu filho) para efeitos da sua carreira, questão que, em princípio, suscita um certo interesse público. Deve acrescentar‑se que o aviso de receção confirmava expressamente que eram precisamente essas considerações o objeto da petição. Por conseguinte, a publicação das informações tinha por objeto o conteúdo específico da petição e não elementos acessórios ou supérfluos.

71      A este respeito, o artigo 201.°, n.° 9, do Regimento dispõe que, «[a]pós terem sido registadas, as petições tornam‑se, em regra geral, documentos públicos e o nome do peticionário, bem como o conteúdo da petição, podem ser publicados pelo Parlamento por razões de transparência». O n.° 10 do mesmo artigo dispõe que, «[s]em prejuízo das disposições previstas no n.° 9, o peticionário pode solicitar a não divulgação do seu nome a fim de proteger o direito à sua vida privada; nesse caso, o Parlamento deverá respeitar o seu pedido».

72      Nos termos do artigo 203.° do Regimento, relativo à publicidade das petições:

«1. As petições inscritas na lista geral a que se refere o n.° 6 do artigo 201.°, bem como as decisões mais importantes relativas ao processo de apreciação das mesmas, serão comunicadas em sessão plenária. Estas comunicações deverão constar da ata da sessão.

2. O título e a síntese do texto das petições inscritas na lista, bem como os pareceres e as decisões mais importantes que acompanhem o tratamento dado a cada petição, serão postos à disposição do público numa base de dados, desde que o peticionário esteja de acordo. As petições a tratar confidencialmente serão mantidas nos arquivos do Parlamento, onde poderão ser consultadas pelos deputados.»

73      Mais especificamente, em princípio, as petições são documentos públicos, ainda que, a pedido do interessado, esta regra possa ser derrogada. Como o Parlamento sublinhou na audiência, qualquer outra conclusão equivaleria a impor‑lhe uma obrigação de censura quanto ao conteúdo da petição apresentada pelo demandante.

74      Por conseguinte, importa constatar que, no caso vertente, atendendo a todas as circunstâncias específicas acima elencadas nos n.os 64 a 73, o demandante realizou uma «manifestação de vontade livre e informada». Com efeito, uma leitura atenta das informações fornecidas pelo Parlamento devia ter permitido a um peticionário razoavelmente atento apreciar o alcance e as consequências da sua ação. Por outro lado, esta manifestação de vontade foi específica, pois o Parlamento informou o demandante do facto de que a sua queixa, cujo objeto dizia intrinsecamente respeito às considerações indicadas no n.° 70, supra, seria acessível na Internet. Por último, o demandante deu o seu consentimento explícito ao selecionar os campos do formulário relativos ao tratamento público e à inscrição num registo acessível na Internet, sem que o seu consentimento deva ser implicitamente deduzido de qualquer ação.

75      Todas estas circunstâncias diferenciam fundamentalmente o presente caso dos factos na origem do processo V/Parlamento (acórdão de 5 de julho de 2011, V/Parlamento, F‑46/09, ColetFP, EU:F:2011:101, n.° 138), no qual a pessoa em causa não tinha dado qualquer consentimento à transmissão, pela Comissão ao Parlamento, dos dados médicos que lhe diziam respeito.

76      Atendendo às considerações precedentes, o Tribunal considera que, no caso vertente, o demandante deu o seu consentimento explícito quanto à divulgação das informações sensíveis em causa, na aceção do artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001.

77      Em segundo lugar, no que diz respeito aos dados pessoais que não estão entre os referidos no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 45/2001 (como os relativos à carreira do demandante), o seu tratamento está sujeito ao regime previsto no artigo 5.° do Regulamento n.° 45/2001. Nos termos do artigo 5.°, alínea d), deste regulamento, o tratamento pode ser efetuado, nomeadamente, quando a pessoa em causa deu de forma inequívoca o seu consentimento. Por outras palavras, o tratamento pode ser efetuado quando a pessoa em causa deu o seu consentimento com certeza e sem ambiguidade.

78      Há que salientar que, enquanto o artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001 requer o consentimento explícito, o artigo 5.°, alínea d), do referido regulamento exige que tenha sido dado um consentimento inequívoco. Como observou a AEPD, é lógico considerar, tendo em conta a natureza dos dados pessoais sensíveis, que as condições exigidas para o consentimento na aceção do artigo 5.°, alínea d), do Regulamento n.° 45/2001 não podem ser mais estritas do que as previstas no artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do referido regulamento.

79      Por conseguinte, há que atender às considerações acima expostas nos n.os 57 a 74, que, no caso em apreço, devem ser aplicadas mutatis mutandis ao tratamento dos dados pessoais diferentes dos dados pessoais sensíveis do demandante. Em particular, no que respeita ao objetivo da petição, importa sublinhar que a mesma visava especificamente o facto de uma instituição da União não ter devidamente tido em conta a situação pessoal do demandante para efeitos da sua carreira.

80      Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que o demandante efetuou inequivocamente uma «manifestação de vontade livre, específica e informada» para o tratamento dos seus dados pessoais pelo Parlamento e, nomeadamente, para a sua divulgação no contexto do tratamento de uma petição pelo Parlamento.

81      Na medida em que, como decorre da letra desta disposição, as justificações previstas no artigo 5.° do Regulamento n.° 45/2001 para o tratamento dos dados não são cumulativas, não é necessário verificar se o tratamento dos dados pessoais também era justificado ao abrigo de outra das disposições invocadas pelo Parlamento.

82      Atendendo ao exposto, o Tribunal considera que o Parlamento não cometeu uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito ao divulgar os dados pessoais em causa na Internet.

83      Em terceiro lugar, importa observar que, na medida em que indica que o filho do demandante sofre de uma deficiência mental ou física grave, a comunicação também contém dados pessoais sensíveis relativos a este último, ainda que nela o filho do demandante não seja designado pelo nome.

84      Na falta de qualquer indicação no sentido de que o demandante é o representante legal do seu filho, o consentimento explícito que deu não pode justificar o tratamento dos referidos dados pelo Parlamento ao abrigo do artigo 10.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 45/2001.

85      O filho do demandante não é, contudo, parte na presente ação. Além disso, como acaba de ser exposto, não há nenhuma prova de que o demandante seja representante legal do seu filho ou que tenha sido mandatado para intentar a presente ação em seu nome.

86      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, para garantir o efeito útil da condição relativa à violação de uma norma de direito que confere direitos aos particulares, é necessário que a proteção oferecida pela norma invocada seja efetiva em relação à pessoa que a invoca e, por conseguinte, que essa pessoa esteja entre aquelas a quem a norma em questão confere direitos. Não pode ser admitida como fundamento para uma indemnização uma norma que não protege o particular contra a ilegalidade que invoca, mas que protege outro particular (acórdãos de 12 de setembro de 2007, Nikolaou/Comissão, T‑259/03, EU:T:2007:254, n.° 44, e de 9 de julho de 2009, Ristic e o./Comissão, T‑238/07, EU:T:2009:263, n.° 60). Daqui resulta que o demandante não pode invocar, na sua ação de indemnização, ilegalidades decorrentes da alegada violação dos direitos de um terceiro, nomeadamente o seu filho.

–       Na sequência do pedido de retirada dos dados do sítio Internet

87      Importa, pois, analisar se o comportamento do Parlamento, na sequência do pedido de retirada do seu sítio Internet dos dados pessoais do demandante, pode constituir uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito cujo objetivo é conferir direitos aos particulares.

88      Segundo o demandante, quando pediu a retirada dos dados pessoais do sítio Internet do Parlamento, este último reagiu inicialmente pela negativa, apenas tendo aceitado o pedido depois da intervenção do seu advogado, em violação do direito ao apagamento de dados pessoais. Por outro lado, o facto de o Parlamento ter aceitado apagar os dados implica o reconhecimento implícito da ilegalidade da publicação. O demandante acrescenta, por último, que o Parlamento violou o artigo 12.° das disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001.

89      Os argumentos do demandante implicam, no essencial, a análise de duas questões: em primeiro lugar, a de saber se tinha direito a obter a retirada dos seus dados pessoais e, em segundo lugar, a de saber se o Parlamento tratou aquele pedido com diligência.

90      No que respeita à primeira questão, importa observar que o artigo 16.° do Regulamento n.° 45/2001 apenas confere o direito de obter o apagamento dos dados pessoais quando o tratamento for ilícito (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2009, Vinci/BCE, F‑130/07, ColetFP, EU:F:2009:114, n.os 66 e 67), como o próprio demandante reconhece. Por conseguinte, esta disposição não pode ser invocada em apoio de um pedido de apagamento quando o tratamento é lícito, como acontece no caso vertente (v. n.os 52 e seguintes). O facto de o Parlamento ter decidido aceitar o pedido não implica, por si só, o reconhecimento da ilegalidade da publicação inicial. A este respeito, há que recordar que o Parlamento explicou ter apagado os dados por cortesia.

91      Por outro lado, importa constatar que, nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 45/2001, a pessoa em causa tem direito de se opor em qualquer momento, por razões imperiosas e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento, exceto quando, nomeadamente, tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento na aceção da alínea d) do artigo 5.° do mesmo regulamento.

92      De resto, na medida em que no caso vertente o tratamento dos dados era baseado no consentimento da pessoa interessada, há que observar que o Regulamento n.° 45/2001 não prevê expressamente a possibilidade de revogar o consentimento inicialmente dado.

93      À luz do exposto, o Tribunal considera que o demandante não podia invocar um direito ao apagamento dos dados pessoais em causa com base no Regulamento n.° 45/2001. Há que acrescentar que o demandante não invocou validamente qualquer outro fundamento para o seu pedido de apagamento. De qualquer modo, importa recordar que o Parlamento, apesar de não existir qualquer obrigação vinculativa, procedeu ao apagamento dos dados do seu sítio Internet.

94      Importa, por último, recordar que o processo que deu origem ao acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, Colet., EU:C:2014:317), relativo ao «direito ao esquecimento» na Internet, dizia respeito a um quadro factual e jurídico muito diferente daquele que está em causa no caso vertente. Em particular, ainda que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça tenha considerado, em substância, que, sob certas condições, esse direito poderia existir, não pode deixar de se constatar que as disposições da Diretiva 95/46 em que o Tribunal de Justiça alicerçou a sua fundamentação [concretamente, o artigo 7.°, alínea f), o artigo 12.°, alínea b), e o artigo 14.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46] diferem em larga medida das que estão em causa no caso concreto, que, no essencial, está ligado à questão do consentimento da pessoa em causa. Com efeito, há que recordar que, ao invés do caso vertente, no processo Google a pessoa em causa não tinha dado o seu consentimento à publicação inicial dos seus dados pessoais.

95      No que respeita à segunda questão, o demandante não invocou a violação de uma norma ou princípio de direito se a publicação inicial pelo Parlamento fosse lícita, como é o caso.

96      Antes de mais, importa observar que o artigo 12.° das disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001, relativo ao direito de apagamento, dispõe no seu n.° 3:

«O responsável pelo tratamento de dados deve responder no prazo de 15 dias úteis a contar da receção do pedido de apagamento. Se o pedido for aceite, deve ser executado imediatamente. Se o responsável pelo tratamento considerar que o pedido não é justificado, dispõe do prazo de 15 dias úteis para informar a pessoa interessada por carta devidamente fundamentada.»

97      Resulta desta disposição que o Parlamento dispõe de um prazo de 15 dias úteis para responder a um pedido de apagamento, independentemente do facto de o mesmo ser fundado. No caso concreto, o demandante enviou o seu pedido ao serviço «Europe direct contact centre» da Comissão, que o transmitiu ao Parlamento em 10 de abril de 2012. Este último deu cumprimento ao pedido no prazo fixado. Ao invés do que defende o demandante, o Parlamento nunca recusou o pedido. Na realidade, como resulta das respostas de 20 de abril de 2012, de 24 de setembro de 2012 e de 10 de janeiro de 2013, o Parlamento aceitou o apagamento, ao mesmo tempo que sublinhou, acertadamente, que a publicação era lícita.

98      Os dados pessoais foram apagados por volta de 8 de outubro de 2012, segundo o Parlamento, e de 10 de janeiro de 2013, segundo o demandante.

99      Na sua contestação, o Parlamento indicou que precisou de algum tempo para encontrar os documentos nos quais figuravam os dados do demandante e para tomar as medidas técnicas necessárias. Como explicou o Parlamento na audiência, o total apagamento da Internet é um processo tecnicamente delicado. O Tribunal considera que são estas dificuldades técnicas que explicam o tempo de que o Parlamento precisou, tendo os seus serviços técnicos necessitado de intervir várias vezes para apagar os dados em causa, considerando também que o Parlamento não recusou inicialmente o pedido do demandante.

100    Cumpre observar que o artigo 12.°, n.° 3, das disposições de execução do Regulamento n.° 45/2001 prevê que, se o pedido for aceite, deve ser executado imediatamente. Ora, esta disposição contempla as situações em que o pedido é aceite por ser fundado, concretamente, porque o seu tratamento é ilegal. Nestas circunstâncias, é lógico que o mesmo deva ser imediatamente executado. Pelo contrário, quando, como no caso vertente, o pedido não é fundado, mas é aceite por cortesia, não há razão para impor uma obrigação de execução «imediata». Nesse caso, o Parlamento só tem de cumprir o seu compromisso num prazo razoável. Atendendo às explicações prestadas pelo Parlamento, o Tribunal considera que, no caso vertente, este não cometeu nenhuma ilegalidade no tratamento do pedido de apagamento, incluindo na sua execução.

101    Atendendo ao exposto, o Tribunal considera que o Parlamento não cometeu uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito na sequência do pedido de apagamento apresentado pelo demandante.

 Regras relativas à proteção da vida privada

102    No que respeita às disposições relativas à proteção da vida privada invocadas pelo demandante, importa observar que, segundo o artigo 6.°, n.° 3, TUE, os direitos fundamentais, como os que são garantidos pela CEDH, fazem parte do direito da União enquanto princípios gerais, apesar de a União não ser parte na CEDH. Em contrapartida, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi ratificada pela União.

103    Todavia, independentemente da questão de saber se, tendo em conta a sua natureza e a sua economia (acórdãos de 23 de novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colet., EU:C:1999:574, n.° 47, e de 3 de fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T‑19/01, Colet., EU:T:2005:31, n.° 114), a CEDH e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência preveem disposições cujo objetivo é conferir direitos aos particulares, não pode deixar de se constatar que o demandante se limita a invocar a violação do artigo 22.° da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sem apresentar nenhum argumento específico em apoio desta pretensão.

104    O mesmo se pode dizer da alegada violação do artigo 8.° da CEDH. A este respeito, o demandante limita‑se a citar três acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, em seu entender, demonstram que o direito ao respeito da vida privada inclui o direito a manter o seu estado de saúde secreto (TEDH, S. e Marper c. Reino Unido, n.os 30562/04 e 30566/04, de 4 de dezembro de 2008), bem como o direito à não divulgação de dados relativos à vida profissional (TEDH, Amman c. Suíça, n.° 27798/95, de 16 de fevereiro de 2000, e Rotaru c. Roménia, n.° 28341/95, de 4 de maio de 2000). Contudo, estes acórdãos têm por objeto situações muito diferentes da do caso em apreço, nomeadamente, a conservação de dados biométricos de pessoas suspeitas de terem cometido crimes, a interceção de uma chamada telefónica profissional e a criação por parte das autoridades públicas de um ficheiro com variadas informações pessoais.

105    Por outro lado, o acórdão de 5 de outubro de 1994, X/Comissão (C‑404/92 P, Colet., EU:C:1994:361), citado pelo demandante em apoio das suas alegações, também diz respeito a uma questão muito diferente, nomeadamente a recusa da Comissão de contratar uma pessoa depois de esta ter efetuado testes que podiam gerar suspeitas de que estava infetada pelo vírus da sida, apesar de essa pessoa se ter oposto à sua realização. Não pode deixar de se constatar que o acórdão V/Parlamento, n.° 75, supra (EU:F:2011:101, n.os 110 e seguintes), também diz respeito a uma situação que não é comparável, na medida em que tem por objeto a comunicação ao Parlamento de dados médicos de um antigo trabalhador da Comissão, sem o consentimento do interessado, que conduziu à retirada da proposta de emprego do Parlamento.

106    Por conseguinte, à luz do exposto, é difícil identificar um paralelismo ou semelhança entre os factos que estão na origem desses acórdãos e a situação em apreço que possa fundamentar os argumentos do demandante.

107    Além disso, pelas razões expostas nos n.os 52 e seguintes, não é possível considerar que há «ingerência de uma autoridade pública» na vida privada na aceção do artigo 8.° da CEDH quando, como no caso em apreço, o demandante dá o seu consentimento à divulgação de informações.

108    Por conseguinte, o Tribunal considera que o demandante não demonstrou a existência, por parte do Parlamento, de uma violação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ou da CEDH.

109    Tendo em conta o exposto, importa julgar improcedentes os argumentos relativos à ilegalidade do comportamento do Parlamento.

110    Na medida em que os três requisitos relativos à responsabilidade extracontratual da União são cumulativos (acórdão de 10 de julho de 2014, Nikolaou/Tribunal de Contas, C‑220/13 P, Colet., EU:C:2014:2057, n.° 52), há que julgar a ação improcedente na totalidade, sem que seja necessário analisar os argumentos relativos ao dano e ao nexo de causalidade. O Tribunal considera, contudo, oportuno analisar estes argumentos.

2.     Quanto ao dano e ao nexo de causalidade

 Argumentos das partes

111    O demandante alega que o comportamento ilegal do Parlamento lhe causou um dano patrimonial e um dano moral.

112    Em primeiro lugar, alega que foi obrigado a recorrer aos serviços de um advogado e que o Parlamento só retirou o documento do seu sítio Internet depois de aquele ter enviado duas notificações para esse efeito. O demandante incorreu por isso em despesas no montante de 1 000 euros, o que constitui o seu dano patrimonial.

113    Em segundo lugar, o demandante alega que o dano moral resulta da atitude de desdém e dilatória do Parlamento, que o feriu profundamente e que lhe causou grande stress provocado pela preocupação com o facto de o seu filho, afetado por uma patologia mental grave e pessoa muito frágil, poder tomar conhecimento das informações publicadas. O demandante avalia o dano moral ex aequo et bono em 40 000 euros.

114    Na réplica, o demandante sustenta que o lapso de tempo decorrido entre a publicação e o pedido de apagamento não tem nenhuma importância. Além disso, observa que apresentou o seu pedido de apagamento assim que teve conhecimento da publicação dos dados.

115    O demandante considera que existe um nexo de causalidade direto entre a ilegalidade e o dano, pois este último resulta da publicação das informações pelo Parlamento e da dificuldade em obter a retirada das informações.

116    O Parlamento não contesta que o demandante teria tido um dano patrimonial de 1 000 euros com despesas com um advogado, se estivesse demonstrada a existência de um comportamento ilegal. O Parlamento considera, contudo, que o demandante não demonstrou a existência de um dano moral.

117    Por último, o Parlamento não contesta a existência de um nexo de causalidade se o Tribunal considerar que houve um comportamento ilegal e que o demandante sofreu um dano.

 Apreciação do Tribunal Geral

118    Importa recordar que, segundo a jurisprudência, no que diz respeito aos requisitos de existência de um dano, este último deve ser real e certo. Ao invés, um dano simplesmente hipotético e indeterminado não confere direito a reparação (acórdão de 28 de abril de 2010, BST/Comissão, T‑452/05, Colet., EU:T:2010:167, n.° 165). Contudo, o requisito relativo à existência de um dano certo é preenchido quando este é iminente e previsível com um grau suficiente de certeza, mesmo que o dano ainda não possa ser quantificado com precisão (acórdão de 14 de janeiro de 1987, Zuckerfabrik Bedburg e o./Conselho e Comissão, 281/84, Colet., EU:C:1987:3, n.° 14).

119    É à parte que pretende responsabilizar a União que incumbe apresentar provas da existência ou da dimensão do dano que alega e demonstrar que entre esse dano e o comportamento imputado à instituição em questão existe um nexo suficientemente direto de causa/efeito (acórdão BST/Comissão, n.° 118, supra, EU:T:2010:167, n.° 167).

120    Cumpre observar que o Parlamento não contesta a existência do dano patrimonial invocado pelo demandante, concretamente as despesas com o seu advogado, desde que exista um comportamento ilegal.

121    Em contrapartida, no que respeita ao dano moral, não pode deixar de se constatar que o demandante não demonstrou a existência desse dano. Limitou‑se a alegar que a atitude de desdém e dilatória do Parlamento o feriu profundamente, tendo‑lhe provocado um stress importante, sem apresentar nenhum elemento de prova em apoio desta alegação. Por conseguinte, este argumento não pode ser acolhido.

122    Atendendo ao exposto, importa julgar improcedentes os argumentos do demandante relativos à existência de um dano moral.

123    Por último, importa recordar que é de admitir um nexo de causalidade quando existe uma relação direta de causa/efeito entre a infração cometida pela instituição em causa e o dano invocado e que pertence aos demandantes fazer prova disso (acórdão de 28 de setembro de 1999, Hautem/BEI, T‑140/97, ColetFP, EU:T:1999:176, n.° 85). Segundo jurisprudência constante, o dano deve resultar de modo suficientemente direto do comportamento censurado (acórdão de 25 de junho de 1997, Perillo/Comissão, T‑7/96, Colet., EU:T:1997:94, n.° 41).

124    Decorre da jurisprudência que, embora não possa ser proibido aos interessados assegurarem, numa fase pré‑contenciosa, os conselhos de um advogado, trata‑se de uma opção dos mesmos, que não pode ser imputada à instituição em causa (acórdãos de 9 de março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, Colet., EU:C:1978:45, n.° 48; de 28 de junho de 2007, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑331/05 P, Colet., EU:C:2007:390, n.° 24; e de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, Colet., EU:T:2008:257, n.° 415). As despesas, efetuadas livremente pelo interessado, não podem, por isso, ser imputáveis ao Parlamento (v., neste sentido, acórdão Internationaler Hilfsfonds/Comissão, já referido, EU:C:2007:390, n.° 27). Por conseguinte, não existe qualquer nexo de causalidade entre o alegado dano patrimonial sofrido pelo demandante e a atuação do Parlamento.

125    Consequentemente, os argumentos do demandante relativos ao nexo de causalidade entre a alegada ilegalidade e o dano patrimonial também devem ser julgados improcedentes.

126    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o pedido do demandante destinado à reparação do dano alegadamente sofrido por ser infundado.

 Quanto às despesas

127    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o demandante sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, nos termos do pedido do Parlamento.

128    Em conformidade com o artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a AEPD deve suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      CN suportará as despesas do Parlamento Europeu, bem como as suas próprias despesas.

3)      A Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD) suportará as suas próprias despesas.

Frimodt Nielsen

Dehousse

Collins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de dezembro de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.