Language of document : ECLI:EU:C:2024:15

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 11 de janeiro de 2024 (1)

Processo C814/21

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

«Incumprimento de Estado — Cidadania da União — Artigo 22.o TFUE — Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado — Cidadãos da União que residem na Polónia sem terem a nacionalidade polaca — Inexistência do direito de filiação num partido político — Candidatura às eleições municipais ou para o Parlamento Europeu em condições diferentes das previstas para os nacionais — Artigo 10.o TUE — Princípio da democracia — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 12.o, 39.o e 40.o — Justificação — Artigo 4.o, n.o 2, TUE»






Índice


I. Introdução

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1. Tratado FUE

2. Carta

3. Diretiva 93/109/CE

4. Diretiva 94/80/CE

B. Direito polaco

1. Lei dos Partidos Políticos

2. Código Eleitoral

3. Lei da Radiodifusão

4. Lei das Associações

III. Procedimento précontencioso

IV. Pedidos das partes

V. Análise

A. Quanto à exceção de inadmissibilidade arguida pela República Checa

1. Argumentos das partes

2. Apreciação

B. Quanto ao mérito

1. Argumentos das partes

a) Comissão

1) Quanto ao fundamento da ação por incumprimento

2) Quanto ao exercício pelos EstadosMembros da sua competência

b) República da Polónia

1) A redação do artigo 22.o TFUE não confere o direito de filiação num partido político

2) A restrição da filiação num partido político justificase pela preocupação de limitar a esfera de influência dos cidadãos «móveis» da União na vida política nacional

3) Os candidatos não filiados num partido político não são especialmente prejudicados em relação aos filiados

c) Argumentos específicos da República Checa, interveniente, e observações da Comissão em resposta

1) Quanto ao alcance do artigo 22.o TFUE

i) Argumentos da República Checa

ii) Observações da Comissão

2) Quanto à base jurídica aplicável

i) Argumentos da República Checa

ii) Observações da Comissão

3) Quanto à prova do alegado incumprimento

i) Argumentos da República Checa

ii) Observações da Comissão

4) Quanto à limitação do exercício dos direitos conferidos pelo artigo 22.o TFUE

i) Argumentos da República Checa

ii) Observações da Comissão

5) Quanto à situação nos outros EstadosMembros

i) Argumentos da República Checa

ii) Observações da Comissão

2. Apreciação

a) Quanto ao alcance do artigo 22.o TFUE

b) Quanto à existência de uma limitação do exercício dos direitos eleitorais

c) Quanto à justificação para a restrição da filiação num partido político

VI. Quanto às despesas

VII. Conclusão


I.      Introdução

1.        Com a sua ação apresentada em aplicação do artigo 258.° TFUE e baseada no artigo 22.o TFUE, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça declare o incumprimento pela República da Polónia das obrigações que lhe incumbem por força desta última disposição, pelo facto de, em substância, ao não conceder o direito de ser membro de um partido político aos cidadãos da União Europeia que não têm a nacionalidade polaca, mas que residem no seu território (2), a probabilidade de estes serem eleitos nas eleições municipais ou para o Parlamento Europeu ser menor do que a dos nacionais polacos (3).

2.        Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais o entendimento da República da Polónia de que importa limitar‑se a uma leitura literal do artigo 22.o TFUE, no sentido de que o mesmo só regula as condições legais de elegibilidade, não é procedente e que, pelo contrário, a análise contextual e teleológica das obrigações resultantes desta disposição leva a considerar que a acusação relativa à violação do exercício efetivo do direito de ser eleito, apoiada pela Comissão, é fundada.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.       Tratado FUE

3.        O artigo 20.o TFUE tem a seguinte redação:

«1.      É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui.

2.      Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos nos Tratados. Assistem‑lhes, nomeadamente:

[...]

b)      O direito de eleger e ser eleitos nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado;

[...]

Estes direitos são exercidos nas condições e nos limites definidos pelos Tratados e pelas medidas adotadas para a sua aplicação.»

4.        O artigo 22.o TFUE dispõe:

«1.      Qualquer cidadão da União residente num Estado‑Membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades adotadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias, sempre que problemas específicos de um Estado‑Membro o justifiquem.

2.      Sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 223.o e das disposições adotadas em sua aplicação, qualquer cidadão da União residente num Estado‑Membro que não seja o da sua nacionalidade, goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades adotadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias, sempre que problemas específicos de um Estado‑Membro o justifiquem.»

2.      Carta

5.        O artigo 12.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (4), sob a epígrafe «Liberdade de reunião e de associação», tem a seguinte redação:

«1.      Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses.

2.      Os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União.»

3.      Diretiva 93/109/CE

6.        A Diretiva 93/109/CE do Conselho, de 6 de dezembro de 1993, que estabelece o sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (5), enuncia, no seu quarto considerando:

«Considerando que o n.o 2 do artigo 8.o‑B do Tratado CE refere‑se apenas à possibilidade de exercício do direito de voto e à elegibilidade para o Parlamento Europeu, sem prejuízo do n.o 3 do artigo 138.o do Tratado CE que prevê o estabelecimento de um processo uniforme para estas eleições em todos os Estados‑Membros, e que se destina essencialmente a suprimir a condição da nacionalidade atualmente exigida na maior parte dos Estados‑Membros para o exercício desses direitos.»

7.        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece o sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade para o Parlamento Europeu para os cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não sejam nacionais.»

4.      Diretiva 94/80/CE

8.        A Diretiva 94/80/CE do Conselho, de 19 de dezembro de 1994, que estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (6), enuncia, no seu quinto considerando:

«Considerando que o n.o 1 do artigo 8.o‑B do Tratado tem por objetivo assegurar que todos os cidadãos da União, nacionais ou não do Estado‑Membro de residência, possam aí exercer o seu direito de voto e ser eleitos nas eleições autárquicas nas mesmas condições, e que é necessário, por conseguinte, que as condições, nomeadamente em matéria de período e de prova de residência, válidas para os não nacionais sejam idênticas às eventualmente aplicáveis aos nacionais do Estado‑Membro em questão; que os cidadãos não nacionais não estarão sujeitos a condições específicas a não ser que, a título excecional, se justifique um tratamento diferente dos nacionais e dos não nacionais por circunstâncias específicas destes últimos que os distingam dos primeiros.»

9.        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade.»

B.      Direito polaco

1.      Lei dos Partidos Políticos

10.      O artigo 2.o, n.o 1, da ustawa o partiach politycznych (Lei dos Partidos Políticos) (7), de 27 de junho de 1997, prevê:

«Os nacionais da República da Polónia que tenham pelo menos 18 anos de idade podem ser membros de um partido político.»

11.      O artigo 5.o desta lei dispõe:

«É garantido o acesso aos canais públicos de rádio e de televisão aos partidos políticos em conformidade com as regras estabelecidas em leis distintas.»

12.      O artigo 24.o da referida lei enuncia:

«1.      O património dos partidos políticos provém das quotizações dos seus filiados, de doações, sucessões ou legados, de rendimentos da propriedade, bem como de dotações e subvenções previstas na lei.

2.      O património dos partidos políticos só pode ser utilizado para fins definidos nos estatutos ou para fins caritativos.

[...]

4.      Um partido político só pode obter rendimentos do seu património relacionados com:

1)      os juros gerados pelos fundos detidos em contas bancárias e pelos depósitos a prazo;

2)      a negociação de obrigações do Skarbu Państwa [Tesouro Público, Polónia] e de títulos do Tesouro Público;

3)      a cessão de ativos;

[...]»

13.      O artigo 28.o, n.o 1, da mesma lei prevê:

«Um partido político que:

1)      tendo constituído o seu próprio comité eleitoral para as eleições para o Sejm [Dieta, Polónia] tenha recolhido, à escala nacional, pelo menos 3 % dos sufrágios validamente expressos a favor da sua lista de círculo eleitoral de candidatos à função de deputado ou

2)      tenha aderido a uma coligação eleitoral para as eleições na Dieta, cujas listas de círculo eleitoral de candidatos à função de deputado tenham recolhido, à escala nacional, pelo menos 6 % dos sufrágios validamente expressos,

tem direito de beneficiar, durante a legislatura e de acordo com as modalidades e as regras definidas na presente lei, de uma subvenção financiada pelo orçamento do Estado [...] para a realização das suas atividades estatutárias.

[...]»

14.      O artigo 36.o, n.o 1, da Lei dos Partidos Políticos enuncia:

«O fundo eleitoral do partido político pode ser constituído por pagamentos efetuados por este, bem como por donativos, sucessões e legados.»

2.      Código Eleitoral

15.      O artigo 84.o da ustawa Kodeks wyborczy (Lei que aprova o Código Eleitoral) (8), de 5 de janeiro de 2011 (a seguir «Código Eleitoral»), dispõe:

«1.      O direito de designar candidatos a eleições cabe aos comités eleitorais. Os comités eleitorais exercem igualmente outras atividades eleitorais e, nomeadamente, com base no princípio da exclusividade, realizam a campanha eleitoral por conta dos candidatos.

2.      Nas eleições para a Dieta e para o Senado e nas eleições para o Parlamento Europeu na República da Polónia, os comités eleitorais podem ser constituídos pelos partidos políticos e pelas coligações de partidos políticos, bem como pelos eleitores.

[...]

4.      Nas eleições para as instâncias representativas de coletividades territoriais e nas eleições para os presidentes de câmara, os comités eleitorais podem ser constituídos pelos partidos políticos e pelas coligações de partidos políticos, por associações e organizações sociais (a seguir “organizações”), bem como pelos eleitores.»

16.      O artigo 87.o, n.os 1 e 2, deste código prevê:

«1.      Os partidos políticos podem formar uma coligação eleitoral para designar candidatos comuns. Um partido político só pode pertencer a uma única coligação eleitoral.

2.      As atividades eleitorais por conta de uma coligação eleitoral são realizadas por um comité eleitoral de coligação constituído pelas instâncias dos partidos políticos habilitadas a representar cada partido perante o público.»

17.      O artigo 89.o, n.o 1, do referido código dispõe:

«Pelo menos quinze nacionais, titulares do direito de voto, podem formar um comité eleitoral de eleitores.»

18.      O artigo 117.o, n.o 1, do mesmo código prevê:

«Os comités eleitorais cujos candidatos tenham sido registados têm o direito, a partir do 15.o dia anterior à data do escrutínio e até à data de encerramento da campanha eleitoral, de apresentar gratuitamente os seus programas eleitorais nos canais públicos de rádio e de televisão, a expensas dos radiodifusores.»

19.      O artigo 119.o, n.o 1, do Código Eleitoral dispõe:

«Sem prejuízo do direito previsto no artigo 117.o, n.o 1, cada comité eleitoral pode, a partir da data de receção, pela autoridade eleitoral competente, da notificação da sua criação e até à data de encerramento da campanha eleitoral, apresentar o seu programa eleitoral nos canais públicos e privados de rádio e de televisão, a suas expensas.»

20.      Nos termos do artigo 126.o deste código:

«Os comités eleitorais suportam com os seus próprios recursos as despesas efetuadas para efeitos de eleições.»

21.      O artigo 130.o do referido código dispõe:

«1.      A responsabilidade pelas obrigações financeiras do comité eleitoral incumbe ao mandatário financeiro.

2.      Nenhuma obrigação financeira pode ser contraída em nome e por conta do comité eleitoral sem o acordo escrito do mandatário financeiro.

3.      Quando os ativos à disposição do mandatário financeiro não forem suficientes para cobrir os créditos relativos ao comité eleitoral:

1)      a responsabilidade pelos compromissos financeiros do comité eleitoral do partido político ou da organização incumbe ao partido político ou à organização que constituiu o referido comité;

2)      a responsabilidade pelos compromissos financeiros do comité eleitoral de coligação incumbe solidariamente aos partidos políticos que fazem parte desta coligação;

3)      a responsabilidade pelos compromissos financeiros de um comité eleitoral de eleitores incumbe solidariamente aos membros do comité.

[...]»

22.      O artigo 132.o do mesmo código enuncia:

«1.      Os recursos financeiros do comité eleitoral de um partido político só podem provir do fundo eleitoral deste partido, constituído em conformidade com as disposições da [Lei dos Partidos Políticos].

2.      Os recursos financeiros do comité eleitoral de uma coligação só podem provir do fundo eleitoral dos partidos que a compõem.

3.      Os recursos financeiros

1)      do comité eleitoral de uma organização,

2)      de um comité eleitoral de eleitores,

só podem provir de contribuições dos nacionais polacos com residência permanente no território da República da Polónia e de empréstimos bancários contraídos unicamente para necessidades eleitorais.

[...]»

23.      O artigo 133.o do Código Eleitoral prevê:

«1.      O comité eleitoral de um partido político ou de uma coligação pode utilizar gratuitamente as instalações e o material de escritório do partido político durante a campanha eleitoral.

2.      O comité eleitoral de eleitores pode utilizar gratuitamente as instalações e o material de escritório de um membro deste comité durante a campanha eleitoral.

3.      O comité eleitoral de uma organização pode utilizar gratuitamente as instalações e o material de escritório desta organização durante a campanha eleitoral.»

24.      Nos termos do artigo 341.o deste código:

«Têm o direito de designar candidatos às eleições para o Parlamento Europeu:

1)      o comité eleitoral de um partido político;

2)      o comité eleitoral de uma coligação;

3)      um comité eleitoral de eleitores.»

25.      Em conformidade com o artigo 343.o do referido código, a lista dos candidatos deve ser apoiada pelas assinaturas de, pelo menos, 10 000 eleitores com residência permanente no círculo eleitoral em causa.

26.      No que respeita às eleições para os representantes das coletividades territoriais, o artigo 399.o do mesmo código prevê que o direito de designar candidatos para o posto de conselheiro incumbe aos comités eleitorais de partidos políticos, aos comités eleitorais de coligações, aos comités eleitorais de organizações e aos comités eleitorais de eleitores.

27.      Por força do artigo 400.o, n.o 1, do Código Eleitoral, o comité eleitoral de um partido político deve notificar a sua constituição à Państwowa Komisja Wyborcza (Comissão Eleitoral Nacional) a partir da data de publicação do regulamento relativo à realização das eleições e até ao 55.o dia anterior à data do escrutínio.

28.      O artigo 401.o, n.o 1, deste código dispõe que um comité eleitoral de coligação pode ser constituído durante o período compreendido entre a data de publicação do regulamento relativo à realização das eleições e o 55.o dia anterior à data do escrutínio, devendo o mandatário eleitoral do comité eleitoral de coligação informar tal facto à Comissão Eleitoral Nacional o mais tardar no 55.o dia anterior à data do escrutínio.

29.      Em conformidade com o artigo 402.o, n.o 1, do referido código, o comité eleitoral de uma organização deve notificar a sua constituição ao comissário eleitoral competente em função da sede desta organização a partir da data de publicação do regulamento relativo à realização das eleições e até ao 55.o dia anterior à data do escrutínio.

30.      O artigo 403.o, n.os 1 a 3, do mesmo código dispõe:

«1.      Pelo menos quinze nacionais, titulares do direito de voto, podem formar um comité eleitoral de eleitores.

2.      Após ter recolhido, pelo menos, 1 000 assinaturas de nacionais titulares do direito de voto que apoiam a criação de um comité eleitoral de eleitores, o mandatário eleitoral deve informar a Comissão Eleitoral Nacional da constituição deste comité, sob reserva do disposto no número 3. A notificação poderá ser efetuada o mais tardar no 55.o dia anterior à data do escrutínio.

3.      Se o comité eleitoral de eleitores tiver sido criado para efeitos de designação de candidatos numa única voivodia:

1)      o número de nacionais a que se refere o n.o 1 é de 5;

2)      o número de assinaturas a que se refere o n.o 2 é de 20, e a notificação prevista no n.o 2 é dirigida ao comissário eleitoral competente em função da sede do comité.»

3.      Lei da Radiodifusão

31.      A ustawa o radiofonii i telewizji (Lei da Radiodifusão) (9), de 29 de dezembro de 1992, dispõe, no artigo 23.o, n.o 1, que os canais públicos de rádio e de televisão devem dar aos partidos políticos a possibilidade de se expressarem sobre questões fundamentais em matéria de assuntos públicos.

4.      Lei das Associações

32.      Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da ustawa Prawo o stowarzyszeniach (Lei das Associações) (10), de 7 de abril de 1989, também se podem agrupar em associações os estrangeiros residentes na Polónia.

III. Procedimento précontencioso

33.      Em 16 de abril de 2012, a Comissão comunicou, no âmbito de um projeto EU Pilot, às autoridades polacas o seu parecer preliminar quanto à incompatibilidade com o artigo 22.o TFUE da legislação polaca que reserva aos nacionais polacos o direito de fundação de um partido político e o direito de filiação num partido político.

34.      Na falta de resposta, a Comissão enviou, em 26 de abril de 2013, uma notificação para cumprir à República da Polónia com o mesmo objeto. Na sua resposta de 24 de julho de 2013, este Estado‑Membro contestou que tivesse havido qualquer violação do direito da União.

35.      Em 22 de abril de 2014, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual mantinha que a República da Polónia não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 22.o TFUE ao recusar aos cidadãos «móveis» da União o direito de fundação de um partido político e o direito de filiação num partido político.

36.      Na sua resposta de 16 de junho de 2014, a República da Polónia alegou que o artigo 22.o TFUE não confere o direito, no Estado‑Membro de residência, de fundação de um partido político e de filiação num partido político aos cidadãos «móveis» da União.

37.      Por carta de 2 de dezembro de 2020, o Comissário Europeu da Justiça pediu à República da Polónia que o informasse sobre uma eventual evolução da sua posição ou sobre alterações legislativas adotadas com vista a garantir os direitos em causa a esses cidadãos «móveis» da União.

38.      Após as autoridades polacas terem informado a Comissão, por carta de 26 de janeiro de 2021, da reiteração do seu entendimento, esta decidiu intentar a presente ação, restringindo o seu objeto à limitação da qualidade de membro de um partido político apenas aos nacionais polacos. A Comissão precisou que, no que respeita à questão da criação de um partido político por cidadãos «móveis» da União, evocada nas fases anteriores do procedimento, a mesma se reservava a possibilidade de a suscitar no âmbito de um procedimento distinto.

IV.    Pedidos das partes

39.      Com a sua petição inicial, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que, «ao recusar aos cidadãos da União Europeia que não têm a nacionalidade polaca mas que residem no território da República da Polónia o direito de serem membros de um partido político, [este Estado‑Membro] não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 22.o [TFUE]», e

–        condenar a República da Polónia nas despesas.

40.      A República da Polónia conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e que a Comissão seja condenada nas despesas.

41.      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de maio de 2022, a República Checa foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos da República da Polónia.

42.      No seu articulado de intervenção, a República Checa arguiu uma exceção de inadmissibilidade, desenvolveu certos argumentos da República da Polónia e respondeu a determinados argumentos invocados pela Comissão.

43.      Esta instituição conclui as suas observações relativas a este articulado de intervenção, limitadas às novas questões, no sentido de que mantém os pedidos formulados na sua petição.

V.      Análise

A.      Quanto à exceção de inadmissibilidade arguida pela República Checa

1.      Argumentos das partes

44.      Contrariamente à República da Polónia, a República Checa sustenta no seu articulado de intervenção que a ação por incumprimento é inadmissível por falta de clareza das disposições em que se baseia. Este Estado‑Membro salienta que, embora a Comissão tenha concluído pela existência de uma violação do artigo 22.o TFUE, nos fundamentos da sua petição, faz igualmente referência ao artigo 20.o, n.o 2, alínea b), TFUE e aos artigos 11.o e 12.o da Carta.

45.      A Comissão considera que a República Checa invoca sem ambiguidade que a proibição de os cidadãos «móveis» da União se filiarem num partido é incompatível com o artigo 22.o TFUE. A República da Polónia compreendeu‑o perfeitamente e, aliás, disso se defendeu claramente nos seus articulados. A Comissão começa por precisar que uma interpretação correta do fundamento da sua ação impunha ter em conta de forma sistemática outras disposições do direito primário. Em seguida, referiu‑se igualmente à Carta para recordar que, quando os Estados‑Membros estabelecem regras que regulam o exercício dos direitos políticos conferidos pelo artigo 22.o TFUE, aplicam o direito da União e devem, portanto, respeitar os direitos fundamentais. Por último, isto não põe em causa o âmbito do presente processo, conforme refletido no petitum, segundo o qual a regulamentação nacional em causa, que opera uma discriminação diretamente baseada na nacionalidade, deve ser considerada uma violação do artigo 22.o TFUE.

2.      Apreciação

46.      O artigo 40.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia dispõe que «[a]s conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar as conclusões de uma das partes» (11). Por conseguinte, a exceção arguida pela República Checa é inadmissível (12), uma vez que a República da Polónia não suscitou a inadmissibilidade da ação.

47.      No entanto, tendo em conta as exigências formuladas no artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e a sua jurisprudência (13), há que examinar se a ação da Comissão apresenta as acusações de forma coerente e precisa, para permitir à República da Polónia e ao Tribunal de Justiça apreenderem exatamente o alcance da violação do direito da União imputada, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado.

48.      No caso em apreço, como alega a Comissão, resulta claramente dos fundamentos da petição que o artigo 22.o TFUE, no qual se baseia, deve ser interpretado situando‑o no contexto definido pelo artigo 20.o, n.o 2, alínea b), TFUE e tomando em consideração as ligações existentes com os artigos 11.o e 12.o da Carta. Daqui não resulta, portanto, a alegação pela Comissão de uma violação destas disposições (14).

B.      Quanto ao mérito

1.      Argumentos das partes

a)      Comissão

1)      Quanto ao fundamento da ação por incumprimento

49.      A Comissão baseou a sua ação no artigo 22.o TFUE com o fundamento de que:

–        confere aos cidadãos «móveis» da União o direito de exercer os direitos eleitorais nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu nas mesmas condições que os nacionais do Estado‑Membro em que residem;

–        estabelece um princípio geral e universal da igualdade de tratamento, que não se restringe apenas às regras práticas, administrativas e processuais enunciadas, em especial, nas Diretivas 93/109 e 94/80, e que não exige a pormenorização de todos os aspetos concretos do acesso às eleições;

–        por conseguinte, qualquer medida baseada num critério de nacionalidade que impeça os cidadãos «móveis» da União de exercerem o seu direito de ser eleito nas mesmas condições que os nacionais do Estado‑Membro em que residem é proibida, e

–        a impossibilidade de os cidadãos «móveis» da União se filiarem num partido político, resultante do artigo 2.o, n.o 1, da Lei dos Partidos Políticos, que os priva do acesso a um órgão fundamental para a participação nas eleições, prejudica a sua probabilidade de serem eleitos em relação aos nacionais polacos. Priva, portanto, esses cidadãos do efeito pretendido pelos direitos conferidos pelo Tratado que assentam na sua integração no Estado‑Membro de residência (15).

50.      A Comissão insiste no facto de que não sustenta que o direito da União reconhece aos cidadãos «móveis» da União um direito à participação na vida política. Em contrapartida, sublinha o papel essencial dos partidos políticos nos sistemas eleitorais, na vida política dos Estados‑Membros e, de um modo mais geral, no seu contributo para a democracia representativa. Baseia‑se, a este respeito, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (16) e nas Orientações sobre a Regulamentação de Partidos Políticos da Comissão Europeia para a Democracia pelo Direito (Comissão de Veneza) (17).

51.      Considera, consequentemente, que um cidadão «móvel» da União não pode ser candidato às eleições no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado se não se puder apresentar a essas eleições enquanto membro de um partido político nacional.

52.      A Comissão alega, a este respeito, que, para um candidato às eleições, a filiação num partido político apresenta numerosas vantagens específicas, sem equivalente fora desse partido, contrariamente à análise que a República da Polónia retira de certas disposições nacionais relativas às organizações (18). Essas vantagens são as seguintes:

–        a notoriedade pública do nome do partido, as suas raízes históricas e a sua reputação, bem como as ligações mantidas com as estruturas socio‑organizacionais (por exemplo, sindicatos, que podem estar historicamente ligados a um partido, organizações de juventude, etc.);

–        a utilização do aparelho eleitoral e dos recursos humanos e financeiros do partido político, bem como

–        as prerrogativas específicas conferidas pelo direito nacional em matéria de acesso ao financiamento ou aos meios de comunicação social e de fiscalidade.

53.      No que respeita ao financiamento na Polónia, a Comissão observa que os partidos políticos que recolhem um certo número de votos nas eleições para a Dieta têm direito a uma subvenção durante a legislatura, nos termos do artigo 28.o da Lei dos Partidos Políticos. Têm acesso a fontes de financiamento, em conformidade com o artigo 24.o desta lei, que são muito mais numerosas do que aquelas de que dispõem os comités eleitorais de eleitores e de organizações e que podem ser utilizadas, entre outros, para financiar a campanha eleitoral graças aos seus fundos eleitorais também alimentados por donativos, sucessões e legados, ao abrigo do artigo 36.o da referida lei.

54.      A Comissão sublinha, a este respeito, duas outras restrições específicas dos comités eleitorais, a saber:

–        nas eleições municipais, os eleitores que pretendam formar um comité eleitoral devem recolher pelo menos 1 000 assinaturas, por força do artigo 403.o do Código Eleitoral, e

–        os candidatos não polacos são privados do direito de contribuir financeiramente para os comités eleitorais de organizações ou de eleitores, pelo que não podem transferir fundos para o comité, mesmo para a sua própria campanha, tendo esta restrição por efeito reforçar a diminuição de hipóteses de serem eleitos (19).

55.      No que respeita aos meios de comunicação social, a Comissão insiste no facto de os partidos políticos disporem, regra geral, de recursos financeiros mais importantes para dedicar a atividades destinadas a promover os seus candidatos, ou mesmo a adquirirem espaços publicitários nos canais privados ou ainda estar ativos nas redes sociais. Além disso, em conformidade com o artigo 5.o da Lei dos Partidos Políticos e do artigo 23.o da Lei da Radiodifusão, os partidos políticos têm acesso permanente garantido aos meios de comunicação social do serviço público e podem, portanto, expressar‑se nos canais públicos de rádio e de televisão sobre questões fundamentais em matéria de assuntos públicos, mesmo que estas não estejam relacionadas com uma campanha eleitoral específica. Segundo a Comissão, todos estes meios aumentam a probabilidade de os membros de um partido serem conhecidos e de difundirem amplamente o conteúdo do seu programa eleitoral.

56.      Por outro lado, a Comissão entende que a existência de algumas sondagens de opinião que parecem indicar que o eleitor orienta mais frequentemente o seu voto em função da personalidade do candidato do que da sua filiação num partido político não pode invalidar a constatação de que a lei polaca implica uma discriminação direta em razão da nacionalidade para com os cidadãos «móveis» da União que se pretendam apresentar às eleições municipais ou para o Parlamento Europeu. Concretamente, deve também ter‑se em conta a possibilidade de esses cidadãos serem menos conhecidos no seu país de acolhimento.

2)      Quanto ao exercício pelos EstadosMembros da sua competência

57.      A Comissão recorda que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça:

–        os Estados‑Membros devem exercer as suas competências no respeito do direito da União (20), e

–        a aplicação de uma medida nacional suscetível de entravar o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado só pode ser justificada à luz do direito da União se a aplicação desta medida não conduzir a uma violação dos direitos fundamentais protegidos na ordem jurídica da União (21).

58.      A Comissão sustenta, a este respeito, que, ao adotar disposições relativas à elegibilidade nas eleições municipais e no Parlamento Europeu, a República da Polónia deve ter em conta as obrigações decorrentes do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o TFUE, pelo que o direito da União se aplica na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta (22).

59.      A filiação num partido político é uma expressão do exercício da liberdade de associação e da liberdade de expressão, consagradas, respetivamente, no artigo 12.o, n.o 1 (23), e no artigo 11.o da Carta. No entender da Comissão, o âmbito de aplicação, bem como as exigências do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o TFUE devem ser interpretados tendo em conta estas disposições da Carta (24).

60.      Assim, a Comissão alega que a privação do direito de filiação num partido político é uma manifestação evidente de uma restrição ao direito fundamental de associação. Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, esta restrição não pode ir além de uma restrição admitida ao abrigo da CEDH. Recorda igualmente que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconhece a especificidade dos Estados‑Membros da União (25).

61.      Além disso, a Comissão recorda que a inclusão de direitos políticos nas disposições do Tratado FUE relativas à cidadania visa fazer com que os cidadãos «móveis» da União se possam integrar e desempenhar um papel político ativo no Estado‑Membro de residência, no quadro das eleições municipais e para o Parlamento Europeu, o que invalida qualquer ideia de ingerência nos assuntos nacionais.

62.      Por outro lado, os Estados‑Membros têm a faculdade de reservar aos seus nacionais o direito de ser eleito nas eleições nacionais (ou, em certos casos, regionais), o que respeita o princípio de não ofensa à identidade nacional inerente às estruturas políticas e constitucionais fundamentais. A este respeito, a Comissão salienta que a República da Polónia não apresentou nenhuma prova de tal ofensa, quando, com exceção dela e da República Checa, nenhum outro Estado‑Membro limita as condições de filiação num partido político. Ademais, a Comissão nega querer apresentar como um postulado um direito, sem restrições, de participação na vida política no Estado‑Membro de residência. Considera, aliás, que nada impede que se restrinja o âmbito de ação da participação dos cidadãos «móveis» da União nos partidos políticos, por exemplo, aquando da investidura dos candidatos às eleições legislativas nacionais.

63.      Por último, a possibilidade de os candidatos não filiados num partido político serem inscritos na lista do comité eleitoral de um partido não é suscetível de restabelecer a igualdade com os candidatos filiados, uma vez que basta constatar que os segundos se apresentam enquanto membros de um partido e que os primeiros dependem de um acordo celebrado após decisão favorável dos membros do partido, que não podem influenciar «de dentro».

b)      República da Polónia

64.      Este Estado‑Membro invoca três séries de argumentos.

1)      A redação do artigo 22.o TFUE não confere o direito de filiação num partido político

65.      Segundo a República da Polónia, o artigo 22.o TFUE não é diretamente aplicável, uma vez que os seus dois números exigem a adoção de atos legislativos complementares que não visam uma harmonização global dos regimes eleitorais dos Estados‑Membros (26). O artigo versa unicamente sobre os requisitos formais de elegibilidade e não sobre as possibilidades concretas de ser eleito num Estado‑Membro. Alargar a interpretação do artigo 22.o TFUE ao direito de filiação num partido político seria contrário ao princípio da atribuição previsto no artigo 5.o, n.o 2, e no artigo 4.o, n.os 1 e 2, TUE.

2)      A restrição da filiação num partido político justificase pela preocupação de limitar a esfera de influência dos cidadãos «móveis» da União na vida política nacional

66.      A República da Polónia considera que, devido ao papel dos partidos em matéria de políticas públicas e ao objetivo de exercer o poder público que estes prosseguem, a filiação dos cidadãos «móveis» da União num partido político é suscetível de ter efeitos, nomeadamente, nos resultados das eleições legislativas ou presidenciais, o que é incompatível com o artigo 22.o TFUE, cujo âmbito de aplicação está limitado a determinadas eleições, e com o artigo 4.o, n.o 2, TUE.

67.      A este respeito, alega que, relativamente à filiação em partidos políticos, o artigo 11.o, n.o 1, da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia) garante a liberdade de fundar partidos políticos e a liberdade das suas atividades, entendendo‑se que os partidos políticos reagrupam, no respeito dos princípios da livre participação e da igualdade, dos cidadãos polacos com vista a exercer, por métodos democráticos, uma influência na política nacional.

68.      A República da Polónia contesta a análise da Comissão segundo a qual a privação do direito de filiação num partido político viola a liberdade de associação consagrada no artigo 12.o da Carta e no artigo 11.o da CEDH. Por um lado, sustenta que os Estados Partes nesta Convenção podem introduzir restrições à atividade política dos estrangeiros (27). Por outro, na falta de uma disposição de direito da União relativa ao direito de filiação num partido político, o artigo 12.o da Carta não é aplicável.

3)      Os candidatos não filiados num partido político não são especialmente prejudicados em relação aos filiados

69.      A República da Polónia alega, primeiro, que o direito polaco não subordina a possibilidade de se candidatar às eleições municipais ou para o Parlamento Europeu à filiação num partido político.

70.      Segundo, a Comissão deve comprovar as suas afirmações de que a filiação num partido político otimiza a probabilidade de ser eleito nas eleições municipais ou para o Parlamento Europeu, ao passo que os estudos demonstram que a escolha dos eleitores é orientada, pelo contrário, pela perceção que os eleitores têm dos candidatos, consoante a sua participação na vida social e política (28) ou, por outras palavras, pela sua notoriedade. Por outro lado, o exemplo da Comissão de que os cidadãos «móveis» da União se agrupam numa associação suscetível de defender opiniões semelhantes às de um partido político é desconectado da realidade, uma vez que pressupõe que nenhum polaco é dela membro.

71.      Terceiro, a República da Polónia observa que um cidadão «móvel» da União pode ser inscrito na lista de candidatos proposta por um partido político ou uma coligação de partidos (29).

72.      Quarto, a República da Polónia sublinha, em resposta aos argumentos da Comissão relativos aos financiamentos que, por um lado, esta ignora os limites de despesas impostos pelo Código Eleitoral aos comités eleitorais de partidos ou de coligação quando sustenta que, comparativamente, os comités de eleitores e as organizações estão financeiramente em desvantagem. Por outro lado, é certo que apenas os nacionais polacos podem contribuir para o financiamento de um partido político, mas devem, em princípio, ter residência permanente no seu território, por força do artigo 25.o, n.o 1, da Lei dos Partidos Políticos.

73.      Quinto, segundo a República da Polónia, embora a condição de reunir 1 000 assinaturas, exceto determinadas situações (30), não seja imposta aos comités eleitorais dos partidos, coligações e organizações para formar um comité eleitoral, os cidadãos «móveis» da União têm a faculdade de constituir comités eleitorais de organizações nos quais se podem candidatar e beneficiar das respetivas infraestruturas.

74.      Sexto, no que respeita aos meios de comunicação social, a República da Polónia começa por indicar que o acesso aos mesmos é regulado sem distinção entre os comités eleitorais pelos artigos 116.o e seguintes do Código Eleitoral e das disposições específicas deste código relativas às diferentes eleições. Em seguida, no que diz respeito ao direito de se exprimir nos canais públicos fora do período de campanha eleitoral, a República da Polónia salienta que resulta do papel dos partidos no sistema político do Estado e que os Estados‑Membros têm competência exclusiva nesta matéria. Por último, sublinha a igualdade de acesso às redes sociais, influentes durante as campanhas eleitorais e fora delas.

c)      Argumentos específicos da República Checa, interveniente, e observações da Comissão em resposta

1)      Quanto ao alcance do artigo 22.o TFUE

i)      Argumentos da República Checa

75.      Este Estado‑Membro alega que resulta das Diretivas 93/109 e 94/80, que orientam a interpretação do artigo 22.o TFUE, que a condição da nacionalidade é tratada no que diz respeito ao direito de eleger e de ser eleito e não em relação a outros elementos, incluindo as condições de filiação num partido político. Esta análise é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (31).

ii)    Observações da Comissão

76.      Esta instituição considera que, embora o direito derivado regule seguramente certos aspetos do direito dos cidadãos da União em matéria de eleições, este direito derivado não pode ser invocado para limitar o alcance do artigo 22.o TFUE e, consequentemente, o do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), TFUE a questões específicas reguladas pelo referido direito. É o Tratado que determina o âmbito de aplicação autorizado do direito derivado, e não o inverso (32).

2)      Quanto à base jurídica aplicável

i)      Argumentos da República Checa

77.      Este Estado‑Membro sustenta que, se o direito da União fosse aplicável ao presente processo, este deveria ser apreciado à luz da proibição geral de discriminação em razão da nacionalidade constante do artigo 18.o TFUE, e não à luz do artigo 22.o TFUE, que prevê uma proibição específica de discriminação no que respeita ao direito de eleger e de ser eleito dos cidadãos «móveis» da União em determinadas eleições. Uma vez que a filiação num partido político não confere a um cidadão «móvel» da União a qualidade de candidato a uma eleição, na falta desta qualidade, só o artigo 18.o TFUE é aplicável (33).

ii)    Observações da Comissão

78.      A Comissão contesta a pertinência da jurisprudência referida pela República Checa em apoio da sua argumentação. O facto de o Tribunal de Justiça ter declarado uma discriminação contrária às disposições correspondentes às do artigo 18.o TFUE não significa que as disposições discriminatórias em causa no presente processo, relativas às condições de exercício dos direitos políticos conferidos aos cidadãos «móveis» da União pelo artigo 22.o TFUE, não possam ser consideradas uma violação da obrigação de igualdade de tratamento expressamente prevista nesta disposição. O legislador da União precisou na Diretiva 93/109 que «o direito de voto e a elegibilidade para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência, previsto no [n.o 2 do atual artigo 22.o TFUE], constitui uma aplicação do princípio da não discriminação entre nacionais e não nacionais» (34). Além disso, a interpretação de que o âmbito de aplicação do artigo 22.o TFUE se limita apenas aos cidadãos que têm a qualidade de candidatos é contrária à redação desta disposição que visa as condições de elegibilidade, incluindo a possibilidade de se tornar candidato, e, posteriormente, ser elegível (35).

3)      Quanto à prova do alegado incumprimento

i)      Argumentos da República Checa

79.      Este Estado‑Membro recorda que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado, não podendo estas basear‑se numa qualquer presunção (36). Por conseguinte, as alegações e as presunções não corroboradas relativas à posição de fraqueza dos cidadãos «móveis» da União não filiados num partido político constantes da petição não podem ser acolhidos.

ii)    Observações da Comissão

80.      A Comissão salienta que a discriminação censurada à República da Polónia resulta diretamente de disposições jurídicas vinculativas e não de uma prática administrativa. Por conseguinte, não é necessário fornecer ao Tribunal de Justiça dados estatísticos sobre o número de cidadãos «móveis» da União que foram de facto prejudicados devido a esta discriminação. O que também não é possível, na prática, num caso como o presente, em que a medida discriminatória tem caráter dissuasivo. Com efeito, é impossível determinar com precisão quantos cidadãos «móveis» da União não se tentaram apresentar às eleições, porque foram desencorajados devido à proibição de filiação num partido político (37).

4)      Quanto à limitação do exercício dos direitos conferidos pelo artigo 22.o TFUE

i)      Argumentos da República Checa

81.      Este Estado‑Membro critica a pertinência da jurisprudência referida pela Comissão, a saber, o Acórdão de 27 de abril de 2006, Comissão/Alemanha (38), e sublinha que, de qualquer modo, a impossibilidade de os cidadãos «móveis» da União serem membros de partidos políticos não viola a substância dos direitos eleitorais previstos no artigo 22.o TFUE e que a legislação polaca permite o pleno exercício destes direitos.

ii)    Observações da Comissão

82.      A Comissão mantém a sua posição segundo a qual, quando os Estados‑Membros estabelecem regras relativas ao exercício dos direitos políticos conferidos pelo artigo 22.o TFUE, estes devem fazê‑lo em conformidade com as exigências desta disposição e no respeito dos direitos fundamentais. A Comissão acrescenta que decorre da jurisprudência referida na sua petição, relativa à obrigação de os Estados‑Membros terem em conta esses direitos, uma obrigação de estes últimos exercerem o seu poder discricionário de modo a assegurar o respeito dos referidos direitos (39).

5)      Quanto à situação nos outros EstadosMembros

i)      Argumentos da República Checa

83.      O argumento da Comissão de que apenas dois Estados‑Membros preveem restrições à filiação em partidos políticos não é pertinente para a interpretação do artigo 22.o TFUE. Este argumento confirma, pelo contrário, que a Comissão procura interpretar de forma diferente esta disposição, cuja redação permanece inalterada há muito, com base numa evolução do contexto social. No entanto, esta evolução só pode constituir um motivo para que seja contemplada uma alteração da disposição em causa, e não uma alteração fundamental da sua interpretação.

ii)    Observações da Comissão

84.      Segundo esta instituição, esse argumento afigura‑se incompreensível. Pelo contrário, o facto de a grande maioria dos Estados‑Membros não restringir o acesso à filiação num partido político para os cidadãos «móveis» da União demonstra a pertinência da interpretação que adotou.

2.      Apreciação

85.      A presente ação tem por objeto as consequências, quanto à elegibilidade nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu, decorrentes do direito de filiação num partido político que, segundo a lei polaca, não é concedido aos cidadãos «móveis» da União. Esta proibição tem por efeito, como sustenta a Comissão, que estes cidadãos não exercem o seu direito de ser eleitos nestas eleições «nas mesmas condições» que os nacionais polacos, na aceção do artigo 22.o TFUE?

86.      No estado atual do direito da União, a filiação num partido político é da competência dos Estados‑Membros. No entanto, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no exercício da sua competência, os Estados‑Membros têm de respeitar as obrigações que decorrem do direito da União (40).

87.      Por conseguinte, importa determinar quais as exigências que resultam do artigo 22.o TFUE, invocado pela Comissão, e se se pode validamente sustentar que estas exigências são suscetíveis de afetar a identidade nacional de um Estado‑Membro, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

a)      Quanto ao alcance do artigo 22.o TFUE

88.      Em conformidade com a sua redação, o âmbito de aplicação do artigo 22.o TFUE limita‑se às únicas eleições nele referidas, a saber, as eleições municipais (n.o 1) e as eleições para o Parlamento Europeu (n.o 2), excluindo assim as eleições legislativas ou presidenciais.

89.      Com a presente ação, o Tribunal de Justiça é convidado a precisar se o princípio da igualdade enunciado no artigo 22.o TFUE deve ser entendido no sentido de que abrange todas as condições em que qualquer cidadão «móvel» da União se pode apresentar às eleições ou se incide apenas sobre as condições legais de elegibilidade.

90.      Trata‑se, portanto, de definir a margem de manobra conferida aos Estados‑Membros pelo facto de as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu (41) e nas eleições municipais serem fixadas, respetivamente, pelas Diretivas 93/109 e 94/80.

91.      O argumento da República da Polónia relativo a uma leitura literal do artigo 22.o TFUE, segundo o qual estas diretivas restringem o princípio da igualdade enunciado nesta disposição, deve ser desde logo rejeitado com o fundamento relativo à hierarquia das normas, justamente sustentado pela Comissão, nos termos do qual o direito derivado não pode restringir um direito reconhecido pelo Tratado (42).

92.      Assim, as referidas diretivas apenas definem um quadro mínimo no qual é concretizado o princípio da igualdade para o exercício do direito de voto e de elegibilidade (43).

93.      Mas, sobretudo, a génese do artigo 22.o TFUE e a evolução do quadro jurídico em que o conteúdo desta disposição se inscreve colocam em evidência, de forma muito clara desde o Tratado de Lisboa, que a referida disposição deve ser interpretada tendo em conta os dois pilares em que assenta, a saber, a cidadania da União e a democracia representativa.

94.      No que respeita, em primeiro lugar, à cidadania da União, a Comissão invoca, legitimamente, a aplicação do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que enuncia que esta cidadania (44) confere, entre outros direitos, o gozo do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

95.      Este vínculo com a cidadania consta do direito primário desde o Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 (45). Esteve ligado desde o início ao direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros (46) e ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, que é a componente de cada uma das liberdades de circulação.

96.      No entanto, o referido vínculo assumiu uma dimensão especial com as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa devido à vontade de os Estados‑Membros, nomeadamente, atribuírem um lugar preponderante à cidadania. Com efeito, por um lado, o Tratado UE foi melhorado com um título II, «Disposições relativas aos princípios democráticos», que inclui o artigo 9.o, nos termos do qual, «[e]m todas as suas atividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições, órgãos e organismos. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui». Os direitos inerentes à cidadania da União estão enunciados nos artigos 20.o a 24.o TFUE, correspondentes aos artigos 17.o a 21.o CE. Os direitos dos cidadãos «móveis» da União nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais estão enunciados no artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e no artigo 22.o TFUE.

97.      Por outro lado, cada um destes direitos também figura no título V da Carta (47), «Cidadania». Os direitos dos cidadãos «móveis» da União nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais estão aí consagrados nos artigos 39.o (48) e 40.o (49) em termos gerais.

98.      Por conseguinte, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os direitos eleitorais dos cidadãos da União enunciados no artigo 22.o TFUE devem ser analisados enquanto direitos fundamentais e expressão do princípio da igualdade de tratamento, inerente ao estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (50).

99.      A sua reiteração no Tratado UE e na Carta tem igualmente por vocação estabelecer ligações com outros direitos ou princípios aí enunciados, como a igualdade e a democracia, que são valores comuns aos Estados‑Membros sobre os quais a União é fundada (51).

100. Em segundo lugar, no que respeita aos princípios democráticos, desde o Tratado de Lisboa, o artigo 10.o TUE enuncia, no seu n.o 1, que «[o] funcionamento da União [se baseia] na democracia representativa» (52) e reconhece, nos seus n.os 2 e 3, o direito de os cidadãos europeus estarem diretamente representados no Parlamento Europeu e de participarem na vida democrática da União.

101. Assim, em razão da combinação operada pelo Tratado de Lisboa, pelo menos para as eleições para o Parlamento Europeu, entre os direitos de voto e de elegibilidade inerentes à cidadania da União e os princípios democráticos na União, o objetivo de garantir uma representatividade efetiva dos cidadãos «móveis» da União está claramente expresso.

102. A Comissão alega, com razão, que essa representatividade é o corolário da integração dos cidadãos «móveis» da União no seu Estado de residência, conforme sublinhado nos considerandos das Diretivas 93/109 e 94/80 (53). Mais especificamente a nível local, os direitos políticos reconhecidos a estes cidadãos visam encorajar a inserção social dos referidos cidadãos que escolheram residir num Estado‑Membro de que não têm a nacionalidade. Nesta perspetiva, deve igualmente salientar‑se o objetivo recordado nestes considerandos, a saber, o de «evitar qualquer polarização entre listas de candidatos nacionais e não nacionais».

103. Por conseguinte, a meu ver, a Comissão pode, legitimamente, sustentar, com fundamento no artigo 22.o TFUE, inserido no contexto dos direitos inerentes à cidadania da União e dos princípios democráticos enunciados nos Tratados, que a garantia da igualdade dos direitos eleitorais dos cidadãos da União se deve traduzir, sem que seja necessário estabelecer uma lista de critérios indicativa, ou mesmo exaustiva, na obrigação geral de não desencorajar a participação nas eleições por diversos fatores (54).

104. Por outras palavras, o artigo 22.o TFUE deve ser entendido no sentido de que qualquer entrave ao exercício dos direitos eleitorais fora dos quadros definidos pelas Diretivas 93/109 e 94/80, em razão da nacionalidade, constitui uma discriminação no domínio de aplicação dos Tratados (55), que é proibida (56).

105. Nestas condições, deve ser agora examinada a análise da Comissão de que a impossibilidade de filiação num partido político é suscetível de entravar o exercício destes direitos.

106. No caso em apreço, as partes estão de acordo quanto à constatação de que a probabilidade de aceder a mandatos eletivos a nível local ou europeu dependem do grau de participação na vida democrática do Estado‑Membro no qual os cidadãos «móveis» da União são candidatos, quer no âmbito de um partido quer de forma independente.

107. No entanto, sou de opinião, à semelhança da Comissão, que se baseia nas Orientações da Comissão de Veneza (57), não criticadas pela República da Polónia, que o acesso aos meios de que dispõem os partidos políticos constitui um elemento essencial para favorecer as candidaturas às eleições (58) municipais ou para o Parlamento Europeu.

108. Além disso, conforme alegado pela Comissão com base na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o papel dos partidos políticos é primordial no exercício dos direitos políticos nos Estados‑Membros (59). Ao nível da União, este papel é claramente reconhecido no artigo 10.o, n.o 4, TUE (60), ao qual corresponde o artigo 12.o, n.o 2, da Carta (61).

109. Com efeito, há uma manifesta ligação entre este artigo da Carta e os seus artigos 39.o e 40.o (62). Nestas condições e pelos motivos já expostos (63), bem como no estrito respeito do princípio da atribuição, conforme enunciado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, cada Estado‑Membro deve ter em conta estas disposições, a fim de garantir o exercício dos direitos conferidos pelo artigo 22.o TFUE.

110. Por conseguinte, partilho da opinião da Comissão de que a sua ação baseada no artigo 22.o TFUE deve ser apreciada à luz do direito à liberdade de associação consagrado no artigo 12.o, n.o 1, da Carta, conjugado com o seu artigo 11.o (64), relativo à liberdade de expressão. Estas liberdades são particularmente protegidas devido ao seu papel primordial na participação dos cidadãos na democracia (65). No artigo 12.o, n.o 2, da Carta figura uma declinação desta ligação no que respeita aos partidos políticos europeus.

111. Este direito à liberdade de associação corresponde ao direito garantido no artigo 11.o, n.o 1, da CEDH, pelo que lhe deve ser reconhecido o mesmo sentido e âmbito que este último, nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta (66).

112. Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o direito à liberdade de associação constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e pluralista, uma vez que permite aos cidadãos agirem coletivamente em domínios de interesse comum e, ao fazê‑lo, contribuírem para o bom funcionamento da vida pública (67).

113. Assim, é igualmente à luz destas disposições do Tratado UE e da Carta que importa apreciar se, como sustenta a Comissão, a impossibilidade legal de os cidadãos «móveis» da União se filiarem num partido político na Polónia compromete a igualdade, com os nacionais polacos, das condições da sua elegibilidade nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu, designadamente na medida em que reduz significativamente a sua probabilidade de ser eleitos.

b)      Quanto à existência de uma limitação do exercício dos direitos eleitorais 

114. Segundo a República da Polónia, apoiada pela República Checa, a Comissão não produziu prova dos efeitos práticos das disposições legais em causa na elegibilidade dos cidadãos «móveis» da União.

115. Ora, o Tribunal de Justiça declarou que a existência de um incumprimento pode ser provada, no caso de este ter origem na adoção de uma medida legislativa ou regulamentar cuja existência e aplicação não sejam contestadas, através de uma análise jurídica das disposições dessa medida (68).

116. No caso vertente, o incumprimento que a Comissão imputa à República da Polónia tem origem na adoção de uma medida legislativa cuja existência e aplicação este Estado‑Membro não contestada e cujas disposições são objeto de uma análise jurídica na petição inicial.

117. Além disso, trata‑se de apreciar em que medida esta regulamentação tem efeitos dissuasores sobre eventuais candidaturas a eleições, o que não é quantificável.

118. Por conseguinte, a República da Polónia não pode acusar a Comissão de não ter feito prova dos efeitos práticos, nos direitos eleitorais dos cidadãos «móveis» da União, da lei que reserva a filiação num partido político aos nacionais polacos.

119. No que respeita à lei polaca em causa, que reserva o direito de filiação num partido político aos nacionais polacos, a desigualdade de tratamento em termos de direitos eleitorais resulta, a meu ver, da simples constatação de que estes beneficiam livremente de uma opção para serem candidatos às eleições municipais ou para o Parlamento Europeu, a saber, enquanto membros de um partido político ou enquanto independentes, ao passo que os cidadãos «móveis» da União têm apenas este último meio à disposição. Ora, como foi acima exposto, o acesso aos partidos políticos permite exercer os direitos eleitorais de forma mais eficaz, a fim de participar na vida democrática.

120. Nenhum dos paliativos expostos pela República da Polónia é suscetível de alterar esta apreciação. Com efeito, em especial, a possibilidade de os cidadãos «móveis» da União serem admitidos como candidatos numa lista de um partido político não é de natureza a compensar esta limitação da sua capacidade de ação, uma vez que estes dependem de critérios específicos a preencher, conforme expostos pela Comissão. Além disso, a dimensão do papel das organizações ao serviço dos não filiados de um partido político, que a República da Polónia invocou, não se compara à de um partido político.

121. Por outro lado, a Comissão justifica a existência de uma desigualdade quanto ao financiamento dos comités eleitorais, que resulta diretamente das disposições legais, que foi qualificada de «manifesto obstáculo» pelos autores do relatório a que faz referência (69).

122. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça considere que a Comissão determinou de maneira suficiente a existência de uma limitação do exercício dos direitos eleitorais em detrimento dos cidadãos «móveis» da União colocados na mesma situação que os cidadãos nacionais.

123. Daqui resulta que a República da Polónia, ao adotar a disposição nacional em causa no exercício da sua competência, não respeitou as exigências decorrentes do direito da União, a saber, as do artigo 22.o TFUE, que deve ser lido em conjugação com os artigos 12.o, 39.o e 40.o da Carta.

c)      Quanto à justificação para a restrição da filiação num partido político

124. A República da Polónia justifica a diferença de tratamento dos cidadãos «móveis» da União, que decorre da sua opção de reservar aos seus nacionais a filiação num partido político, por motivos extraídos do Tratado, designadamente, ligados ao respeito da identidade nacional.

125. Este Estado‑Membro invoca o artigo 4.o, n.o 2, TUE e alega, em substância, que o direito da União, conforme interpretado pela Comissão, teria como consequência que os cidadãos «móveis» da União participariam na vida pública num nível diferente do admitido pelos Estados‑Membros e, de modo particular, lhes permitiria ter um peso nas decisões nacionais ao beneficiar do vetor dos partidos políticos.

126. Há que recordar que, de acordo com o artigo 4.o, n.o 2, TUE, a União respeita a identidade nacional dos seus Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles.

127. Ora, é verdade que a organização da vida política nacional, para a qual contribuem os partidos políticos, faz parte da identidade nacional na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE. Nesta matéria, o respeito desta identidade traduz‑se pela limitação da participação dos cidadãos «móveis» da União apenas nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais, sem objetivo de harmonização dos regimes eleitorais dos Estados‑Membros (70). O legislador da União também tomou em consideração a incidência que o acesso facilitado a estas eleições tem no equilíbrio da vida política do Estado‑Membro de residência, ao prever que certos ajustamentos, enquadrados (71) e transitórios, possam ser adotados pelos Estados‑Membros a favor dos seus nacionais.

128. Quanto à questão do impacto a nível nacional da filiação dos cidadãos «móveis» da União em partidos políticos devido aos seus potenciais efeitos dentro destes partidos, observo que, no entendimento de todas as partes, é da competência destes últimos. Com efeito, podem definir livremente a sua organização e as modalidades de escolha dos seus candidatos (72). Saliento que a República da Polónia se limita a afirmar, sem a demonstrar, a impossibilidade de restringir o âmbito de ação dos filiados, cidadãos «móveis» da União, a determinadas eleições.

129. Por conseguinte, partilho do entendimento da Comissão de que admitir a filiação dos cidadãos «móveis» da União num partido político com vista a garantir a efetividade dos direitos destes últimos nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu não é suscetível de ofender a identidade nacional da República da Polónia.

130. Além disso, admitindo que tal ofensa se verifique, o artigo 4.o, n.o 2, TUE deve ser lido tendo em conta as disposições de importância equivalente (73).

131. Por conseguinte, o artigo 4.o, n.o 2, TUE não pode dispensar os Estados‑Membros do respeito dos direitos fundamentais reafirmados pela Carta (74) e entre os quais figuram o princípio da democracia e o princípio da igualdade, que é formulado no artigo 22.o TFUE (75) e conferido pela cidadania da União, para o exercício do direito de elegibilidade nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu. Estes princípios fazem parte dos valores fundadores da União (76).

132. Por todas estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça julgue procedente a ação da Comissão.

VI.    Quanto às despesas

133. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Na medida em que o Tribunal de Justiça deve, em meu entender, julgar procedentes os pedidos da Comissão, a República da Polónia deve ser condenada nas despesas.

134. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a República Checa suportará as suas próprias despesas.

VII. Conclusão

135. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

1)      Ao recusar aos cidadãos da União Europeia que não têm nacionalidade polaca, mas que residem no território da República da Polónia, o direito de ser membro de um partido político, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 22.o TFUE.

2)      A República da Polónia é condenada nas despesas.

3)      A República Checa suportará as suas próprias despesas.


1      Língua original: francês.


2      A seguir «cidadãos “móveis” da União».


3      A Comissão intentou uma ação idêntica contra a República Checa (processo C‑808/21), que é objeto de um tratamento coordenado. Em 12 de setembro de 2023, realizou‑se uma audiência de alegações comum a estes dois processos.


4      A seguir «Carta».


5      JO 1993, L 329, p. 34, bem como edição especial do Jornal Oficial da União Europeia em língua polaca, capítulo 20, tomo 1, p. 7.


6      JO 1994, L 368, p. 38, bem como edição especial do Jornal Oficial da União Europeia em língua polaca, capítulo 20, tomo 1, p. 12.


7      Dz. U. de 1997, n.o 98, posição 604, conforme alterada (Dz.U. de 2022, posição 372).


8      Dz. U. de 2011, n.o 21, posição 112, conforme alterada (Dz. U. de 2020, posição 1319).


9      Dz. U. de 1993, n.o 7, posição 34, conforme alterada (Dz. U. de 2020, posição 805).


10      Dz. U. de 1989, n.20, posição 104, conforme alterada (Dz. U. de 2020, posição 2261).


11      V., também, artigo 129.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.


12      V. Acórdãos de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão (C‑313/90, EU:C:1993:111, n.o 22), e de 8 de novembro de 2007, Espanha/Conselho (C‑141/05, EU:C:2007:653, n.os 27 e 28).


13      V., nomeadamente, quanto à fiscalização efetuada pelo Tribunal de Justiça, Acórdãos de 2 de junho de 2016, Comissão/Países Baixos (C‑233/14, EU:C:2016:396, n.o 43), e de 22 de setembro de 2016, Comissão/República Checa (C‑525/14, EU:C:2016:714, n.o 14), bem como, quanto às condições que devem ser respeitadas, Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.os 188 a 190 e jurisprudência referida).


14      V., por analogia, Acórdão de 30 de setembro de 2010, Comissão/Bélgica (C‑132/09, EU:C:2010:562, n.os 40 e 41).


15      A Comissão refere‑se ao décimo considerando da Diretiva 93/109 e ao décimo quarto considerando da Diretiva 94/80.


16      A Comissão faz referência ao Acórdão do TEDH, de 30 de janeiro de 1998, Partido Comunista Unificado de Turquia e outros c. Turquia (CE:ECHR:1998:0130JUD001939292, § 44), e, no que respeita à importância dos partidos políticos, a título de exemplo, os Acórdãos de 25 de maio de 1998, Partido Socialista e outros c. Turquia (CE:ECHR:1998:0525JUD002123793, § 41), e de 13 de fevereiro de 2003, Refah Partisi (Partido do Bem‑Estar) e outros c. Turquia (CE:ECHR:2003:0213JUD004134098, §§ 86 a 89).


17      A seguir «Orientações da Comissão de Veneza». V. 2.a edição destas orientações (Estudo n.o 881/2017). A Comissão faz referência ao ponto 1 (p. 5), bem como aos pontos 17 e 18 (p. 9) das referidas orientações. Relativamente à ligação que os partidos constituem entre os cidadãos e os titulares dos cargos públicos, esta instituição refere o ponto 18 (p. 8).


18      V. n.os 72 e 73 das presentes conclusões. Além disso, a Comissão considera que a República da Polónia não justifica que a filiação num partido político seja menos importante para os eleitores do que a personalidade dos candidatos.


19      A Comissão faz referência ao relatório financiado pelo Programa Direitos, Igualdade e Cidadania (2014‑2020) da Comissão, intitulado «Report on Political Participation of Mobile EU Citizens: Poland» (Relatório sobre a participação política dos cidadãos móveis da União: Polónia), outubro 2018, p. 14, disponível no seguinte endereço Internet: https://faireu.ecas.org/wp‑content/uploads/2019/02/FAIREU_Poland.pdf?msclkid=2da146edac3e11ec9e63cccc876888d9.


20      A Comissão refere, em matéria de processo eleitoral, o Acórdão de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, EU:C:2006:545).


21      A Comissão refere‑se ao Acórdão de 27 de abril de 2006, Comissão/Alemanha (C‑441/02, EU:C:2006:253, n.o 108).


22      Esta instituição refere o Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland (C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 88), sublinhando que o Tribunal de Justiça precisou que, quando os Estados‑Membros aplicam as disposições do Tratado FUE relativas ao estatuto fundamental de cidadão da União, são obrigados a atuar em conformidade com as disposições da Carta.


23      A Comissão recorda que esta disposição corresponde ao artigo 11.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


24      A Comissão remete novamente para o Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland (C‑709/20, EU:C:2021:602). No que respeita ao facto de as regras nacionais deverem respeitar o direito à liberdade de associação consagrado no artigo 12.o da Carta, refere o Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa) (C‑78/18, EU:C:2020:476).


25      A Comissão faz referência, no que respeita ao artigo 16.o da CEDH, ao Acórdão do TEDH de 27 de abril de 1995, Piermont c. França (CE:ECHR:1995:0427JUD001577389, § 64), segundo o qual os Estados‑Membros da União não podem invocar esta disposição contra nacionais de outros Estados‑Membros que façam valer direitos que lhes são conferidos pelos Tratados.


26      A República da Polónia refere‑se às Diretivas 93/109 e 94/80, bem como, especialmente, ao quinto considerando da primeira e ao quarto considerando da segunda.


27      Este argumento baseia‑se nas disposições do artigo 16.o da CEDH.


28      A República da Polónia refere‑se a dois relatórios de estudos do Centrum Badania Opinii Społecznej (Centro de Estudos sobre a Opinião Pública, Polónia), respetivamente n.o 165/2018, intitulado «Motivos do voto nas eleições municipais de 2018», e n.o 96/2014, intitulado «Eleições para o Parlamento Europeu nas declarações pós‑eleitorais dos Polacos», realizados com base em declarações de pessoas questionadas.


29      A este respeito, a República da Polónia indica que, nas últimas eleições municipais, realizadas em 2018, quatro cidadãos «móveis» da União se candidataram, dois dos quais como candidatos do comité eleitoral de um partido ou de uma coligação de partidos. Um destes candidatos foi eleito neste contexto. Nas eleições para o Parlamento Europeu realizadas em 2019, não se apresentou nenhum candidato cidadão «móvel» da União. A República da Polónia observa que, embora os cidadãos «móveis» da União tenham manifestado pouco interesse em apresentar‑se nas eleições, mesmo que se deva igualmente ter em conta o número globalmente pouco elevado de cidadãos «móveis» da União residentes na Polónia, metade desses cidadãos apresentou‑se nas listas do comité eleitoral de um partido político ou de uma coligação de partidos. A comparar com o Relatório de avaliação de impacto que acompanha a Proposta de diretiva do Conselho, apresentados em 25 de novembro de 2021, que estabelece o sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade [documento de trabalho SWD(2021) 357 final], referido pela Comissão. Um cidadão «móvel» da União afirmou que tinha tentado apresentar‑se às eleições para o Parlamento Europeu no seu Estado‑Membro de residência e se confrontou com a impossibilidade de se filiar num partido político. A República da Polónia sublinha que os dados deste relatório assentam num pequeno número de contribuidores.


30      V. artigo 403.o do Código Eleitoral.


31      Segundo a República Checa, o artigo 19.o, n.o 2, CE, na sua versão resultante do Tratado de Amesterdão, ou seja, o atual artigo 22.o TFUE, «limita‑se a aplicar a este direito de eleger e ser eleito o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade». Esta faz referência ao Acórdão de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, EU:C:2006:545, n.o 53).


32      A Comissão refere, por analogia, no que respeita ao artigo 21.o TFUE, os Acórdãos de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862), e de 5 de junho de 2018, Coman e o. (C‑673/16, EU:C:2018:385).


33      O referido Estado‑Membro acrescentou as seguintes referências: «V. Acórdão de 12 de maio de 1998, Martínez Sala (C‑85/96, EU:C:1998:217, n.os 58 e 63). Nesse processo, a questão controvertida era a de saber se o cidadão móvel da União em causa tinha adquirido a qualidade de trabalhador», bem como «V. Acórdão de 29 de junho de 1999, Comissão/Bélgica (C‑172/98, EU:C:1999:335, n.o 12), e Conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Comissão/Bélgica (C‑172/98, EU:C:1999:43, n.o 11).»


34      A Comissão cita aqui parcialmente o terceiro considerando desta diretiva.


35      O mesmo raciocínio aplica‑se ao direito de voto. O artigo 22.o TFUE garante o direito de ser eleitor numa fase em que esta qualidade ainda não foi adquirida.


36      O referido Estado‑Membro refere, nomeadamente, o Acórdão de 14 de março de 2019, Comissão/República Checa (C‑399/17, EU:C:2019:200, n.o 51).


37      A Comissão observa, no entanto, que deu pelo menos um exemplo deste tipo, v. Relatório de avaliação de impacto referido na nota 29 das presentes conclusões.


38      C‑441/02, EU:C:2006:253, n.o 108.


39      A Comissão confirma a sua referência ao n.o 108 do Acórdão de 27 de abril de 2006, Comissão/Alemanha (C‑441/02, EU:C:2006:253), e remete igualmente para a jurisprudência referida nesse número.


40      V., em matéria eleitoral, no que respeita à determinação dos titulares dos direitos eleitorais, Acórdãos de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, EU:C:2006:545, n.os 45 e 52), e de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.42). V., também, no que respeita aos direitos inerentes à cidadania da União, Acórdão de 14 de dezembro de 2021, Stolichna obshtina, rayon «Pancharevo» (C‑490/20, EU:C:2021:1008, n.o 52). V., por último, no que respeita aos valores da União, Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.os 64 a 67 e jurisprudência referida).


41      O Tribunal de Justiça declarou que decorre do artigo 8.o, primeiro parágrafo, e do artigo 12.o do Ato de 20 de setembro de 1976 relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto (JO 1976, L 278, p. 5), que especifica os princípios comuns aplicáveis ao processo de eleição dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, que os Estados‑Membros continuam em princípio a ser competentes para regulamentar o processo eleitoral. V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.os 67 a 69).


42      V., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares) (C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 57).


43      V. artigo 22.o TFUE in fine, e o quarto e sexto considerandos da Diretiva 93/109, bem como o quarto e quinto considerandos da Diretiva 94/80. Estas diretivas especificam as condições comuns de exercício do direito de voto e de elegibilidade relativas, por exemplo, à cidadania da União e ao período de residência fixado pelo Estado‑Membro de residência, as modalidades de inscrição nos cadernos eleitorais e de declaração de candidatura e os casos de exclusão.


44      Quanto à qualificação de «estatuto fundamental», v., nomeadamente, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑673/20, EU:C:2022:449, n.49 e jurisprudência referida).


45      V. primeiro a terceiro considerandos das Diretivas 93/109 e 94/180. Segundo Shaw, J., «Sovereignty at the Boundaries of the Polity», em Walker, N., Sovereignty in Transition, Hart Publishing, Londres, 2003, pp. 461 a 500, em particular p. 471, as disposições relativas aos direitos eleitorais representam uma grande parte da mais‑valia das disposições do Tratado de Maastricht. Com efeito, a possibilidade de participar nas eleições diretas para o Parlamento Europeu existe desde o Ato de 20 de setembro de 1976 (v. nota 41 das presentes conclusões). Só desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht é que este direito é regulado pelo Tratado CE, no artigo 8.o‑B, subsequentemente, no artigo 19.o CE, e no artigo 22.o TFUE. V., para uma recapitulação do histórico legislativo, Khadar, L, e Shaw, J., «Article 39», em Peers, S., Hervey, T., Kenner, J., e Ward, A., The EU Charter of Fundamental Rights: A Commentary, 2.a ed., Hart Publishing, Oxford, 2021, pp. 1085 a 1112, em particular pontos 39.33 e 39.34 (pp. 1093 e 1094). O mesmo se aplica às eleições municipais desde este Tratado. Para uma recapitulação histórica pormenorizada, v. Groenendijk, K., «Article 40», The EU Charter of Fundamental Rights: A Commentary, op. cit., pp. 1113 a 1123, em particular ponto 40.17 (p. 1118). V., no que respeita ao artigo 19.o CE, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543, n.o 66), e, no mesmo sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 42).


46      V. terceiros considerandos das Diretivas 93/109 e 94/80, bem como, neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 50).


47      Em conformidade com o artigo 6.o TUE, n.o 1, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.


48      De acordo com as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) (a seguir «Anotações relativas à Carta»), «o n.o 1 do artigo 39.o corresponde ao direito garantido no n.o 2 do artigo 20.o [TFUE]», e o artigo 22.o TFUE constitui a base jurídica para a adoção das regras específicas de exercício desse direito.


49      De acordo com as Anotações relativas à Carta, este artigo «corresponde ao direito garantido no n.o 2 do artigo 20.o [TFUE]» e o artigo 22.o TFUE constitui a base jurídica para a adoção das regras específicas de exercício desse direito. V. Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 51).


50      V. Acórdão de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31).


51      V. artigo 2.o TUE. V., a este respeito, Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.os 64 e 67, e jurisprudência referida), a comparar com o Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa) [(C‑78/18, EU:C:2020:476, n.o 112), baseado na ligação implícita entre três valores enunciados no artigo 2.o TUE, a saber, a democracia, o Estado de direito e o respeito dos direitos fundamentais]. Quanto ao poder de fiscalização das instituições, v. Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 159).


52      O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 10.o, n.o 1, TUE concretiza o valor de democracia referido no artigo 2.o TUE. V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 63).


53      V. décimo considerando e artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 93/109, bem como décimo quarto considerando e artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 94/80. V., também, quanto à importância deste fator, Shaw, J., «Sovereignty at the Boundaries of the Polity», op. cit., p. 478, segundo a qual «[o]s direitos eleitorais [...] são direitos complementares à migração dos cidadãos da União, direitos esses que devem ser estabelecidos pela União que atua como um conjunto político protetor para favorecer um sentimento mais profundo de implicação por parte do migrante da União no Estado de acolhimento e em certos aspetos da sua cultura política, e para limitar o prejuízo quanto à perda de direitos políticos de que o migrante pode ser vítima devido à saída do seu Estado de origem» (tradução livre).


54      Segundo jurisprudência constante, as regras de igualdade de tratamento entre nacionais e não nacionais proíbem não só as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduzam efetivamente ao mesmo resultado. V. Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Freikirche der Siebenten‑Tags‑Adventisten in Deutschland (C‑372/21, EU:C:2023:59, n.o 29).


55      V., neste sentido, sexto considerando da Diretiva 93/109 e quinto considerando da Diretiva 94/80.


56      No que respeita à aplicação do artigo 18.o TFUE, invocado pela República Checa, há que fazer referência ao Acórdão de 11 de junho de 2020, TÜV Rheinland LGA Products e Allianz IARD (C‑581/18, EU:C:2020:453, n.o 33 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça recordou o princípio de que as medidas nacionais só podem ser analisadas à luz do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE na medida em que se apliquem a situações não abrangidas por regras específicas de não discriminação previstas por esse Tratado.


57      V., especialmente, n.os 17 e 18 (p. 9).


58      V., a este respeito, relativamente ao financiamento e ao acesso aos meios de comunicação social, Orientações da Comissão de Veneza, n.o 185 (pp. 59 e 60).


59      V. n.o 50 das presentes conclusões. V., igualmente, Acórdão do TEDH, 8 de julho de 2008, Yumak e Sadak c. Turquia (CE:ECHR:2008:0708JUD001022603, § 107 e jurisprudência referida). Na sua jurisprudência constante, o TEDH sublinha que o debate político, para o qual contribuem os partidos políticos, «está no próprio cerne do conceito de sociedade democrática».


60      Esta disposição é relativa aos partidos políticos europeus. Os termos do artigo 191.o, primeiro parágrafo, CE estão nela, em substância, reproduzidos.


61      V. Anotações relativas à Carta.


62      Quanto à ligação estabelecida entre os artigos 39.o e 40.o da Carta e o seu artigo 12.o, n.o 2, relativo ao papel dos partidos políticos, v. Costa, O., «Article 39 — Droit de vote et d’éligibilité aux élections municipales et au Parlement européen», em Picod, F., Rizcallah, C., Van Drooghenbroeck, S., Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne: commentaire article par article, 3.a ed., Bruylant, Bruxelas, 2023, pp. 1043 a 1068, em particular ponto 6 (p. 1048), e, na mesma obra, Ducoulombier, P., «Article 12 — Liberté de réunion et d’association», pp. 313 a 327, em particular ponto 6 (pp. 317 e 318). V., igualmente, Shaw, J., e Khadar, L., op. cit., ponto 39.04 (p. 1087), bem como Groenendijk, K., op. cit., ponto 40.26 (p. 1120).


63      V. n.o 99 das presentes conclusões.


64      Este artigo corresponde ao artigo 10.o da CEDH. V. Anotações relativas à Carta.


65      V., igualmente, a este respeito, artigo 3.o do Protocolo n.o 1 da CEDH, bem como Acórdão do TEDH, de 18 de fevereiro de 1999, Matthews c. Reino Unido (CE:ECHR:1999:0218JUD002483394, § 44), no que respeita à aplicação desta disposição às eleições dos membros do Parlamento Europeu.


66      V. Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa) (C‑78/18, EU:C:2020:476, n.os 111 a 114).


67      V. Acórdão do TEDH, de 30 de janeiro de 1998, Partido Comunista Unificado de Turquia e outros c. Turquia (CE:ECHR:1998:0130JUD001939292, § 25). É nele precisado que «os partidos políticos representam uma forma de associação essencial ao bom funcionamento da democracia. Tendo em conta a importância desta no sistema da [CEDH] [...], não pode haver nenhuma dúvida de que são abrangidos pelo artigo 11.o». No que respeita à importância da participação dos cidadãos na vida pública num quadro mais amplo, v., nomeadamente, Acórdãos do TEDH, de 17 de fevereiro de 2004, Gorzelik e outros c. Polónia (CE:ECHR:2004:0217JUD004415898, §§ 88, 90 e 92), e de 8 de outubro de 2009, Tebieti Mühafize Cemiyyeti e Israfilov c. Azerbaïdjan (CE:ECHR:2009:1008JUD003708303, §§ 52 e 53).


68      V. Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa) (C‑78/18, EU:C:2020:476, n.o 37).


69      V. Relatório sobre a Participação Política referido na nota 19 das presentes conclusões, p. 14.


70      V., neste sentido, quinto considerando da Diretiva 93/109 e quarto considerando da Diretiva 94/80. V., igualmente, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, EU:C:2006:545 n.os 52 e 53).


71      V. n.o 104 das presentes conclusões. V., a este respeito, a propósito da restrição do acesso a determinadas funções aos cidadãos nacionais e da participação nas eleições para a assembleia parlamentar, quinto e décimo considerandos, bem como artigo 5.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 94/80. Quanto às regulamentações dos Estados‑Membros no âmbito desta margem de manobra, v. Relatório de avaliação de impacto referido na nota 29 das presentes conclusões, ponto 1.3.6 (p. 20), e Análise de Blacher, P., «Article 40 — Droit de vote et d’éligibilité aux élections municipales», em Picod, F., Rizcallah, C., Van Drooghenbroeck, S., op. cit., pp. 1069 a 1088, em especial ponto 16 (pp. 1083 e 1084). No que respeita às limitações ao direito de voto e de elegibilidade, de modo particular em função da proporção de cidadãos «móveis» da União no Estado‑Membro de residência e dos períodos de residência, v. artigo 14.o da Diretiva 93/109 e artigo 12.o da Diretiva 94/80. V., igualmente, comentários de Shaw, J., e Khadar, L., op. cit., ponto 39.74 (p. 1104), no que respeita às eleições para o Parlamento Europeu, bem como de Groenendijk, K., op. cit., pontos 40.27 e 40.28 (p. 1121), no que respeita às eleições municipais.


72      V., a este respeito, Orientações da Comissão de Veneza, n.os 153 e 155 (pp. 49 e 50). V., igualmente, a título exemplificativo, Relatório de Alina Ostling financiado pelo Programa Direitos, Igualdade e Cidadania (2014‑2020) da Comissão, intitulado «Fair EU Synthesis report: Electoral Rights for Mobile EU Citizens — Challenges and Facilitators of Implementation», ponto 4.1.2 (p. 27).


73      V. Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 72).


74      V. segundo e quinto considerandos do preâmbulo da Carta.


75      No que respeita ao alcance deste artigo, há que remeter para os n.os 101, 110 e 113 das presentes conclusões.


76      V., neste sentido, Acórdãos de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 127), e de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑157/21, EU:C:2022:98, n.o 145). V. Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 72).