Language of document :

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de julho de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — SA.33846 (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) — Elemento pertinente posterior à publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação — Identificação do beneficiário do auxílio — Obrigação de publicar uma decisão modificativa de início de procedimento — Direito do beneficiário do auxílio de apresentar as suas observações — Formalidade essencial — Incompatibilidade com o mercado interno — Recuperação do auxílio ordenado pela Comissão Europeia — Montante a recuperar — Competência do Estado‑Membro em causa»

No processo C‑697/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 11 de novembro de 2022,

Koiviston Auto Helsinki Oy, anteriormente Helsingin Bussiliikenne Oy, com sede em Helsínquia (Finlândia), representada por O. Hyvönen e N. Rosenlund, asianajajat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por M. Huttunen, J. Ringborg e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

República da Finlândia,

Nobina Oy, com sede em Espoo (Finlândia),

Nobina AB, com sede em Solna (Suécia),


intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot (relator), S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Juhász‑Tóth, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de fevereiro de 2024,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de maio de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Helsingin Bussiliikenne Oy, atualmente Koiviston Auto Helsinki Oy, pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de setembro de 2022, Helsingin Bussiliikenne/Comissão (T‑603/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:555), que negou provimento ao seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão (UE) 2020/1814 da Comissão, de 28 de junho de 2019, sobre o auxílio estatal SA.33846 (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) concedido pela Finlândia à Helsingin Bussiliikenne Oy (JO 2020, L 404, p. 10, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), dispõe, no seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

h)      “Parte interessada”, qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais.»

3        Nos termos do artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Procedimento formal de investigação»:

«1.      A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar esse prazo em casos devidamente justificados.

2.      As observações recebidas serão transmitidas ao Estado‑Membro em causa. Se uma parte interessada o solicitar com fundamento em eventuais prejuízos, a sua identidade não será revelada ao Estado‑Membro em causa. O Estado‑Membro em causa pode responder às observações apresentadas num prazo estabelecido, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar esse prazo em casos devidamente justificados.»

 Antecedentes do litígio

4        A Helsingin Bussiliikenne (a seguir «antiga HelB») operava rotas de autocarro na região de Helsínquia (Finlândia) e prestava serviços de transporte não regular e de aluguer de autocarros. Esta era detida em 100 % pelo Helsingin kaupunki (município de Helsínquia, Finlândia).

5        Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 3 a 9 do acórdão recorrido nos seguintes termos:

«3.      Entre 2002 e 2012, o município de Helsínquia adotou várias medidas a favor da HKL‑Bussiliikenne [Oy] e da antiga HelB (a seguir “medidas controvertidas”). Assim, em primeiro lugar, em 2002, foi concedido à HKL‑Bussiliikenne um empréstimo para equipamento, no montante de 14,5 milhões de euros, destinado a financiar a aquisição de equipamento de transporte em autocarro. Em 1 de janeiro de 2005, a antiga HelB assumiu este empréstimo. Em segundo lugar, o município de Helsínquia concedeu a esta última, aquando da sua criação, um empréstimo de tesouraria, no montante total de 15 893 700,37 de euros, destinado a refinanciar certos passivos da HKL‑Bussiliikenne e da Suomen Turistiauto [Oy]. Em terceiro lugar, em 31 de janeiro de 2011 e 23 de maio de 2012, o município de Helsínquia concedeu à antiga HelB dois novos empréstimos de tesouraria, no montante de, respetivamente, 5,8 milhões de euros e 8 milhões de euros.

4.      Em 31 de outubro de 2011, as empresas de transporte público Nobina Sverige AB e Nobina Finland Oy apresentaram uma denúncia à Comissão Europeia, à qual se juntou, em 15 de novembro de 2011, a sua empresa‑mãe, a Nobina AB. Com esta denúncia, alegavam que a República da Finlândia tinha concedido auxílios ilegais à antiga HelB. Em 22 de novembro de 2011, a Comissão transmitiu esta denúncia à República da Finlândia.

5.      Por Decisão C(2015) 80 final, de 16 de janeiro de 2015, relativa ao auxílio [de Estado] SA.33846 (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) — Finlândia — Helsingin Bussiliikenne Oy (JO 2015, C 116, p. 22; a seguir “decisão de dar início ao procedimento”), a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo, nomeadamente, às medidas controvertidas. Esta decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 10 de abril de 2015, tendo as partes interessadas sido convidadas a apresentar as suas observações no prazo de um mês a contar dessa publicação. […]

6.      Além disso, em 24 de junho de 2015, no decurso do procedimento, o município de Helsínquia informou a Comissão do início do processo de venda da antiga HelB. Em 5 de novembro de 2015, a República da Finlândia transmitiu à Comissão o projeto de contrato de compra e venda negociado com a recorrente.

7.      Em 14 de dezembro de 2015, a antiga HelB foi vendida à […] Viikin Linja Oy. Em conformidade com o estipulado no contrato de compra e venda, esta última alterou o seu nome para Helsingin Bussiliikenne Oy (a seguir “nova HelB”). Os documentos relativos à operação de compra e venda incluíam uma cláusula que garantia a indemnização total do adquirente da antiga HelB caso fosse emitida uma ordem de recuperação de um auxílio estatal (a seguir “cláusula de indemnização”), tendo uma parte do preço da venda sido depositada numa conta de garantia bloqueada até à adoção de uma decisão definitiva relativa ao auxílio estatal ou, o mais tardar, até 31 de dezembro de 2022. Estes documentos previam igualmente um mecanismo de partilha de lucros em caso de revenda, com base no qual o comprador se comprometia a pagar ao vendedor um bónus, a depositar na mesma conta de garantia bloqueada, caso os níveis de lucro previamente acordados fossem ultrapassados.

8.      A cessão a favor da Viikin Linja abrangia todas as atividades comerciais da antiga HelB. Com exceção dos montantes creditados ou a creditar na conta de garantia bloqueada, a antiga HelB já não detinha nenhum ativo. O passivo resultante das medidas controvertidas não foi transferido para a nova HelB. Após a venda da antiga HelB, o município de Helsínquia isentou‑a da obrigação de reembolsar o capital em dívida do empréstimo de tesouraria de 2002. Além disso, em 11 de dezembro de 2015, o município de Helsínquia converteu os empréstimos para equipamento de 2005, 2011 e 2012, que não tinham sido reembolsados, em capital da antiga HelB.

9.      Em 28 de junho de 2019, a Comissão adotou a decisão [controvertida, cujo] dispositivo tem a seguinte redação:

“Artigo 1.o

Os auxílios estatais no montante de 54 231 850 [euros], concedidos ilegalmente pela [República da] Finlândia ao abrigo das medidas [controvertidas], em violação do artigo 108.o, n.o 3, do [TFUE], à Helsingin Bussiliikenne Oy são incompatíveis com o mercado interno.

Artigo 2.o

1.      A [República da] Finlândia deve proceder à recuperação dos auxílios referidos no artigo 1.o junto do beneficiário.

2.      Tendo em conta a continuidade económica entre a antiga HelB (atual Helsingin kaupungin Linja‑autotoiminta Oy) e a nova HelB (nome completo: Helsingin Bussiliikenne Oy, antiga Viikin Linja Oy), a obrigação de reembolsar os auxílios é alargada à nova HelB (nome completo: Helsingin Bussiliikenne Oy).

3.      Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à data da respetiva recuperação.

[…]

Artigo 4.o

1.      No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a [República da] Finlândia deve transmitir as seguintes informações à Comissão:

a)      Montante total (capital e juros) a recuperar junto do beneficiário;

[…]”»

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

6        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de setembro de 2019, a nova HelB interpôs um recurso no qual pedia a anulação da decisão controvertida.

7        Em apoio do seu recurso, invocou cinco fundamentos relativos, o primeiro, ao facto de a decisão controvertida ter sido adotada em violação dos seus direitos processuais; o segundo, a um erro manifesto da Comissão na sua apreciação da existência de uma continuidade económica entre a antiga e a nova HelB; o terceiro, à insuficiente fundamentação da decisão controvertida; o quarto, a uma violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da proporcionalidade e, o quinto, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

8        Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso.

 Pedidos das partes no presente recurso

9        Com o presente recurso, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        anular a decisão recorrida, e

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas efetuadas pela recorrente no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, acrescidas dos juros à taxa legal.

10      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao presente recurso e

–        condenar a recorrente na totalidade das despesas da Comissão.

 Quanto ao presente recurso

11      Em apoio do presente recurso, a recorrente invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro processual substancial e, o segundo, à violação do princípio da proporcionalidade.

 Quanto ao primeiro fundamento do presente recurso

 Argumentos das partes

12      Com o primeiro fundamento do presente recurso, a recorrente invoca um erro processual substancial.

13      Na primeira parte deste fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão não estava obrigada a alargar o procedimento formal de investigação no caso de a primeira se querer pronunciar sobre a continuidade económica entre a antiga HelB e a nova HelB. Segundo a recorrente, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 40 do acórdão recorrido, que o alargamento, não previsto na decisão de dar início ao procedimento, da obrigação de reembolsar os auxílios de Estado concedidos à antiga HelB não tinha alargado o objeto desse procedimento, uma vez que este se manteve limitado aos auxílios mencionados na decisão de dar início a esse procedimento. A cessão da antiga HelB, ocorrida em 14 de dezembro de 2015, foi um elemento novo, não contido na decisão de dar início ao procedimento, o que obrigou a Comissão a retificar ou a alargar o procedimento formal de investigação.

14      Com a segunda parte do referido fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 51 do acórdão recorrido, que a violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, cometida pela Comissão ao não associar a recorrente ao procedimento formal de investigação, não constituía a violação de uma formalidade essencial, mas apenas uma irregularidade processual, que só podia implicar a anulação da decisão recorrida se se provasse que, na falta dessa irregularidade, essa decisão poderia ter tido um conteúdo diferente.

15      A recorrente alega que o Tribunal Geral também cometeu um erro ao enunciar, nos n.os 50 e 51 do acórdão recorrido, que a omissão da Comissão de associar as partes interessadas ao procedimento administrativo só podia constituir a violação de uma formalidade essencial se essa omissão dissesse respeito ao conteúdo da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação.

16      Com efeito, considera, primeiro, que esta posição do Tribunal Geral implica que o direito do adquirente de uma empresa beneficiária de um auxílio de Estado de apresentar observações sobre o processo formal de investigação desse auxílio varie em função do momento em que a aquisição dessa empresa é efetuada.

17      Segundo, a recorrente alega que é contrário ao princípio da igualdade colocar o beneficiário de uma cessão de atividade que ocorre durante o procedimento formal de investigação numa situação mais desfavorável do que a do beneficiário de uma cessão de atividade ocorrida antes da publicação da decisão de dar início ao procedimento, e que, portanto, tem a possibilidade de apresentar observações a este respeito na fase dessa decisão, ou que a do beneficiário de uma cessão de atividade que ocorre só após a decisão final da Comissão e que pode apresentar observações na fase nacional de execução.

18      Terceiro, a recorrente considera que a abordagem acima referida do Tribunal Geral conduz a uma situação em que não é dada a uma parte interessada que se encontra numa situação comparável à da recorrente nenhuma possibilidade de apresentar as suas observações, informações pertinentes e provas antes da adoção pela Comissão de uma decisão relativa à recuperação de um auxílio considerado ilegal por esta última.

19      O Tribunal Geral baseou a distinção que fez entre violação de uma formalidade essencial e outra irregularidade processual em precedentes jurisprudenciais cujos factos diferem dos do presente processo. Por um lado, nos processos que deram origem ao acórdão referido no n.o 51 do acórdão recorrido e na jurisprudência mencionada nesse acórdão, a parte em causa teve a possibilidade de ser ouvida e o incumprimento da obrigação de ser ouvido só dizia respeito a certos documentos dos autos. Por outro lado, a recorrente alega que a jurisprudência a que se refere o acórdão referido no n.o 51 do acórdão recorrido tem origem em circunstâncias factuais que não são comparáveis às do presente processo.

20      Em contrapartida, resulta do Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen (C‑334/07 P, EU:C:2008:709, n.o 55), que, «no momento em que a Comissão decide dar início ao procedimento formal de investigação relativo a um projeto de auxílio, deve providenciar para que os interessados, entre os quais figuram a ou as empresas em causa, possam apresentar as suas observações [, sendo que] esta regra tem caráter de formalidade essencial».

21      A recorrente salienta também que o direito de ser ouvido num procedimento administrativo é um direito fundamental reconhecido pelo direito da União e consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Direito a uma boa administração». A sua violação constitui um vício processual essencial que justifica a anulação da decisão controvertida, sem que o lesado seja obrigado a provar os eventuais efeitos da sua audição sobre a decisão a tomar no âmbito do procedimento administrativo. A recorrente alega que ao considerar que a privação pura e simples do direito de ser ouvido constitui apenas uma irregularidade processual, o Tribunal Geral dá a entender que esse direito não é um direito fundamental, mas um direito que pode ser violado com total impunidade.

22      O direito de ser ouvido constitui também um princípio geral de direito, consagrado em matéria de concorrência pelo Acórdão de 23 de outubro de 1974, Transocean Marine Paint Association/Comissão (17/74, EU:C:1974:106, n.o 15), que sublinha que este direito é tanto mais importante quanto a decisão em causa impuser «encargos não negligenciáveis e de alcance alargado».

23      No caso em apreço, a decisão controvertida teve consequências graves para a nova HelB, uma vez que a obrigou a pagar um montante de cerca de 54 milhões de euros, acrescido dos juros relativos à recuperação do auxílio de Estado ilegal, colocando‑a em perigo de falência e obrigando‑a a pedir uma reestruturação em junho de 2021. O processo de reestruturação terminou em fevereiro de 2022 com a venda do grupo Koiviston Auto, que tinha adquirido a nova HelB, tendo a família que fundou esse grupo nos anos 1920 sido obrigada a essa venda para poder pagar o montante dessa recuperação. Em contrapartida, a referida recuperação beneficiou o município de Helsínquia, apesar de responsável pelo auxílio de Estado ilegal, uma vez que recuperou este auxílio que tinha concedido à sua própria sociedade, conservando a totalidade do preço de compra pago pela recorrente.

24      Na terceira parte do primeiro fundamento, a recorrente sustenta que, mesmo admitindo que a Comissão não tenha violado uma formalidade essencial no caso em apreço e que tenha cometido apenas uma irregularidade processual, não deixa de ser verdade que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 64 do acórdão recorrido, que as observações da recorrente não teriam permitido alterar a decisão controvertida.

25      Este erro é a consequência de outro erro cometido pelo Tribunal Geral, no n.o 56 do acórdão recorrido, na parte em que este afirmou que as observações que, segundo a recorrente, poderiam ter sido apresentadas se a irregularidade processual constatada não se tivesse verificado, versavam unicamente sobre um dos critérios utilizados para determinar a existência da continuidade económica, a saber, a lógica económica da operação. Pelo contrário, como resulta dos n.os 42 e 52 do acórdão recorrido, a recorrente alegou no Tribunal Geral que o procedimento de investigação formal conduziu ou poderia ter conduzido a um resultado diferente, essencialmente no que respeita à aplicação do princípio da continuidade económica e à realidade da transferência do auxílio de Estado para a nova HelB.

26      Além disso, quando uma decisão da Comissão é objeto de recurso para os órgãos jurisdicionais da União, essa decisão é examinada com base nos elementos de informação e nos documentos de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 91). Por conseguinte, uma vez que um recorrente deve limitar‑se apenas e só aos elementos constantes dos autos do procedimento formal de investigação, não pode, mesmo no âmbito de um processo judicial, apresentar provas que demonstrem que a sua participação nesse procedimento formal de investigação poderia ter tido incidência na referida decisão. Consequentemente, não está em condições de fazer prova de que essa participação no procedimento formal de investigação poderia ter tido incidência na mesma decisão.

27      Na sua réplica, a recorrente indica que partilha a apreciação da Comissão, formulada no n.o 73 da sua contestação, segundo a qual a análise da existência de um auxílio de Estado e a análise da continuidade económica são questões distintas. Por conseguinte, as partes interessadas devem ser ouvidas sobre ambas as questões.

28      A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

29      Em primeiro lugar, no que respeita à alegação de que a Comissão estava obrigada a retificar ou a alargar a decisão de dar início ao procedimento, esta instituição sustenta que o Tribunal Geral declarou, acertadamente, no n.o 39 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha mudado de opinião, após essa decisão, quanto ao beneficiário do auxílio de Estado e, no n.o 40 desse acórdão, que também não tinha mudado de opinião quanto ao objeto desse auxílio, o qual estava limitado às quatro medidas identificadas na decisão de dar início ao procedimento. Por conseguinte, a constatação da continuidade económica da nova HelB com a antiga HelB não alterou a apreciação da Comissão. Assim, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito, no n.o 41 do acórdão recorrido, ao considerar que a Comissão não estava obrigada a retificar nem a alargar a decisão de dar início ao procedimento.

30      Em segundo lugar, a Comissão contesta a alegada violação de uma formalidade essencial pelo facto de se ter abstido de convidar a nova HelB a apresentar as suas observações sobre a continuidade económica.

31      A este respeito, primeiro, quanto ao erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral relativamente ao princípio da igualdade, ao considerar que o direito de os beneficiários de uma cessão serem ouvidos no procedimento formal de investigação difere em função da data da cessão, a Comissão estima que a distinção feita pelo Tribunal Geral é justificada por uma diferença objetiva de situação. Com efeito, segundo a Comissão, se a cessão ocorrer após o início do procedimento formal de investigação, o adquirente tem conhecimento do procedimento formal de investigação em curso e presume‑se que aceita a situação existente, a saber, o facto de a Comissão poder decidir que o auxílio de Estado em causa é incompatível com o mercado interno e deve ser recuperado. Nesta situação, nada impede o adquirente que, por conseguinte, é o sucessor económico, de tomar em consideração esse risco, aquando das suas negociações com o vendedor.

32      No presente processo, em especial, a Comissão considera que não existem dúvidas de que a nova HelB estava informada do procedimento formal de investigação em curso, uma vez que uma cláusula do contrato de venda lhe garantia uma indemnização total em caso de pedido de recuperação de um auxílio de Estado.

33      Segundo, relativamente ao caráter infundado, de acordo com a recorrente, da distinção feita pelo Tribunal Geral entre uma violação de uma formalidade essencial e outra irregularidade processual, a Comissão sustenta que esta distinção resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Alega ainda que, ao confundir o direito de ser ouvido e o direito de ser associado ao procedimento administrativo relativo a um auxílio de Estado, a recorrente não tem em conta esta jurisprudência. Assim, a Comissão alega que no Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo (C‑56/18 P, EU:C:2020:192), que a recorrente considera desprovido de pertinência para o presente processo, o Tribunal de Justiça declarou que as partes interessadas tinham sido associadas ao procedimento administrativo, mas não em medida suficiente.

34      A irregularidade processual só implicaria a anulação da decisão recorrida se se demonstrasse que, na falta dessa irregularidade, essa decisão poderia ter tido um conteúdo diferente, como recordado pelo Tribunal Geral no n.o 51 do acórdão recorrido.

35      Terceiro, quanto ao erro que o Tribunal Geral cometeu ao considerar que o facto de não ter convidado a recorrente a apresentar as suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação não constituir uma violação de uma formalidade essencial, a Comissão sustenta que não existe tal violação quando o elemento, cuja omissão na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação é imputada à Comissão, não constitui um elemento pertinente em matéria de facto ou de direito para a apreciação da medida de auxílio em causa (Acórdão de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P, EU:C:2022:176, n.o 96). No caso em apreço, a Comissão não omitiu nenhum elemento pertinente para a investigação das medidas controvertidas na decisão de dar início ao procedimento formal.

36      Quarto, a Comissão sustenta que, em todo o caso, não tem a obrigação de associar ao procedimento formal de investigação um sucessor económico que adquire uma sociedade após a adoção da decisão de dar início a esse procedimento. Por conseguinte, considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 47, 48 e 51 do acórdão recorrido ao declarar que a Comissão tinha violado o artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pede ao Tribunal de Justiça que substitua os fundamentos errados formulados nesses pontos pelos fundamentos a seguir expostos.

37      A Comissão considera que as obrigações decorrentes do artigo 108.o, n.o 2, TFUE se limitam às exigências relativas à decisão de dar início ao procedimento formal de investigação e estão ligadas a essa decisão. Alega ainda que, no que respeita, mais especificamente, à exigência de associar as partes interessadas de forma adequada ao procedimento administrativo em matéria de auxílios de Estado, esta exigência não pode ter por efeito que as partes interessadas obtenham os mesmos direitos que o Estado‑Membro em causa. A conclusão do Tribunal Geral, segundo a qual a Comissão deveria ter especificamente associado a recorrente ao processo e ter‑lhe dado a oportunidade de apresentar as suas observações sobre os aspetos ligados à continuidade económica, devido às circunstâncias específicas do caso em apreço, põe em causa o princípio segundo o qual as investigações sobre os auxílios de Estado são essencialmente procedimentos que visam o Estado‑Membro que concedeu o auxílio em causa.

38      Quinto, no que respeita à alegação de que a pretensa violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE viola o direito de ser ouvido consagrado no artigo 41.o da Carta e que essa violação tem, por conseguinte, caráter de violação de uma formalidade essencial, a Comissão sustenta que as partes interessadas não têm o direito de ser ouvidas, mas apenas o direito de serem associadas ao procedimento administrativo seguido pela Comissão em medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (Acórdãos de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 71 e jurisprudência referida, e de 29 de setembro de 2021, Ryanair/Comissão e o., T‑448/18, EU:T:2021:626, n.o 102).

39      A Comissão considera que os órgãos jurisdicionais da União não podem, com base nos princípios gerais do direito, como o direito de ser ouvido, alargar os direitos processuais conferidos às partes interessadas pelo Tratado FUE e pelo direito derivado. Sublinha que um processo baseado no artigo 108.o, n.o 2, TFUE é um processo inter partes unicamente para o Estado‑Membro em causa, mas não para as outras partes (Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 168). Alega ainda que, num procedimento relativo ao controlo dos auxílios de Estado, os beneficiários do auxílio de Estado não podem, por conseguinte, invocar os direitos de defesa.

40      A Comissão considera que a obrigação de comunicar previamente aos beneficiários do auxílio de Estado os elementos nos quais tenciona basear a sua decisão definitiva equivale a estabelecer um debate contraditório, como o que é aberto a favor do Estado‑Membro responsável pela concessão do auxílio. Uma tal obrigação seria contrária ao Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo (C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.os 74 e 75).

41      Em terceiro lugar, no que respeita ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao decidir que as observações da recorrente não tinham permitido alterar a decisão controvertida, a Comissão considera que esta acusação é manifestamente inadmissível, uma vez que visa, na realidade, a apreciação dos elementos de prova pelo Tribunal Geral.

42      Além disso, a Comissão sustenta que é desprovida de fundamento a alegação da recorrente segundo a qual o Tribunal Geral lhe imputou uma prova impossível de produzir, uma vez que só estava autorizada a apresentar os elementos de que a Comissão tinha conhecimento à data da decisão controvertida. Esta instituição alega que a recorrente podia apresentar no Tribunal Geral todos os elementos de prova pertinentes e que este decidiu corretamente que a recorrente não tinha produzido a prova que lhe incumbia apresentar.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

43      Com o seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 51 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha violado uma formalidade essencial, ao não lhe dar a oportunidade de apresentar as suas observações no procedimento formal de investigação das medidas controvertidas.

44      Com a primeira parte deste fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 36 a 41 do acórdão recorrido, ter rejeitado o seu argumento segundo o qual a Comissão estava obrigada a completar ou retificar a decisão de dar início ao procedimento na sequência da cessão da antiga HelB.

45      A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado previsto no artigo 108.o TFUE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de investigação dos auxílios instituída pelo n.o 3 deste artigo, que tem apenas por objetivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase da investigação a que se refere o n.o 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão obter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado FUE prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 27 e jurisprudência referida). Esta obrigação tem o caráter de formalidade essencial, uma vez que constitui um requisito essencial do procedimento intrinsecamente ligado à correta formação ou expressão da vontade do autor do ato (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, EU:C:2008:709, n.o 55, e de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P e C‑171/19 P, EU:C:2022:176, n.o 89).

46      O alcance dessa obrigação é especificado pelo artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, que inclui na categoria de «partes interessadas», «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais».

47      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, como o procedimento de controlo dos auxílios de Estado é, dada a sua economia geral, um procedimento instaurado contra o Estado‑Membro responsável pela concessão do auxílio, os interessados que não sejam esse Estado‑Membro não podem exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto a favor do referido Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.os 81 e 82), e que o beneficiário do auxílio não dispõe de direitos mais amplos do que as outras partes interessadas (v., neste sentido Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 75).

48      Nestas condições, o Tribunal de Justiça declarou que a publicação de um aviso no Jornal Oficial da União Europeia constitui um meio adequado para dar a conhecer a todos os interessados a abertura de um procedimento formal de investigação. Esta comunicação visa obter, da parte dos interessados, todas as informações destinadas a esclarecer a Comissão na sua ação futura. Um tal procedimento dá também aos outros Estados‑Membros e aos setores interessados a garantia de poderem ser ouvidos (Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.o 80).

49      No entanto, as partes interessadas só estarão em condições de apresentar utilmente as suas observações se a decisão publicada mencionar expressa e claramente os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, conforme previsto no artigo 6.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento 2015/1589 (Acórdão de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P e C‑171/19 P, EU:C:2022:176, n.o 91).

50      Daqui resulta que a simples publicação de uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, sem que o conteúdo dessa decisão cumpra as exigências desta disposição, não permite considerar que a obrigação que incumbe à Comissão na data do procedimento formal de investigação, e qualificada de formalidade essencial, na aceção do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, é cumprida (Acórdão de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P e C‑171/19 P, EU:C:2022:176, n.o 92).

51      Os elementos de facto e de direito pertinentes que devem figurar na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação são aqueles que esse procedimento tem por objeto examinar com vista à adoção da decisão final pela qual a Comissão decide sobre a existência e a compatibilidade do auxílio de Estado em causa, bem como, se for caso disso, sobre a obrigação de recuperação desse auxílio.

52      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que podem existir circunstâncias em que o apuramento de factos novos ou diferentes relativamente aos evocados na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação ou ainda a adoção de alterações substanciais do quadro jurídico pertinente possam necessitar de associar mais as partes interessadas, ou mesmo exigir que seja publicada uma decisão de dar início ao procedimento complementar ou retificada (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 71).

53      Quando os novos elementos surgidos após a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação são «elementos pertinentes em matéria de facto e de direito», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a obrigação de a Comissão informar todas as partes interessadas desse facto, para lhes permitir apresentar as suas observações, só pode ser cumprida através da publicação de uma decisão de dar início ao procedimento complementar. Com efeito, como foi recordado no n.o 46 do presente acórdão, as partes interessadas constituem um conjunto indeterminado de destinatários, que só podem ser informados através de uma publicação.

54      No caso em apreço, a antiga HelB, designada beneficiária do auxílio de Estado em causa na decisão de dar início ao procedimento, foi adquirida pela nova HelB após essa decisão.

55      Ora, como a advogada‑geral recordou no n.o 49 das suas conclusões, resulta dos n.os 42 a 46 do acórdão recorrido que a Comissão estava informada do processo de cessão das atividades da antiga HelB desde junho de 2015 e que decorreu um prazo de três anos e meio entre a data dessa cessão à nova HelB e a data da adoção da decisão controvertida. A este respeito, importa observar que a Comissão mencionou unicamente a antiga HelB como potencial beneficiária do auxílio em causa na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação. Por conseguinte, a referida cessão, uma vez levada ao conhecimento da Comissão, era um elemento pertinente da sua análise, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

56      Todavia, este elemento pertinente não podia figurar na decisão de dar início ao procedimento, uma vez que surgiu após a publicação dessa decisão. Nestas condições, como foi exposto no n.o 53 do presente acórdão, a Comissão estava obrigada, para permitir às partes interessadas apresentarem utilmente as suas observações, como exigem o artigo 108.o, n.o 2, TFUE e o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a publicar uma decisão de dar início ao procedimento complementar que mencionasse esse novo elemento pertinente.

57      Como a advogada‑geral observou nos n.os 53 e 54 das suas conclusões, na falta dessa publicação, nem a recorrente nem qualquer outra parte interessada, em especial as empresas concorrentes desta última, em nenhuma fase do procedimento formal de investigação tiveram a possibilidade de apresentar as suas observações sobre a continuidade económica entre a antiga HelB e a nova HelB e, por conseguinte, sobre a possibilidade de recuperar o auxílio de Estado em causa junto desta última.

58      Resulta do exposto que a primeira parte do primeiro fundamento do presente recurso, segundo a qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 41 do acórdão recorrido, que a Comissão não estava obrigada a alargar o procedimento formal de investigação através de uma decisão de dar início ao procedimento complementar, deve ser acolhida.

59      Com a segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 51 do acórdão recorrido, que a violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, cometida pela Comissão ao não associar a recorrente ao procedimento formal de investigação, não constituía a violação de uma formalidade essencial, mas apenas uma irregularidade processual, que só podia conduzir à anulação da decisão recorrida se se demonstrasse que, na falta dessa irregularidade, essa decisão poderia ter tido um conteúdo diferente.

60      Por um lado, como foi recordado nos n.os 45 e 50 do presente acórdão, a obrigação de dar às partes interessadas a possibilidade de apresentarem as suas observações sobre os elementos pertinentes de facto e de direito através da publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação tem o caráter de formalidade essencial, na aceção do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE.

61      Por outro lado, como resulta dos n.os 55 e 56 do presente acórdão, a cessão da antiga HelB à nova HelB constituía um elemento pertinente, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, que, por não poder figurar na decisão de dar início ao procedimento, anterior a esse acontecimento, devia resultar na publicação de uma decisão de dar início ao procedimento complementar, para permitir aos interessados apresentarem utilmente as suas observações.

62      Por conseguinte, a recorrente tem razão ao sustentar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 51 do acórdão recorrido, que a Comissão não violou uma formalidade essencial, mas apenas cometeu uma irregularidade processual, ao não a associar ao procedimento formal de investigação.

63      A segunda parte do primeiro fundamento deve, portanto, ser também acolhida.

64      Daqui resulta que, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a sua terceira parte, há que julgar procedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento do presente recurso

 Argumentos das partes

65      Com o segundo fundamento do presente recurso, a recorrente alega uma violação do princípio da proporcionalidade.

66      No n.o 159 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não estava obrigada a determinar em que medida o auxílio de Estado resultante das medidas controvertidas devia ser recuperado junto da nova HelB. No entanto, o montante do auxílio a recuperar não deve exceder o montante efetivamente transferido para a recorrente. Com efeito, a recuperação de um auxílio de Estado não tem o caráter de sanção, mas visa restabelecer as condições que existiam antes da concessão do auxílio e eliminar a distorção da concorrência causada por este.

67      Uma recuperação cujo montante seja superior ao do auxílio de Estado recebido seria contrária ao princípio da proporcionalidade. Ora, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou no n.o 157 do acórdão recorrido, o montante a recuperar não podia ser determinado, no caso em apreço, sem avaliar o preço de mercado da antiga HelB, como a recorrente expôs na sua petição em primeira instância. A recorrente observa que, se soubesse que deveria responder pelos auxílios de Estado ilegais concedidos ao vendedor e que não poderia invocar a cláusula de indemnização, o valor da atividade teria sido negativo.

68      O Tribunal de Justiça declarou que a obrigação do cessionário de reembolsar o auxílio de Estado só se pode aplicar quando o valor da empresa não tenha sido avaliado ao preço de mercado e se prove que o cessionário fica com o gozo da vantagem concorrencial ligada ao benefício desse auxílio (Acórdãos de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, EU:C:2004:238, n.os 86, 92 e 93, e de 13 de novembro de 2008, Comissão/França, C‑214/07, EU:C:2008:619, n.o 58).

69      Por conseguinte, a recorrente considera que, embora subsistissem dúvidas quanto à conformidade do preço de compra com o preço de mercado, isso não dispensava a Comissão de examinar em que medida o auxílio de Estado lhe tinha sido transferido.

70      Por outro lado, a abordagem da Comissão, aprovada pelo Tribunal Geral, é discriminatória em relação às empresas visadas por uma obrigação de restituição que, como a recorrente, compraram uma atividade a uma entidade pública e favorece as que, no mesmo caso, adquiriram uma atividade a uma empresa privada que recebeu um auxílio de Estado ilegal. As segundas poderiam reclamar e obter do vendedor uma redução do preço de compra ou uma indemnização com base nas condições contratuais, o que as primeiras não poderiam fazer, uma vez que, no seu caso, a redução do preço de compra seria considerada um novo auxílio de Estado.

71      Por último, o município de Helsínquia beneficiou de uma vantagem económica injustificada devido ao pagamento dos auxílios de Estado ilegais. Enquanto proprietária da antiga HelB, começou por receber da nova HelB o preço de compra de cerca de 36 milhões de euros e, posteriormente, de 44 milhões de euros a título de recuperação.

72      A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

73      Em primeiro lugar, a Comissão considera que o argumento da recorrente de que a Comissão deveria ter determinado o preço de venda «correto» da antiga HelB não tem fundamento. A este respeito, a Comissão observa que existe uma diferença entre verificar a continuidade económica e determinar a proporção em que a recuperação deve ser feita junto dos beneficiários do auxílio de Estado. Para determinar a continuidade económica não é necessário que a Comissão determine a proporção exata em que os beneficiários do auxílio de Estado ilegal devem reembolsar o auxílio. Como o Tribunal Geral corretamente salientou nos n.os 86 e 87 do acórdão recorrido, não é necessário, para concluir por essa continuidade, determinar o preço de mercado da atividade económica da antiga HelB, bastando que a Comissão demonstre que o preço de venda dessa atividade não correspondia ao preço de mercado (Acórdãos de 29 de abril de 2021, Fortischem/Comissão, C‑890/19 P, EU:C:2021:345, n.os 77 a 81, e de 24 de setembro de 2019, Fortischem/Comissão, T‑121/15, EU:T:2019:684, n.o 221).

74      Em segundo lugar, a Comissão considera que, como o Tribunal Geral recordou no n.o 159 do acórdão recorrido, não estava obrigada a determinar em que medida o auxílio de Estado cuja recuperação tinha sido ordenada pela decisão controvertida devia ser recuperado junto da recorrente. Alega ainda que compete à República da Finlândia tomar as medidas adequadas para obter a cobrança efetiva dos montantes devidos.

75      Em terceiro lugar, a Comissão considera que a alegação da recorrente, segundo a qual o raciocínio seguido pelo acórdão recorrido estabelece uma diferença de tratamento injustificada entre o adquirente de uma empresa pública beneficiária de um auxílio de Estado e o adquirente de uma empresa privada beneficiária de um tal auxílio, assenta numa confusão no que respeita aos papéis distintos de um operador público e de um operador económico detido por uma pessoa pública.

76      Em quarto lugar, a Comissão recorda que a rejeição, pelo Tribunal Geral, do segundo fundamento da petição em primeira instância, dirigido contra a constatação da existência de continuidade económica entre a antiga HelB e a nova HelB, não é contestada no presente recurso. Ora, uma vez que esta continuidade económica deve ser admitida, há que concluir que o auxílio de Estado ilegal foi transferido de uma para a outra empresa.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

77      O princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos [Acórdãos de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, EU:C:1984:183, n.o 25, e de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca de espadarte do mediterrâneo), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 55].

78      Assim, o respeito pelo princípio da proporcionalidade que se impõe à Comissão quando decide a recuperação de um auxílio de Estado ilegal deve ser apreciado à luz do objetivo prosseguido por essa decisão.

79      Segundo jurisprudência constante, a recuperação de um auxílio ilegal visa restabelecer a situação anterior e esse objetivo é atingido quando os auxílios em causa, eventualmente acrescidos de juros de mora, tenham sido restituídos pelo beneficiário ou, por outras palavras, pelas empresas que efetivamente beneficiaram dele. Com essa restituição, o beneficiário perde, efetivamente, a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes e repõe‑se a situação anterior à concessão do auxílio (Acórdão de 1 de outubro de 2015, Electrabel e Dunamenti Erőmű/Comissão, C‑357/14 P, EU:C:2015:642, n.o 110 e jurisprudência referida).

80      É por esta razão que a recuperação desse auxílio, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada relativamente aos objetivos das disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.o 116 e jurisprudência referida). A medida de recuperação do auxílio de Estado ilegal só viola o princípio da proporcionalidade se o montante que o seu beneficiário deve reembolsar for superior ao montante atualizado do auxílio que recebeu.

81      Quando a sociedade beneficiária do auxílio de Estado ilegal tiver sido comprada por outra sociedade, esse auxílio deve ser recuperado junto da sociedade que prossegue a atividade económica da empresa que beneficiou desses auxílios quando é demonstrado que esta sociedade mantém o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício desse mesmo auxílio (Acórdão de 7 de março de 2018, SNCF Mobilités/Comissão, C‑127/16 P, EU:C:2018:165, n.o 106 e jurisprudência referida). Nesta hipótese, o princípio da proporcionalidade limita a obrigação de reembolso do comprador da empresa que inicialmente beneficiou do auxílio ao montante da vantagem concorrencial que efetivamente conservou.

82      A recorrente acusa o Tribunal Geral de ter violado o princípio da proporcionalidade, ao declarar, no n.o 159 do acórdão recorrido, que a Comissão não estava obrigada a determinar em que medida o auxílio de Estado devia ser recuperado junto de si. Considera ainda que o Tribunal Geral, nesse número, reconheceu que a Comissão lhe podia impor a obrigação de reembolsar a totalidade do auxílio pago à antiga HelB, sem apreciar em que medida esse auxílio lhe tinha sido efetivamente transmitido.

83      Todavia, a argumentação da recorrente assenta numa interpretação errada do n.o 159 do acórdão recorrido. Com efeito, nesse número, o Tribunal Geral apenas declarou, sem cometer um erro de direito, que a Comissão não era obrigada a determinar o montante do auxílio de Estado que as autoridades finlandesas deviam recuperar junto da nova HelB.

84      De facto, na decisão controvertida, a Comissão concluiu pela continuidade económica entre a antiga HelB e a nova HelB e deduziu daí que a obrigação de reembolsar o auxílio de Estado devia ser alargada à nova HelB. Ao fazê‑lo, a Comissão não se pronunciou sobre o quantum do auxílio concedido à antiga HelB, cujo gozo a nova HelB efetivamente manteve. Como esta instituição salientou nos seus articulados, existe uma diferença entre constatar a continuidade económica e determinar a proporção em que a recuperação do auxílio ilegal deve ser efetuada junto dos beneficiários desse auxílio. Daqui resulta que a recorrente não pode validamente alegar que o n.o 157 do acórdão recorrido contém um erro de direito, tendo o Tribunal Geral, no essencial, mencionado essa diferença.

85      Nestas condições, como declarou o Tribunal Geral no n.o 159 do acórdão recorrido, incumbe à República da Finlândia determinar o montante do auxílio de Estado que deve ser recuperado junto da nova HelB.

86      O segundo fundamento, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter violado o princípio da proporcionalidade, deve, portanto, ser julgado improcedente.

87      Resulta do exposto que, devendo o primeiro fundamento ser acolhido, há que anular o acórdão recorrido.

 Quanto à tramitação processual no Tribunal Geral

88      De acordo com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento, ou decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

89      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça pode pronunciar‑se definitivamente sobre o litígio, o qual está em condições de ser julgado.

90      Com o primeiro fundamento do seu recurso no Tribunal Geral, a nova HelB sustenta que a Comissão devia ter adotado, na sequência da sua aquisição da antiga HelB, uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação complementar, para lhe dar a possibilidade de apresentar as suas observações no âmbito desse procedimento. Além disso, a recorrente expõe que, ao não adotar tal decisão para permitir aos interessados apresentarem as suas observações, a Comissão violou uma formalidade essencial.

91      Resulta dos n.os 43 a 64 do presente acórdão que este fundamento é procedente e deve, portanto, ser acolhido.

92      Daqui resulta que, uma vez que a violação de uma formalidade essencial implica a anulação de pleno direito do ato (Acórdão de 10 de março de 2022, Comissão/Freistaat Bayern e o., C‑167/19 P e C‑171/19 P, EU:C:2022:176, n.o 94 e jurisprudência referida), a decisão controvertida só pode ser anulada.

 Quanto às despesas

93      Em conformidade com o disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

94      O artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a nova HelB, atualmente, Koiviston Auto Helsinki, solicitado a condenação da Comissão no pagamento das despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela nova HelB, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de setembro de 2022, Helsingin Bussiliikenne/Comissão (T603/19, EU:T:2022:555), é anulado.

2)      A Decisão (UE) 2020/1814 da Comissão, de 28 de junho de 2019, sobre o auxílio estatal SA.33846 (2015/C) (ex 2014/NN) (ex 2011/CP) concedido pela Finlândia à Helsingin Bussiliikenne Oy, é anulada.

3)      A Comissão Europeia suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Koiviston Auto Helsinki Oy, relativas tanto ao processo no Tribunal Geral como ao presente processo de recurso.

Assinaturas


*      Língua do processo: finlandês.