Language of document : ECLI:EU:C:2024:329

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

18 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Política agrícola comum — Regimes de apoio direto aos agricultores — Regulamento (CE) n.o 1122/2009 — Regime de pagamento único por superfície — Artigo 58.o — Reduções e exclusões aplicáveis nos casos de sobredeclaração — Penalidade em caso de sobredeclaração que exceda 50 % da superfície determinada — Cobrança do montante da penalidade durante os três anos civis seguintes à da constatação — Conceito de «constatação» — Relatório de fiscalização que declara a existência de irregularidades no pedido de ajuda em causa»

No processo C‑79/23 [Kaszamás] (i),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 24 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de fevereiro de 2023, no processo

FJ

contra

Agrárminiszter,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Húngaro, por Zs. Biró‑Tóth e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Aquilina e V. Bottka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 35.o do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 2005, L 209, p. 1), e do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 1122/2009 da Comissão, de 30 de novembro de 2009, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho no que respeita à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo, no âmbito dos regimes de apoio direto aos agricultores previstos no referido regulamento, bem como regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho no que respeita à condicionalidade no âmbito do regime de apoio previsto para o setor vitivinícola (JO 2009, L 316, p. 65), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1368/2011 da Comissão, de 21 de dezembro de 2011 (JO 2011, L 341, p. 33) (a seguir «Regulamento n.o 1122/2009»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe FJ ao Agrárminiszter (Ministro da Agricultura, Hungria) a respeito de um adiantamento concedido a FJ ao abrigo do regime de pagamento único por superfície para o ano de 2020, que foi retido para efeitos da cobrança de uma penalidade aplicada a este regime em razão de uma sobredeclaração das superfícies a título desse regime para o ano de 2013.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 1290/2005

3        O artigo 1.o do Regulamento n.o 1290/2005 dispunha:

«O presente regulamento determina as condições e regras específicas aplicáveis ao financiamento das despesas relativas à política agrícola comum, incluindo as do desenvolvimento rural.»

4        O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento previa:

«A fim de atingir os objetivos da política agrícola comum definidos no Tratado e de assegurar o financiamento das diferentes medidas dessa política, incluindo as de desenvolvimento rural, são instituídos:

a)      O Fundo Europeu Agrícola de Garantia, a seguir designado “FEAGA”;

b)      O Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, a seguir designado “FEADER”.»

5        O título IV do referido regulamento, intitulado «Apuramento das Contas e Fiscalização pela Comissão [Europeia]», incluía um capítulo 2, relativo às «[i]rregularidades», no qual figuravam os artigos 32.o a 35.o do mesmo regulamento.

6        O artigo 32.o do Regulamento n.o 1290/2005, que prevê disposições específicas do FEAGA, enunciava, no seu n.o 5, primeiro parágrafo:

«Se a recuperação não se tiver realizado no prazo de quatro anos após a data do primeiro auto administrativo ou judicial ou no prazo de oito anos, caso a recuperação seja objeto de uma ação perante as jurisdições nacionais, as consequências financeiras da ausência de recuperação são assumidas em 50 % pelo Estado‑Membro em causa e em 50 % pelo orçamento comunitário.»

7        O artigo 33.o deste regulamento, que prevê disposições específicas do FEADER, dispunha, no seu n.o 8, primeiro parágrafo:

«Se a recuperação não se tiver realizado antes do encerramento de um programa de desenvolvimento rural, as consequências financeiras da ausência de recuperação são assumidas em 50 % pelo Estado‑Membro em causa e em 50 % pelo orçamento comunitário e tomadas em conta, quer no final do prazo de quatro anos após o primeiro auto administrativo ou judicial, ou do prazo de oito anos caso a recuperação seja objeto de uma ação perante as jurisdições nacionais, quer aquando do encerramento do programa se estes prazos terminarem antes do encerramento.»

8        O artigo 35.o do referido regulamento tinha a seguinte redação:

«Para fins do presente capítulo, o primeiro auto administrativo ou judicial é a primeira avaliação escrita de uma autoridade competente, quer administrativa, quer judicial, que conclua, com base em factos concretos, da existência de uma irregularidade, sem prejuízo da possibilidade de esta conclusão vir a ser revista ou retirada ulteriormente na sequência do desenrolar do processo administrativo ou judicial.»

9        O Regulamento n.o 1290/2005, pertinente ratione temporis no que respeita aos factos no processo principal, foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da política agrícola comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78, (CE) n.o 165/94, (CE) n.o 2799/98, (CE) n.o 814/2000, (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549; retificação no JO 2016, L130, p.13).

 Regulamento n.o 885/2006

10      O Regulamento (CE) n.o 885/2006 da Comissão, de 21 de junho de 2006, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO 2006, L 171, p. 90), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1034/2008 da Comissão, de 21 de outubro de 2008 (JO 2008, L 279, p. 13) (a seguir «Regulamento n.o 885/2006»), dispunha, no seu artigo 5.o‑B:

«Sem prejuízo de quaisquer outras medidas de execução previstas no direito nacional, os Estados‑Membros deduzem de qualquer pagamento futuro a efetuar pelo organismo pagador responsável pela cobrança da dívida de um beneficiário qualquer dívida pendente do mesmo beneficiário que tenha sido estabelecida em conformidade com o direito nacional.»

11      Este regulamento, aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal, foi revogado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 907/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere aos organismos pagadores e outros organismos, à gestão financeira, ao apuramento das contas, às garantias e à utilização do euro (JO 2014, L 255, p.18).

 Regulamento n.o 1122/2009

12      Como resulta do título do mesmo, o Regulamento n.o 1122/2009 fixava designadamente regras de execução do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005, (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009, L 30, p.16), no que respeita à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo, no âmbito dos regimes de apoio direto aos agricultores previsto pelo Regulamento n.o 73/2009.

13      Os considerandos 73, 90, 92 e 101 do Regulamento n.o 1122/2009 enunciavam:

«(73)      É necessário estabelecer regras para a elaboração de relatórios específicos e pormenorizados dos controlos da condicionalidade. Os controladores especializados no terreno devem indicar tudo quanto tenham constatado, bem como a gravidade dessas constatações, a fim de permitir ao organismo pagador determinar as reduções correspondentes ou, se for o caso, a exclusão do benefício dos pagamentos diretos.

[…]

(90)      As informações sobre os resultados dos controlos da condicionalidade devem ser postas à disposição de todos os organismos pagadores responsáveis pela gestão dos diferentes pagamentos sujeitos aos requisitos de condicionalidade, para que possam ser aplicadas as reduções adequadas, caso as constatações o justifiquem.

[…]

(92)      Em relação às obrigações decorrentes da condicionalidade, à parte as reduções graduais ou exclusões atendendo ao princípio da proporcionalidade, é necessário prever um limite a partir do qual infrações reiteradas à mesma obrigação ligada à condicionalidade devem, após aviso prévio ao agricultor, ser tratadas como incumprimento deliberado.

[…]

(101)      A fim de assegurar na Comunidade [Europeia] a aplicação uniforme do princípio da boa‑fé, sempre que sejam recuperados montantes indevidamente pagos, os termos em que o princípio pode ser invocado devem ser estabelecidos sem prejuízo do tratamento das despesas em causa no contexto do apuramento das contas, em conformidade com o Regulamento [n.o 1290/2005].»

14      O artigo 2.o do Regulamento n.o 1122/2009, intitulado «Definições», previa, no seu ponto 2:

«[…] São [aplicáveis] as seguintes definições:

[…]

10.      “Irregularidades”: qualquer incumprimento das regras aplicáveis para a concessão da ajuda em causa;

[…]

12.      “Regimes de ajuda ‘superfícies’”: […] todos os regimes de ajuda estabelecidos em conformidade com os títulos IV e V do Regulamento [n.o 73/2009] […];

[…]

23.      “Superfície determinada”: a superfície relativamente à qual tenham sido respeitados todos os requisitos regulamentares para a concessão de ajuda; […]

[…]

31.      “Condicionalidade:” os requisitos legais de gestão e as boas condições agrícolas e ambientais, em conformidade com os artigos 5.o e 6.o do Regulamento [n.o 73/2009];

[…]»

15      O título III da parte II do Regulamento n.o 1122/2009, intitulado «Controlos», incluía um capítulo II, relativo aos «[c]ontrolos relativos aos critérios de elegibilidade». Na secção II do mesmo, intitulada «Controlos in loco», figurava o artigo 32.o deste regulamento, com a epígrafe «Relatório de controlo», que dispunha:

«1.      Cada controlo in loco realizado nos termos da presente secção é objeto de um relatório que permita passar em revista os pormenores dos controlos realizados. […]

2.      O agricultor tem a possibilidade de assinar o relatório, a fim de atestar a sua presença aquando do controlo e de acrescentar observações. Se forem constatadas irregularidades, o agricultor recebe uma cópia do relatório de controlo.

Se o controlo no local tiver sido efetuado por teledeteção em conformidade com o artigo 35.o, os Estados‑Membros podem decidir não dar ao agricultor ou ao seu representante a possibilidade de assinar o relatório de controlo se não tiverem sido detetadas irregularidades durante o controlo por teledeteção. Se forem detetadas irregularidades na sequência de tais controlos, a possibilidade de assinar o relatório é dada antes de a autoridade competente chegar a uma conclusão quanto a eventuais reduções ou exclusões com base nas constatações.»

16      O título III da parte II do Regulamento n.o 1122/2009 incluía além disso um capítulo III, relativo aos «[c]ontrolos relativos à condicionalidade», cuja secção III, intitulada «Controlos in loco», incluía o artigo 54.o deste regulamento. Esse artigo, com a epígrafe «Relatório de controlo», previa:

«1.      Cada um dos controlos in loco nos termos do presente capítulo […] é objeto de um relatório a estabelecer pela autoridade de controlo competente ou sob a responsabilidade desta.

O relatório divide‑se nas seguintes partes:

[…]

b)      Uma parte que indique separadamente os controlos efetuados relativamente a cada um dos atos e normas e que contenha, nomeadamente, as seguintes informações:

i)      os requisitos e normas submetidos ao controlo no local,

ii)      a natureza e extensão dos controlos efetuados,

iii)      as constatações;

iv)      os atos e normas relativamente aos quais foram detetados incumprimentos;

[…]

2.      Nos três meses seguintes à data do controlo in loco, o agricultor é informado de qualquer incumprimento constatado.

[…]

3.      […]

Quando a autoridade de controlo competente não for o organismo pagador, o relatório é enviado para o organismo pagador no prazo de um mês a contar da data da sua conclusão.

[…]»

17      O título IV da parte II do referido regulamento, intitulado «Base para o cálculo das ajudas, reduções e exclusões», continha um capítulo II, intitulado «Constatações relativas aos critérios de elegibilidade», cuja secção I era relativa ao «[r]egime de pagamento único e outros regimes de ajuda “superfícies”». O artigo 58.o do mesmo regulamento, que figurava nessa secção, sob a epígrafe «Reduções e exclusões nos casos de sobredeclaração», estabelecia:

«Se, relativamente a um grupo de culturas, a superfície declarada para efeitos de um regime de ajuda “superfícies” exceder a superfície determinada em conformidade com o artigo 57.o, a ajuda é calculada com base na superfície determinada, diminuída do dobro da diferença constatada, se esta for superior a 3 % ou a 2 hectares, mas não superior a 20 % da superfície determinada.

Se a diferença verificada for superior a 20 % da superfície determinada, não será concedida qualquer ajuda “superfícies” relativamente ao grupo de culturas em causa.

Se a diferença for superior a 50 %, o agricultor é excluído uma vez mais da ajuda num montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada em conformidade com o artigo 57.o do presente regulamento. Esse montante é deduzido em conformidade com o artigo 5.o‑B do Regulamento [n.o 885/2006] da Comissão. Se o montante não puder ser totalmente deduzido em conformidade com esse artigo nos três anos civis seguintes ao ano em que a diferença seja constatada, o saldo é anulado.»

18      O título IV da parte II do Regulamento n.o 1122/2009 incluía ainda um capítulo III, intitulado «Constatações relativas à condicionalidade». Inserido nesse capítulo, sob a epígrafe «Princípios gerais e definições», o artigo 70.o deste regulamento dispunha, no seu n.o 4:

«Os incumprimentos são considerados “constatados” se forem detetados em consequência de qualquer tipo de controlo efetuado em conformidade com o presente regulamento ou após serem dados a conhecer, de qualquer outro modo, à autoridade de controlo competente ou, se for caso disso, ao organismo pagador.»

19      O Regulamento n.o 1122/2009, aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal, uma vez que este diz respeito a uma ajuda no ano de 2013, foi revogado com efeitos a 1 de janeiro de 2015 pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 640/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo e às condições de recusa ou retirada de pagamentos, bem como às sanções administrativas aplicáveis aos pagamentos diretos, ao apoio ao desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 181, p. 48).

 Direito húngaro

20      O artigo 60.o, n.o 1, da mezőgazdasági, agrár‑vidékfejlesztési, valamint halászati támogatásokhoz és egyéb intézkedésekhez kapcsolódó eljárás egyes kérdéseiről szóló 2007. évi XVII. törvény (Lei XVII de 2007, sobre Aspetos Concretos do Procedimento de Concessão de Apoios e Outras Medidas em Matéria Agrícola, de Desenvolvimento Rural e de Pesca; a seguir «Lei dos Apoios»), prevê:

«Salvo disposição em contrário de um ato comunitário diretamente aplicável, o organismo responsável pela promoção da agricultura e do desenvolvimento rural recusará o pagamento do apoio correspondente ao beneficiário até ao montante devido por este relativamente às medidas de apoio, sendo a dívida assim considerada regularizada. Se o montante do apoio a que o beneficiário tem direito não cobrir integralmente dívidas constituídas a seu cargo, estas serão liquidadas pela ordem em que se vencerem.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21      FJ é um agricultor que apresentou, em 14 de maio de 2013, no Magyar Államkincstár (Tesouro Público, Hungria, a seguir «Autoridade de Primeiro Grau») um pedido de ajuda ao abrigo do regime de pagamento único por superfície relativo ao ano de 2013 (a seguir «pedido de ajuda de 2013»).

22      Na sequência de vários controlos no local efetuados durante os anos de 2013 e 2014, a Autoridade de Primeiro Grau, por Decisão de 30 de setembro de 2014, indeferiu o pedido de ajuda de 2013 e excluiu FJ da concessão do apoio até ao montante de 3 834 05 forintes húngaros (HUF) (cerca de 9 900 euros).

23      Por Despacho de 23 de junho de 2016, o Ministro da Agricultura, agindo na qualidade de Autoridade de Segundo Grau, anulou essa decisão por falta de fundamentação e ordenou à autoridade administrativa de primeiro grau que instaurasse um novo processo.

24      Esta última proferiu uma nova decisão sobre o pedido de ajuda de 2013 por Decisão de 9 de abril de 2018. No entanto, na sequência de uma reclamação de FJ, essa decisão foi anulada por Despacho do Ministro da Agricultura, de 13 de maio de 2019, que pela segunda vez ordenou à referida autoridade que instaurasse um novo processo.

25      Por Decisão de 27 de janeiro de 2020, a Autoridade de Primeiro Grau indeferiu novamente o pedido de ajuda de 2013 e excluiu FJ da concessão do apoio até ao montante de 4 253 460 forintes húngaros (HUF) (cerca de 11 000 euros) com fundamento no artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, relativo às penalidades em caso de sobredeclaração que exceda 50 % da superfície determinada. FJ não impugnou esta decisão.

26      Em 15 de maio de 2020, FJ apresentou a essa autoridade um pedido de ajuda ao abrigo do regime de pagamento único por superfície relativo ao ano de 2020.

27      Por Decisão de 20 de outubro de 2020, a referida autoridade concedeu a FJ, ao abrigo desse pedido de ajuda, um adiantamento de 235 564 forintes húngaros (HUF) (cerca de 600 euros).

28      No entanto, por Despacho de 21 de outubro de 2020, a mesma autoridade ordenou, por força do artigo 60.o, n.o 1, da Lei dos Apoios, a recuperação do montante total desse adiantamento, para efeitos da recuperação do montante da penalidade aplicada a FJ na sua Decisão de 27 de janeiro de 2020.

29      Por Despacho de 23 de fevereiro de 2021, o Ministro da Agricultura confirmou esse despacho, pelo facto de, por aplicação do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009 e do artigo 60.o, n.o 1, da Lei dos Apoios, a recuperação do montante dessa penalidade podia ocorrer num prazo de três anos a contar da Decisão de 27 de janeiro de 2020.

30      FJ interpôs recurso do Despacho de 23 de fevereiro de 2021 no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Sustenta que, ao equiparar o ano da constatação, referido no artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, ao ano em que foi proferida a decisão definitiva sobre o seu pedido de ajuda, o Ministro da Agricultura não teve em conta o artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005, que define o conceito de «auto» em caso de irregularidade cometida no âmbito do financiamento da política agrícola comum.

31      FJ alega que, no caso em apreço, o ano da constatação corresponde, tendo em conta esse conceito de «auto», ao ano de 2013 ou, na sua falta, ao ano de 2014, durante os quais foram efetuados os controlos no local, foram elaborados os relatórios desses controlos e foi adotada a primeira decisão com base nos referidos controlos. Por conseguinte, em conformidade com o artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, o montante da penalidade em causa, que não foi cobrado nos três anos civis seguintes a 2014, deve ser anulado.

32      No órgão jurisdicional de reenvio, o Ministro da Agricultura persiste em sustentar que, uma vez que esta penalidade foi aplicada pela Decisão de 27 de janeiro de 2020, é o ano dessa decisão que deve ser considerado o ano da constatação.

33      A este respeito, antes de mais, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se o conceito de «constatação», para efeitos do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, que não é definido neste regulamento, deve ser interpretado tendo em consideração o conceito de «auto», na aceção do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005. Salienta que este artigo 35.o é introduzido pela expressão «[p]ara fins do presente capítulo», pelo que pode ser aplicável apenas em relação às demais disposições do título IV, capítulo 2, desse regulamento, relativo às irregularidades. Todavia, não exclui que o conceito de «auto», na aceção do referido artigo 35.o, possa valer igualmente para a cobrança da penalidade prevista no artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, uma vez que este faz referência ao artigo 5.o‑B do Regulamento n.o 885/2006 e que este último regulamento estabelece as regras de execução do Regulamento n.o 1290/2005.

34      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, com base nos factos do processo principal, existem três interpretações possíveis do conceito de «auto», na aceção do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005.

35      Segundo a primeira interpretação, defendida pelo Ministro da Agricultura, o auto é a decisão que põe definitivamente termo ao procedimento de pedido de ajuda. Esta interpretação é coerente com o objeto de tal decisão, pela qual a autoridade procede ao apuramento dos factos e os qualifica juridicamente. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto a saber se a referida interpretação é conforme com a intenção do legislador da União, expressa nos considerandos 92 e 101 do Regulamento n.o 1122/2009, de garantir o respeito dos princípios da proporcionalidade, da gradualidade e da boa‑fé no âmbito da redução e da exclusão das ajudas, nomeadamente quando, como no caso em apreço, a autoridade profere a sua decisão definitiva sobre o pedido de ajuda sete anos após a sua apresentação e depois de duas decisões anteriores sobre esse pedido terem sido anuladas devido à sua ilegalidade.

36      De acordo com a segunda interpretação, o auto é o controlo no local efetuado pela autoridade competente. Com efeito, essa fiscalização pode ser considerada a primeira avaliação por escrito a que esta autoridade procede para concluir pela existência de uma irregularidade com base em factos concretos. O órgão jurisdicional de reenvio observa que, na hipótese de a referida autoridade proceder a vários controlos no local, esta interpretação suscita a questão de saber se o auto designa o primeiro ou o último desses controlos.

37      Segundo a terceira interpretação, o auto é a primeira decisão proferida pela autoridade competente no âmbito do procedimento de pedido de ajuda. Trata‑se, no caso em apreço, da Decisão de 30 de setembro de 2014. Esta interpretação é corroborada pelos próprios termos do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005, que faz referência ao «primeiro auto» e especifica que este é aplicável sem prejuízo de posterior revisão ou revogação desse ato.

38      Por último, se a definição do conceito de «auto» que figura no artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 não for aplicável para efeitos da interpretação do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre qual é o ano que pode ser considerado, no caso em apreço, o ano do auto.

39      Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O conceito de auto, na aceção do artigo 35.o do [Regulamento n.o 1290/2005] relativo ao financiamento da política agrícola comum, é aplicável para efeitos de interpretação e aplicação do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do [Regulamento n.o 1122/2009]?

2.      Em caso de resposta afirmativa à questão prejudicial anterior, deve o conceito de auto na aceção do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 ser interpretado no sentido de que o ano civil correspondente ao primeiro auto administrativo ou judicial é o ano civil em que a autoridade que conhece do procedimento administrativo instaurado com base no pedido

–        realiza a primeira diligência destinada à recolha de provas em que deteta a existência de uma irregularidade, isto é, no caso, o ano em que foi lavrado o auto que contém as conclusões do controlo no local, ou

–        profere a primeira decisão de fundo com base na diligência destinada à recolha de provas, ou

–        profere, no âmbito do procedimento, a decisão final e definitiva de exclusão?

3.      É relevante, para efeitos da resposta à questão prejudicial anterior, o facto de a avaliação escrita que constitui o auto poder ser posteriormente retirada ou revista em virtude do direito de recurso conferido pela lei à pessoa em causa e não devido a alterações relativas ao processo administrativo ou judicial?

4.      Se o ano civil do auto for o da primeira diligência destinada à recolha de provas e, como se verifica no presente processo, essa diligência consistir num controlo no local realizado em diferentes ocasiões, deve o conceito de primeira diligência destinada à recolha de provas constante do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 ser interpretado no sentido de que corresponde ao primeiro controlo no local da autoridade ou no sentido de que corresponde ao último controlo desta no local, no âmbito do qual foram também tidas em conta as observações e provas apresentadas pela pessoa em causa?

5.      Em caso de resposta negativa à primeira questão prejudicial, isso altera de algum modo o conteúdo anteriormente definido do auto que deve ser tido em conta para efeitos do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009?»

 Quanto às questões prejudiciais

40      Com as suas cinco questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «constatação», para efeitos do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, deve ser interpretado — sendo caso disso à luz do conceito de «auto», na aceção do artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 — no sentido de que visa, na hipótese de o agricultor ter sido objeto de um controlo in loco, o relatório elaborado na sequência desse controlo e que constata a existência de irregularidades no pedido de ajuda em causa, ou no sentido de que visa a primeira decisão de mérito adotada com base nesse relatório, ou ainda no sentido de que visa a decisão definitiva que determina a exclusão da ajuda.

41      Em primeiro lugar, importa salientar, por um lado, que as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio sobre a possibilidade de ter em conta o artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 para efeitos da interpretação do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009 se explicam, nomeadamente, pelo facto de, na versão em língua húngara desses regulamentos, essas duas disposições utilizarem um único e mesmo termo, a saber, «ténymegállapítás». Ora, embora algumas versões linguísticas destas também utilizem uma única e mesma expressão, como as versões alemã («Feststellung») e inglesa («finding»), ou, pelo menos, expressões próximas, como a versão francesa (respetivamente, «acte de constat» e «constatation»), outras versões linguísticas das referidas disposições utilizam conceitos distintos, como as versões espanhola (respetivamente, «ato de comprobación» e «se haya descubierto la irregularidad»), croata (respetivamente, «nalaz» e «kada je utvrđen»), italiana (respetivamente, «verbale» e «accertamento») ou portuguesa (respetivamente, «auto» e «a diferença seja constatada»).

42      Por outro lado, embora estes dois regulamentos façam parte da política agrícola comum, há que observar que o Regulamento n.o 1290/2005 tem um alcance geral, na medida em que, em conformidade com o seu artigo 1.o e o seu artigo 2.o, n.o 1, determina as condições e as regras específicas aplicáveis ao financiamento das despesas abrangidas por essa política e institui os dois fundos de financiamento dessas despesas, a saber, o FEAGA e o FEADER, ao passo que o Regulamento n.o 1122/2009 visa, de forma mais específica, aplicar o Regulamento n.o 73/2009 no que respeita a certos aspetos dos regimes de apoio direto aos agricultores.

43      Mais precisamente, o artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 figura no capítulo 2 do título IV deste regulamento, que tem nomeadamente por objeto determinar, em caso de falta de recuperação das despesas na sequência de irregularidades cometidas pelos beneficiários, a repartição do encargo financeiro entre os Estados‑Membros e a União Europeia.

44      Para este efeito, este artigo 35.o prevê uma definição do auto administrativo ou judicial, circunscrevendo‑a expressamente «[p] ara efeitos do presente capítulo», a saber, o capítulo 2, no qual figuram os artigos 32.o a 35.o do referido regulamento, o que tende a excluir a sua pertinência para a interpretação de outras disposições.

45      Por seu turno, o artigo 58.o do Regulamento n.o 1122/2009 não visa os encargos financeiros que devem suportar os Estados‑Membros e a União, mas as sanções a que devem estar sujeitos os agricultores que tenham efetuado uma sobredeclaração.

46      Nestas condições, há que considerar que o artigo 35.o do Regulamento n.o 1290/2005 não é pertinente para efeitos da interpretação do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009.

47      Em segundo lugar, segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição do direito da União, há que tomar simultaneamente em conta os termos desta disposição, o seu contexto e os objetivos da regulamentação de que faz parte (Acórdão de 27 de janeiro de 2021, De Ruiter, C‑361/19, EU:C:2021:71, n.o 39 e jurisprudência referida).

48      A este respeito, há que observar, primeiro, que o artigo 58.o do Regulamento n.o 1122/2009 estabelece, como decorre da sua epígrafe, reduções e exclusões em caso de sobredeclarações. As sobredeclarações referem‑se aos casos em que um agricultor que tenha pedido, para um grupo de culturas, uma ajuda a título de um dos regimes de ajudas «superfícies» — que incluem, nomeadamente, como resulta do artigo 2.o, segundo parágrafo, ponto 12, deste regulamento, o regime de pagamento único por superfície em causa no processo principal, previsto no título V do Regulamento n.o 73/2009 — declara no seu pedido de ajuda uma superfície superior à «superfície determinada». Esta é definida no artigo 2.o, segundo parágrafo, ponto 23, do Regulamento n.o 1122/2009 como a superfície relativamente à qual tenham sido cumpridos todos os requisitos regulamentares para a concessão dessa ajuda.

49      Nos termos do artigo 58.o, terceiro parágrafo, deste regulamento, se a diferença constatada entre a superfície declarada no pedido de ajuda e a superfície determinada exceda 50 % desta última, o agricultor será penalizado num montante igual ao montante correspondente a essa diferença. Este montante é recuperado em conformidade com o artigo 5.o‑B do Regulamento n.o 885/2006, a saber, deduzindo‑o de qualquer pagamento futuro a efetuar a esse agricultor. Dito isto, se o montante não puder ser totalmente deduzido em conformidade com este último artigo nos três anos civis seguintes ao ano em que a diferença seja constatada, o saldo é anulado.

50      Assim, os termos deste artigo 58.o não permitem, por si só, identificar de forma clara o sentido a dar ao conceito de «constatação» que nele figura.

51      No que respeita, segundo, ao contexto do artigo 58.o do Regulamento n.o 1122/2009, há que salientar que os termos «constatação» ou «constatada» aparecem várias vezes neste regulamento.

52      A este respeito, o artigo 32.o do referido regulamento, que diz respeito aos controlos in loco relativos aos critérios de elegibilidade — a saber, como resulta do artigo 21.o do Regulamento n.o 73/2009, as condições, previstas neste último regulamento, exigidas para poder beneficiar de uma ajuda —, é particularmente pertinente para a interpretação contextual do artigo 58.o do Regulamento n.o 1122/2009, na medida em que este último artigo diz respeito, como decorre do n.o 17 do presente acórdão, às constatações relativas a esses critérios.

53      O artigo 32.o desse regulamento prevê, antes de mais, que cada controlo in loco relativo aos critérios de elegibilidade é objeto de um relatório que permita passar em revista os pormenores dos controlos realizados. Em seguida, o agricultor tem a possibilidade de assinar o relatório e, se forem constatadas irregularidades, recebe uma cópia do mesmo. Por último, se o controlo in loco tiver sido efetuado por teledeteção e forem detetadas irregularidades, o agricultor tem a possibilidade de assinar o relatório antes de a autoridade competente chegar a uma conclusão quanto a eventuais reduções ou exclusões com base nas constatações.

54      Decorre assim claramente deste artigo 32.o, por um lado, que as irregularidades são constatadas no relatório de controlo e, por outro, que a autoridade competente, para decidir das eventuais reduções ou exclusões, toma por base as verificações efetuadas nesse relatório.

55      Daqui resulta que o conceito de «constatação», para efeitos do Regulamento n.o 1122/2009 e, em especial, do seu artigo 58.o, terceiro parágrafo, corresponde às constatações sobre as irregularidades reveladas no decurso de um controlo in loco, conforme figuram no relatório de controlo elaborado nessa ocasião.

56      Esta interpretação é corroborada pelo artigo 54.o do Regulamento n.o 1122/2009, relativo aos relatórios de controlo que a autoridade competente deve estabelecer na sequência de qualquer controlo in loco relativo à condicionalidade — a saber, como resulta do artigo 2.o, segundo parágrafo, ponto 31, deste regulamento, os requisitos legais de gestão e as boas condições agrícolas e ambientais, em conformidade com os artigos 5.o e 6.o do Regulamento n.o 73/2009 — lido à luz dos considerandos 73 e 90 do Regulamento n.o 1122/2009. Com efeito, este artigo 54.o prevê, nomeadamente, por um lado, que esses relatórios devem conter, entre outras, as constatações feitas por ocasião desse controlo e, por outro, que, quando a autoridade de controlo competente não for o organismo pagador, os referidos relatórios são enviados a este último. Ora, como resulta dos considerandos 73 e 90 deste regulamento, as constatações que figuram nos relatórios de controlo permitem ao referido organismo pagador fixar as reduções ou exclusões pertinentes.

57      Por outro lado, o artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1122/2009, relativo às reduções e exclusões relacionadas com a condicionalidade, dispõe que são considerados «constatados» os incumprimentos detetados na sequência de qualquer controlo efetuado em conformidade com esse regulamento ou que tenha sido comunicado à autoridade de controlo competente ou, se for caso disso, ao organismo pagador, de qualquer outro modo. Assim, esta disposição reafirma não só que, regra geral, as constatações decorrem diretamente dos controlos efetuados em conformidade com o referido regulamento, mas também que se podem considerar constatadas irregularidades correspondentes a casos de incumprimento que tenham sido simplesmente levados ao conhecimento de uma autoridade, seja de que maneira for. Afigura‑se, portanto, que o conceito de «constatação», para efeitos do mesmo regulamento, reveste caráter informal e que, por conseguinte, não deve necessariamente materializar‑se numa decisão administrativa de fundo adotada com base num relatório de controlo.

58      Em terceiro lugar, a interpretação que figura no n.o 55 do presente acórdão é corroborada pelos objetivos prosseguidos pelo artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009.

59      A este respeito, importa referir o princípio da segurança jurídica, que o Tribunal de Justiça tem em conta no domínio das ajudas pagas aos agricultores (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2021, De Ruiter, C‑361/19, EU:C:2021:71, n.o 35 e jurisprudência referida), em especial quando se trata de disposições relativas a sanções administrativas, como é o caso das regras relativas à exclusão de uma ajuda (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2006, Haug, C‑286/05, EU:C:2006:296, n.o 22). Com efeito, o artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, na medida em que fixa um prazo para a aplicação de uma sanção administrativa, visa precisamente garantir a segurança jurídica dos agricultores.

60      O princípio da segurança jurídica exige que a legislação da União permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe e que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 25 de julho de 2018, Teglgaard e Fløjstrupgård, C‑239/17, EU:C:2018:597, n.o 52 e jurisprudência referida).

61      Ora, fazer depender o conceito de «constatação», para efeitos do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, das contingências do procedimento administrativo — e, eventualmente, judicial — nacional seria, como demonstram os factos do litígio no processo principal, suscetível de tornar dificilmente previsíveis para o agricultor em causa as consequências financeiras que terá de suportar no caso de decidir apresentar um novo pedido de ajuda e de essa ajuda ser objeto de uma retenção parcial ou total devido a irregularidades detetadas mais de três anos civis antes.

62      A este respeito, importa recordar que resulta da decisão de reenvio que, no litígio no processo principal, devido à anulação, por duas vezes, das decisões adotadas pela Autoridade de Primeiro Grau, decorreram mais de sete anos entre o momento em que teve lugar o primeiro controlo in loco relativamente ao pedido de ajuda em causa, em junho de 2013, e o momento em que as autoridades nacionais procederam à recuperação da penalidade por sobredeclaração, em outubro de 2020.

63      Assim, no caso em apreço, há que considerar que o ano em que a diferença foi constatada, na aceção do artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009, corresponde ao ano civil em que foi elaborado o relatório de controlo emitido na sequência de um controlo in loco e que constata a existência de irregularidades no pedido de ajuda em causa.

64      Na medida em que, no processo principal, ocorreram vários controlos in loco durante os anos de 2013 e 2014, importa precisar que é ao juiz nacional, único competente para apreciar os factos, que caberá determinar qual desses controlos permitiu fundamentar de forma definitiva, devido às irregularidades constatadas, a sanção posteriormente adotada pelas autoridades nacionais, a saber, a exclusão da ajuda por um montante calculado em conformidade com o artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009.

65      Em face das considerações anteriores, há que responder às questões submetidas que o artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1122/2009 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «constatação», para efeitos dessa disposição, abrange, na hipótese de o agricultor ter sido objeto de um controlo in loco, o relatório elaborado na sequência desse controlo e que constata a existência de irregularidades no pedido de ajuda em causa.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 58.o, terceiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.o 1122/2009 da Comissão, de 30 de novembro de 2009, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho no que respeita à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo, no âmbito dos regimes de apoio direto aos agricultores previstos no referido regulamento, bem como regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho no que respeita à condicionalidade no âmbito do regime de apoio previsto para o setor vitivinícola, conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1368/2011 da Comissão, de 21 de dezembro de 2011,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «constatação», para efeitos dessa disposição, abrange, na hipótese de o agricultor ter sido objeto de um controlo in loco, o relatório elaborado na sequência desse controlo e que constata a existência de irregularidades no pedido de ajuda em causa.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.


i      O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.