Language of document : ECLI:EU:C:2024:337

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

18 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Funcionários da União Europeia — Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia — Inscrição obrigatória no regime de segurança social das instituições da União — Funcionário da União que exerce uma atividade profissional complementar como independente — Sujeição às contribuições para a segurança social imposta pela legislação do Estado‑Membro no qual esta atividade é exercida»

No processo C‑195/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 13 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de março de 2023, no processo

GI

contra

Partena, Assurances sociales pour travailleurs indépendants ASBL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de GI, por J.‑F. Neven, avocat,

–        em representação do Governo Belga, por S. Baeyens, C. Pochet e A. Van Baelen, na qualidade de agentes, assistidos por S. Rodrigues e A. Tymen, avocats,

–        em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por T. S. Bohr e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.° do Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (a seguir «Protocolo»), bem como do artigo 4.°, n.° 3, TUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe GI, funcionário da Comissão Europeia, à Partena, Assurances sociales pour travailleurs indépendants ASBL (a seguir «Partena»), associação sem fins lucrativos, a respeito da sujeição de GI ao regime belga de segurança social dos trabalhadores independentes no âmbito de uma atividade profissional acessória.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Protocolo

3        O artigo 12.° do Protocolo tem a seguinte redação:

«Os funcionários e outros agentes da União [Europeia] ficam sujeitos a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por ela pagos e que reverterá em seu benefício, nas condições e segundo o processo estabelecido pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho [da União Europeia], por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às instituições interessadas.

Os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União.»

4        O artigo 14.° do Protocolo enuncia:

«O Parlamento [...] e o Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às instituições interessadas, estabelecem o regime das prestações sociais aplicáveis aos funcionários e outros agentes da União.»

 Estatuto

5        O artigo 12.°‑B, n.° 1, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Estatuto»), dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 15.°, o funcionário que deseje exercer uma atividade externa, remunerada ou não, ou exercer funções estranhas à União, deve obter previamente a autorização da entidade competente para proceder a nomeações. Essa autorização só lhe será recusada se a atividade ou funções em causa forem de natureza a interferir com o desempenho das suas funções na instituição a que pertence ou forem incompatíveis com os interesses desta.»

6        O artigo 72.° do Estatuto prevê:

«1.      Até ao limite de 80 % das despesas efetuadas e com base numa regulamentação estabelecida de comum acordo pelas entidades competentes para proceder a nomeações das instituições da União após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário [...] [está coberto] contra os riscos de doença. [...]

[...]

A terça parte da contribuição necessária para assegurar esta cobertura está a cargo do beneficiário, não podendo esta comparticipação ultrapassar 2 % do seu vencimento‑base.

[...]»

7        O artigo 73.°, n.° 1, do Estatuto tem a seguinte redação:

«Em conformidade com o estatuído em regulamentação estabelecida de comum acordo pelas [...] instituições da União, após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário está coberto, desde a data de início de funções, contra os riscos de doença profissional e acidentes. O funcionário contribui obrigatoriamente até ao limite de 0,1 % do seu vencimento‑base, para a cobertura de riscos não profissionais.

[...]»

 Regulamentação Comum

8        Para definir as condições de aplicação do artigo 72.° do Estatuto, as instituições da União adotaram a Regulamentação Comum relativa à Cobertura dos Riscos de Doença dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Regulamentação Comum»).

9        O artigo 1.° desta regulamentação dispõe que, nos termos do artigo 72.° do Estatuto, é instituído um regime de seguro de doença comum às instituições da União (RCSD).

10      O artigo 2.° da referida regulamentação prevê:

«1.      Consideram‑se inscritos no presente regime:

—      os funcionários,

—      os agentes temporários,

[...]»

11      O artigo 4.° da Regulamentação Comum tem a seguinte redação:

«Sempre que um funcionário, agente temporário ou agente contratual seja colocado num país onde, por força da legislação nacional, fique sujeito a um regime de seguro obrigatório de riscos de doença, as cotizações devidas serão integralmente pagas por conta do orçamento da instituição de que dependa o interessado, sendo, em tal caso, aplicável o artigo 22.° da presente regulamentação.»

12      Nos termos do artigo 22.° da Regulamentação Comum:

«1.      Sempre que um inscrito ou uma pessoa segurada em função dele tenham direito ao reembolso de despesas a título de outro seguro de doença legal ou regulamentar, o inscrito deve:

a)      Declarar tais despesas junto do Serviço de Liquidação;

b)      Requerer, ou, se for caso disso, solicitar que seja requerido prioritariamente o reembolso garantido pelo outro regime. Contudo, se houver obrigação de contribuir para dois regimes, os inscritos no presente regime podem escolher o regime ao qual requerem o reembolso das prestações de que beneficiaram, tendo presente que o regime comum intervém a título de regime complementar nos casos em que não intervenha como regime primário;

c)      Anexar a cada pedido de reembolso apresentado a título do presente regime uma lista e documentação comprovativa dos reembolsos que o inscrito ou a pessoa segurada em função dele obtiveram ao abrigo do outro regime.

2.      O regime comum intervém a título de regime complementar no reembolso das prestações, desde que o outro regime tenha reembolsado previamente as prestações por este cobertas.

Se uma prestação não coberta pelo regime primário for coberta pelo regime comum, é este último que intervém a título de regime primário.

[...]»

 Regulamento n.° 883/2004

13      O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1), dispõe:

«O presente regulamento aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro, aos apátridas e refugiados residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.»

14      O artigo 11.°, n.° 1, deste regulamento prevê:

«As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.»

 Direito belga

15      O artigo 1.° do arrêté royal n.° 38, organisant le statut social des travailleurs indépendants (Decreto Real n.° 38, que regula o Estatuto Social dos Trabalhadores Independentes), de 27 de julho de 1967 (Moniteur belge de 29 de julho de 1967, p 8071), na versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê:

«Os trabalhadores independentes e os cuidadores estão sujeitos ao presente decreto e devem, a esse título, cumprir as obrigações que este lhes impõe.»

16      O artigo 3.°, n.° 1, deste decreto enuncia:

«Para efeitos do presente decreto, considera‑se trabalhador independente qualquer pessoa singular que exerça na Bélgica uma atividade profissional em razão da qual não esteja vinculada por um contrato de trabalho ou estatuto.

Presume‑se, até prova em contrário, que se encontra nas condições de sujeição referidas no parágrafo anterior qualquer pessoa que exerça na Bélgica uma atividade profissional suscetível de produzir rendimentos [...]»

17      O artigo 10.°, n.° 1, do referido decreto dispõe:

«[...] qualquer pessoa sujeita ao presente decreto é obrigada, antes do início da sua atividade profissional independente, a inscrever‑se num fundo de segurança social para trabalhadores independentes [...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

18      O recorrente no processo principal, funcionário da União desde 1 de setembro de 2007, entrou ao serviço da Comissão em agosto de 2010.

19      Desde outubro de 2015, exerce uma atividade complementar de docência remunerada, à razão de um máximo de 20 horas de aulas por ano, para a qual, em conformidade com o Estatuto, obteve a autorização exigida pela Comissão.

20      Por carta de 4 de julho de 2018, o Institut national d’assurances sociales pour travailleurs indépendants (Instituto Nacional de Segurança Social para Trabalhadores Independentes, Bélgica), encarregado de verificar se os trabalhadores independentes estão inscritos num fundo de segurança social, informou o recorrente no processo principal de que este se deveria inscrever num fundo de segurança social, uma vez que exercia uma atividade profissional de trabalhador independente desde 1 de outubro de 2015 na qualidade de docente.

21      Consequentemente, o recorrente no processo principal inscreveu‑se na Partena e pagou as contribuições para a segurança social reclamadas, no montante de 3 242,09 euros.

22      Todavia, considerando que a sua sujeição ao regime belga de segurança social dos trabalhadores independentes é contrária ao princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável aos funcionários das instituições da União, o recorrente no processo principal interpôs um recurso contra a Partena no tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), o órgão jurisdicional de reenvio, com vista a pôr termo à sua sujeição e ao reembolso das contribuições para a segurança social pagas.

23      Nestas circunstâncias, o tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O [Protocolo], designadamente o seu artigo 14.°, o princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados, no ativo ou reformados, e o princípio da cooperação leal conforme resulta do artigo 4.°, n.° 3, do [TUE], opõem‑se a que um Estado‑Membro imponha a sujeição a um regime nacional de segurança social e exija o pagamento de [contribuições para a segurança social] a um funcionário que, em complemento da sua atividade ao serviço de uma instituição europeia, exerce, com autorização desta última, uma atividade acessória de docência, quando esse funcionário já se encontra sujeito, por força do [Estatuto], ao [regime de segurança social das instituições] da União Europeia?»

 Quanto à questão prejudicial

24      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.° do Protocolo, o princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável, conforme previsto no Regulamento n.° 883/2004, e o princípio da cooperação leal, conforme consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro que impõe a sujeição ao regime de segurança social desse Estado‑Membro de um funcionário da União que exerce uma atividade profissional acessória de docência no território do referido Estado‑Membro.

25      A este respeito, há que recordar que, no que respeita ao princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável, conforme previsto no artigo 11.° do Regulamento n.° 883/2004, este regulamento instituiu um sistema de coordenação relativo, designadamente, à determinação da legislação ou das legislações aplicáveis aos trabalhadores assalariados e não assalariados que exerçam, em diferentes circunstâncias, o seu direito de livre circulação. O caráter completo deste sistema de normas de conflitos tem por efeito retirar ao legislador de cada Estado‑Membro o poder de determinar como bem entender o âmbito e as condições de aplicação da sua legislação nacional quanto às pessoas que a ela estão sujeitas e quanto ao território no qual as disposições nacionais produzem os seus efeitos. Assim, o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 883/2004 dispõe expressamente que as pessoas às quais este regulamento se aplica estão sujeitas apenas à legislação de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.os 29 e 30).

26      Este princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável visa evitar as complicações que podem resultar da aplicação simultânea de várias legislações nacionais e eliminar as desigualdades de tratamento que, para as pessoas que se deslocam no interior da União, seriam a consequência de uma cumulação parcial ou total das legislações aplicáveis (Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.° 37).

27      Ora, o referido princípio não é aplicável aos funcionários da União, que não estão sujeitos a uma legislação nacional em matéria de segurança social, conforme prevista no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 883/2004, que define o âmbito de aplicação pessoal do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 31 e jurisprudência referida).

28      Efetivamente, com exclusão dos Estados‑Membros, a União tem competência exclusiva para determinar as regras aplicáveis aos funcionários da União no que respeita às suas obrigações em matéria de segurança social. O regime de segurança social das instituições da União foi fixado, em conformidade com o artigo 14.° do Protocolo, pelo Parlamento e pelo Conselho, através do regulamento que estabelece o Estatuto (Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.os 32 a 33 e jurisprudência referida).

29      Ora, por um lado, deve considerar‑se que o artigo 14.° do Protocolo implica a subtração à competência dos Estados‑Membros da obrigação de inscrição dos funcionários da União num regime nacional de segurança social e da obrigação, para estes funcionários, de contribuir para o financiamento de tal regime (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 34 e jurisprudência referida).

30      O Tribunal de Justiça declarou, aliás, que o artigo 14.° do Protocolo e as disposições do Estatuto em matéria de segurança social desempenham, relativamente aos funcionários da União, uma função análoga à do artigo 11.° do Regulamento n.° 883/2004, que consiste em proibir a obrigação, para esses funcionários, de contribuir para diferentes regimes nesta matéria (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C‑690/15, EU:C:2017:355, n.° 45).

31      Daqui decorre que só o legislador da União tem competência para determinar, como entender, o alcance e as condições de aplicação das disposições em matéria de segurança social quanto aos efeitos que produzem e quanto às pessoas que a elas estão sujeitas.

32      Por outro lado, o Estatuto, que reveste todas as características previstas no artigo 288.° TFUE, é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável em qualquer Estado‑Membro, pelo que o respeito das suas disposições também se impõe aos Estados‑Membros (Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 35 e jurisprudência referida).

33      Neste contexto, resulta do artigo 72.°, n.° 1, e do artigo 73.° do Estatuto, que todos os funcionários e agentes temporários ao serviço de uma instituição da União estão cobertos contra os riscos de doença, desde a data de início de funções.

34      No caso em apreço, é pacífico que o recorrente no processo principal é funcionário da União desde 1 de setembro de 2007 e que está ao serviço da Comissão desde agosto de 2010. Por conseguinte, devido à sua relação laboral com esta última, está abrangido pelo regime de segurança social das instituições da União, em aplicação do artigo 72.°, n.° 1, do Estatuto, mesmo que exerça uma atividade profissional acessória autorizada pela Comissão nos termos do artigo 12.°‑B, n.° 1, do Estatuto, num Estado‑Membro.

35      Assim, a regulamentação de um Estado‑Membro que sujeita ao regime de segurança social do mesmo Estado um funcionário da União que exerce uma atividade profissional acessória no referido Estado‑Membro viola a competência exclusiva atribuída à União, tanto pelo artigo 14.° do Protocolo como pelas disposições pertinentes do Estatuto, para determinar as regras aplicáveis aos funcionários da União no que respeita às suas obrigações em matéria de segurança social.

36      Com efeito, embora os Estados‑Membros mantenham a sua competência para organizar os respetivos sistemas de segurança social, devem, não obstante, no exercício desta competência, respeitar o direito da União, incluindo as disposições do Protocolo e do Estatuto relativas às regras em matéria de segurança social que regulam a situação jurídica dos funcionários da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 43 e jurisprudência referida).

37      Por outro lado, uma regulamentação nacional como a referida no n.° 35 do presente acórdão seria contrária ao princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, por força do qual a União e os Estados‑Membros se respeitam e assistem mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.

38      Efetivamente, uma tal legislação arriscar‑se‑ia a romper a igualdade de tratamento entre funcionários da União e, por conseguinte, desencorajaria o exercício de uma atividade profissional numa instituição da União, tendo em conta que certos funcionários seriam obrigados a contribuir não apenas para o regime de segurança social das instituições da União mas também para um regime de segurança social nacional (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C‑690/15, EU:C:2017:355, n.° 47).

39      Por último, há que considerar que a referida interpretação não é posta em causa por nenhum dos argumentos invocados pelo Reino da Bélgica e pela República Checa nas suas observações escritas.

40      No que respeita, por um lado, ao argumento segundo o qual as remunerações que não são pagas pela União são alheias a esta e devem, por conseguinte, ser tributadas pelo Estado‑Membro competente em matéria fiscal e, por conseguinte, estar sujeitas às contribuições para a segurança social desse Estado‑Membro, importa recordar que existe uma clara distinção entre as obrigações em matéria de segurança social dos funcionários da União e as obrigações fiscais desses funcionários, que apenas beneficiam, por força do artigo 12.° do Protocolo, de uma isenção dos impostos nacionais sobre os seus vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União. Assim, embora estes vencimentos, salários e emolumentos estejam exclusivamente sujeitos, quanto à sua eventual tributação, ao direito da União, os outros rendimentos dos referidos funcionários continuam sujeitos à tributação dos Estados‑Membros. Em contrapartida, no que respeita às obrigações em matéria de segurança social, o funcionário da União está exclusivamente sujeito ao regime de segurança social das instituições da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 48).

41      Com efeito, a competência exclusiva atribuída ao legislador da União para fixar o regime das contribuições para a segurança social dos funcionários da União aplica‑se às contribuições sociais que um Estado‑Membro cobra sobre qualquer tipo de rendimento e, portanto, também sobre um rendimento que remunere uma atividade acessória autorizada pelo empregador (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C‑690/15, EU:C:2017:355, n.° 48 e jurisprudência referida).

42      No que respeita, por outro lado, ao argumento segundo o qual os regimes de segurança social de todos os Estados‑Membros se baseiam na solidariedade, uma vez que as contribuições nunca são proporcionais às prestações nem são condicionadas pelo próprio recurso às prestações, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a existência ou a inexistência de contrapartida em termos de prestações é irrelevante no âmbito da questão de saber se a imposição em causa está abrangida pelo regime de segurança social (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2023, Acerta e o., C‑415/22, EU:C:2023:881, n.° 47 e jurisprudência referida).

43      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 14.° do Protocolo, o princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável, conforme previsto no Regulamento n.° 883/2004, e o princípio da cooperação leal, conforme consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro que impõe a sujeição ao regime de segurança social desse Estado‑Membro de um funcionário da União que exerce uma atividade profissional acessória de docência no território do referido Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 14.° do Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, o princípio da unicidade do regime de segurança social aplicável, conforme previsto no Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, e o princípio da cooperação leal, conforme consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem à legislação de um EstadoMembro que impõe a sujeição ao regime de segurança social desse EstadoMembro de um funcionário da União Europeia que exerce uma atividade profissional acessória de docência no território do referido EstadoMembro.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.