CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 24 de novembro de 2022(1)
Processo C‑528/21
M. D.
contra
Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Budapesti és Pest Megyei Regionális Igazgatósága
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria)]
«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Fronteiras, asilo e imigração — Nacional de um país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro — Diretiva 2008/115/CE — Proibição de entrada e de permanência — Nacional de um Estado terceiro progenitor de um cidadão europeu menor de idade — Ameaça para a ordem pública e para a segurança nacional — Artigo 25.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen — Dever de consulta — Regulamento (CE) 1987/2006 — Indicação para efeitos de não admissão no espaço Schengen»
1. No âmbito deste reenvio prejudicial, coloca‑se, entre outras, a questão de saber se o direito da União (incluindo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a seguir «Carta») é compatível com a proibição de entrada e de permanência (2) no território de um Estado‑Membro, decidida pelas suas autoridades relativamente a um nacional de um país terceiro, sem que, aparentemente, a sua situação pessoal tenha sido avaliada, nomeadamente no que diz respeito ao facto de ser pai de um menor, cidadão da União, residente nesse Estado.
2. Na sequência dessa questão colocam‑se dois problemas a respeito:
– Da aplicabilidade da Diretiva 2008/115/CE (3) quando o nacional do país terceiro se encontra fora do território do Estado‑Membro no momento em que as suas autoridades decretaram a proibição de entrada.
– Da proporcionalidade que, nos termos do Regulamento (CE) n.o 1987/2006 (4), condiciona a introdução no Sistema de Informação de Schengen de segunda geração (a seguir «SIS II») de «indicações» para efeitos de não admissão e interdição de permanência.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União
1. Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (5)
3. Nos termos do seu artigo 25.o, n.o 2:
«Quando se verificar que um estrangeiro detentor de um título de residência válido, emitido por uma das partes contratantes, consta da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, a parte contratante que o indicou consultará a parte que emitiu o título de residência, a fim de determinar se existem motivos suficientes para lho retirar.
Se o título de residência não for retirado, a parte contratante que indicou o estrangeiro retirará o seu nome dessa lista, podendo, todavia, inscrevê‑lo na sua lista nacional de pessoas assinaladas.»
2. Regulamento n.o 1987/2006
4. O artigo 21.o («Proporcionalidade») tem a seguinte redação:
«Antes de emitir uma indicação, o Estado‑Membro verifica se o caso é adequado, pertinente e suficientemente importante para justificar a sua inserção no SIS II.
[…]»
5. O artigo 24.o («Condições para a emissão de indicações de não admissão ou de interdição de permanência») dispõe:
«1. Os dados relativos a nacionais de países terceiros indicados para efeitos de não admissão ou interdição de permanência são introduzidos com base numa indicação nacional resultante de uma decisão tomada pelas autoridades administrativas ou pelos órgãos jurisdicionais competentes de acordo com as regras processuais previstas pela legislação nacional, com base numa avaliação individual. Os recursos de tais decisões são tramitados nos termos do direito nacional.
2. Deve ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o n.o 1 se fundar no facto de a presença de um nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro constituir ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional […].
3. Também pode ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o n.o 1 se fundar no facto de recair sobre o nacional de um país terceiro uma medida de afastamento, de não admissão ou de expulsão não revogada nem suspensa que inclua ou seja acompanhada por uma interdição de entrada ou, se for caso disso, de permanência, fundada no incumprimento das regulamentações nacionais relativas à entrada ou à estada de nacionais de países terceiros.»
3. Diretiva 2008/115
6. O considerando 6 enuncia:
«Os Estados‑Membros deverão assegurar a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente. De acordo com os princípios gerais do direito comunitário, as decisões ao abrigo da presente diretiva deverão ser tomadas caso a caso e ter em conta critérios objetivos, sendo que a análise não se deverá limitar ao mero facto da permanência irregular […]»
7. Nos termos do considerando 14:
«Importa conferir uma dimensão europeia aos efeitos das medidas nacionais de regresso, mediante a previsão de uma proibição de entrada que impeça a entrada e a permanência no território de todos os Estados‑Membros […]»
8. Em conformidade com o artigo 3.o («Definições»), ponto 2, uma «situação irregular» consiste na «presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do Código das Fronteiras Schengen [(6)] ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro».
9. O artigo 3.o, ponto 6, define uma «proibição de entrada» como «uma decisão ou ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso».
10. Em conformidade com o artigo 5.o («Não‑repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde»):
«Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:
a) O interesse superior da criança;
b) A vida familiar;
[…]»
11. Nos termos do artigo 11.o («Proibição de entrada»), n.o 1:
«As decisões de regresso são acompanhadas de proibições de entrada sempre que:
a) Não tenha sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária; ou
b) A obrigação de regresso não tenha sido cumprida.
Nos outros casos, as decisões de regresso podem ser acompanhadas da proibição de entrada.»
B. Direito nacional
12. São pertinentes para este processo:
– Os artigos 33.o e 42.o da A szabad mozgás és tartózkodás jogával rendelkező személyek beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. Évi I. törvény (Lei I de 2007, Relativa à Entrada e Permanência das Pessoas com Direito de Livre Circulação e de Residência; a seguir «Lei I de 2007») (Magyar Közlöny 2007/1).
– Os artigos 43.o, 44.o e 45.o da A harmadik országbeli állampolgárok beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. Évi II. törvény (Lei II de 2007, Relativa à Entrada e Permanência de Nacionais de Países Terceiros; a seguir «Lei II de 2007») (Magyar Közlöny 2007/2).
13. O artigo 17.o da 2018. Évi CXXXIII. törvény az egyes migrációs tárgyú és kapcsolódó törvények módosításáról (Lei CXXXIII de 2018, que Altera Determinadas Leis Relativas à Migração e Outras Disposições Conexas, de 21 dezembro de 2018) (Magyar Közlöny 2018/133), em vigor desde 1 de janeiro de 2019, completou a Lei I de 2007 com um artigo 94.o, nos termos do qual:
«[…]
4) O título de residência ou o título de residência permanente do nacional de um país terceiro que disponha de um título de residência ou de um título de residência permanente válido enquanto membro da família de um cidadão húngaro é‑lhe retirado:
[…]
b) se a permanência do nacional do país terceiro comprometer a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional da Hungria.
[…]»
II. Matéria de facto (7), litígios e questões prejudiciais
14. M. D. é um nacional do Kosovo de origem sérvia que chegou à Hungria em 2002. Desde então tem vivido nesse país com a sua mulher e o seu filho menor, ambos de nacionalidade húngara, e com a sua mãe. Todos eles dependem economicamente dele.
15. M. D. fala corretamente húngaro. Na Hungria, é proprietário de uma empresa, de um bem imóvel e de diversos veículos. Tem igualmente um estabelecimento na Eslováquia, razão pela qual beneficiou neste país de uma autorização de residência por motivos de trabalho (8).
16. Desde 31 de maio de 2003 beneficiou de uma autorização de residência na Hungria, que foi prorrogada diversas vezes. Posteriormente, por ter um filho de nacionalidade húngara menor de idade, foi‑lhe concedido um título de residência temporária, válido até 20 de maio de 2021.
17. Em 12 de junho de 2018 requereu na Hungria um título de residência permanente.
18. O requerimento foi indeferido na primeira instância administrativa pela Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Budapesti és Pest Megyei Regionális Igazgatósága (Direção Regional em Budapeste e na região de Peste da Direção‑Geral Nacional da Polícia de Estrangeiros, Hungria) (9).
19. Esta decisão baseou‑se num relatório do Alkotmányvédelmi Hivatal (Gabinete para a Proteção da Constituição, Hungria), segundo o qual M. D. representava uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional, pelo que devia abandonar o país (10).
20. Em 27 de agosto de 2018, a Polícia de Estrangeiros declarou que o direito de residência de M. D. tinha expirado, facto que foi confirmado pela mesma autoridade, na segunda instância administrativa, em 26 de novembro de 2018.
21. Em 28 de maio de 2019, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) anulou a decisão de 26 de novembro de 2018 (11) e ordenou aos serviços de estrangeiros que tramitassem um novo procedimento em que tivessem em conta todas as circunstâncias, principalmente o facto de M. D. e a sua mulher viverem na Hungria numa casa com o filho menor, de nacionalidade húngara.
22. Em 29 de agosto de 2019, na sequência do novo procedimento, a Polícia de Estrangeiros recusou a M. D. o título de residência. Salientou que, tendo em conta as alterações legislativas em vigor desde 1 de janeiro de 2019, o procedimento tinha decorrido em conformidade com o artigo 94.o, n.o 4, alínea b), da Lei I de 2007 (12). Além disso, referiu que não podia afastar‑se do conteúdo dos pareceres do Gabinete para a Proteção da Constituição, na sua qualidade de autoridade especializada, e que não tinha qualquer margem de apreciação.
23. M. D. recorreu da decisão da Polícia de Estrangeiros no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital). Este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso, por considerar que os serviços de estrangeiros são obrigados a solicitar o parecer da autoridade especializada, que os vincula.
24. A Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) confirmou a sentença do Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital). Tendo em conta os documentos classificados que serviram de fundamento ao parecer da autoridade especializada, aceitou que a residência de M. D. na Hungria constituiria uma ameaça real e direta para a segurança nacional. Por esta razão, a apreciação da sua situação pessoal não podia conduzir a uma resposta diferente.
25. M. D. abandonou o território húngaro em 24 de setembro de 2020 (13).
26. Em 14 de outubro de 2020, a Polícia de Estrangeiros proibiu‑o de entrar na Hungria por um período de três anos e determinou que se introduzisse no SIS II uma indicação relativa a essa proibição.
27. A proibição baseou‑se nos seguintes factos:
– A permanência de M. D. na Hungria representava uma ameaça para a segurança nacional deste país (14).
– O Gabinete para a Proteção da Constituição, numa proposta de 30 de setembro de 2020, tinha recomendado a expulsão de M. D. e a adoção de uma proibição de entrada e de residência por um período de dez anos.
28. M. D. recorreu da proibição de entrada no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital). Alegou que a Polícia de Estrangeiros não cumpriu os seus deveres de aprofundar, ponderar e fundamentar os factos e as normas referidas na sua decisão, e que esta se baseia apenas na proposta de outra entidade administrativa. Invocou a seu favor, além da legislação nacional, o artigo 11.o da Diretiva 2008/115.
29. A Polícia de Estrangeiros pediu que fosse negado provimento ao recurso. Alegou que a sua decisão se baseava no artigo 43.o da Lei II de 2007, norma imperativa que exige que se aplique uma proibição autónoma de entrada ao nacional de um país terceiro residente no estrangeiro cuja entrada e permanência atentem contra a segurança nacional, e que estabelece também o caráter obrigatório das propostas dos organismos encarregados da segurança nacional. Além disso, dado que já tinha sido revogada a autorização de residência de M. D. (concedida devido à sua relação familiar), também não tinha o dever legal de ter em conta as suas circunstâncias familiares.
30. Neste contexto, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) submete ao Tribunal de Justiça quatro questões prejudiciais, das quais transcrevo as duas primeiras:
«1) Devem os artigos 5.o e 11.o da Diretiva [2008/115] e o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o, 20.o, 24.o e 47.o da Carta, ser interpretados no sentido de que se opõem à prática de um Estado‑Membro que alarga (o âmbito) de aplicação de uma reforma legislativa a processos repetidos por ordem judicial emitida em processos anteriores, reforma legislativa em consequência da qual um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, é submetido a um regime processual muito mais desfavorável, ao ponto de perder o estatuto de pessoa que não pode ser objeto de uma ordem de regresso nem sequer por razões de ordem pública, de segurança pública ou de segurança nacional, estatuto que já tinha obtido em virtude da duração da sua residência até esse momento; de ver recusado o seu pedido de título de residência permanente com base na mesma situação de facto e por motivos de segurança nacional; de lhe ser retirado o título de residência emitido a seu favor, e de lhe serem impostas posteriormente medidas de proibição de entrada e permanência, sem que as suas circunstâncias pessoais e familiares tenham sido tomadas em consideração em nenhum dos processos — especialmente, neste contexto, o facto de ter também a seu cargo um cidadão húngaro menor de idade —, decisões que têm como consequência a rutura da unidade familiar ou que cidadãos da União membros da família do nacional de um país terceiro, entre eles o seu filho menor, sejam obrigados a abandonar o território do Estado‑Membro?
2) Devem os artigos 5.o e 11.o da Diretiva 2008/115 e o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o e 24.o da Carta, ser interpretados no sentido de que se opõem à prática de um Estado‑Membro segundo a qual as circunstâncias pessoais e familiares do nacional de um país terceiro não são tomadas em consideração antes de lhe ser aplicada uma medida de proibição de entrada e de permanência, com o fundamento de que a permanência dessa pessoa, membro da família de um cidadão da União, representa uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional do país?»
III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça
31. O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2021. Foi decidido conceder‑lhe tratamento prioritário.
32. Apresentaram observações escritas os Governos checo e húngaro e a Comissão Europeia.
33. Em 25 de março de 2022, o Tribunal de Justiça solicitou alguns esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio, que transmitiu o pedido às partes do litígio de origem. Tanto M. D. como a Polícia de Estrangeiros responderam às questões enviadas.
34. Em 21 de setembro de 2022 realizou‑se uma audiência na qual participaram o Governo húngaro e a Comissão.
IV. Análise
35. Por indicação do Tribunal de Justiça, estas conclusões incidirão sobre as duas primeiras questões prejudiciais.
36. Tratarei essas questões em conjunto, tendo em conta os aspetos que têm em comum. Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 20.o TFUE e os artigos 5.o e 11.o da Diretiva 2008/115, lidos em conjugação com os artigos 7.o, 20.o, 24.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro revogue o direito de residência ao nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União que não exerceu a sua liberdade de circulação, e lhe imponha uma proibição de entrada no território, pelo facto de o seu comportamento constituir uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional, sem analisar a sua situação pessoal e familiar, mesmo que tenha um filho menor que é nacional desse Estado‑Membro.
37. O órgão de reenvio indica que foi aplicada uma alteração legislativa desfavorável aos nacionais de países terceiros, na sequência de um processo iniciado ao abrigo da legislação anterior. Considero que esta circunstância temporal é irrelevante para a resposta, do ponto de vista do direito da União. Além disso, segundo os factos acima descritos, a alteração legislativa foi aplicada para recusar o título de residência, decisão definitiva com base nas decisões judiciais indicadas.
A. Admissibilidade
38. É precisamente este último elemento que leva o Governo húngaro a negar a ligação entre as questões e o objeto do litígio a quo. Argumenta que dizem respeito a normas aplicadas no decurso de um processo anterior definitivamente encerrado, diferente do atualmente pendente. Por conseguinte, o reenvio prejudicial seria hipotético (15).
39. Acrescenta que o recurso de origem é dirigido contra uma decisão autónoma de entrada e de permanência na Hungria, relativamente à qual a Diretiva 2008/115 e a Carta não se aplicam, pelo que a interpretação dessas disposições não é necessária para a sua resolução.
40. A objeção do Governo húngaro tem algum fundamento na medida em que, como já salientei, eram definitivas as decisões nacionais em que, sem que os órgãos jurisdicionais correspondentes submetessem uma questão prejudicial no âmbito da sua confirmação, se determinou que M. D. não tinha o direito de obter ou de manter um título de residência na Hungria, de que tinha beneficiado anteriormente (16).
41. Todavia, isso não significa que a questão prejudicial seja desprovida de pertinência para o litígio: circunscrito à validade da proibição de entrada na Hungria (17), as dúvidas são legítimas mesmo que, como defenderei, a Diretiva 2008/115 e (na medida em que dela dependa) a Carta não lhe fossem aplicáveis.
B. Aplicabilidade da Diretiva 2008/115
42. Resulta do enunciado das questões prejudiciais que, para o órgão de reenvio, a aplicabilidade da Diretiva 2008/115 não oferece dúvidas. Em contrapartida, por razões parcialmente coincidentes, a Comissão e o Governo húngaro contestam que esse instrumento regule uma situação como a que está em causa:
– Segundo a Comissão, a Diretiva 2008/115 é aplicável aos nacionais de Estados terceiros cuja permanência num Estado‑Membro seja irregular. Não seria este o caso de quem, no momento da adoção da proibição de entrada, não se encontra nesse Estado‑Membro (18).
– O Governo húngaro argumenta no mesmo sentido (19). Acrescenta que os fundamentos da proibição decretada não estão ligados à migração e está em conformidade com o Manual do Regresso (20), cujo n.o 11 invoca em apoio da sua tese (21). A proibição de entrada é autónoma (22) e, enquanto tal, é regulada pelo direito nacional.
43. Na minha opinião, ao nacional de um país terceiro cuja presença num Estado‑Membro é regular e que se torna irregular devido à revogação do título de residência que lhe tinha sido concedido serão aplicáveis as disposições da Diretiva 2008/115.
44. Todavia, não existe nenhuma indicação expressa na Diretiva 2008/115 quanto ao efeito que o abandono do território pelo estrangeiro em situação irregular tem na aplicação da norma.
45. Considero que a Diretiva 2008/115 não abrange esta eventualidade, uma vez que é apenas aplicável aos nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular no território de um Estado‑Membro (23), em conformidade com a definição prevista na própria diretiva.
46. O requisito relativo à presença do nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro decorre implicitamente do artigo 2.o, n.o 1, da diretiva, cujo âmbito abrange os «nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro».
47. Por conseguinte, a «situação irregular» (24) dos nacionais de países terceiros nesse território é incontornável para que a Diretiva 2008/115 seja aplicável. Para efeitos da qualificação como «irregular», o motivo da presença ou a sua duração são irrelevantes (25).
48. A Diretiva 2008/115 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de atuarem relativamente aos nacionais de países terceiros que se encontrem, repito, em situação irregular no seu território (26). Uma vez detetada no seu território uma presença não autorizada, devem pôr‑lhe termo o mais rapidamente possível (27). Por via de regra, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, devem emitir uma decisão de regresso (28), «[s]em prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5» (29).
49. Os equívocos podem surgir ao observar‑se que existem, na realidade, dois tipos de proibições de entrada de nacionais de países terceiros: a) as que acompanham as decisões de regresso tomadas em aplicação da Diretiva 2008/115; e b) as decididas, por razões de segurança nacional ou outras análogas, fora do âmbito dessa diretiva.
50. A distinção entre estas duas categorias aconselha que se proceda à exposição dos contornos das proibições de entrada sujeitas à Diretiva 2008/115 e das que não são abrangidas por esta.
1. Proibições de entrada sujeitas à Diretiva 2008/115
51. A Diretiva 2008/115 faz parte do conjunto dos instrumentos destinados a pôr em prática a política da União de luta contra a imigração ilegal de cidadãos de países terceiros.
52. Visa estabelecer normas comuns para o regresso, o afastamento, a utilização de medidas coercivas, a detenção e a proibição de entrada, para assegurar a cessação das situações irregulares dos nacionais de países terceiros através de procedimentos justos e transparentes (30).
53. A Diretiva 2008/115 prevê diferentes procedimentos estreitamente relacionados: o central, respeitante à decisão de regresso, e outros relativos a atuações que lhe estão associados, e que podem ou devem segui‑la.
54. Estas atuações têm por objeto preparar e assegurar o regresso: a) fixando o prazo de execução voluntária da obrigação de regresso; b) garantindo as condições de execução coerciva; e c) fazendo prevalecer os efeitos da ordem de regresso no território Schengen, através de proibições de entrada que figuram no SIS II (31).
55. No âmbito deste sistema, a proibição de entrada constitui um meio para aumentar a eficácia da política da União em matéria de regresso: durante um determinado período de tempo após o seu afastamento, o nacional de país terceiro cuja permanência seja irregular já não poderá, legalmente, voltar ao território dos Estados‑Membros (32). A proibição confere uma dimensão europeia à ordem de regresso (33).
56. Na Diretiva 2008/115, uma proibição de entrada:
– Depende de uma decisão de regresso, no sentido de que, em caso de inexistência desta, a adoção daquela não é possível (34). É o que determinam os artigos 3.o, ponto 6, e 11.o, n.o 1, da diretiva referida.
– Acompanha necessariamente a decisão de regresso, quando não tenha sido concedido um prazo para a partida voluntária ou a obrigação de abandonar o território não tenha sido cumprida (35).
– Só pode produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios após a execução, voluntária ou forçada, da decisão de regresso (36).
– Não pode permanecer em vigor depois da revogação da decisão de regresso (37).
2. Proibições de entrada não sujeitas à Diretiva 2008/115
57. Os Estados‑Membros mantêm a competência para proibir a entrada no seu território a nacionais de países terceiros em situações diferentes daquelas em que é proferida uma decisão de regresso ao abrigo da Diretiva 2008/115, devido à sua situação irregular.
58. Como já referi, essas situações (que se caracterizam pela resposta a comportamentos que constituam ameaças à ordem pública, à segurança pública, à segurança nacional ou que digam respeito às relações internacionais, cujos protagonistas não se encontram no seu território) não são abrangidas pela Diretiva 2008/115.
59. Essas proibições de entrada são independentes de qualquer decisão de regresso regulada pela Diretiva 2008/115. Respeitarão as disposições do direito nacional (eventualmente as decorrentes do direito internacional ou de determinadas decisões da União) (38) e não, repito, a Diretiva 2008/115 (39).
60. Na medida em que se funda na ameaça que constituiria a presença do nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro, uma proibição deste tipo fundamenta igualmente uma decisão de inserção de indicação nas listas de pessoas assinaladas do SIS II. Nesse caso, a introdução da indicação no SIS II é obrigatória (40).
3. Âmbito geográfico limitado da proibição de entrada
61. Independentemente da razão para uma proibição de entrada e de permanência adotada por um Estado‑Membro, o seu âmbito geográfico é limitado se a pessoa visada tem um título que lhe permite estar legalmente noutro Estado‑Membro.
62. Uma vez que a formalização e, na prática, a produção do efeito «pan‑europeu» da proibição de entrada estão relacionadas com a introdução no SIS II de uma indicação nela baseada, quando a proibição não seja suscetível de ter esse efeito há que eliminar a indicação correspondente do SIS II.
63. Assim, na hipótese de o nacional do país terceiro possuir um título de residência num Estado parte do SIS II, o artigo 25.o, n.o 2, da CAAS prevê um sistema de consultas entre o Estado emissor do título e o que introduziu a indicação no SIS II (41), a fim de determinar se existem motivos suficientes para retirar esse título. Se o título se mantiver, o Estado que introduziu a indicação tem de a retirar.
64. Neste último caso, em conformidade com o mesmo texto, pode inscrever o estrangeiro na sua lista nacional de pessoas assinaladas (42).
4. Abandono do território antes da decisão de regresso e proibição de entrada por razões de segurança nacional
65. Se uma pessoa em situação irregular num Estado‑Membro o abandona antes de as suas autoridades tomarem uma decisão a esse respeito, a ordem de regresso prevista na Diretiva 2008/115 torna‑se supérflua: a ausência do nacional do país terceiro no território desse Estado torna desnecessária a sua adoção (43).
66. Na minha opinião, isso resulta das disposições da Diretiva 2008/115 que: a) definem a situação irregular como a «presença» no território que não preenche (ou tenha deixado de preencher) as condições de entrada, residência ou permanência; e b) regulam os processos aplicáveis ao indivíduo que se encontre no território de um Estado‑Membro.
67. Além disso, esta afirmação é coerente com um sistema que impõe a todos os Estados‑Membros a obrigação de que ponham termo, o mais rapidamente possível, às situações irregulares que detetem no seu território.
68. Entendo que a solução é a mesma, quer a partida do interessado ocorra antes de ser iniciado um processo para decidir sobre a situação irregular, quer ocorra no decurso do processo, quando este ainda não culminou numa decisão. Nesta última hipótese, o processo fica sem objeto: não existe (no Estado‑Membro em que decorria) a situação irregular a que deva ser posto termo ordenando o regresso, ou de outra forma se estiverem reunidas as condições para tal.
69. Em princípio, as consequências processuais desta solução para a ordem nacional (arquivamento, não conhecimento do mérito ou outras) são as que o seu próprio direito determine (44).
70. A situação descrita não deve ser confundida com a do nacional do país terceiro cujo paradeiro é desconhecido, mas em que há indícios de que ainda se encontra no território. Considero que, neste caso, pode ser tomada uma decisão de regresso no âmbito de um processo à revelia (45).
71. Na falta da decisão de regresso pela razão exposta, pode simplesmente concluir‑se que não é possível proferir uma das proibições de entrada previstas no artigo 11.o da Diretiva 2008/115 (46).
72. Nesse contexto, como já referi, um Estado‑Membro que, por razões de segurança nacional, considere necessário impedir a entrada do nacional de um país terceiro que já não se encontra no seu território poderá fazê‑lo ao abrigo do seu direito nacional.
73. Parece‑me que esta abordagem argumentativa prevalece sobre a opinião segundo a qual a Diretiva 2008/115 continuaria a ser aplicável ao nacional de um país terceiro que, após a perda do título que autoriza a sua presença no território de um Estado‑Membro, põe termo à situação irregular (isto é, regressa) antes da adoção de uma decisão a esse respeito.
74. Para quem defende esta opinião, essa proibição de entrada seria regulada pela Diretiva 2008/115, na medida em que representasse uma certa continuidade com os processos regulados por essa diretiva.
75. A opinião é sugestiva: colocaria o indivíduo sob um regime de regras harmonizadas, por força do qual a proibição de entrada, mesmo motivada por uma razão não relacionada com a migração ilegal, deverá ser proferida em conformidade com os princípios e condições (processuais e substantivos) da própria Diretiva 2008/115.
76. Todavia, tal interpretação não é isenta de inconvenientes. O primeiro consiste na sua colisão com os artigos 2.o e 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, a que já me referi. O que esta diretiva preconiza é pôr termo a situações irregulares de nacionais de países terceiros, e não a resolução de processos em que já não é necessária uma intervenção da autoridade (deixa de ser necessária), precisamente porque desapareceu a situação irregular no seu território.
77. Em segundo lugar, recordo que a Diretiva 2008/115 não tem por objetivo imediato a proteção da ordem pública, da segurança pública e da segurança nacional dos Estados‑Membros, ainda que esses interesses não sejam nela ignorados (47). Aceitar que é aplicável às proibições de entrada baseadas nesses fundamentos, mas separadas de uma ordem de regresso, significaria equiparar o objetivo enunciado no seu artigo 1.o à salvaguarda direta desses interesses.
78. Em terceiro lugar, a Diretiva 2008/115 não tem por objeto uma harmonização completa das normas internas em matéria de permanência de estrangeiros, mas apenas a adoção de decisões de regresso (rectius: que ponham termo à situação irregular) e a sua execução (48). Relativamente aos Estados‑Membros, a interpretação que agora me ocupa implicaria que as proibições de entrada por eles decretadas por razões distintas da migração, não ligadas às ordens de regresso, não poderiam:
– ter características diferentes (duração, âmbito subjetivo) das que a própria Diretiva 2008/115 prevê,
– incidir sobre situações diferentes das estabelecidas por essa diretiva,
quando essas proibições dissessem respeito a um nacional de um Estado terceiro que esteve, mas já não está, no território em situação irregular.
79. Em certa medida, poderia ultrapassar‑se o primeiro dos obstáculos, na medida em que, repito, a Diretiva 2008/115 inclui no seu texto atual referências à ordem pública, à segurança pública e à segurança nacional (artigo 11.o, n.o 2, entre outros), suscetíveis de afetar a duração da proibição e o seu âmbito subjetivo (49).
80. Ora, na Diretiva 2008/115 estes conceitos são autónomos, como todos os do direito da União cuja definição não é remetida pelo legislador para os Estados‑Membros (e ainda que a própria diretiva não os defina). É legítimo questionar a sua correspondência com os conceitos nacionais ou, pelo menos, a identidade quanto ao modo como devem operar, tendo em conta a diferença de contexto: da União, por um lado (50); nacional, por outro.
81. Quanto ao segundo dos obstáculos, insisto no facto de a Diretiva 2008/115 prever apenas proibições de entrada que acompanham uma ordem de regresso. Não as prevê para as situações em que o nacional de um país terceiro, em situação irregular no território, for titular de uma autorização de permanência num Estado‑Membro (51) ou em que, ao abrigo de um acordo, um Estado‑Membro que não aquele em que foi detido o aceite (52).
82. Todavia, um Estado‑Membro pode continuar interessado em (ou ser mesmo obrigado a) proibir o acesso ao seu território do estrangeiro que o abandona «em cumprimento» da exigência a que se refere o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, ou independentemente do que decida a propósito desse indivíduo qualquer outro Estado‑Membro, uma vez que o aceitou. No respeito das condições recordadas pelo Tribunal de Justiça, a responsabilidade de manutenção da ordem pública no próprio território, e de garantir a segurança interna e externa, incumbe a cada Estado‑Membro (53).
5. No presente processo
83. Segundo a exposição do órgão jurisdicional de reenvio, M. D. deixou o território húngaro antes de lhe ser imposta uma ordem de regresso. Se for esse o caso, as considerações precedentes levam‑me a confirmar que a Diretiva 2008/115 não era aplicável à proibição posterior de entrada na Hungria contra si proferida.
84. Na eventualidade de que M. D. beneficiasse de um título de residência na Eslováquia quando foi proferida contra ele a proibição de entrada na Hungria, as autoridades competentes desses dois Estados‑Membros deveriam ter procedido às consultas previstas no artigo 25.o, n.o 2 da CAAS, o mais tardar quando foi introduzida no SIS II uma indicação fundada nessa proibição (54).
85. Para evitar uma situação contraditória se, após as consultas, a Eslováquia não retirasse formalmente o título de residência a M. D., a Hungria deveria eliminar do SIS II a indicação para efeitos de não admissão. Todavia, poderia manter a inscrição na sua lista nacional de pessoas assinaladas.
C. Proibição de entrada e apreciação prévia da situação pessoal e familiar
86. É possível proibir a entrada no território de um Estado‑Membro, por razões de segurança nacional, ao cidadão de um país terceiro, sem ter em conta a sua situação pessoal e familiar?
87. Em meu entender, a resposta a esta questão deve ser negativa, quer a proibição seja regulada pela Diretiva 2008/115, quer no caso de, fora do seu âmbito, o interessado seja progenitor de um menor cuja nacionalidade é a do Estado‑Membro que emite a proibição.
88. Ao abrigo de uma prerrogativa clássica da sua soberania, os Estados podem limitar a liberdade de circulação dos não nacionais, recusando‑lhes a entrada no seu território ou afastando‑os do mesmo.
89. Nem os tratados internacionais nem o direito da União põem em causa este princípio. Todavia, podem atenuá‑lo ou modulá‑lo em determinadas situações, impondo a obrigação de que se proceda à apreciação da situação individual da pessoa em causa ou de outros fatores pertinentes.
90. Desenvolverei esta afirmação, no que respeita ao direito da União, sob uma dupla perspetiva.
1. Em caso de aplicação da Diretiva 2008/115
91. Se a proibição de entrada no território de um Estado‑Membro for regulada pela Diretiva 2008/115, a resposta decorre simplesmente do seu artigo 5.o: na sua aplicação, esse Estado‑Membro deve obrigatoriamente ter em conta o interesse superior da criança e a vida familiar.
92. Nessa linha inserem‑se diferentes considerandos da Diretiva 2008/115 (55):
– No considerando 24 declara‑se, a título geral, que a diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios consagrados, em especial, na Carta.
– No considerando 6 recorda‑se o dever de os Estados‑Membros adotarem decisões caso a caso.
– No considerando 22 refere‑se o «interesse superior da criança» e o respeito pela vida familiar como considerações primordiais dos Estados‑Membros na aplicação da diretiva.
93. Estas prescrições (56) não deixam de existir quando a proibição de entrada acompanha necessariamente uma ordem de regresso, por força do artigo 11.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/115. Além disso, as circunstâncias pessoais da pessoa em causa continuarão a ser tidas em consideração para determinar a duração da proibição (57).
94. Nesses casos, a análise correspondente é absorvida por outra: a respeitante à própria ordem de regresso, e também, para a situação do artigo 11.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/115, pela que se realize para não conceder um prazo para a partida voluntária ao abrigo do seu artigo 7.o, n.o 4.
95. O Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta o objetivo que prossegue, o artigo 5.o da Diretiva 2008/115 não pode ser interpretado de maneira restritiva (58). No que respeita especificamente ao interesse superior da criança, recordo que o mesmo deve ser respeitado quando essa diretiva lhe é aplicável, e também quando se aplica ao seu progenitor (59).
2. Em caso de não aplicação da Diretiva 2008/115
96. Os Estados‑Membros devem assegurar que, mesmo nos domínios reservados à sua competência, a exercem sem violar o direito da União (60).
97. Em especial, quando se trata da residência nos seus territórios de nacionais de países terceiros, as medidas adotadas por esses Estados‑Membros não devem privar os cidadãos europeus do gozo efetivo dos direitos que esta cidadania lhes confere (61).
98. Recusar um direito de residência ao nacional de um país terceiro é suscetível de pôr em causa o efeito útil da cidadania da União. É o que acontece se entre esse nacional e um membro da sua família, cidadão da União, existir uma relação de dependência tal que recusar ao primeiro a residência num Estado‑Membro obrigaria o segundo a acompanhá‑lo, abandonando o território da União no seu todo (62).
99. O Tribunal de Justiça esclareceu que a apreciação da existência de uma relação de dependência com essas características relativamente a um cidadão menor de idade (63) obriga a considerar a questão da sua guarda, e a questão de saber se o encargo legal, financeiro ou afetivo dessa criança é assumido pelo progenitor nacional de um país terceiro (64).
100. Confirmada a relação de dependência, a título excecional e ao abrigo do artigo 20.o TFUE, o nacional de país terceiro pode pretender que lhe seja concedido um direito de residência derivado (do que beneficia o cidadão da União), que decorre dessa disposição.
101. Todavia, recordo que o direito de residência derivado não é absoluto. Os Estados‑Membros têm a possibilidade de não o reconhecer em determinadas circunstâncias, entre as quais se destacam, nomeadamente, a manutenção da ordem pública e a salvaguarda da segurança pública (65).
102. As razões de segurança nacional são, a fortiori, adequadas para limitar o reconhecimento do direito de residência decorrente do artigo 20.o TFUE. Para que assim seja, devem corresponder a considerações que efetivamente digam respeito a esse conceito, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça (66).
103. Todavia, essa possibilidade não é ilimitada, como o Tribunal de Justiça também salientou repetidamente (67). Neste contexto, nos termos da sua jurisprudência (68):
– Enquanto justificação de uma derrogação ao direito de residência dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, os conceitos de «ordem pública» e de «segurança pública» devem ser entendidos em sentido estrito (69).
– A ameaça que o nacional do país terceiro constitui para a ordem pública tem de ser real, atual e suficientemente grave; para afirmar que existe não é suficiente que o nacional do país terceiro tenha antecedentes penais no Estado‑Membro em causa (70).
– Compete ao Estado‑Membro tomar em consideração, nomeadamente, «o comportamento da pessoa em causa, a duração e o caráter legal da residência do interessado no território do Estado‑Membro em causa, a natureza e a gravidade da infração cometida, o grau de perigosidade atual do interessado para a sociedade, a idade das crianças eventualmente em causa e o seu estado de saúde, bem como a respetiva situação familiar e económica» (71).
104. Uma vez efetuada a análise dessas circunstâncias, se a ponderação conferir ainda prioridade aos riscos para a segurança pública ou, por maioria de razão, à segurança nacional (72), confirmada pelas autoridades do Estado‑Membro e, eventualmente, pelos tribunais que reveem as suas decisões, fica aberta a via para a adoção de uma proibição de entrada contra o nacional do país terceiro.
3. No presente processo
105. Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio confirmá‑lo, tendo em conta as observações apresentadas pelas partes e todas as circunstâncias, atrever‑me‑ia a afirmar que existe entre M. D. e o seu filho menor, nacional húngaro, uma relação de dependência suscetível de conferir ao primeiro um direito de residência derivado, ao abrigo do artigo 20.o TFUE.
106. Em especial, discordo do Governo húngaro quando afirma, para contestar a existência dessa relação de dependência, que a mãe da criança vive igualmente na Hungria e está obrigada a prover às suas necessidades, enquanto titular da autoridade parental (73).
107. M. D. possuía um título de residência na Eslováquia, que aparentemente lhe foi retirado. Por conseguinte, é legítimo pensar que recusar‑lhe a residência na Hungria teria por consequência o facto de o seu filho menor ter de abandonar o território da União no seu todo.
108. Todavia, mesmo que M. D. pudesse ser titular de um direito de residência derivado nos termos do artigo 20.o TFUE, seria possível proibir‑lhe a entrada e a permanência na Hungria por razões de segurança nacional, como já indiquei, se, após a ponderação das circunstâncias a que acabo de me referir, obrigatória por força do direito da União, o resultado conduzisse inevitavelmente a que fosse dada prioridade a essas razões.
109. Não tenho todos os elementos necessários para efetuar essa ponderação, que compete às autoridades húngaras e aos órgãos jurisdicionais que reveem as suas decisões (74).
D. Introdução de uma indicação no SIS II. Proporcionalidade
110. As dúvidas do tribunal a quo limitam‑se, no que aqui interessa, à apreciação da proibição de entrada e não à sua posterior inserção no SIS II.
111. Para o caso de o Tribunal de Justiça entender que, apesar do silêncio do órgão jurisdicional de reenvio, pode ser útil fornecer‑lhe alguma indicação respeitante à incidência da proibição de entrada no SIS II, exporei o meu parecer a este respeito.
112. O conhecimento da proibição de entrada pelos outros Estados‑Membros é necessário para que produza efeitos na prática (75). A fim de conferir a uns Estados‑Membros o acesso às informações relativas às proibições decididas por outros Estados‑Membros no âmbito de decisões de regresso, estas últimas podem ser refletidas no SIS II (76), ao abrigo do Regulamento n.o 1987/2006 (77), desde que estejam preenchidas duas condições:
– A decisão de que resulta a indicação foi tomada pela autoridade competente (administrativa ou judicial) de acordo com os processos previstos pela legislação nacional, após uma avaliação individual (78).
– Antes de emitir a indicação o Estado‑Membro concluiu que o caso é «adequado, pertinente e suficientemente importante para justificar a sua inserção no SIS II» (79).
113. Todavia, sob reserva das mesmas condições, a introdução de uma indicação no SIS II para efeitos de não admissão e interdição de permanência é obrigatória, «quando a decisão […] se fundar no facto de a presença de um nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro constituir ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional» (artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006) (80).
114. Por conseguinte, a introdução está sempre sujeita à exigência de proporcionalidade do artigo 21.o do Regulamento n.o 1987/2006. Embora o regulamento não o indique, a utilidade da apreciação exige que seja efetuada antes da introdução da indicação em causa (81).
115. Essa exigência justifica‑se porque a inserção de uma descrição para efeitos de não admissão é suscetível de afetar direitos, até mesmo fundamentais (82), das pessoas. Tem consequências óbvias sobre o acesso ao espaço Schengen (83) e, relacionadas com elas, pelo menos potencialmente, sobre outros direitos, como o relativo ao respeito da vida privada e familiar.
116. Todavia, a aplicação do princípio da proporcionalidade à introdução de indicações no SIS II quando é obrigatória (por força do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006) deve ser matizada. Poderia entender‑se que, nessas situações, o próprio legislador da União procedeu ex ante à apreciação da proporcionalidade relativamente aos comportamentos graves visados pela disposição.
117. Acrescento que, de qualquer modo, a apreciação da proporcionalidade imposta pelo artigo 21.o do Regulamento n.o 1987/2006 se limita à introdução da indicação: não diz respeito à decisão (proibição) com base na qual esta última é proferida (84).
118. Um resultado negativo da análise de proporcionalidade pode, em última análise, levar a que a introdução da indicação no SIS II seja excluída para efeitos de não admissão.
119. Nessa hipótese, apesar de tudo, a decisão subjacente à indicação continua em vigor. Se se tratar de uma proibição de entrada contra um nacional de um país terceiro baseada no facto de constituir uma ameaça para a ordem pública, para a segurança interna, para a segurança nacional, para a saúde pública ou para as relações internacionais, a sua vocação pan‑europeia permanece igualmente inalterada, embora a falta de indicação torne mais difícil o seu conhecimento pelos outros Estados do espaço Schengen.
V. Conclusão
120. Atendendo ao exposto, proponho que se responda às primeira e segunda questões prejudiciais do Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) nos seguintes termos:
«A Diretiva 2008/115/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, deve ser interpretada no sentido de que:
Não é aplicável quando as autoridades de um Estado‑Membro emitem una proibição de entrada e de permanência contra um desses nacionais que não se encontra no seu território e relativamente a quem não tomaram uma decisão de regresso, por considerar que pode constituir uma ameaça para a segurança nacional. Nessa mesma medida, também não é aplicável a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, antes da emissão da referida proibição de entrada e de permanência, as autoridades do Estado‑Membro devem ponderar as circunstâncias pessoais e familiares da pessoa cuja entrada e permanência é proibida, quando seja progenitor de um menor que tem a nacionalidade desse Estado‑Membro, bem como a incidência da proibição no gozo dos direitos inerentes à, ou derivados da, cidadania europeia.»