Language of document : ECLI:EU:C:2023:341

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de abril de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Política de imigração — Artigo 20.o TFUE — Gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União Europeia — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns aplicáveis nos Estados‑Membros ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigos 5.o, 11.o e 13.o — Efeito direto — Direito a um recurso jurisdicional efetivo — Decisão de proibição de entrada e de residência adotada em relação a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão europeu menor — Ameaça para a segurança nacional — Não tomada em consideração da situação individual desse cidadão de um país terceiro — Recusa de executar uma decisão judicial que suspende os efeitos dessa decisão de proibição — Consequências»

No processo C‑528/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 19 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2021, no processo

M.D.

contra

Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Budapesti és Pest Megyei Regionális Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, L. S. Rossi, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de setembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes, assistidos por K. A. Jáger, na qualidade de perito,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga, A. Katsimerou, E. Montaguti, Zs. Teleki e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 20.o TFUE, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 5.o, 11.o e 13.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M.D. à Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Budapesti és Pest Megyei Regionális Igazgatósága (Direção Regional de Budapeste e do distrito de Pest da Direção Principal do Organismo Nacional de Estrangeiros, Hungria) (a seguir «Autoridade de Polícia de Estrangeiros») a respeito da legalidade da decisão através da qual essa autoridade adotou uma decisão de proibição de entrada e de residência em relação a M.D.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 CAAS

3        O artigo 25.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990, e que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (JO 2000, L 239, p. 19), conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 265/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de março de 2010 (JO 2010, L 85, p. 1) (a seguir «CAAS»), dispõe:

«1.      Caso um Estado‑Membro tencione emitir um título de residência, efetua sistematicamente uma consulta no Sistema de Informação de Schengen. Caso um Estado‑Membro tencione emitir um título de residência a um cidadão estrangeiro que conste da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, consulta previamente o Estado‑Membro que o tiver indicado e toma em consideração os interesses deste último; o título de residência só pode ser emitido por motivos sérios, nomeadamente por razões humanitárias ou por força de obrigações internacionais.

Se o título de residência for emitido, o Estado‑Membro que tiver indicado o cidadão estrangeiro retira o seu nome dessa lista mas pode inscrevê‑lo na sua lista nacional de pessoas indicadas.

[…]

2.      Quando se verificar que um estrangeiro detentor de um título de residência válido, emitido por uma das partes contratantes, consta da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, a parte contratante que o indicou consultará a parte que emitiu o título de residência, a fim de determinar se existem motivos suficientes para lho retirar.

Se o título de residência não for retirado, a parte contratante que indicou o estrangeiro retirará o seu nome dessa lista, podendo, todavia, inscrevê‑lo na sua lista nacional de pessoas assinaladas.

[…]»

 Regulamento (CE) n.o 1987/2006

4        O artigo 34.o do Regulamento (CE) n.o 1987/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen de segunda geração (SIS II) (JO 2006, L 381, p. 4) dispõe:

«1.      O Estado‑Membro que insere a indicação é responsável pela exatidão e atualidade dos dados, bem como pela licitude da sua introdução no SIS II.

2.      Apenas o Estado‑Membro que insere as indicações está autorizado a alterar, completar, retificar, atualizar ou suprimir os dados que introduziu.

[…]»

 Diretiva 2008/115

5        Os considerandos 2, 22 e 24 da Diretiva 2008/115 enunciam:

«(2)      O Conselho Europeu de Bruxelas, de 4 e 5 de novembro de 2004, apelou à definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas.

[…]

(22)      Em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989, [adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989,] o “interesse superior da criança” deverá constituir uma consideração primordial dos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva. Em consonância com a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], o respeito pela vida familiar deverá ser também uma das considerações primordiais dos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva.

[…]

(24)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados, em especial, na [Carta].»

6        O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que:

a)      Sejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do Código das Fronteiras Schengen ou sejam detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro;

b)      Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição.»

7        O artigo 3.o, n.os 3 e 6, da referida diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

3)      “Regresso”, o processo de retorno de nacionais de países terceiros, a título de cumprimento voluntário de um dever de regresso ou a título coercivo:

–        ao país de origem, ou

–        a um país de trânsito, ao abrigo de acordos de readmissão comunitários ou bilaterais ou de outras convenções, ou

–        a outro país terceiro, para o qual a pessoa em causa decida regressar voluntariamente e no qual seja aceite;

[…]

6)      “Proibição de entrada”, uma decisão ou Ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso.»

8        O artigo 5.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:

a)      O interesse superior da criança;

b)      a vida familiar;

c)      o estado de saúde do nacional de país terceiro em causa;

e respeitar o princípio da não‑repulsão.»

9        O artigo 6.o da Diretiva 2008/115 dispõe:

«1.      Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

2.      Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1.

[…]

6.      A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso, ordens de afastamento, e/ou proibições de entrada, por decisão ou Ato administrativo ou judicial previsto no respetivo direito interno, sem prejuízo das garantias processuais disponíveis ao abrigo do capítulo III e de outras disposições aplicáveis do direito comunitário e do direito nacional.»

10      Nos termos do artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva:

«Se houver risco de fuga ou se um pedido de residência regular tiver sido indeferido por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um perigo para a ordem pública, para a segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias.»

11      O artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso se não tiver sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária, nos termos do n.o 4 do artigo 7.o, ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida dentro do prazo para a partida voluntária concedido nos termos do artigo 7.o»

12      O artigo 11.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«As decisões de regresso são acompanhadas de uma proibição de entrada:

a)      se nenhum prazo tiver sido concedido qualquer para a partida voluntária; ou

b)      se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida.

Nos outros casos, as decisões de regresso podem ser acompanhadas da proibição de entrada.»

13      O artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115 tem a seguinte redação:

«1.      O nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência.

2.      A autoridade ou o órgão acima mencionados são competentes para reapreciar as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, incluindo a possibilidade de suspender temporariamente a sua execução, a menos que a suspensão temporária já seja aplicável ao abrigo da legislação nacional.»

 Direito húngaro

 Lei I

14      O artigo 33.o da 2007. évi I. törvény a szabad mozgás és tartózkodás jogával rendelkező személyek beutazásáról és tartózkodásáról (Lei I de 2007, relativa à Entrada e à Residência das Pessoas que Gozam de Liberdade de Circulação e de Residência), de 18 de dezembro de 2006 (Magyar Közlöny 2007/1.) (a seguir «Lei I»), dispõe:

«O direito de entrada e de residência das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente lei só pode ser restringido, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, com base num comportamento pessoal do interessado que represente uma ameaça real, direta e grave para a ordem pública, a segurança pública, a segurança nacional ou a saúde pública.»

15      O artigo 42.o, n.o 1, desta lei prevê:

«A expulsão, ao abrigo da polícia de estrangeiros, não pode ser ordenada contra um nacional de um Estado‑Membro do [Espaço Económico Europeu (EEE)] ou contra um membro da sua família que:

a)      resida legalmente desde há mais de dez anos no território da Hungria,

b)      seja menor, exceto se a expulsão se fizer no interesse do menor.»

 Lei II

16      O artigo 43.o da harmadik országbeli állampolgárok beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. évi II. törvény (Lei II de 2007, relativa à Entrada e à Residência de Nacionais de Países Terceiros), de 18 de dezembro de 2006 (Magyar Közlöny 2007/1.) (a seguir «Lei II») prevê:

«1.      A Autoridade de Polícia dos Estrangeiros decreta uma proibição autónoma de entrada e de residência contra o nacional de um país terceiro que resida num local desconhecido ou no estrangeiro,

a)      em relação ao qual a Hungria se comprometeu, por força do direito internacional, a fazer respeitar a proibição de entrada e de residência;

b)      cuja proibição de entrada ou de residência tenha sido decretada pelo Conselho da União Europeia;

c)      cuja entrada e residência violem ou ponham em perigo a segurança nacional, a segurança pública ou a ordem pública;

[…]

3.      A iniciativa da proibição autónoma de entrada e de residência pelo motivo enunciado no n.o 1, alínea c), […] pode igualmente ser tomada pelos órgãos de manutenção da ordem designados no decreto do Governo, na sua esfera de competência própria, com vista a cumprir as missões ligadas à proteção dos interesses definidos na lei. Se a proibição autónoma de entrada e de residência e a expulsão, por força da polícia dos estrangeiros, forem decretadas pelos motivos referidos no n.o 1, alínea c), […] os órgãos de manutenção da ordem designados no decreto do Governo, nos casos que afetem as suas missões e as suas competências, formulam uma proposta quanto à duração da proibição de entrada e de residência. A Autoridade de Polícia de Estrangeiros não se pode afastar do conteúdo da proposta.»

17      O artigo 44.o, n.o 1, desta lei dispõe:

«A duração da proibição autónoma de entrada e de residência ao abrigo do artigo 43.o, n.o 1, alíneas a) e b), é alinhada pela duração da obrigação ou da proibição na qual a decisão assenta. A duração da proibição autónoma de entrada e de residência nos termos do artigo 43.o, n.o 1, alíneas c) a f), é definida pela Autoridade de Polícia de Estrangeiros que toma a decisão e tem uma duração máxima não superior a três anos, suscetível de ser prorrogada, se for caso disso, por três anos suplementares, no máximo. É imediatamente posto termo à proibição de entrada e de residência se o motivo pelo qual foi decretada tiver desaparecido.»

18      Nos termos do artigo 45.o, n.o 1, da referida lei:

«1)      Antes de adotar uma decisão de expulsão por força da polícia dos estrangeiros de um nacional de um país terceiro que disponha de um título de residência em consideração dos seus laços familiares, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros toma em consideração os aspetos seguintes:

a)      duração da residência:

b)      a idade e a situação familiar do nacional de um país terceiro e as eventuais consequências da sua expulsão para os membros da sua família;

c)      os vínculos do nacional de um país terceiro com a Hungria, bem como a ausência de relações com o seu país de origem.»

19      O artigo 87/B, n.o 4, da mesma lei enuncia:

«A Autoridade de Polícia de Estrangeiros que conhece do processo está vinculada pelo parecer da autoridade especializada quanto à questão da perícia em causa.»

 Lei de Alteração

20      O artigo 17.o da 2018. évi CXXXIII. törvény az egyes migrációs tárgyú és kapcsolódó törvények módosításáról (Lei CXXXIII de 2018, relativa à Alteração de Certas Leis relativas à Migração e a Outras Leis Ligadas), de 21 de dezembro de 2018 (Magyar Közlöny 2018/208.) (a seguir «lei de alteração»), entrou em vigor em 1 de janeiro de 2019. Esse artigo enuncia:

«A Lei I é completada através do artigo 94.o seguinte:

“94. § 1) Nos processos relativos aos nacionais de países terceiros membros da família de cidadãos húngaros, iniciados ou recomeçados depois da entrada em vigor da [lei de alteração], são aplicáveis as disposições da Lei II.

[…]

4)      o cartão de residência ou o cartão de residência permanente de um nacional de um país terceiro que disponha de um cartão de residência ou de um cartão de residência permanente válido enquanto membro da família de um cidadão húngaro deve ser retirado

[…]

b)      se a residência do nacional do país terceiro violar a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional da Hungria.

5)      Nas questões de peritagem definidas no n.o 4, alínea b), as autoridades especializadas designadas devem ser contactadas, em conformidade com as regras da Lei II relativa à emissão de uma licença de estabelecimento, a fim de pedir um parecer pericial.

[…]”»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21      M.D. é um nacional de um país terceiro que chegou à Hungria em 2002. Estabeleceu‑se neste Estado‑Membro com a sua mãe e com a sua companheira e o filho menor destes, nascido em 2016, ambos de nacionalidade húngara. Estas três pessoas estão a cargo de M.D. Este trabalhava numa padaria que ele mesmo explorava. Possui quatro outras padarias na Hungria e estabeleceu a sua sociedade na Eslováquia.

22      Em 31 de maio de 2003, foi concedido a M.D um título de residência no território húngaro. Esse título de residência foi prorrogado várias vezes.

23      Em 12 de junho de 2018, M.D. apresentou um pedido de cartão de residência permanente que foi indeferido pela Autoridade de Polícia de Estrangeiros, pronunciando‑se em primeira instância. Tendo M.D. sido condenado a uma pena de prisão pela prática do crime de tráfico de migrantes cometido por ter prestado auxílio na travessia da fronteira sem autorização, aquela Autoridade apresentou um pedido em matéria de segurança nacional, na sequência do qual o Alkotmányvédelmi Hivatal (Serviço para a Proteção da Constituição, Hungria) entendeu que se devia considerar que o comportamento de M.D. representava uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional.

24      Por Decisão de 27 de agosto de 2018, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros declarou que o direito de residência de M.D. tinha expirado. Esta decisão foi confirmada por Decisão de 26 de novembro de 2018 da mesma autoridade, decidindo em segunda instância. Estas duas decisões basearam‑se no parecer do Serviço para a Proteção da Constituição referido no número anterior.

25      Em 3 de janeiro de 2019, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros adotou uma decisão de regresso relativa a M.D. e impôs‑lhe uma proibição de entrada e de residência de cinco anos. Esta decisão foi, porém, revogada em 18 de fevereiro de 2019, por ser contrária ao artigo 42.o, n.o 1, da Lei I.

26      Por Acórdão de 28 de maio de 2019, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste‑Capital, Hungria) anulou a Decisão de 26 de novembro de 2018 da Autoridade de Polícia de Estrangeiros e alargou os efeitos dessa anulação à Decisão de 27 de agosto de 2018 dessa autoridade, com o fundamento de que esta última não tinha demonstrado que os requisitos cumulativos previstos no artigo 33.o da Lei I estavam preenchidos, uma vez que tinha baseado a sua decisão num parecer do Serviço de Proteção da Constituição, o qual não tinha intervindo no processo em causa enquanto autoridade especializada. Além disso, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros não tinha apreciado todas as circunstâncias do caso em apreço, o que deveria ter feito, mesmo que M.D. constituísse uma ameaça real, direta e grave para a segurança pública ou para a ordem pública. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional ordenou à mesma autoridade que apreciasse, no âmbito de um novo processo, todas as circunstâncias do caso em apreço, especificamente o facto de M.D. e a sua companheira terem estabelecido uma vida familiar na Hungria com o filho menor destes, cidadão húngaro.

27      Por Decisão de 29 de agosto de 2019, na sequência deste novo procedimento, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros retirou a M.D. o seu cartão de residência, baseando‑se num parecer do Serviço de Proteção da Constituição e do Pest Megyei Rendőr‑főkapitányság (Comissariado Principal do distrito de Pest, Hungria), segundo o qual o comportamento pessoal de M.D. representava uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional. A Autoridade de Polícia de Estrangeiros, decidindo em segunda instância, confirmou esta decisão, sublinhando nomeadamente que, por força do artigo 87/B, n.o 4, da Lei II, aplicável desde a entrada em vigor da lei de alteração, não podia afastar‑se desse parecer.

28      O Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) negou provimento ao recurso interposto por M.D. contra a referida decisão.

29      A Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) confirmou esse acórdão, considerando que os dados apresentados eram suficientes para demonstrar que a residência de M.D. na Hungria constituía uma ameaça real e direta para a segurança nacional desse Estado‑Membro e que, tendo em conta a existência dessa ameaça, a apreciação da situação pessoal de M.D. não podia conduzir a uma avaliação positiva do pedido deste último.

30      Em 14 de outubro de 2020, a Autoridade de Polícia dos Estrangeiros adotou uma decisão de proibição de entrada e de residência, com a duração de três anos, em relação a M.D. e introduziu uma indicação relativa a essa proibição no Sistema de Informação de Schengen (a seguir «SIS»).

31      Aquela autoridade considerou que, em conformidade com o artigo 94.o, n.o 1, da Lei I, inserido nesta última pela lei de alteração, M.D. Era abrangido pelo âmbito de aplicação da Lei II. Indicou igualmente que o Serviço para a Proteção da Constituição recomendava a expulsão de M.D. bem como a adoção, a seu respeito, de uma proibição de entrada e de residência por um período de dez anos. A referida autoridade salientou igualmente que uma autorização de residência com uma duração de dois anos tinha sido concedida a M.D. pelas autoridades eslovacas, a contar de 26 de fevereiro de 2019.

32      À luz destes elementos, a Autoridade de Polícia dos Estrangeiros considerou que o comportamento de M.D. representava uma ameaça para a segurança nacional da Hungria.

33      A decisão de proibição de entrada e de residência adotada relativamente a M.D., referida no n.o 30 do presente acórdão, não foi precedida da adoção de uma decisão de regresso, tendo M.D. deixado o território húngaro em 24 de setembro de 2020.

34      Chamado a conhecer de um recurso interposto por M.D. dessa decisão de proibição de entrada e de residência, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha, em primeiro lugar, que a referida decisão, apesar de ter sido adotada quando M.D. já não residia na Hungria, deve ser considerada uma proibição de entrada, na aceção do artigo 11.o da Diretiva 2008/115.

35      Esse órgão jurisdicional indica, por um lado, que a autorização de residência concedida a M.D. pelas autoridades eslovacas não pôde ser prorrogada, em razão da mesma decisão e da indicação de M.D. no SIS, e, por outro, que, à data da apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, M.D. residia na Áustria e não podia regressar à Hungria, uma vez que a Autoridade de Polícia de Estrangeiros se recusava a dar execução ao despacho definitivo pelo qual o referido órgão jurisdicional tinha suspendido os efeitos da decisão de proibição de entrada e de residência em causa.

36      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em segundo lugar, que a Lei I, embora transponha a Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificação JO 2004, L 229, p. 35), tinha um âmbito de aplicação que abrangia, designadamente, os nacionais de países terceiros, membros da família de um nacional húngaro que não tenha exercido a sua liberdade de circulação. Assim, esta lei permitia a esses nacionais de países terceiros residirem na Hungria nas mesmas condições que os nacionais de países terceiros, membros da família de nacionais de Estados‑Membros do EEE que tivessem feito uso da sua liberdade de circulação. Todavia, a lei de alteração, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2019, excluiu os nacionais de países terceiros, membros da família de um nacional húngaro, do âmbito de aplicação da Lei I e tornou aplicável à sua entrada e à sua residência a Lei II, que, até então, regulava unicamente a entrada e a residência dos nacionais de países terceiros que não eram membros da família de um nacional de um Estado‑Membro do EEE.

37      Em conformidade com o artigo 17.o desta lei de alteração, a Lei II é igualmente aplicável aos processos que, como no caso em apreço, foram recomeçados depois da entrada em vigor da referida lei de alteração. Ora, por força desta Lei II, o cartão de residência ou de residência permanente de um nacional de um país terceiro pode ser retirado mais facilmente do que sob a égide da Lei I, em especial no caso de o comportamento desse nacional violar a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional da Hungria. Assim, nesse caso, a expulsão do nacional em causa de um país terceiro deve ser ordenada, sem que as circunstâncias familiares ou pessoais desse nacional sejam tomadas em consideração.

38      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, nomeadamente, que, no seu Acórdão de 11 de março de 2021, Estado belga (Regresso do progenitor de um menor) (C‑112/20, EU:C:2021:197), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 24.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros que tenham devidamente em conta o interesse superior da criança antes de adotarem uma decisão de regresso, acompanhada de uma proibição de entrada, mesmo quando o destinatário dessa decisão não seja um menor, mas o pai deste.

39      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, em terceiro lugar, que os nacionais húngaros, membros da família de M.D., não exerceram o seu direito à livre circulação na União Europeia e que, por conseguinte, M.D. não pode basear um direito de residência derivado na Diretiva 2004/38 nem no artigo 21.o TFUE.

40      Esse órgão jurisdicional observa, porém, que, em caso de execução imediata da expulsão de um nacional de um país terceiro ordenada por razões de segurança nacional, os membros da família desse nacional que disponham, como no caso em apreço, da cidadania da União devem, também eles, abandonar o território húngaro, dado que, se assim não for, a unidade familiar seria dissolvida de forma permanente, uma vez que o motivo ligado à segurança nacional se opõe igualmente à emissão de um visto. Ora, o referido órgão jurisdicional recorda que a recusa em conceder um direito de residência a um nacional de um país terceiro é suscetível de pôr em causa o efeito útil da cidadania da União se existir, entre esse nacional de um país terceiro e o cidadão da União, membro da sua família, uma relação de dependência tal que levaria a que este último fosse obrigado a acompanhar o referido nacional de um país terceiro, membro da sua família, e a abandonar o território da União.

41      O mesmo órgão jurisdicional considera que nenhuma disposição de direito húngaro prevê que as circunstâncias pessoais e familiares devem ser examinadas antes da adoção de uma decisão de proibição de entrada e de residência em relação a um nacional de país terceiro que não disponha de um título de residência. M.D. encontra‑se, assim, numa situação menos favorável não só do que a dos nacionais de países terceiros, membros da família de um cidadão da União que tenham feito uso do seu direito à livre circulação, mas também do que a dos nacionais de países terceiros que não são membros da família de um cidadão da União, uma vez que a situação destes últimos nacionais de países terceiros é regida pelas diretivas transpostas pela Lei II, mas que não são aplicáveis a nacionais de países terceiros que, como M.D., são membros da família de um cidadão da União.

42      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio, interroga‑se se, na hipótese de a nova regulamentação húngara ser incompatível com o direito da União e na falta de outra regulamentação nacional específica, se pode ter em conta o artigo 42.o, n.o 1, da Lei I, que se aplicava a M.D. até 1 de janeiro de 2019, ou se pode afastar o direito nacional e basear a sua decisão diretamente na Diretiva 2008/115.

43      Em último lugar, esse órgão jurisdicional considera que não existe jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à recusa da Autoridade de Polícia dos Estrangeiros de dar execução a um despacho como aquele através do qual ordenou a suspensão da decisão de proibição de entrada e de residência adotada a respeito de M.D., referida no n.o 30 do presente Acórdão.

44      Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 5.o e 11.o da Diretiva [2008/115] e o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o, 20.o, 24.o e 47.o da Carta, ser interpretados no sentido de que se opõem à prática de um Estado‑Membro que alarga (o âmbito) de aplicação de uma reforma legislativa a processos repetidos por ordem judicial emitida em processos anteriores, reforma legislativa em consequência da qual um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, é submetido a um regime processual muito mais desfavorável, ao ponto de perder o estatuto de pessoa que não pode ser objeto de uma ordem de regresso nem sequer por razões de ordem pública, de segurança pública ou de segurança nacional, estatuto que já tinha obtido em virtude da duração da sua residência até esse momento; de ver recusado o seu pedido de título de residência permanente com base na mesma situação de facto e por motivos de segurança nacional; de lhe ser retirado o título de residência emitido a seu favor, e de lhe serem impostas posteriormente medidas de proibição de entrada e permanência, sem que as suas circunstâncias pessoais e familiares tenham sido tomadas em consideração em nenhum dos processos — especialmente, neste contexto, o facto de ter também a seu cargo um cidadão húngaro menor de idade —, decisões que têm como consequência a rutura da unidade familiar ou que cidadãos da União membros da família do nacional de um país terceiro, entre eles o seu filho menor, sejam obrigados a abandonar o território do Estado‑Membro?

2)      Devem os artigos 5.o e 11.o da Diretiva 2008/115 e o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o e 24.o da Carta, ser interpretados no sentido de que se opõem à prática de um Estado‑Membro segundo a qual as circunstâncias pessoais e familiares do nacional de um país terceiro não são tomadas em consideração antes de lhe ser aplicada uma medida de proibição de entrada e de permanência, com o fundamento de que a permanência dessa pessoa, membro da família de um cidadão da União, representa uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional do país?

Em caso de resposta afirmativa às primeira e segunda questões:

3)      Devem o artigo 5.o e o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, bem como o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 20.o e 47.o da Carta, bem como o considerando 22 da Diretiva 2008/115, que impõe a obrigação de ter em conta o interesse superior da criança como base primordial, e o considerando 24 da mesma diretiva, que impõe que sejam garantidos os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta, ser interpretados no sentido de que, se um órgão jurisdicional nacional: baseando‑se num acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, que declara que o direito de um Estado‑Membro ou a prática da autoridade de polícia de estrangeiros nele baseada é contrária ao direito da União, pode, no âmbito do exame da base jurídica da decisão de proibição de entrada e de permanência, ter em conta, enquanto direito adquirido pelo recorrente no presente processo, o facto de, ao abrigo do regime da [Lei I], o recorrente preenche os requisitos necessários para a aplicação do artigo 42.o [desta lei], isto é, ter residido legalmente na Hungria durante mais de dez anos, ou deve esse órgão jurisdicional, ao apreciar a improcedência da decisão de proibição de entrada e de residência, basear‑se no artigo 5.o da Diretiva 2008/115 para apreciar a situação pessoal e familiar, na falta de disposições nesse sentido na [Lei II]?

4)      É conforme com o direito da União, em especial com o direito de recurso efetivo garantido pelo artigo 13.o da Diretiva 2008/115 e com o direito a um tribunal imparcial consagrado no artigo 47.o da Carta, a prática de um Estado‑Membro em virtude da qual, no processo iniciado por um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, no exercício do seu direito de ação, os serviços de estrangeiros não executam uma decisão judicial transitada em julgado que ordena a tutela judicial imediata face à execução da decisão [dos referidos serviços] alegando que já fizeram constar no Sistema de Informação de Schengen (SIS II) uma descrição relativa à proibição de entrada e de permanência, em consequência da qual o nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, não pode exercer pessoalmente o direito de ação nem entrar na Hungria durante a pendência do processo e antes de ser proferida uma decisão definitiva no caso que lhe diz respeito?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

45      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

46      Através de uma Decisão de 16 de setembro de 2021, a Quinta Secção decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, que não havia que dar seguimento ao pedido de submissão do presente processo a tramitação prejudicial urgente.

47      Em 1 de outubro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu que o presente processo seria julgado com prioridade, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

48      Segundo o Governo húngaro, as questões prejudiciais devem ser declaradas inadmissíveis na medida em que visam, por um lado, determinar se o direito da União se opõe a que seja retirado o direito de residência de M.D. no território húngaro, uma vez que essa retirada não é objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio e, por outro, interpretar a Diretiva 2008/115, uma vez que a decisão de proibição de entrada e de residência em causa no processo principal não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva, dado que foi adotada depois de M.D. ter deixado o território húngaro.

49      A este propósito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 61 e jurisprudência referida].

50      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial e da resposta dada pelo órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações que lhe foi dirigido, por um lado, que esse órgão jurisdicional é chamado a fiscalizar unicamente a regularidade da decisão de proibição de entrada e de permanência adotada em relação a M.D., uma vez que a decisão que retirou o direito de residência desse nacional de um país terceiro no território húngaro se tornou definitiva e, por outro, que essa proibição de entrada e de residência é válida para todo o território da União.

51      Daqui resulta que, como sustenta o Governo húngaro, as questões prejudiciais só têm utilidade para a resolução do litígio em causa no processo principal na medida em que digam respeito à decisão de proibição de entrada e de residência de que M.D. foi objeto e que, por conseguinte, só nessa medida são admissíveis.

52      No que respeita, em contrapartida, à utilidade de interpretar a Diretiva 2008/115 no âmbito do litígio no processo principal, recorde‑se que, quando, como no presente processo, não se afigure manifestamente que a interpretação de uma disposição do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, a objeção quanto à inaplicabilidade dessa disposição ao processo principal não diz respeito à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas é abrangida pelo mérito das questões (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, ASADE, C‑436/20, EU:C:2022:559, n.o 41 e jurisprudência referida).

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira e segunda questões

53      Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE e os artigos 5.o e 11.o da Diretiva 2008/115, lidos em conjugação com os artigos 7.o, 20.o, 24.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro adote uma decisão de proibição de entrada no território da União em relação a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, nacional desse Estado‑Membro que nunca tenha exercido a sua liberdade de circulação, com o fundamento de que o comportamento desse nacional de um país terceiro constitui uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional do referido Estado‑Membro, sem que seja examinada a situação pessoal e familiar do referido nacional de um país terceiro.

54      A título preliminar, importa salientar que, segundo o Governo húngaro, a regulamentação húngara aplicável permite ter em conta, numa situação como a que está em causa no processo principal, a situação pessoal e familiar de um nacional de um país terceiro antes de uma decisão de proibição de entrada no território da União ser adotada a seu respeito.

55      Dito isto, como foi recordado no n.o 49 do presente acórdão, as questões relativas à interpretação do direito da União são submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar. Por conseguinte, o exame de um reenvio prejudicial deve ser feito tendo em conta a interpretação do direito nacional dada pelo órgão jurisdicional de reenvio e não a invocada pelo governo de um Estado‑Membro [Acórdão de 20 de outubro de 2022, Centre public d’action sociale de Liège (Retirada ou suspensão de uma decisão de regresso), C‑825/21, EU:C:2022:810, n.o 35].

56      Daqui resulta que há que responder à primeira e segunda questões partindo da premissa, que cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, segundo a qual o direito nacional não permite ter em conta, numa situação como a que está em causa no processo principal, a situação pessoal e familiar do nacional em questão de um país terceiro antes de adotar uma decisão de proibição de entrada no território da União a seu respeito.

–       Quanto ao artigo 20.o TFUE

57      Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 20.o TFUE se opõe a medidas nacionais que tenham por efeito privar os cidadãos da União do gozo efetivo dos direitos que lhe são conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União [Acórdãos de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano, C‑34/09, EU:C:2011:124, n.o 42, e de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real (Cônjuge de um cidadão da União), C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 37].

58      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que existem situações muito particulares em que, não obstante o facto de o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em questão não ter feito uso da sua liberdade de circulação, um direito de residência deve, porém, ser concedido a um nacional de um país terceiro, membro da família do referido cidadão, sob pena de violar o efeito útil da cidadania da União, se, em consequência da recusa desse direito, o referido cidadão fosse obrigado, de facto, a abandonar o território da União, considerado no seu todo, privando‑o, assim, do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano, C‑34/09, EU:C:2011:124, n.os 43 e 44, e de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.o 45].

59      No entanto, a recusa de atribuir o direito de residência a um nacional de país terceiro só é suscetível de pôr em causa o efeito útil da cidadania da União se entre esse nacional de país terceiro e o cidadão da União, membro da sua família, existir uma relação de dependência tal que conduziria a que este último fosse obrigado a acompanhar o nacional de país terceiro em causa e a abandonar o território da União, considerado no seu todo [Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 52 e de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.o 46 e jurisprudência referida].

60      Em segundo lugar, à semelhança da recusa ou da perda de um direito de residência no território de um Estado‑Membro, uma proibição de entrada no território da União, imposta a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, pode levar a privar esse cidadão do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto, quando, devido à relação de dependência existente entre essas pessoas, essa proibição de entrada obrigue, de facto, o referido cidadão a abandonar o território da União, considerado no seu todo, para acompanhar o membro da sua família, nacional de um país terceiro que tenha sido objeto da referida proibição (v., por analogia, Acórdão de 13 de setembro de 2016, CS, C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 32).

61      No caso em apreço, o filho menor de M.D., tal como a mãe deste, beneficiam, enquanto cidadãos da União, dos direitos consagrados no artigo 20.o TFUE. Por conseguinte, não se pode excluir a priori que a proibição de entrada e de residência imposta a M.D. leve a que esses cidadãos da União sejam, de facto, privados do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhes são conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União. Seria esse o caso se existisse, entre M.D. e o seu filho menor ou a sua companheira, uma relação de dependência, para efeitos da aplicação do artigo 20.o TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, que obrigasse esse filho menor ou essa companheira a abandonar, também eles, de facto, o território da União [v., designadamente, Acórdãos de 8 de maio de 2018, K. A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑82/16, EU:C:2018:308, n.os 65 e 71 a 75, e de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.os 56 e 64 a 69].

62      A este respeito, importa precisar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, M.D. dispunha de um direito de residência na Eslováquia na data em que o seu título de residência no território húngaro lhe foi retirado. Por conseguinte, não se afigura que essa retirada possa ter obrigado, de facto, o filho menor de M.D. e a sua companheira, mãe dessa criança, a abandonar o território da União considerado no seu todo, uma vez que nada deixa transparecer que esses cidadãos da União se veriam impossibilitados de residir legalmente na Eslováquia.

63      Com base nas informações de que dispõe o Tribunal de Justiça não é, portanto, certo que a retirada do título de residência de M.D. pelas autoridades húngaras tenha podido violar o artigo 20.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 10 de outubro de 2013, Alokpa e Moudoulou, C‑86/12, EU:C:2013:645, n.os 34 e 35).

64      Em contrapartida, ao adotar a decisão de proibição e de residência em causa no processo principal, cujos efeitos têm uma dimensão europeia, as autoridades húngaras privaram M.D. de qualquer direito de residência no território de todos os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E, C‑240/17, EU:C:2018:8, n.o 42).

65      Resulta das considerações precedentes que um Estado‑Membro não pode proibir a entrada no território da União a um nacional de um país terceiro, do qual um membro da família é cidadão da União, nacional desse Estado‑Membro que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, sem que a existência de uma relação de dependência, conforme descrita no n.o 61 do presente acórdão, entre esse nacional de um país terceiro e esse membro da família tenha sido verificada. Incumbe, pelo contrário, às autoridades nacionais competentes apreciar, designadamente com fundamento nos elementos que o nacional de um país terceiro e o cidadão da União em questão lhes devem poder facultar livremente e, procedendo, se for necessário, às averiguações necessárias, se existe, entre essas duas pessoas, essa relação de dependência [v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real (Cônjuge de um cidadão da União), C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 53].

66      Em terceiro lugar, importa salientar que foi retirado a M.D. o seu direito de residência no território húngaro com o fundamento de que o seu comportamento constituía uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional e que a adoção, a seu respeito, de uma decisão de proibição de entrada e de residência no território da União assentou no mesmo motivo.

67      Nesta medida, importa recordar que os Estados‑Membros podem derrogar, sob certas condições, o direito de residência derivado, decorrente do artigo 20.o TFUE, para o membro da família de um cidadão da União referido no n.o 58 do presente acórdão a fim de garantir a manutenção da ordem pública ou a salvaguarda da segurança pública. Pode ser esse o caso quando esse nacional de um país terceiro representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou para a segurança pública ou nacional [v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2018, K. A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 92 e jurisprudência referida].

68      Todavia, como salientou o advogado‑geral no n.o 103 das suas conclusões, a aplicação de tal derrogação não pode assentar unicamente nos antecedentes penais do nacional em questão de um país terceiro. Só pode decorrer, sendo caso disso, de uma apreciação concreta de todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço, à luz do princípio da proporcionalidade, dos direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e, entre outros, do interesse superior do filho menor, cidadão da União. Assim, podem, designadamente, ser tomados em consideração pela autoridade nacional competente a gravidade das infrações cometidas e o grau de severidade dessas condenações, bem como o prazo decorrido entre a data em que foram pronunciadas e a data em que essa autoridade se pronuncia. Quando a relação de dependência entre o referido nacional de um país terceiro e um cidadão menor da União decorre do facto de que o primeiro é o progenitor do segundo, há que ter igualmente em conta a idade, o estado de saúde bem como a situação familiar e económica desse cidadão da União menor [v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.o 53 e jurisprudência referida].

69      Por conseguinte, quando uma relação de dependência, tal como descrita no n.o 61 do presente acórdão, é estabelecida entre o nacional em questão de um país terceiro e o membro da sua família, cidadão da União, o Estado‑Membro em causa apenas pode proibir a entrada e a residência desse nacional no território da União por razões de ordem pública ou de segurança nacional depois de ter tido em conta todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente, se for caso disso, o interesse superior do seu filho menor, cidadão da União.

70      Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 20.o TFUE opõe‑se a que um Estado‑Membro adote uma decisão de proibição de entrada no território da União em relação a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, nacional desse Estado‑Membro que nunca tenha exercido a sua liberdade de circulação, sem ter previamente examinado se existe, entre essas pessoas, uma relação de dependência que obrigue, de facto, esse cidadão da União a deixar o território da União, considerado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família e, em caso afirmativo, se os motivos pelos quais essa decisão é adotada autorizam a derrogar o direito de residência derivado desse nacional de um país terceiro.

–       Quanto à Diretiva 2008/115

71      Em primeiro lugar, importa examinar se uma decisão de proibição de entrada em todo o território da União, tomada por um Estado‑Membro em relação a um nacional de um país terceiro, é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115, quando, como no caso em apreço, essa decisão é tomada depois de esse nacional ter abandonado o território desse Estado‑Membro, sem que nenhuma decisão de regresso tenha sido adotada a seu respeito.

72      A este propósito, em primeiro lugar, resulta do considerando 2 da Diretiva 2008/115 que esta prossegue a definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas. Conforme resulta tanto do seu título como do seu artigo 1.o, a Diretiva 2008/115 estabelece, para esse fim, «normas e procedimentos comuns» que devem ser aplicados nos Estados‑Membros, ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular [Acórdão de 8 de maio de 2018, Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 100 e jurisprudência referida].

73      Sob reserva das exceções previstas no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, as quais não parecem ser aplicáveis numa situação como a que está em causa no processo principal, esta diretiva aplica‑se a qualquer nacional de um país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro. Por outro lado, sempre que seja abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva, um nacional de um país terceiro deve, em princípio, estar sujeito às normas e aos procedimentos comuns por esta previstos com vista ao seu regresso, e isso enquanto a sua situação não tiver sido, se for caso disso, regularizada [Acórdão de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Cannabis terapêutico), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 52 e jurisprudência referida].

74      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 prevê, por seu lado, que, uma vez estabelecido o caráter irregular da residência, qualquer nacional de um país terceiro deve, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5 do referido artigo e no estrito respeito das exigências fixadas no artigo 5.o desta diretiva, ser objeto de uma decisão de regresso, a qual deve identificar, de entre os países terceiros referidos no artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115, aquele para o qual deve ser afastado [Acórdão de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Cannabis terapêutico), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 53 e jurisprudência referida].

75      Resulta, porém, deste artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 que se deve permitir a um nacional de um país terceiro, que se encontra em situação irregular no território de um Estado‑Membro ao mesmo tempo que dispõe de um direito de residência noutro Estado‑Membro, que se desloque para este último em vez de se adotar, de imediato, a seu respeito, uma decisão de regresso, a menos que a ordem pública ou a segurança nacional o exijam [Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro) (C‑203/15 P e C‑673/19 P, EU:C:2021:127, n.o 35)].

76      Por último, por força do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros devem adotar uma decisão de proibição de entrada no território quando o nacional de um país terceiro, que foi objeto de uma decisão de regresso, não tenha respeitado a sua obrigação de regresso ou quando nenhum prazo para uma partida voluntária lhe tenha sido concedido, o que pode ser o caso, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva, quando a pessoa em questão constitua um perigo para a ordem pública, a segurança pública ou para a segurança nacional [Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑203/15 P e C‑82/16 P, EU:C:2018:308, n.o 86]. Nos outros casos, decorre deste artigo 11.o, n.o 1, que os Estados‑Membros podem fazer acompanhar as decisões de regresso de tal proibição de entrada.

77      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma proibição de entrada constitui um meio destinado a aumentar a eficácia da política da União em matéria de regresso, ao garantir que, durante um certo período após o afastamento de um nacional de um país terceiro cuja situação é irregular, este já não poderá regressar legalmente ao território dos Estados‑Membros [Acórdão de 17 de setembro de 2020, JZ (Pena de prisão em caso de proibição de entrada), C‑806/18, EU:C:2020:724, n.o 32].

78      Em segundo lugar, a circunstância de que, como no caso em apreço, um nacional de um país terceiro seja objeto de uma decisão de proibição de entrada sem ter, previamente, sido o destinatário de uma decisão de regresso não implica necessariamente que essa decisão de proibição de entrada escape ao âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

79      É certo que decorre do artigo 3.o, ponto 6, e do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 que, em princípio, a adoção de uma decisão de proibição de entrada em relação a um nacional de um país terceiro não se concebe sem que uma decisão de regresso tenha sido adotada e relação a esse nacional.

80      Todavia, no caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a decisão mediante a qual a Hungria proibiu M.D. de entrar no território da União, com o fundamento de que o seu comportamento constituía uma ameaça real, direta e grave para a segurança nacional desse Estado‑Membro, foi adotada no prolongamento da decisão pela qual o referido Estado‑Membro lhe retirou, por um motivo idêntico, o seu direito de residência no território do mesmo Estado‑Membro.

81      Ora, resulta da própria redação do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 que, nesse caso, o Estado‑Membro em que o nacional de país terceiro se encontra em situação irregular é obrigado a adotar uma decisão de regresso a seu respeito, mesmo quando este último dispõe de um direito de residência noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E, C‑240/17, EU:C:2018:8, n.o 48).

82      A este respeito, carece de pertinência o facto de, como alegou o Governo húngaro, a inexistência dessa decisão de regresso se explicar, no caso em apreço, pela complexidade do processo decisório instaurado pela regulamentação nacional. Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar o incumprimento das obrigações que decorrem para ele do direito da União [Acórdãos de 8 de setembro de 2010, Carmen Media Group, C‑46/08, EU:C:2010:505, n.o 69, e de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 19 e jurisprudência referida].

83      Por conseguinte, seria contrário ao objetivo e à economia geral da Diretiva 2008/115 considerar que uma decisão de proibição de entrada no território da União adotada em relação a um nacional de um país terceiro por um motivo de salvaguarda da segurança nacional escapa ao âmbito de aplicação desta diretiva, devido ao facto de esse nacional de um país terceiro não ter sido objeto, previamente, de uma decisão de regresso.

84      Considerar, nesse caso, que a Diretiva 2008/115 não se aplica a essa decisão de proibição de entrada privaria indevidamente o referido nacional de um país terceiro das garantias substantivas e processuais que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar, por força desta diretiva, quando ponderem adotar tal decisão de proibição de entrada.

85      Tal conclusão não é posta em causa pelo Acórdão de 3 de junho de 2021, Westerwaldkreis (C‑546/19, EU:C:2021:432), uma vez que a situação em causa no processo que deu origem a esse acórdão era distinta da que está em causa no processo principal. Com efeito, a decisão de proibição de entrada em causa no referido acórdão tinha sido mantida, embora a decisão de regresso, que era acompanhada dessa decisão de proibição de entrada, tivesse sido revogada.

86      Em terceiro lugar, a circunstância de, na data em que uma decisão de proibição de entrada e de residência é adotada em relação a um nacional de um país terceiro, este último já não se encontrar em situação irregular no território do Estado‑Membro que tenha adotado essa decisão também não basta para excluir essa decisão do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

87      Com efeito, por um lado, como foi salientado no n.o 77 do presente acórdão, essa decisão de proibição tem por objeto impedir o nacional em questão de um país terceiro de regressar ao território da União depois de o ter abandonado. Por outro lado, embora o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva 2008/115 permita que uma decisão de regresso e uma decisão de proibição de entrada sejam adotadas concomitantemente, esta disposição não o impõe de modo nenhum. Por conseguinte, não basta que uma decisão de proibição de entrada seja adotada depois da partida do nacional de um país terceiro do território de um Estado‑Membro para que essa decisão de proibição de entrada escape automaticamente ao âmbito de aplicação desta diretiva.

88      Por conseguinte, há que considerar que uma decisão de proibição de entrada, como a que está em causa no processo principal, deve ser vista como uma proibição de entrada, na aceção do artigo 11.o da Diretiva 2008/115, e que a sua adoção está sujeita ao respeito das garantias previstas por esta diretiva.

89      Em segundo lugar, o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, que constitui uma regra geral que se impõe aos Estados‑Membros quando estes aplicam esta diretiva [Acórdão de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Cannabis terapêutico), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 55], obriga estes últimos a terem devidamente em conta o interesse superior da criança, a vida familiar e o estado de saúde do nacional em questão de um país terceiro. Por conseguinte, essa obrigação impõe‑se‑lhes igualmente quando ponderem adotar uma decisão de proibição de entrada, na aceção do artigo 11.o da referida diretiva.

90      Importa igualmente especificar que, por força desse artigo 5.o, os Estados‑Membros são obrigados a ter devidamente em conta o interesse superior da criança antes de adotar uma decisão de proibição de entrada, mesmo quando o destinatário dessa decisão seja não um menor mas o pai desse menor [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2021, Estado belga (Regresso do progenitor de um menor), C‑112/20, EU:C:2021:197, n.o 43].

91      Por conseguinte, o referido artigo 5.o opõe‑se a que uma decisão de proibição de entrada, na aceção do artigo 11.o da Diretiva 2008/115, seja adotada em relação a um nacional de um país terceiro, sem que tenham sido tidos em conta, previamente, o seu estado de saúde, bem como, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior do seu filho menor.

92      Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à primeira e segunda questões do seguinte modo:

–        o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro adote uma decisão de proibição de entrada no território da União em relação a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, nacional desse Estado‑Membro que nunca tenha exercido a sua liberdade de circulação, sem ter previamente examinado se existe, entre essas pessoas, uma relação de dependência que obrigue, de facto, esse cidadão da União a abandonar esse território, considerado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família e, em caso afirmativo, se os motivos pelos quais essa decisão é adotada permitem derrogar o direito de residência derivado desse nacional de um país terceiro;

–        o artigo 5.o da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um nacional de um país terceiro, que devia ter sido o destinatário de uma decisão de regresso, seja objeto, no prolongamento imediato da decisão que lhe retirou, por motivos ligados à segurança nacional, o seu direito de residência no território do Estado‑Membro em questão, de uma decisão de proibição de entrada no território da União, adotada por motivos idênticos, sem que tenham previamente sido tomados em consideração o seu estado de saúde, bem como, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior do seu filho menor.

 Quanto à terceira questão

93      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE e os artigos 5.o e 13.o da Diretiva 2008/115, lidos em conjugação com os artigos 20.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que, quando é interposto no órgão jurisdicional nacional um recurso de uma decisão de proibição de entrada, adotada ao abrigo de uma regulamentação nacional incompatível com esse artigo 5.o, esse órgão jurisdicional se pode basear numa regulamentação nacional anterior ou é obrigado a aplicar diretamente o referido artigo 5.o

94      Em primeiro lugar, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, em todos os casos em que as disposições de uma diretiva se afigurem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá‑las nos tribunais nacionais contra o Estado, seja quando este não tiver transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional, seja quando este tenha feito uma transposição incorreta [Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 103, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 17 e jurisprudência referida].

95      Uma disposição do direito da União é, por um lado, incondicional quando enuncia uma obrigação que não está sujeita a nenhuma condição nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à adoção de um ato quer das instituições da União quer dos Estados‑Membros e, por outro, suficientemente precisa para ser invocada por um litigante e aplicada pelo juiz quando enuncia uma obrigação em termos inequívocos. Além disso, ainda que uma diretiva conceda aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quando estes adotam as modalidades da sua aplicação, pode considerar‑se que uma disposição dessa diretiva tem caráter incondicional e preciso quando impõe aos Estados‑Membros, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa, que não está sujeita a nenhuma condição relativa à aplicação da regra nela enunciada [Acórdãos de 19 de janeiro de 1982, Becker, 8/81, EU:C:1982:7, n.o 25, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.os 18 e 19 e jurisprudência referida].

96      No caso em apreço, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio assenta na premissa segundo a qual o legislador húngaro violou as garantias previstas no artigo 5.o da Diretiva 2008/115 ao não exigir que a autoridade nacional competente tenha devidamente em conta o estado de saúde do nacional em questão de um país terceiro, bem como, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior do seu filho antes de adotar, em relação a esse nacional, uma proibição de entrada por motivos ligados à segurança nacional.

97      A este respeito, importa salientar que, na medida em que o artigo 5.o da Diretiva 2008/115 obriga os Estados‑Membros a ter devidamente em conta esses elementos quando aplicam esta diretiva, esse artigo 5.o é suficientemente preciso e incondicional para ser considerado dotado efeito direto. O referido artigo pode, portanto, ser invocado por um particular e aplicado pelas autoridades administrativas e pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.

98      Em especial, quando um Estado‑Membro ultrapassa o seu poder de apreciação ao adotar uma regulamentação que não garante que a autoridade nacional competente tomará devidamente em consideração o estado de saúde do nacional em questão de um país terceiro, e, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior do seu filho, esse nacional deve poder invocar diretamente o artigo 5.o da referida diretiva contra essa regulamentação [v., por analogia, Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 30].

99      Em segundo lugar, importa recordar que, a fim de garantir a efetividade de todas as disposições do direito da União, o princípio do primado impõe, nomeadamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais que interpretem, tanto quanto possível, o seu direito interno de modo conforme com o direito da União. Dito isto, a obrigação de interpretação conforme do direito nacional conhece certos limites e não pode, nomeadamente, servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional [Acórdãos de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 47, e 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida].

100    Importa igualmente recordar que o princípio do primado impõe ao juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União, a obrigação, na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, de assegurar o pleno efeito das exigências deste direito no litígio que é chamado a decidir, afastando, se necessário, a aplicação, por sua própria autoridade, de qualquer regulamentação ou prática nacional, ainda que posterior, que seja contrária a uma disposição do direito da União que tenha efeito direto, sem que tenha de pedir ou de aguardar a supressão prévia desta regulamentação ou prática nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional [Acórdãos de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 58 e 61, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 37 e jurisprudência referida].

101    Por conseguinte, quando o artigo 5.o da Diretiva 2008/115 é invocado por um particular perante um juiz nacional contra um Estado‑Membro que dele fez uma transposição incorreta, incumbe a esse juiz assegurar a plena eficácia dessa disposição do direito da União dotada de efeito direto e, na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com esse artigo 5.o, afastar a aplicação, por sua própria autoridade, das disposições nacionais incompatíveis com o referido artigo 5.o

102    A fim de assegurar a plena eficácia da obrigação de ter devidamente em conta o estado de saúde do nacional em questão de um país terceiro, bem como, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior da criança, incumbe, por conseguinte, ao juiz nacional que conheça de um recurso de uma decisão de proibição de entrada, adotada com fundamento numa regulamentação nacional que não pode ser interpretada de modo conforme com as exigências decorrentes do artigo 5.o da Diretiva 2008/115, examinar se pode afastar unicamente a parte dessa regulamentação da qual decorreria a impossibilidade de ter devidamente em conta essas exigências. Caso contrário, o juiz nacional teria de afastar a aplicação da integralidade da referida regulamentação e a basear diretamente a sua decisão nesse artigo 5.o

103    Em contrapartida, o efeito direto reconhecido ao artigo 5.o da Diretiva 2008/115 não pode impor a um órgão jurisdicional nacional que tenha afastado uma regulamentação nacional contrária a este artigo 5.o a obrigação de aplicar uma regulamentação nacional anterior, que concederia garantias suplementares às que decorrem do referido artigo 5.o

104    Resulta das considerações precedentes que o artigo 5.o da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de proibição de entrada, adotada ao abrigo de uma regulamentação nacional incompatível com este artigo 5.o e que não pode ser objeto de uma interpretação conforme, este órgão jurisdicional deve afastar a aplicação dessa regulamentação na medida em que esta viole o referido artigo e, quando tal se revele necessário para assegurar a plena eficácia deste último, aplicar diretamente o mesmo artigo ao litígio sobre o qual se pronuncia.

 Quanto à quarta questão

105    Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional por força da qual as autoridades administrativas de um Estado‑Membro recusam aplicar uma decisão judicial definitiva que ordene a suspensão da execução de uma decisão de proibição de entrada, pelo facto de esta última decisão já ter sido objeto de uma indicação no SIS.

106    No caso em apreço, resulta, mais especificamente, dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, em 31 de março de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou a suspensão da execução da decisão de proibição de entrada e de residência em causa no processo principal, em razão tanto da intenção desse órgão jurisdicional de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial como das consequências desfavoráveis, para M.D., bem como para o seu filho menor e a sua companheira, da execução dessa decisão de proibição.

107    Tirando proveito desta precisão preliminar, importa salientar, em primeiro lugar, que, ao abrigo do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, o nacional de um país terceiro dispõe de uma via de recurso efetiva para impugnar, nomeadamente, a regularidade da decisão de proibição de entrada da qual é objeto. Ao abrigo do n.o 2 deste artigo, a autoridade ou a instância competente que conhece desse recurso deve poder suspender temporariamente a execução dessa decisão de proibição de entrada, a menos que uma suspensão desta última seja já aplicável por força da legislação nacional.

108    Por conseguinte, embora o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 não imponha que um recurso de uma decisão de proibição de entrada tenha efeito suspensivo, não é menos verdade que, quando um Estado‑Membro não prevê essa suspensão de pleno direito, a autoridade ou a instância competente para examinar esse recurso deve dispor da possibilidade de suspender a execução dessa decisão (v., neste sentido, Despacho de 5 de maio de 2021, CPAS de Liège, C‑641/20, não publicado, EU:C:2021:374, n.o 22).

109    Ora, seria contrário ao efeito útil desta disposição que uma autoridade administrativa seja autorizada a recusar aplicar uma decisão através da qual um órgão jurisdicional, que conhece de um recurso de uma decisão de proibição de entrada, ordenou a suspensão da execução desta última decisão (Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 55 a 59 e 66). De resto, o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o da Carta e concretizado no artigo 13.o da Diretiva 2008/115, seria ilusório se a ordem jurídica de um Estado‑Membro permitisse que uma decisão judicial definitiva e obrigatória fosse inoperante em detrimento de uma parte (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 52, e de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe, C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.os 35 e 36).

110    A circunstância de a decisão de proibição de entrada e de residência em causa no processo principal já ter sido objeto de uma indicação no SIS pelo Estado‑Membro em causa não pode infirmar a conclusão enunciada no número anterior do presente acórdão. Com efeito, em conformidade com o artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006, este Estado‑Membro tem liberdade para apagar dados introduzidos no SIS, na sequência, nomeadamente, de uma decisão judicial que ordene a suspensão da execução dessa decisão de proibição de entrada que tenha justificado essa indicação.

111    Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a plena eficácia do direito da União exige que o juiz que conhece de um litígio regido por esse direito possa conceder medidas provisórias a fim de garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a proferir, quando decide submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. Por conseguinte, a efetividade do sistema instaurado pelo artigo 267.o TFUE ficaria comprometida se a autoridade associada a essas medidas provisórias pudesse ser desrespeitada, nomeadamente, por uma autoridade pública do Estado‑Membro no qual essas medidas foram adotadas W.Ż. [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 142].

112    Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional nos termos da qual as autoridades administrativas de um Estado‑Membro recusam aplicar uma decisão judicial definitiva que ordena a suspensão da execução de uma decisão de proibição de entrada, com o fundamento de que esta última decisão já foi objeto de uma indicação no SIS.

 Quanto às despesas

113    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que um EstadoMembro adote uma decisão de proibição de entrada no território da União Europeia em relação a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, nacional desse EstadoMembro que nunca tenha exercido a sua liberdade de circulação, sem ter previamente examinado se existe, entre essas pessoas, uma relação de dependência que obrigue, de facto, esse cidadão da União a abandonar esse território, considerado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família e, em caso afirmativo, se os motivos pelos quais essa decisão é adotada permitem derrogar o direito de residência derivado desse nacional de um país terceiro.

2)      O artigo 5.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos EstadosMembros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que um nacional de um país terceiro, que devia ter sido o destinatário de uma decisão de regresso, seja objeto, no prolongamento imediato da decisão que lhe retirou, por motivos ligados à segurança nacional, o seu direito de residência no território do EstadoMembro em questão, de uma decisão de proibição de entrada no território da União Europeia, adotada por motivos idênticos, sem que tenham previamente sido tomados em consideração o seu estado de saúde, bem como, se for caso disso, a sua vida familiar e o interesse superior do seu filho menor.

3)      O artigo 5.o da Diretiva 2008/115

deve ser interpretado no sentido de que:

quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de proibição de entrada, adotada ao abrigo de uma regulamentação nacional incompatível com este artigo 5.o e que não pode ser objeto de uma interpretação conforme, este órgão jurisdicional deve afastar a aplicação dessa regulamentação na medida em que esta viole o referido artigo e, quando tal se revele necessário para assegurar a plena eficácia deste último, aplicar diretamente o mesmo artigo ao litígio sobre o qual se pronuncia.

4)      O artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma prática nacional nos termos da qual as autoridades administrativas de um EstadoMembro recusam aplicar uma decisão judicial definitiva que ordena a suspensão da execução de uma decisão de proibição de entrada, com o fundamento de que esta última decisão já foi objeto de uma indicação no Sistema de Informação Schengen.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.