Language of document : ECLI:EU:T:2020:542

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

18 de novembro de 2020 (*)

«Energia — Artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009 — Decisão da ACER que indefere um pedido de isenção relativo às novas interligações elétricas — Recurso interposto na Câmara de Recurso da ACER — Intensidade do controlo»

No processo T‑735/18,

Aquind Ltd, com sede em Wallsend (Reino Unido), representada por S. Goldberg, solicitor, E. White, advogado, e C. Davis, solicitor,

recorrente,

contra

Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), representada por P. Martinet, E. Tremmel, C. Gence‑Creux e A. Hofstadter, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação, por um lado, da Decisão A‑001‑2018 da Câmara de Recurso da ACER, de 17 de outubro de 2018, através da qual foi confirmada a Decisão n.o 05/2018 da ACER, de 19 de junho de 2018, que indeferiu um pedido de isenção relativo a uma interligação elétrica entre as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa, e, por outro, da referida decisão da ACER,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: V. Tomljenović, presidente, P. Škvařilová‑Pelzl e I. Nõmm (relator), juízes,

secretário: B. Lefebvre, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A recorrente, Aquind Ltd, é uma sociedade anónima constituída na Grã‑Bretanha. É o promotor de um projeto de interligação elétrica que liga as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa (a seguir «interligação Aquind»).

2        Em 17 de maio de 2017, a recorrente apresentou um pedido destinado a obter uma isenção para a interligação Aquind a título do artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15). Este pedido de isenção foi submetido às autoridades reguladoras nacionais francesa e britânica, a saber, respetivamente, a Commission de régulation de l’énergie (CRE) e o Office of Gas and Electricity Markets Authority (OFGEM).

3        Não tendo as autoridades reguladoras nacionais francesa e britânica chegado a acordo sobre o pedido de isenção, transmitiram este pedido, respetivamente, em 29 de novembro e em 19 de dezembro de 2017, à Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), em conformidade com o artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009, para que esta última tomasse ela própria a decisão.

4        Em 12 de março, 22 de março e 16 de maio de 2018, a recorrente foi ouvida no âmbito de audições na ACER.

5        Em 26 de abril de 2018, a interligação Aquind obteve o estatuto de projeto de interesse comum.

6        Através da Decisão n.o 05/2018, de 19 de junho de 2018 (a seguir «decisão da Agência»), a ACER indeferiu o pedido de isenção para a interligação Aquind. Considerou que, embora a recorrente preenchesse as condições necessárias à obtenção de uma isenção enumeradas no artigo 17.o, n.o 1, alíneas a) e c) a f), do Regulamento n.o 714/2009, a prevista na alínea b) dessa mesma disposição, segundo a qual o nível de risco associado ao investimento deve ser tal que o investimento não se realizaria se não fosse concedida uma isenção, não estava preenchida. Em especial, salientou que, em abril de 2018, a interligação Aquind tinha obtido o estatuto de projeto de interesse comum, que, a esse título, a recorrente podia requerer a aplicação do artigo 12.o do Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga a Decisão n.o 1364/2006/CE e altera os Regulamentos (CE) n.o 713/2009, n.o 714/2009 e (CE) n.o 715/2009 (JO 2013, L 115, p. 39), que prevê a possibilidade de uma imputação dos custos transfronteiriços, o que não tinha feito. Assim, considerou que não se podia excluir que um apoio financeiro previsto pelo regime regulamentado estivesse disponível para a interligação Aquind e concluiu que não estava em condições de identificar com a certeza exigida a existência de um risco assente na inexistência de um apoio financeiro através do regime regulamentado relativamente à referida interligação. Por outro lado, considerou que o risco associado às receitas, o risco excecional associado ao mercado, o risco associado à concorrência direta com as outras interligações e a incerteza sobre os rendimentos do congestionamento, o risco de restrição da rede britânica, o risco associado à construção da interligação Aquind, bem como os riscos políticos e macroeconómicos associados, nomeadamente, ao Brexit, eram insuficientes ou não tinham sido demonstrados.

7        Em 17 de agosto de 2018, a recorrente interpôs recurso desta decisão na Câmara de Recurso da ACER.

8        Em 26 de setembro de 2018, a Câmara de Recurso da ACER realizou uma audição durante a qual ouviu, nomeadamente, o depoimento de cinco peritos convidados pela recorrente.

9        Através da Decisão A‑001‑2018, de 17 de outubro de 2018 (a seguir «decisão da Câmara de Recurso»), a Câmara de Recurso da ACER confirmou a decisão da Agência e, assim, indeferiu o pedido de isenção para a interligação Aquind. Em primeiro lugar, recordou que a Agência dispunha de um poder discricionário quando analisou se estavam preenchidas as condições necessárias à obtenção de uma isenção prevista no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e que a avaliação das referidas condições resultava de uma apreciação complexa. Em segundo lugar, referindo‑se à jurisprudência que prevê uma fiscalização jurisdicional restrita quando as apreciações feitas pela administração têm um caráter económico ou técnico complexo, a Câmara de Recurso indicou que a fiscalização em sede de recurso era limitada quando as apreciações apresentavam esse caráter, e que devia limitar‑se a determinar se a Agência tinha cometido um erro manifesto de apreciação no exame dos requisitos previstos no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009. Em terceiro lugar, rejeitando a acusação feita à Agência de ter tido em conta, para a apreciação do risco associado ao investimento, a possibilidade de recorrer ao procedimento de imputação dos custos transfronteiriços previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013, a Câmara de Recurso considerou que a recorrente não tinha cumprido o ónus da prova que lhe cabia, uma vez que não tinha demonstrado que o regime regulamentado previsto pelo Regulamento n.o 347/2013 não teria sido suficiente para realizar o investimento e que, por conseguinte, nenhum investimento teria sido realizado sem a obtenção da isenção prevista no artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

10      Em quarto lugar, ao examinar a acusação da recorrente segundo a qual a Agência cometeu um erro manifesto de apreciação ao exigir um «nível de risco excecional», a Câmara de Recurso considerou, após análise da secção 6.6 da decisão da Agência, que nenhum elemento permitia concluir que esta se afastou do critério de risco previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. A Câmara de Recurso acrescentou, a este respeito, que a Agência não tinha mencionado que era exigido um nível de risco excecional para que fosse concedida uma isenção, nem adotado qualquer raciocínio de acordo com esta abordagem.

11      Em quinto lugar, afastando a acusação relativa à alegada existência de restrições legais em França que impediriam a recorrente de beneficiar da aplicação do sistema regulamentado, a Câmara de Recurso observou que os riscos a que se refere o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 deviam ser essencialmente riscos associados ao mercado ou riscos financeiros, e não diziam respeito aos eventuais «riscos» decorrentes da lei francesa.

12      Em sexto lugar, a Câmara de Recurso observou, antes de mais, que cabia à recorrente apresentar a prova de que nenhum investidor, ou seja, nenhum tipo de investidores, teria sido atraído pelo investimento na interligação Aquind na falta de uma isenção, uma vez que a aplicação de um critério jurídico diferente permitiria aos requerentes de uma isenção contornar a exigência do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, limitando artificialmente o painel dos potenciais investidores. Em seguida, constatou, fornecendo exemplos, que o clima era propício aos investimentos em interligações na fronteira franco‑britânica. Além disso, tendo em conta os riscos associados à dimensão da interligação Aquind, considerou que a Agência tinha aplicado corretamente o teste que consistia em avaliar a possibilidade de investimento sem isenção, uma vez que não tinha posto em causa a escolha da dimensão do promotor da interligação Aquind, tendo antes em conta o facto de a referida interligação fazer parte de um grupo de «projetos de interesse comum» potencialmente concorrentes na fronteira franco‑britânica, e tinha avaliado a dimensão combinada de todos esses projetos no âmbito desse grupo. Por último, entendeu que a Agência tinha considerado corretamente que a recorrente não tinha demonstrado suficientemente que os riscos de desenvolvimento e de construção alegados, isolados ou combinados com outros riscos, implicavam que nenhum investimento teria sido feito na falta de uma isenção.

13      Em sétimo lugar, ao examinar a acusação relativa à não tomada em consideração do efeito cumulativo dos riscos, a Câmara de Recurso sublinhou que a Agência tinha analisado cada tipo de risco identificado pela recorrente no seu pedido de isenção e tinha fornecido uma avaliação fundamentada de cada um deles, que a recorrente não tinha feito qualquer referência a um efeito cumulativo dos riscos no seu pedido de isenção e que não tinha fundamentado este argumento no seu recurso.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso, que contém um pedido de tratamento prioritário, nos termos do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A contestação, a réplica e a tréplica foram apresentadas em 1 de abril, 20 de maio e 4 de julho de 2019.

15      Por Decisão de 17 de outubro de 2019, o presidente do Tribunal Geral, em aplicação do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, reatribuiu o processo a um novo juiz‑relator, afetado à Segunda Secção.

16      Por Decisão de 14 de fevereiro de 2020, adotada com base no artigo 69.o, alínea a), do Regulamento de Processo, a presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral, após ter recebido as observações das partes, decidiu suspender o processo até à prolação do acórdão no processo C‑454/18, Baltic Cable. Esta suspensão cessou com a prolação, em 11 de março de 2020, do Acórdão Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189).

17      Em 18 de março de 2020, as partes foram convidadas, neste contexto, a apresentar as suas eventuais observações sobre as consequências a retirar do Acórdão de 11 de março de 2020, Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189), para o presente recurso. As partes deram resposta a essa medida de organização do processo no prazo que lhes foi fixado.

18      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu, em 20 de abril de 2020, dar início à fase oral do processo sem deferir o pedido de tratamento prioritário apresentado pela recorrente.

19      No âmbito de uma medida de organização do processo de 23 de abril de 2020 adotada com base no artigo 89.o do Regulamento de Processo, foram colocadas duas questões escritas às partes, para resposta oral na audiência.

20      Por cartas de 3 e 15 de junho de 2020, a ACER indicou que, devido à crise sanitária ligada à COVID‑19, os seus agentes não estavam em condições de se deslocar ao Luxemburgo para a audiência de alegações, e pediu para aí poder ser representada por videoconferência. A recorrente indicou que não tinha qualquer objeção a que a ACER fosse representada por videoconferência.

21      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão da Câmara de Recurso e a decisão da Agência;

–        decidir sobre os principais fundamentos jurídicos suscitados na petição, a saber, o quarto, por um lado, relativo ao facto de a Agência e a Câmara de Recurso terem considerado erradamente que a recorrente devia começar por pedir e obter uma decisão de imputação dos custos transfronteiriços, em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013, antes de poder ser tomada uma decisão nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009, e o sexto, por outro, baseado no facto de a Agência e a Câmara de Recurso não terem tido em conta a circunstância de que, sem isenção, era juridicamente impossível à recorrente explorar a interligação Aquind proposta em França;

–        decidir separadamente sobre cada um dos fundamentos apresentados na petição, a fim de evitar qualquer outra contestação relativamente a esses pontos controvertidos quando a Agência reapreciar o pedido de isenção;

–        condenar a ACER nas despesas.

22      A ACER conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar inadmissível o recurso na parte em que tem por objeto a decisão da Agência;

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à admissibilidade do recurso da decisão da Agência

23      A ACER considera que o recurso deve ser julgado inadmissível na medida em que tem por objeto a decisão da Agência. Invoca um fundamento de inadmissibilidade, a este respeito, por entender que o Tribunal Geral não podia ser chamado a decidir um recurso dirigido contra a decisão da Câmara de Recurso.

24      A recorrente sustenta que, se as suas pretensões forem deferidas neste processo, a ACER será obrigada a tomar todas as medidas necessárias à execução do acórdão em aplicação do artigo 266.o TFUE. Alega que a ACER não tomaria todas as medidas necessárias à execução do acórdão se considerasse que a decisão da Agência continuava válida, razão pela qual considera, em substância, que o recurso da referida decisão deve ser declarado admissível.

25      A fim de examinar a admissibilidade do recurso interposto da decisão da Agência, antes de mais, importa recordar que o considerando 19 do Regulamento (CE) n.o 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1), indica que, «[n]os casos em que a Agência tenha poderes de decisão, os interessados deverão, por razões de economia processual, ter o direito de interpor recurso junto da Câmara de Recurso, que deverá fazer parte da Agência, mas ser independente da sua estrutura administrativa e regulamentadora […]», e acrescenta que «[a]s decisões da Câmara de Recurso podem ser recorríveis para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias».

26      Em seguida, há que sublinhar que o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 prevê que «[q]ualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo as entidades reguladoras nacionais, pode recorrer das decisões a que se referem os artigos 7.o, 8.o ou 9.o de que seja destinatária […]». Há que observar que o artigo 9.o a que se faz referência nesta disposição visa as «decis[ões] relativas a isenções, tal como previsto no n.o 5 do artigo 17.o do Regulamento […] n.o 714/2009». Ora, a decisão da Agência é precisamente uma decisão sobre uma isenção tomada em aplicação do artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009.

27      Além disso, deve observar‑se que, nos termos do artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, a Câmara de Recurso pode exercer todas as competências atribuídas à Agência ou remeter o processo para o órgão competente da Agência, que ficará vinculado à decisão da Câmara de Recurso.

28      Por último, importa salientar que o Regulamento n.o 713/2009 prevê, no seu artigo 20.o, n.o 1, que «[p]ode ser interposto recurso para o Tribunal […] de decisões da Câmara de Recurso ou, nos casos em que a Câmara de Recurso não tenha competência para se pronunciar, da Agência». O artigo 20.o, n.o 3, deste mesmo regulamento dispõe que «[a] Agência toma as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal […] ou do Tribunal de Justiça».

29      A finalidade destas disposições consiste, por um lado, em permitir à Câmara de Recurso deferir, se for caso disso, um pedido que foi objeto de indeferimento por parte da Agência e, por outro, em caso de manutenção do indeferimento pela referida Câmara, em permitir‑lhe expor com clareza os fundamentos de facto e de direito que conduzem ao referido indeferimento, de modo a que o juiz da União Europeia esteja em condições de exercer a sua fiscalização da legalidade sobre a decisão que exprime esse indeferimento.

30      No caso em apreço, a decisão da Agência podia, nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009, ser objeto de recurso para a Câmara de Recurso. Esta estava, portanto, obrigada a tomar uma decisão e, nesse âmbito, a exercer, sendo caso disso, as competências da Agência.

31      Por conseguinte, só a decisão da Câmara de Recurso pode ser contestada no Tribunal Geral. No n.o 2 do dispositivo da sua decisão, a Câmara de Recurso mencionou claramente que «esta decisão» — ou seja, a da Câmara de Recurso — podia ser objeto de recurso em conformidade com o artigo 263.o TFUE, no prazo de dois meses a contar da sua publicação no sítio Internet da ACER ou da sua notificação à recorrente.

32      Neste contexto, e contrariamente ao que sustenta a recorrente, a existência de uma continuidade funcional entre os órgãos de exame da ACER e a Câmara de Recurso — que permite a esta última exercer as competências dos referidos órgãos de exame — não implica que o Tribunal Geral possa anular a decisão inicial. Com efeito, o pedido de anulação da decisão da Agência deve ser interpretado no sentido de que visa, na realidade, que o Tribunal tome a decisão que a Câmara de Recurso deveria ter tomado quando lhe foi submetido o recurso. Ora, importa recordar que, embora o Tribunal possa, a título do seu poder de reforma, reformar as decisões das Câmaras de Recurso [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2004, MFE Marienfelde/IHMI — Vétoquinol (HIPOVITON), T‑334/01, EU:T:2004:223, n.o 19; de 12 de setembro de 2007, Koipe/IHMI — Aceites del Sur (La Española), T‑363/04, EU:T:2007:264, n.os 29 e 30; e de 11 de fevereiro de 2009, Bayern Innovativ/IHMI — Life Sciences Partners Perstock (LifeScience), T‑413/07, não publicado, n.os 15 e 16], não é menos verdade que só o pode fazer quando esse poder lhe é expressamente atribuído pelo legislador. Todavia, não se pode deixar de observar que não resulta das disposições do Regulamento n.o 713/2009 nem das do Regulamento n.o 714/2009 que o legislador tenha pretendido conferir esse poder de reforma ao Tribunal Geral.

33      Daqui resulta que a recorrente não tem legitimidade para pedir a anulação da decisão da Agência (v., por analogia, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Heli‑Flight/AESA, T‑102/13, EU:T:2014:1064, n.o 30).

34      Por conseguinte, há que julgar o recurso inadmissível na parte em que tem por objeto a decisão da Agência.

 Quanto à admissibilidade do segundo e terceiro pedidos

35      Com os seus segundo e terceiro pedidos, a recorrente pede, no essencial, ao Tribunal Geral que se pronuncie sobre os principais fundamentos jurídicos suscitados na petição.

36      A título preliminar, importa recordar que o juiz da União pode, a todo o tempo e oficiosamente, examinar os fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública, entre os quais figuram, segundo a jurisprudência, os requisitos de admissibilidade de um recurso. A fiscalização do Tribunal Geral não se limita, portanto, aos fundamentos de inadmissibilidade suscitados pelas partes (Acórdão de 11 de julho de 2019, Gollnisch/Parlamento, T‑95/18, não publicado, EU:T:2019:507, n.o 35).

37      Importa igualmente sublinhar que, em resposta à medida de organização do processo de 23 de abril de 2020 acima recordada no n.o 19, as partes apresentaram as suas observações, na audiência, sobre a questão da admissibilidade do segundo e terceiro pedidos constantes da petição à luz dos Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bernardi/Parlamento (T‑146/95, EU:T:1996:105, n.o 23), e de 17 de fevereiro de 2017, Mayer/EFSA (T‑493/14, EU:T:2017:100, n.o 37).

38      No âmbito de um recurso de anulação, os pedidos que apenas se destinam à tomada de posição sobre questões de facto ou de direito não podem, por si só, constituir pedidos válidos (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bernardi/Parlamento, T‑146/95, EU:T:1996:105, n.o 23, e de 17 de fevereiro de 2017, Mayer/EFSA, T‑493/14, EU:T:2017:100, n.o 37).

39      A análise dos elementos enumerados nestes dois pedidos não pode ocorrer independentemente do exame da legalidade do ato impugnado que é realizado no âmbito do pedido de anulação da decisão da Câmara de Recurso. Não podem, portanto, constituir pedidos enquanto tais.

40      Por conseguinte, estes dois pedidos devem ser julgados inadmissíveis.

 Quanto ao mérito

41      A recorrente invoca nove fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro sobre a margem de apreciação de que dispõe a ACER para a concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009. O segundo fundamento baseia‑se na interpretação errada desta mesma disposição, segundo a qual um pedido de isenção só deve ser deferido em último recurso. O terceiro fundamento assenta numa apreciação errada do ónus e do nível da prova exigidos para a concessão de uma isenção. No âmbito do quarto fundamento, a recorrente contesta a interpretação efetuada pela Câmara de Recurso da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013, e interroga‑se, por conseguinte, sobre a possibilidade de o seu projeto de interligação poder beneficiar de um processo de imputação dos custos transfronteiriços, sustentando que os riscos associados ao processo de imputação dos custos transfronteiriços não foram tidos em conta. O quinto fundamento é relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. O sexto fundamento baseia‑se na não tomada em consideração, a título do risco, do obstáculo jurídico criado pelo direito francês. O sétimo fundamento assenta na recusa da ACER em ter em conta a necessidade de uma certeza das receitas a longo prazo. O oitavo fundamento baseia‑se na aplicação errada do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 devido à não tomada em consideração do impacto global dos riscos específicos que incidem sobre a interligação. No âmbito do nono fundamento, a Câmara de Recurso é acusada de só ter efetuado uma fiscalização restrita das apreciações de ordem técnica e económica complexas.

42      O Tribunal Geral considera oportuno proceder prioritariamente ao exame do nono fundamento, tendo em conta a sua natureza particular, relativa ao próprio exercício pela Câmara de Recurso da sua competência de fiscalização das decisões da Agência.

 Quanto ao nono fundamento, relativo a um exame insuficiente da decisão da Agência

43      No âmbito do nono fundamento, a recorrente acusa, em substância, a Câmara de Recurso de ter limitado a sua fiscalização, aquando do exame do seu recurso, ao erro manifesto de apreciação, e sustenta que essa fiscalização restrita constitui uma violação do artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009.

44      A ACER considera, por seu turno, que o artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009 de modo nenhum obriga a Câmara de Recurso a exercer o mesmo controlo que o efetuado pela Agência e que, portanto, é livre de não examinar o processo com o mesmo nível de pormenor com que a Agência o faria. Considera que a Câmara de Recurso dispõe de uma margem de apreciação para determinar se estão reunidas as condições previstas no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. A este respeito, alega que, segundo a jurisprudência, as apreciações que envolvem questões económicas e técnicas complexas são objeto de uma fiscalização limitada aos erros manifestos no âmbito de um recurso. Sublinha que o artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009 não impede, aliás, a Câmara de Recurso de aceitar as apreciações de ordem técnica e económica realizadas pela Agência. Tendo em conta as questões económicas e técnicas complexas, o princípio da economia processual e o prazo curto previsto no artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 713/2009, a Câmara de Recurso não está em condições de efetuar um exame tão aprofundado como o da Agência e pode limitar‑se a decidir se esta cometeu um erro manifesto de apreciação. Salienta que a recorrente não demonstrou que um exame mais aprofundado poderia ter conduzido a um resultado diferente e que os testemunhos dos peritos por ela invocados foram devidamente tidos em conta e apreciados. Sustenta também que, contrariamente ao que alega a recorrente, era inútil colocar questões à CRE, uma vez que a decisão da Câmara de Recurso não dependia da resposta desta às questões relativas à possibilidade de beneficiar em França do regime regulamentado em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e à compatibilidade das restrições com o direito da União.

45      A questão principal colocada no âmbito deste fundamento é a de saber se o controlo efetuado pela Câmara de Recurso sobre a decisão da Agência está em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 713/2009 relativas à definição dos poderes da referida Câmara de Recurso.

46      A título liminar, em primeiro lugar, há que lembrar que, no que respeita à intensidade da fiscalização exercida pelas autoridades da União, é jurisprudência constante que, dado que estas dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder não está viciado de um erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação (Despacho de 4 de setembro de 2014, Rütgers Germany e o./ECHA, C‑290/13 P, não publicado, EU:C:2014:2174, n.o 25, e Acórdão de 14 de novembro de 2013, ICdA e o./Comissão T‑456/11, EU:T:2013:594, n.o 45). O mesmo se diga das apreciações de ordem económica complexas, uma vez que, neste caso, o juiz da União exerce igualmente uma fiscalização restrita (Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66, e de 9 de março de 2017, Ellinikos Chrysos/Comissão, C‑100/16 P, EU:C:2017:194, n.os 18 e 19).

47      Em segundo lugar, importa determinar a intensidade da fiscalização que a Câmara de Recurso exerceu relativamente à decisão da Agência. Apoiando‑se expressamente nos Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39), de 21 de junho de 2012, BNP Paribas e BNL/Comissão (C‑452/10 P, EU:C:2012:366, n.o 103), e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 95), que preveem uma fiscalização jurisdicional restrita quando as apreciações levadas a cabo pela administração têm um caráter económico ou técnico complexo, a Câmara de Recurso indicou, nos n.os 51 e 52 da sua decisão, que a fiscalização em sede de recurso era limitada quando as apreciações tinham esse caráter, devendo limitar‑se a determinar se a Agência tinha cometido um erro manifesto de apreciação das condições previstas no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

48      Assim, a Câmara de Recurso reivindicou inequivocamente, indicando jurisprudência, que a intensidade da sua fiscalização sobre as apreciações de ordem económica e técnica complexas era a mesma que a da fiscalização jurisdicional restrita exercida pelo juiz da União sobre as mesmas apreciações.

49      É à luz destas duas observações preliminares que importa examinar a abordagem defendida pela ACER que visa considerar que a fiscalização que a Câmara de Recurso exerce sobre as apreciações de ordem técnica e económica complexas pode ser equivalente à fiscalização jurisdicional restrita exercida pelo juiz da União.

50      A limitação, pela Câmara de Recurso, da intensidade do seu controlo sobre a decisão da Agência relativa a um pedido de isenção ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 é juridicamente errada em vários aspetos.

51      Em primeiro lugar, importa sublinhar que a criação da Câmara de Recurso da ACER se inscreve num movimento, privilegiado pelo legislador da União, que visa prever um mecanismo de recurso a um «órgão de recurso» nas agências da União quando lhes foi confiado um poder de decisão importante, sobre questões complexas no plano técnico ou científico, que afeta diretamente a situação jurídica das partes em causa. O sistema do órgão de recurso representa, a este respeito, um meio adequado para proteger os seus direitos num contexto em que, como foi recordado no n.o 46 supra, é jurisprudência constante que a fiscalização do juiz da União se deve limitar a examinar se o exercício do amplo poder de apreciação dos elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos não está viciado por erro manifesto ou desvio de poder.

52      A este respeito, e em segundo lugar, as disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso da ACER permitem constatar que este órgão de recurso não foi criado para se limitar a um controlo restrito das apreciações de ordem técnica e económica complexas.

53      Com efeito, em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 dispôs que a Câmara de Recurso é composta por seis membros efetivos e seis suplentes selecionados de entre os atuais ou antigos quadros superiores das entidades reguladoras nacionais, autoridades da concorrência ou outras instituições nacionais ou da União «com experiência relevante no setor da energia». O legislador da União pretendeu assim dotar a Câmara de Recurso da ACER dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia. Há que salientar que foi igualmente esse o objetivo prosseguido quando da criação de outras agências da União, como a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA) ou ainda a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), cujas Câmaras de Recurso são compostas por peritos dotados de uma qualificação que reflete a especificidade dos domínios em causa.

54      Em segundo lugar, os poderes da Câmara de Recurso, conforme descritos no artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, militam igualmente para uma fiscalização que não é a exercida pelo juiz da União sobre as apreciações complexas. Antes de mais, este prevê que a Câmara de Recurso pode exercer todas as competências atribuídas à Agência ou remeter o processo para o órgão competente da Agência, ficando este órgão vinculado à decisão da Câmara de Recurso. Esta disposição regula as competências de que a Câmara de Recurso dispõe depois de ter declarado que um recurso que lhe foi submetido era procedente. Confere‑lhe um poder discricionário no âmbito de cujo exercício deve examinar se os elementos de que dispõe na sequência do exame do recurso lhe permitem adotar a sua própria decisão (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.os 66 e 118).

55      Assim, há que salientar que, em substância, a Câmara de Recurso dispõe, por força do artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009, não só do conjunto dos poderes de que dispõe a própria ACER mas também dos poderes que lhe foram conferidos enquanto órgão de recurso da Agência. Se a Câmara de Recurso optar por remeter o processo à Agência, pode orientar as decisões tomadas pela referida Agência na medida em que esta última está vinculada pela fundamentação da Câmara de Recurso.

56      Além disso, em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo as entidades reguladoras nacionais, pode recorrer das decisões a que se referem os artigos 7.o, 8.o ou 9.o do mesmo regulamento de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito. Não resulta desta disposição que uma violação da legislação da União pela Agência constitua um requisito de admissibilidade do recurso que lhe foi submetido. Assim, e contrariamente ao juiz da União, a Câmara de Recurso é competente, a título de fiscalização da oportunidade, para anular ou substituir decisões da Agência, unicamente com base em considerações técnicas e económicas.

57      Em terceiro lugar, o artigo 20.o do Regulamento n.o 713/2009 testemunha igualmente a vontade do legislador de dotar a Câmara de Recurso de um poder de controlo mais intenso do que o do controlo restrito. Esta disposição prevê que «[p]ode ser interposto recurso para o Tribunal [Geral] ou para o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo [263.o TFUE], de decisões da Câmara de Recurso ou, nos casos em que a Câmara de Recurso não tenha competência para se pronunciar, da Agência».

58      Resulta desta disposição, bem como do raciocínio que figura nos n.os 25 a 34 supra, que, no que respeita aos pedidos de isenção, só as decisões da Câmara de Recurso adotadas ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 e do artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009 podem ser objeto de recurso para o Tribunal Geral. O facto de a recorrente não poder contestar a decisão da Agência perante o juiz da União reforça a conclusão de que a Câmara de Recurso não pode efetuar uma fiscalização restrita da referida decisão da Agência equivalente à fiscalização jurisdicional exercida pelo juiz da União. Com efeito, se a fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso devesse ser restrita no que respeita às apreciações de ordem técnica e económica complexas, isso significaria que o Tribunal exerceria uma fiscalização limitada sobre uma decisão que seria, ela própria, o resultado de uma fiscalização restrita. É manifesto que um sistema de «controlo restrito de uma fiscalização restrita» não oferece as garantias de uma proteção jurisdicional efetiva de que devem beneficiar as empresas a quem foi indeferido um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

59      Em terceiro lugar, o artigo 19.o, n.o 6, do Regulamento n.o 713/2009 dispôs, em substância, que cabia à Câmara de Recurso adotar as regras de organização e de processo perante ela. Importa salientar que a Decisão n.o 1‑2011 da Câmara de Recurso da ACER, adotada em 1 de dezembro de 2011, que estabelece as regras de organização e de processo da Câmara de Recurso, previu, no seu artigo 8.o, n.o 1, alínea e), que a petição de recurso deve conter os «fundamentos de direito» e os argumentos de facto e de direito invocados. Esta disposição não pode justificar que a fiscalização exercida pela Câmara de Recurso se limite a uma fiscalização restrita. Com efeito, o facto de o legislador da União ter expressamente previsto no artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009 que a Câmara de Recurso dispõe de todos os poderes de que dispõe a própria ACER confirma efetivamente que pretendeu atribuir‑lhe a missão de exercer um controlo da decisão da Agência com uma intensidade que não se pode limitar à fiscalização restrita.

60      Neste sentido, importa sublinhar que o artigo 20.o da Decisão n.o 1‑2011, sob a epígrafe «[c]ompetência», previa que a Câmara de Recurso podia exercer qualquer poder que fosse da competência da Agência. Ao adotar esta disposição, a Câmara de Recurso traduziu, nas suas regras de organização e de processo, o poder de controlo que lhe foi atribuído pelo artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, que não pode reduzir‑se ao controlo do erro manifesto de apreciação. A este respeito, é útil constatar que, em 5 de outubro de 2019, a Câmara de Recurso restringiu o seu poder ao alterar o referido artigo 20.o (atual artigo 21.o). Doravante, a Câmara de Recurso limita‑se a confirmar a decisão da Agência ou a remeter o processo ao órgão competente da mesma. Já não se trata, portanto, de «exercer todas as competências atribuídas à Agência». Sem prejuízo de uma eventual incompatibilidade com o Regulamento n.o 713/2009 desta disposição, pela qual a Câmara de Recurso restringiu, em todo o caso, o seu poder, há que constatar que ainda não era aplicável no momento em que a decisão da Câmara de Recurso foi adotada.

61      Em quarto lugar, o Tribunal Geral considera que a jurisprudência segundo a qual as apreciações de ordem técnica, científica e económica complexas estão sujeitas à fiscalização restrita do juiz da União não é aplicável à fiscalização efetuada pelos órgãos de recurso das agências da União. Nomeadamente, já foi declarado, a propósito da Câmara de Recurso da ECHA, que o controlo efetuado por essa Câmara sobre apreciações de ordem científica constantes de uma decisão da ECHA não estava limitado à verificação da existência de erros manifestos, mas que, pelo contrário, devido às competências jurídicas e científicas dos seus membros, a referida Câmara devia verificar se os argumentos invocados pelo recorrente eram suscetíveis de demonstrar que as considerações em que a referida decisão da ECHA se baseara padeciam de erros (Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.os 87 a 89). A intensidade do controlo efetuado pela Câmara de Recurso é superior à da fiscalização efetuada pelo juiz da União (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.o 124). Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral confirmou, em substância, que seria contrário à própria natureza dos órgãos de recurso criados nas agências que exercessem uma fiscalização restrita reservada aos órgãos jurisdicionais da União.

62      A este respeito, importa observar que, em resposta à medida de organização do processo de 23 de abril de 2020, pela qual as partes foram chamadas a apresentar as suas observações sobre os n.os 87 a 89 e 124 do Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA (T‑125/17, EU:T:2019:638), a ACER alegou na audiência que esta jurisprudência não era transponível para a sua Câmara de Recurso, que era totalmente diferente da Câmara de Recurso da ECHA.

63      Em primeiro lugar, a ACER invoca o facto de os membros da Câmara de Recurso da ECHA serem qualificados nos planos jurídico e técnico e trabalharem a tempo inteiro, podendo beneficiar do apoio de onze membros do pessoal a tempo inteiro para assegurar a assistência jurídica e o secretariado. Considera que não é esse o caso da Câmara de Recurso pelo facto de esta ser composta apenas por seis membros com experiência no domínio da energia — o que, em seu entender, não garante que a Câmara de Recurso disponha de todos os conhecimentos pertinentes para apreciar todos os factos complexos em causa —, os referidos membros não trabalharem a tempo inteiro e receberem apenas uma remuneração simbólica, e a Câmara de Recurso só ser assistida por dois juristas.

64      Estes argumentos não podem ser acolhidos. Com efeito, a composição e os poderes da Câmara de Recurso da ECHA são, contrariamente ao que sustenta a ACER, comparáveis aos da sua Câmara de Recurso.

65      Por um lado, tanto os membros da Câmara de Recurso da ECHA como os da Câmara de Recurso da ACER são escolhidos com base numa lista de candidatos proposta pela Comissão Europeia, que têm a experiência e a competência exigidas nos respetivos setores. Com efeito, no que respeita à Câmara de Recurso da ECHA, em conformidade com o artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1), «[o] presidente, os outros membros e os suplentes […] [s]ão nomeados com base na sua experiência e competência no domínio da segurança química, das ciências naturais ou dos procedimentos regulamentares ou judiciais a partir de uma lista de candidatos qualificados aprovada pela Comissão». No que respeita à Câmara de Recurso da ACER, é salientado no n.o 53 supra que, segundo o artigo 18.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 713/2009, esta última «é composta por seis membros efetivos e seis suplentes selecionados de entre os atuais ou antigos quadros superiores das entidades reguladoras nacionais, autoridades da concorrência ou outras instituições nacionais ou comunitárias com experiência relevante no setor da energia». Deve deduzir‑se destas disposições que o legislador pretendeu dotar tanto a Câmara de Recurso da ECHA como a Câmara de Recurso da ACER dos conhecimentos necessários para lhes permitir procederem elas próprias a apreciações sobre elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos.

66      Por outro lado, o facto de os membros da Câmara de Recurso da ECHA serem, ao contrário dos membros da Câmara de Recurso da ACER, trabalhadores a tempo inteiro não tem qualquer influência na intensidade da sua fiscalização. A necessidade da Câmara de Recurso da ECHA de dispor de uma organização administrativa mais permanente pode explicar‑se pelo volume dos processos a tratar, que é claramente mais importante do que o dos processos submetidos à Câmara de Recurso da ACER. De forma mais geral, importa salientar que incumbe à ACER tomar todas as medidas organizacionais internas necessárias para mobilizar os meios postos à sua disposição a fim de cumprir os seus objetivos, tal como são definidos no Regulamento n.o 713/2009. Ora, a realização dos referidos objetivos não implica automaticamente a criação de uma Câmara de Recurso permanente.

67      Além disso, há que observar que, em conformidade com o artigo 93.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1907/2006, o caráter contraditório do procedimento na Câmara de Recurso não é posto em causa pelo artigo 93.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1907/2006, que dispõe que a Câmara de Recurso da ECHA «pode exercer qualquer competência atribuída à Agência ou remeter o processo ao órgão competente da Agência, a fim de lhe ser dado seguimento». Do mesmo modo, e como resulta do n.o 27 supra, a Câmara de Recurso da ACER pode «exercer todas as competências atribuídas à Agência ou remeter o processo para o órgão competente da Agência», ficando este órgão vinculado à decisão da Câmara de Recurso. Assim, resulta destas disposições que os poderes conferidos a estes órgãos de recurso são semelhantes e a fiscalização, por estes órgãos, das apreciações de ordem científica, técnica e económica não se limita à existência de erros manifestos de apreciação.

68      Em segundo lugar, a ACER alega que, ao contrário da ECHA e das três outras agências da União, não está abrangida pelo mecanismo de recebimento prévio dos recursos previsto no artigo 58.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e que isso significa que a fiscalização exercida pela Câmara de Recurso sobre as decisões da agência difere da exercida pela Câmara de Recurso da ECHA. Ora, este argumento deve ser rejeitado, uma vez que o artigo 58.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia não tem nenhuma relação com a intensidade da fiscalização que as Câmaras de Recurso são chamadas a exercer em agências da União.

69      Por conseguinte, a fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso das apreciações de ordem técnica e económica complexas que figuram numa decisão da agência relativa a um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 não deve limitar‑se à fiscalização restrita do erro manifesto de apreciação. Pelo contrário, ao basear‑se nos conhecimentos científicos dos seus membros, a referida Câmara deve verificar se os argumentos invocados pelo recorrente são suscetíveis de demonstrar que as considerações em que a referida decisão da ACER se baseia estão viciadas de erros.

70      Ao limitar‑se a efetuar uma fiscalização restrita, a Câmara de Recurso efetuou, na realidade, uma fiscalização de uma intensidade insuficiente à luz dos poderes que lhe foram atribuídos pelo legislador e, assim, apenas fez um uso limitado e incompleto do seu poder de apreciação. Daqui resulta que o único ato que foi adotado mediante um exercício completo do poder de apreciação da administração é a decisão da Agência. Ora, pelas razões já recordadas nos n.os 25 a 34, 57 e 58 supra, a decisão da Câmara de Recurso é a única que pode ser sujeita à fiscalização do juiz da União. O Tribunal não pode, portanto, examinar eventuais erros manifestos de apreciação que possam ter sido cometidos pela Agência em relação às apreciações de ordem técnica e económica complexas, uma vez que estas só poderiam respeitar à decisão inicial (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Heli‑Flight/AESA, T‑102/13, EU:T:2014:1064, n.o 32).

71      Tendo em conta estes elementos, há que considerar que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 52 da sua decisão, que, no que respeita às apreciações de caráter técnico ou complexo, podia exercer uma fiscalização restrita e, assim, limitar‑se a determinar se a Agência tinha cometido um erro manifesto de apreciação das condições previstas no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

72      Nenhum dos argumentos da ACER pode pôr em causa esta conclusão.

73      Em primeiro lugar, a ACER invoca o facto de, ao contrário da Câmara de Recurso da ECHA, que não está vinculada por uma duração máxima do procedimento, a Câmara de Recurso estar obrigada a efetuar um exame do recurso no prazo de dois meses previsto no artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 713/2009 e não estar, portanto, em condições de efetuar um exame aprofundado.

74      Tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 51 a 69 supra, o prazo limitado de dois meses de que dispõe a Câmara de Recurso para examinar o recurso não basta para revelar uma intenção do legislador de limitar a fiscalização por esta exercida ao erro manifesto de apreciação.

75      A este respeito, importa recordar que o exame do recurso não é ilimitado e que deve ser feita uma diferença entre o «âmbito da fiscalização» e a «intensidade da fiscalização» exercida pela Câmara de Recurso.

76      Quanto ao «âmbito da fiscalização» efetuada pela Câmara de Recurso, o artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009 prevê, em substância, que esta se limita a examinar se os argumentos apresentados pelo recorrente são suscetíveis de demonstrar a existência de um erro que afete a decisão impugnada.

77      Por um lado, há que salientar que o processo na Câmara de Recurso tem caráter contraditório. As partes são convidadas a apresentar observações sobre as comunicações das outras partes e podem apresentar oralmente as suas observações.

78      Por outro lado, o recurso deve indicar os fundamentos em que se baseia. O objeto do processo na Câmara de Recurso é, portanto, determinado pelos fundamentos invocados pelo recorrente. Assim, no âmbito do exame da procedência desse recurso, a referida Câmara limita‑se a verificar se os fundamentos invocados pelo recorrente são suscetíveis de demonstrar que a decisão impugnada está viciada de um erro.

79      O caráter contraditório do procedimento na Câmara de Recurso não é posto em causa pelo artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, nos termos do qual a Câmara de Recurso pode exercer qualquer competência atribuída à Agência ou remeter o processo ao órgão competente da Agência, a fim de lhe ser dado seguimento. Com efeito, esta disposição apenas regula as competências de que a Câmara de Recurso dispõe depois de ter declarado que um recurso que lhe foi submetido era procedente. Confere‑lhe um poder discricionário no âmbito de cujo exercício esta Câmara deve examinar se os elementos de que dispõe na sequência do exame do recurso lhe permitem adotar a sua própria decisão. Em contrapartida, esta disposição não regula o alcance do controlo efetuado pela referida Câmara quanto ao mérito de um recurso nela interposto (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.os 66 e 118).

80      Por conseguinte, um recurso submetido à Câmara de Recurso de uma decisão da Agência relativa a um pedido isenção ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 apenas pode ter por objeto verificar se os elementos apresentados pelo recorrente são suscetíveis de demonstrar que essa decisão está viciada de erros. Ao contrário das Câmaras de Recurso do EUIPO, não se trata, portanto, de a Câmara de Recurso proceder a um exame «ex novo».

81      Daqui decorre que, no que respeita à «intensidade da fiscalização» a exercer, a fiscalização dos erros de apreciação só deve ser efetuada sobre as questões suscitadas pelo recorrente e não se estende, portanto, ao que se situa fora da esfera do recurso nem, por definição, às questões económicas e técnicas complexas que não foram evocadas no recurso e que não fazem parte dos elementos de prova apresentados pelo recorrente.

82      Além disso, importa recordar que, tendo em conta a qualidade científica dos membros que a compõem, a Câmara de Recurso dispõe dos conhecimentos necessários para efetuar um controlo aprofundado num lapso de tempo que as autoridades jurisdicionais não estariam em condições de alcançar.

83      Em segundo lugar, em resposta à medida de organização do processo de 23 de abril de 2020 recordada nos n.os 19 e 62 supra, a ACER alegou na audiência que só tinha evocado o erro manifesto de apreciação na medida em que a própria recorrente o tinha referido no seu recurso. Este argumento não pode proceder. Com efeito, como resulta do n.o 47 supra, a Câmara de Recurso indicou desde logo, nos n.os 51 e 52 da sua decisão, que o controlo que exercia sobre questões de caráter complexo no plano técnico ou económico estava limitado ao erro manifesto de apreciação, e confirmou expressamente, no n.o 47 da sua decisão, que a avaliação das condições necessárias à obtenção de uma isenção prevista no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 implicava uma apreciação complexa.

84      Em terceiro lugar, a ACER sustenta igualmente em vão que, em todo o caso, a Câmara de Recurso examinou todos os fundamentos, afirmações e provas apresentados pela recorrente.

85      Com efeito, no âmbito do exame alegado de todos os fundamentos, afirmações e provas apresentados pela recorrente sobre a avaliação da condição que figura no artigo 17.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 714/2009 — exame que, como confirmou a própria Câmara de Recurso, implicava apreciações complexas —, a Câmara de Recurso, como resulta do n.o 83 supra, apenas efetuou uma fiscalização restrita, limitada ao erro manifesto de apreciação.

86      Mais concretamente, o Tribunal constata que, no âmbito da sua análise das questões relativas aos riscos na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 suscitadas pela recorrente nomeadamente nos n.os 129 a 156 e 158 a 172 do seu recurso para a Câmara de Recurso e evocadas igualmente na audição dos peritos perante esta última, a referida Câmara, nos n.os 70 a 74 e 94 a 98 da sua decisão, apenas procedeu a um controlo limitado da decisão da Agência sobre estas questões que implicavam apreciações de ordem técnica e económica complexas.

87      Em quarto lugar, a ACER alega erradamente que a recorrente não demonstrou que um exame mais aprofundado poderia ter conduzido a um resultado diferente.

88      Na verdade, segundo jurisprudência assente, a existência de uma irregularidade relativa, nomeadamente, ao desrespeito de um prazo ou ao princípio do direito de defesa pode justificar a anulação de um ato desde que o processo possa conduzir a outro resultado na inexistência dessa irregularidade (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de fevereiro de 2017, Kerstens/Comissão, T‑270/16 P, não publicado, EU:T:2017:74, n.o 74; de 12 de julho de 2017, Estónia/Comissão, T‑157/15, não publicado, EU:T:2017:483, n.o 151, e de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão, T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606, n.o 133). Todavia, há que salientar que, na circunstância do exercício, pela autoridade em causa, de uma fiscalização de uma intensidade insuficiente à luz dos poderes que o legislador lhe atribuiu, e, logo, de uma utilização limitada e incompleta do seu poder de apreciação, nem a recorrente nem o Tribunal Geral estão em condições de determinar se o procedimento poderia ou não ter conduzido a outro resultado se essa irregularidade não tivesse existido.

89      Com efeito, é, por definição, impossível à recorrente demonstrar que a apreciação feita sobre as questões de ordem técnica e económica complexas pela Câmara de Recurso teria sido diferente se a irregularidade cometida não tivesse existido, uma vez que o poder de apreciação só foi, na realidade, exercido de modo limitado e incompleto no que respeita a essas questões.

90      Tendo em conta tudo o que precede, há que acolher o nono fundamento.

91      Assim sendo, por razões ligadas a uma boa administração da justiça, o Tribunal Geral considera útil examinar o quarto fundamento, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e, consequentemente, à possibilidade de o seu projeto de interligação poder beneficiar de um procedimento de imputação dos custos transfronteiriços e à não tomada em consideração dos riscos associados a esse procedimento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e, consequentemente, à possibilidade de o projeto de interligação beneficiar de um procedimento de imputação dos custos transfronteiriços e à não tomada em consideração dos riscos associados a esse procedimento

92      No âmbito do quarto fundamento, a recorrente sustenta que a Câmara de Recurso considerou erradamente que o risco pertinente para a avaliação nos termos do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 só podia ser corretamente avaliado se tivesse sido indeferido um pedido de imputação dos custos transfronteiriços apresentado em conformidade com o Regulamento n.o 347/2013. Observa que, para a Câmara de Recurso, a única forma de demonstrar que o regime regulamentar previsto por este último regulamento não permitia realizar o projeto teria sido passar por um processo infrutífero de imputação dos custos transfronteiriços. Considera que esta abordagem introduz, de facto, uma condição suplementar para a concessão de uma isenção. Neste contexto, alega igualmente que a aplicação do regime regulamentado nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 não suprime todos os riscos incorridos pela interligação Aquind e que, pelo contrário, existe uma grande incerteza quanto à forma final do pedido de imputação dos custos transfronteiriços e um risco significativo de atraso.

93      A ACER refuta este fundamento recordando, antes de mais, que o regime regulamentado continua a ser a regra e as isenções são a exceção, e que os dois Regulamentos n.os 714/2009 e 347/2013 devem ser lidos conjuntamente e tendo em conta a razão de ser do terceiro pacote «[e]nergia». Alega, em seguida, que a decisão da Agência e a decisão da Câmara de Recurso não indicam que um projeto de interesse comum deva sempre passar por um processo infrutífero de imputação dos custos transfronteiriços ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 antes de poder ser concedida uma isenção. Sublinha, além disso, que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, a recorrente não demonstrou que o regime regulamentar previsto pelo procedimento de imputação dos custos transfronteiriços do Regulamento n.o 347/2013 não bastava para realizar o investimento e que o apoio financeiro potencial do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 é um fator a ter em conta para avaliar o risco. Por último, sustenta que as considerações relativas às razões pelas quais a interligação Aquind não poderia ter sido explorada no âmbito do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 não são pertinentes e não são apoiadas por nenhuma prova.

94      A título preliminar, importa salientar que o Regulamento n.o 347/2013 trata da identificação dos projetos de interesse comum no domínio da energia, ou seja, projetos necessários para realizar corredores e domínios prioritários, em matéria de infraestruturas, e facilita a execução atempada destes projetos. Neste contexto, estabelece regras e fornece orientações para a imputação dos custos transfronteiriços e os incentivos relacionados com os riscos para projetos de interesse comum. Deste modo, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 347/2013, assim que um projeto de interesse comum abrangido pelas categorias previstas no anexo II, ponto 1, alíneas a), b) e d), e ponto 2, do mesmo regulamento atingir a maturidade suficiente, os promotores do projeto devem apresentar às entidades reguladoras nacionais em causa um pedido de investimento, que deve incluir um pedido de imputação dos custos transfronteiriços. As decisões sobre a imputação dos custos de investimento são tomadas, nos termos do artigo 12.o, n.o 4, do referido regulamento, pelas entidades reguladoras nacionais, após consulta aos promotores do projeto envolvidos, e os custos de investimento são suportados por cada operador de sistemas relativamente ao projeto.

95      No caso em apreço, no n.o 134 da sua decisão, a Agência considerou que, para determinar se o projeto de interligação Aquind estava exposto a um nível de risco que justificava a isenção, havia que avaliar se um regime regulamentado (com um apoio financeiro) estava disponível para a referida interligação. Considerou que, se fosse esse o caso, o nível de risco do projeto não era suscetível de preencher a condição prevista no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 e que, se, pelo contrário, se pudesse demonstrar que o regime regulamentado não estava disponível para a construção da interligação Aquind, isso implicaria a presença de um nível significativo de risco financeiro para o promotor.

96      Neste sentido, a Câmara de Recurso apoiou, em particular nos n.os 59, 67 e 91 da decisão, o raciocínio da Agência que consta dos n.os 134 a 138, 143 e 144 da sua decisão, segundo o qual o estatuto do projeto de interesse comum da interligação Aquind, o apoio financeiro potencial associado a esse estatuto — previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 — e o facto de a recorrente não ter solicitado o referido apoio financeiro constituíram critérios de apreciação determinantes no indeferimento do pedido de isenção. Com efeito, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que, devido ao estatuto de projeto de interesse comum da interligação Aquind, a recorrente deveria ter automaticamente passado por um processo infrutífero de imputação dos custos transfronteiriços nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 antes de lhe poder eventualmente ser concedida a isenção.

97      Ao fazê‑lo, a Câmara de Recurso exigiu, em substância, que a recorrente efetuasse prioritariamente e de forma efetiva as diligências administrativas com vista a obter o financiamento suscetível de ser concedido ao projeto de interesse comum nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e entendeu que essa era a condição para que o exame do pedido de isenção ao abrigo do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 pudesse ser considerado. Assim, concluiu, em substância, que era necessário que a recorrente não pudesse beneficiar das vantagens do regime regulamentado previstas no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e que o referido regime regulamentado não pudesse, logo, cobrir o eventual risco associado ao investimento.

98      É neste contexto que há que examinar se a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao considerar que, tendo em conta o estatuto de projeto de interesse comum da interligação Aquind, a recorrente deveria ter apresentado um pedido de apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013.

99      A este respeito, como resulta do n.o 94 supra, o mecanismo de apoio financeiro previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 insere‑se no regime regulamentado. Importa igualmente sublinhar que o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 prevê um mecanismo de derrogação ao sistema regulamentado e, a fortiori, ao mecanismo de apoio financeiro previsto pelo Regulamento n.o 347/2013, e que uma das condições a preencher a este respeito é a da importância do risco associado ao investimento.

100    Daqui resulta que a existência de um eventual apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 pode validamente constituir um critério de apreciação pertinente para determinar se existe um risco associado ao investimento que justifique uma derrogação ao sistema regulamentado em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

101    Todavia, embora o eventual financiamento nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 possa ser um critério de apreciação pertinente para determinar o nível de risco associado ao investimento referido no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009, este critério não pode constituir um pré‑requisito que deve estar preenchido para se obter uma isenção. Neste sentido, a inexistência de um pedido prévio de apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 para um projeto de interligação que tenha obtido o estatuto de projeto de interesse comum não pode constituir um fundamento enquanto tal que permita concluir que o risco associado ao investimento não estava demonstrado.

102    Ora, ao exigir que o requerente tivesse pedido, sem sucesso, uma imputação dos custos transfronteiriços ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 antes de poder ser considerada uma isenção, a Câmara de Recurso, na realidade, fez da apresentação pela recorrente do pedido de apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 um pré‑requisito para a demonstração do risco associado ao investimento. Ao fazê‑lo, considerou, em substância, que só a obtenção de uma resposta negativa ao referido pedido de apoio financeiro, e, logo, a indisponibilidade do regime regulamentado associado ao projeto de interesse comum da recorrente, permitiria considerar que existia um risco associado ao investimento de uma importância tal que permitia que lhe fosse concedido o regime de isenção.

103    Tal abordagem não é justificada nem à luz do Regulamento n.o 714/2009 nem à luz do Regulamento n.o 347/2013.

104    Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009, a isenção é concedida quando estiverem preenchidas as condições nele previstas. Ora, embora a imputação dos custos transfronteiriços nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 possa ser tida em conta no exame do risco associado ao investimento previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, não está expressamente prevista nesta disposição. Daqui resulta que introduzir uma condição que não figura entre as enumeradas no artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 é contrário à letra desta disposição e contradiz a vontade do legislador de limitar a concessão da isenção às condições previstas por este artigo.

105    Em segundo lugar, nenhuma disposição regulamentar permite considerar que o legislador tenha previsto a prioridade de um regime sobre o outro. Com efeito, resulta da redação do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 que os promotores beneficiam de liberdade de escolha entre o regime do projeto de interesse comum e o pedido de isenção. Quando os projetos têm o estatuto de projetos de interesse comum, os seus promotores têm a possibilidade, por um lado, de pedir o procedimento de imputação dos custos transfronteiriços previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e, por outro, de pedir uma isenção em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009. Como a própria Câmara de Recurso salientou, esses pedidos são de aplicação voluntária e os dois processos podem ou não proceder. Neste contexto, não se pode considerar que o pedido de imputação dos custos transfronteiriços previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 deva ser aplicado prioritariamente.

106    Em terceiro lugar, há que salientar que os dois regimes podem ser aplicados alternativamente. Com efeito, resulta do artigo 12.o, n.o 9, alínea b), e do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 347/2013 que os incentivos previstos por estas duas disposições não se aplicam aos projetos de interesse comum que tenham beneficiado de uma isenção nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009. Assim, quem beneficiou de uma isenção já não pode beneficiar de uma imputação dos custos transfronteiriços. Admitir a interpretação defendida pela ACER equivaleria a impedir os promotores de projetos de interligação com o estatuto de projetos de interesse comum de escolherem livremente o procedimento aplicável ao seu projeto. Ora, estes promotores beneficiam de uma liberdade de escolha entre os procedimentos aplicáveis que não pode ser afetada.

107    Em quarto lugar, o critério essencial que deve orientar a análise do pedido de isenção é o do «nível de risco associado ao investimento» previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. Importa sublinhar que o risco em questão que permite justificar a concessão da isenção pode existir mesmo na hipótese de o promotor poder beneficiar de um apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013. Por outras palavras, a possibilidade de obter um apoio financeiro ao abrigo desta disposição não permite, em caso algum, excluir automaticamente o risco financeiro associado ao investimento.

108    Ora, a abordagem adotada pela Câmara de Recurso e pela Agência baseou‑se principalmente num raciocínio hipotético, ou seja, na «possibilidade» de um pedido nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 dar lugar a um apoio financeiro para a recorrente, e no facto de não «se poder excluir» que uma decisão favorável nos termos dessa disposição fornecesse uma garantia suficiente aos potenciais investidores. Não procederam, portanto, à apreciação deste critério à luz do risco associado ao investimento referido no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e, logo, presumiram implicitamente que o pedido conduziria à concessão de uma vantagem financeira que permitiria eliminar o referido risco.

109    Neste contexto, a Câmara de Recurso não podia acusar a recorrente de não ter feito prova de que o apoio financeiro previsto pelo regime regulamentado do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 não teria sido suficiente para diminuir o risco associado ao investimento e realizar o referido investimento, uma vez que ela própria não apreciou este critério à luz do risco associado ao investimento referido no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 nem, a fortiori, a importância da eventual vantagem que o referido apoio financeiro proporcionaria à recorrente. Com efeito, tal vantagem não podia simplesmente assentar numa presunção ou ser apresentada como um facto adquirido.

110    Em quinto lugar, como alega a recorrente, o recurso ao procedimento de imputação dos custos transfronteiriços não constitui uma garantia de que todos os riscos a que estão sujeitas as interligações sejam suprimidos. Permanece uma incerteza quanto à forma final — em termos de resultado e de alcance — do pedido da recorrente de imputação dos custos transfronteiriços, e quanto ao risco significativo de atraso. Com efeito, por um lado, não existe qualquer certeza de que o pedido de imputação transfronteiriça seja deferido e, por outro, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 4, do Regulamento n.o 347/2013, as entidades reguladoras nacionais tomam decisões coordenadas no prazo de seis meses a contar da data em que o último pedido de investimento for recebido.

111    Neste contexto, é com razão que a recorrente observa que, em 31 de outubro de 2019, a Comissão adotou o Regulamento Delegado (UE) 2020/389, que altera o Regulamento n.o 347/2013 no que diz respeito à lista da União de projetos de interesse comum (JO 2020, L 74, p. 1), que substituiu a lista da União de projetos de interesse comum e que não incluiu a interligação Aquind nessa lista. Esta alteração da lista, que pode a priori ocorrer a cada dois anos, ilustra o facto de poderem razoavelmente existir dúvidas de que esse apoio financeiro possa constituir uma garantia de um financiamento a médio ou longo prazo.

112    Resulta do exposto que, ao salientar a inexistência de um pedido de apoio financeiro nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e ao não proceder a uma apreciação desse mecanismo de apoio financeiro à luz do risco associado ao investimento, a Câmara de Recurso criou erradamente uma condição suplementar que não está prevista no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

113    Por todos estes motivos, deve concluir‑se que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito e que o quarto fundamento é procedente.

114    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que anular a decisão da Câmara de Recurso e negar provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

115    Nos termos do artigo 134.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se houver várias partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas.

116    Far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias do caso em apreço fazendo suportar à ACER, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      A Decisão A0012018 da Câmara de Recurso da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), de 17 de outubro de 2018, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A ACER suportará as suas próprias despesas e as despesas apresentadas pela Aquind Ltd.

Tomljenović

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de novembro de 2020.

Assinaturas


Índice


Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto à admissibilidade do recurso da decisão da Agência

Quanto à admissibilidade do segundo e terceiro pedidos

Quanto ao mérito

Quanto ao nono fundamento, relativo a um exame insuficiente da decisão da Agência

Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17. o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e, consequentemente, à possibilidade de o projeto de interligação beneficiar de um procedimento de imputação dos custos transfronteiriços e à não tomada em consideração dos riscos associados a esse procedimento

Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.