Language of document : ECLI:EU:T:2022:281

11 de maio de 2022 (*)

«Recursos próprios da União — Responsabilidade financeira de um Estado‑Membro — Direitos de importação — Pagamento à Comissão de montantes correspondentes a recursos próprios não cobrados — Ação baseada no enriquecimento sem causa da União — Obrigações de um Estado‑Membro em matéria de recursos próprios — Obrigação de garantia — Dispensa de colocação à disposição dos montantes correspondentes aos direitos apurados declarados incobráveis»

No processo T‑151/20,

República Checa, representada por M. Smolek, J. Vláčil e O. Serdula, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada pelo:

Reino da Bélgica, representado por S. Baeyens e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

e pela

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Materne e P. Němečková, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 268.o TFUE e destinado a obter a restituição do montante de 40 482 255 coroas checas (CZK) pago a título de recursos próprios da União Europeia,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: A. Marcoulli, presidente, J. Schwarcz e R. Norkus (relator), juízes,

secretário: R. Ūkelytė, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de novembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Exposição dos principais factos

1        Entre 2 e 26 de novembro de 2007, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) efetuou uma missão comunitária de cooperação e de inquérito administrativo no Laos, na qual participou uma representante das autoridades aduaneiras checas (a seguir «missão de inspeção»). O inquérito tinha por objeto verificações relativas à importação, em diferentes países da União Europeia, de isqueiros de bolso com pedra, a gás, não recarregáveis (a seguir «isqueiros de bolso») provenientes do Laos, no período compreendido entre 2004 e 2007. Em 15 de novembro de 2007, foi emitido um documento com o título «agreed joint minutes», assinado por todos os membros da missão e pelas autoridades laocianas competentes (a seguir «ata de 15 de novembro de 2007»).

2        Em 30 de maio de 2008, na sequência da missão de inspeção, o OLAF adotou um relatório de fim de missão (a seguir «relatório do OLAF»). Em 9 de julho de 2008, foi enviado à República Checa, na sua versão em inglês, em francês e em alemão.

3        O relatório final do inquérito foi adotado pelo OLAF em 10 de dezembro de 2008.

4        Resulta das conclusões do relatório do OLAF que, durante o período que abrange, a Baide lighter Industry (LAO) Co., Ltd. (a seguir «sociedade BAIDE») importou isqueiros de bolso provenientes da China, mas apresentados na alfândega como se proviessem do Laos, evitando assim direitos antidumping aplicáveis aos isqueiros de bolso de origem chinesa.

5        O relatório do OLAF referia, a este respeito, que «os elementos de prova da origem chinesa apurados durante a missão de inspeção [eram] suficientes para que os Estados‑Membros [dessem] início a um procedimento administrativo de liquidação adicional». De acordo com o referido relatório, era necessário que «os Estados‑Membros realiz[ass]em auditorias de acompanhamento e, se necessário, inquéritos sobre os importadores em causa e que inici[ass]em, com urgência, um processo de cobrança, se tal ainda não tive[sse] sido feito».

6        As conclusões do relatório do OLAF tinham por objeto, nomeadamente, 28 casos de importação realizados pela sociedade BAIDE de isqueiros de bolso na República Checa, e introduzidos em livre prática entre 26 de setembro de 2005 e 1 de março de 2007 (a seguir «importações controvertidas»).

7        As estâncias aduaneiras checas competentes tomaram medidas para proceder à liquidação adicional e à cobrança fiscal nesses casos.

8        No entanto, não foi possível fazer a liquidação adicional em nenhum dos referidos casos e cobrar todos os direitos apurados.

9        Entre 22 de setembro de 2008 e 18 de fevereiro de 2009, os montantes correspondentes aos direitos apurados, mas ainda não cobrados, relativamente às importações controvertidas, foram inscritos na contabilidade prevista para esse efeito, designada contabilidade B, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1150/2000 do Conselho, de 22 de maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 2007/436/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2000, L 130, p. 1).

10      Depois, entre novembro de 2013 e novembro de 2014, a República Checa, em conformidade com a regulamentação aplicável, registou no sistema de informação WOMIS (WriteOff Management and Information System) os casos de impossibilidade de cobrança do montante dos recursos próprios da União.

11      Por carta de 20 de janeiro de 2015, a Comissão Europeia informou a República Checa, em resposta ao seu pedido para ser dispensada da obrigação de pôr à disposição os recursos próprios da União referidos no n.o 10, supra, de que as condições previstas no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000 não estavam reunidas em nenhum dos casos em questão. A Comissão convidou as autoridades checas a adotarem as medidas necessárias para que a conta desta instituição fosse creditada no montante de 53 976 340 coroas checas (CZK) o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao décimo nono dia do segundo mês após o mês em que a referida carta foi enviada. A Comissão acrescentou que qualquer atraso daria lugar ao pagamento de juros por força do artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000.

12      Em 17 de março de 2015, a República Checa procedeu ao pagamento de 75 % do montante referido no n.o 11 na conta da Comissão prevista para o efeito, após dedução das despesas de cobrança no valor de 25 % desse montante, ou seja, um montante de 40 482 255 CZK (a seguir «quantia controvertida»).

13      Por carta de 27 de fevereiro de 2015, a República Checa emitiu reservas referindo à Comissão que se tratava de um pagamento condicional, sem prejuízo do mérito das pretensões desta autoridade, a fim de evitar ser sujeita ao pagamento dos juros previstos no artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000.

14      A Comissão respondeu à carta de 27 de fevereiro de 2015 por cartas de 4 e 21 de maio de 2015.

15      O pagamento referido no n.o 12, supra, foi completado por um segundo, em 22 de dezembro de 2016, correspondente a 5 % do montante em causa, a saber, 2 698 817 coroas checas (CZK), que representava a diferença do montante destinado a cobrir as despesas de cobrança ligadas à redução da taxa de 25 % para 20 % na sequência de uma alteração com efeito retroativo da regulamentação aplicável.

 Processo contencioso anterior

16      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março de 2015, a República Checa interpôs um recurso de anulação da carta da Comissão de 20 de janeiro de 2015.

17      Por Despacho de 28 de junho de 2018, República Checa/Comissão (T‑147/15, não publicado, EU:T:2018:395), foi julgado inadmissível, na medida em que era dirigido contra um ato que não era suscetível de ser objeto de um recurso de anulação.

18      O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto do Despacho de 28 de junho de 2018, República Checa/Comissão (T‑147/15, não publicado, EU:T:2018:395), por Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:530).

19      O Tribunal de Justiça esclareceu, no n.o 81 desse acórdão, o seguinte:

«[Q]uando um Estado‑Membro tenha colocado à disposição da Comissão um montante de recursos próprios da União formulando reservas a respeito do mérito da posição desta instituição e o processo de diálogo [que incumbe à Comissão encetar com esse Estado, em conformidade com o princípio da cooperação leal, a fim de clarificar as suas posições respetivas e determinar as obrigações que incumbem a esse Estado‑Membro,] não tenha permitido pôr termo ao diferendo entre [este último] e a referida instituição, o mesmo Estado‑Membro pode pedir uma indemnização em razão de um enriquecimento sem causa da União e, se for caso disso, intentar uma ação no Tribunal Geral para esse efeito.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

20      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de março de 2020, a República Checa propôs a presente ação.

21      Em 7 de setembro de 2020, a Comissão apresentou a sua contestação.

22      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente em 8 e 16 de julho de 2020, a República da Polónia e o Reino da Bélgica pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da República Checa.

23      Por Decisões de 16 de setembro de 2020, a presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu estas intervenções.

24      A República da Polónia e o Reino da Bélgica apresentaram, cada um, um articulado de intervenção em 30 de novembro de 2020.

25      As partes apresentaram as observações sobre o articulado de intervenção do Reino da Bélgica no prazo fixado. A Comissão também apresentou observações sobre o articulado de intervenção da República da Polónia.

26      A República Checa apresentou a réplica em 27 de novembro de 2020 e a Comissão apresentou tréplica em 18 de janeiro de 2021.

27      Por carta de 15 de março de 2021, a demandante apresentou um pedido de audiência de alegações, ao abrigo do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

28      Através de uma medida de organização do processo de 7 de setembro de 2021, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar o relatório final de inquérito do OLAF adotado em 10 de dezembro de 2008 e colocou questões escritas às partes principais. A República Checa e a Comissão responderam a este pedido nos prazos fixados.

29      A República Checa declarou, em resposta a uma das questões que lhe foram colocadas, desistir do seu pedido de restituição da quantia de 2 698 817 CZK referido no n.o 15, supra.

30      Por carta de 1 de outubro de 2021, o Reino da Bélgica renunciou à participação na audiência.

31      Por carta de 13 de outubro de 2021, a República da Polónia renunciou à participação na audiência.

32      Foram ouvidas as alegações das partes principais e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 12 de novembro de 2021.

33      Na sequência da desistência parcial referida no n.o 29, supra, a República Checa pede que o Tribunal Geral se digne:

–        condenar a Comissão a reembolsar‑lhe a quantia controvertida devido a um enriquecimento sem causa da União;

–        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Julgar a ação improcedente;

–        condenar a República Checa nas despesas.

35      O Reino da Bélgica e a República da Polónia concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne julgar a ação procedente.

 Questão de direito

 Quanto ao objeto da ação e às condições de uma ação baseada no enriquecimento sem causa

36      A República Checa pede a repetição da quantia controvertida que considera ter pagado indevidamente a título dos recursos próprios da União. Em apoio do seu pedido, pretende desencadear a responsabilidade extracontratual da União por enriquecimento sem causa.

37      A este respeito, a Comissão alega, em substância, que a República Checa limita a sua argumentação a refutar o conteúdo da carta de 20 de janeiro de 2015. Ora, uma ação baseada no enriquecimento sem causa não pode substituir um recurso de anulação dessa carta. O objeto do litígio não pode, assim, ser o conteúdo da carta de 20 de janeiro de 2015, antes reside na questão de saber se «[a quantia controvertida] reverte ou não para a União enquanto recursos próprios».

38      Na réplica, a República Checa responde que a carta de 20 de janeiro de 2015 constitui o âmbito do litígio que a Comissão não pode alterar apresentando, para contestar as suas pretensões, argumentos novos que não lhe tinham sido opostos nessa carta. Considera que a referida carta produz efeitos jurídicos e que «o exame da ação de repetição do indevido e da condição de falta de base legal válida para o enriquecimento em questão deve também decorrer da tese da Comissão expressa na [carta] de 20 de janeiro de 2015».

39      Quando questionada sobre este ponto na audiência, a República Checa confirmou a posição defendida nos seus articulados.

40      Tendo sido recordados os principais argumentos das partes principais relativos ao objeto do litígio, importa sublinhar que a ação baseada no enriquecimento sem causa não faz parte do regime da responsabilidade extracontratual em sentido estrito, que está subordinado à verificação de um conjunto de condições relativas à ilegalidade do comportamento censurado à União, à efetividade do dano e à existência de nexo de causalidade entre este comportamento e o prejuízo invocado. Distingue‑se das ações intentadas nos termos do referido regime, na medida em que não exige a prova de um comportamento ilegal do demandado, nem sequer a existência de um comportamento tout court, mas apenas a prova de um enriquecimento do demandado sem base legal válida e de um empobrecimento do demandante ligado ao referido enriquecimento [Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 49].

41      A este respeito, importa precisar que, segundo os princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros, a pessoa que tenha sofrido uma perda que beneficie o património de outrem sem que exista qualquer fundamento jurídico para esse enriquecimento tem, regra geral, direito à restituição, até ao montante da perda, por parte da pessoa enriquecida. Com efeito, embora o Tratado FUE não preveja expressamente uma via de recurso destinada a este tipo de ação, uma interpretação dos artigos 268.o e 340.o, segundo parágrafo, TFUE, que excluísse essa possibilidade conduziria a um resultado contrário ao princípio da tutela jurisdicional efetiva. A ação baseada no enriquecimento sem causa da União, intentada ao abrigo desses artigos, requer a prova de um enriquecimento do demandado sem base legal válida e de um empobrecimento do demandante ligado ao referido enriquecimento [v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.os 44 e 46 a 50].

42      No âmbito do exame dessa ação, cabe ao Tribunal Geral apreciar, designadamente, se o empobrecimento do Estado‑Membro demandante, que corresponde à colocação à disposição da Comissão de um montante de recursos próprios da União que este Estado‑Membro contesta, e o correlativo enriquecimento dessa instituição encontram a sua justificação nas obrigações que se impõem ao referido Estado‑Membro por força do direito da União em matéria de recursos próprios da União ou se, pelo contrário, não têm essa justificação (Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 83).

43      Nestas condições, a República Checa não pode demonstrar o mérito das suas pretensões, no âmbito de uma ação baseada num enriquecimento sem causa da Comissão, limitando‑se a refutar os argumentos contidos na carta de 20 de janeiro de 2015, antes deve demonstrar, por um lado, que o enriquecimento da Comissão, na sequência da colocação à disposição da quantia controvertida, não encontra justificação nas obrigações que lhe incumbem por força do direito da União em matéria de recursos próprios e, por outro, que o seu empobrecimento está ligado ao referido enriquecimento.

44      A este respeito, as obrigações da República Checa em matéria de recursos próprios não decorrem da «tese da Comissão expressa na [carta] de 20 de janeiro de 2015», mas impõem‑se diretamente por força da regulamentação aplicável nesta matéria, sem que à Comissão seja atribuído um poder decisório que lhe permita obrigar os Estados‑Membros a apurar e pôr à sua disposição montantes relativos a recursos próprios da União (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 62).

45      Por um lado, resulta daqui que os argumentos da República Checa, que consistem em contestar tanto os fundamentos da carta de 20 de janeiro de 2015 como o comportamento da Comissão durante o diálogo que mantiveram com ela, são inoperantes no âmbito do presente litígio, na medida em que não são suscetíveis de se relacionarem com a demonstração que a República Checa deve realizar (v. n.o 43, supra).

46      Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a República Checa, a carta de 20 de janeiro de 2015 também não pode constituir o âmbito do litígio na medida em que limita os argumentos da Comissão destinados a contestar a existência de um enriquecimento sem causa aos contidos nessa carta.

47      Em especial, as informações contidas na carta de 20 de janeiro de 2015 não podem constituir informações precisas, incondicionais e concordantes capazes de fazerem surgir, relativamente à República Checa, garantias quanto à delimitação do litígio suscetível de a opor à Comissão no âmbito de uma ação baseada num enriquecimento sem causa desta instituição.

48      Daqui resulta que a Comissão podia alegar na instância todos os elementos destinados a contestar a existência de um enriquecimento sem causa, incluindo os que não figuram na carta de 20 de janeiro de 2015, sem violar o princípio da proteção da confiança legítima, nem o direito a uma boa administração, conforme definido no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

49      Tendo em conta tudo o que precede, importa agora examinar, no âmbito definido no n.o 42, supra, o mérito da presente ação tendo em conta os elementos de prova apresentados pela República Checa e os argumentos trocados entre as partes.

 Quanto ao mérito da ação e à existência de um enriquecimento sem causa da União

50      A República Checa alega, em substância, que não é devedora da quantia controvertida, uma vez que só pôde tomar as medidas necessárias à sua cobrança na sequência da transmissão do relatório do OLAF.

51      Segundo a República Checa, as condições para determinar os direitos aduaneiros correspondentes à quantia controvertida só poderiam, com efeito, estar preenchidas após a entrega do relatório do OLAF, uma vez que só o seu conteúdo permitiu efetivamente à República Checa determinar com certeza o montante dos direitos a cobrar e o devedor desses direitos.

52      Ora, a sociedade BAIDE cessou toda a atividade no território da República Checa a partir de maio de 2008, ou seja, antes da transmissão do relatório do OLAF, pelo que, no momento da adoção do referido relatório, não existia na República Checa nenhum património apreensível senão o que, por fim, veio a ser apreendido pelas autoridades aduaneiras nacionais.

53      Por conseguinte, o pretenso atraso das autoridades aduaneiras posteriormente à receção do referido relatório não podia, em todo o caso, implicar a impossibilidade de cobrar a dívida aduaneira.

54      A República Checa acrescenta que, em todo o caso, não lhe é imputável qualquer atraso no apuramento e na cobrança da quantia controvertida após a entrega do relatório do OLAF. Esclarece que as autoridades aduaneiras adotaram as medidas necessárias para evitar a preclusão da possibilidade de uma liquidação adicional no conjunto dos 28 casos de importação em causa.

55      Nestas condições, as razões da falta de cobrança da quantia controvertida não são imputáveis à República Checa e esta pode invocar a dispensa de colocação à disposição dos recursos próprios prevista no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000.

56      Consequentemente, o enriquecimento da Comissão, consecutivo ao empobrecimento da República Checa resultante da disponibilização da soma controvertida, não assenta em nenhuma base jurídica válida.

57      A Comissão conclui pela improcedência de toda a argumentação da República Checa e alega que esta não fez prova de um enriquecimento sem causa.

58      A Comissão alega, principalmente, que as disposições do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000 não são aplicáveis à República Checa, uma vez que esta não inscreveu os recursos próprios não cobrados na contabilidade separada prevista para esse efeito, a contabilidade B, no respeito dos prazos estabelecidos no artigo 6.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

59      Com efeito, resulta do Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália (C‑334/08, EU:C:2010:414, n.o 65), que a possibilidade de os Estados‑Membros se eximirem à sua obrigação de pôr à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados exige não só o cumprimento dos requisitos enunciados no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000, alterado, mas também que os referidos direitos tenham sido regularmente inscritos na contabilidade B.

60      Segundo a Comissão, a República Checa não respeitou os prazos fixados e, consequentemente, não inscreveu regularmente os direitos a cobrar na contabilidade B, uma vez que tinha agido com atraso ao não apurar os direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE sobre as importações controvertidas desde o regresso da missão de inspeção, que terminou em 26 de novembro de 2007.

61      Mesmo que se admita que os montantes que correspondem aos direitos apurados tinham sido regularmente inscritos na contabilidade B, a Comissão alega que a República Checa devia ter prestado uma garantia de cobrança da quantia controvertida antes de introduzir em livre prática as importações controvertidas, de modo que a cessação de atividade da sociedade BAIDE, ocorrida posteriormente, não poderia ter sido obstáculo legal à sua cobrança.

62      A República da Polónia salienta que a solução adotada no Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:530), apresenta uma importância considerável para os Estados‑Membros que pretendam utilizar a possibilidade de serem ouvidos nos litígios que os opõem à Comissão e relativos às obrigações de disponibilização dos recursos próprios.

63      A República da Polónia sustenta que a República Checa não pôde recuperar as quantias controvertidas por uma razão que não lhe era imputável, uma vez que o devedor tinha cessado as suas atividades antes da data em que o relatório do OLAF foi adotado.

64      O Reino da Bélgica considera que um Estado‑Membro pode invocar a dispensa de colocação à disposição dos recursos próprios prevista no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000 mesmo na hipótese de os recursos próprios serem registados tardiamente na contabilidade B, se esses recursos preencherem as condições materiais dessa inscrição e esse Estado‑Membro demonstrar que a falta de cobrança de certos recursos próprios resulta de circunstâncias que não lhe são imputáveis.

65      No caso em apreço, a República Checa não tinha procedido tardiamente à cobrança dos montantes controvertidos na medida em que, em substância, cabia ao OLAF, se o considerasse necessário, transmitir de forma oficial e desde o regresso da missão de inspeção os elementos úteis à cobrança da dívida aduaneira e não a contar «passivamente» com a representante da Administração checa presente na missão para o fazer.

66      O Tribunal Geral considera que a argumentação trocada entre as partes, conforme acaba de ser recordado, deve levar à análise, por esta ordem, dos quatro pontos seguintes: as condições de aplicação à República Checa da possibilidade de ser dispensada da sua obrigação de pôr à disposição a quantia controvertida; a data em que deviam ser apurados os direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE correspondentes à quantia controvertida; as consequências da cessação da atividade da referida sociedade sobre a obrigação de disponibilização da quantia controvertida, e a obrigação de a República Checa prestar garantia de cobrança da quantia controvertida.

 Quanto às condições de aplicação à República Checa da possibilidade de ser dispensada da sua obrigação de pôr à disposição a quantia controvertida

67      Como foi recordado no n.o 58, supra, a Comissão alega que a República Checa não podia invocar as disposições do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000, uma vez que não tinha demonstrado ter inscrito os direitos não cobrados na contabilidade B, nos prazos previstos no artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento.

–       Disposições aplicáveis

68      No que respeita ao período em que ocorreram os factos na origem do litígio, foram aplicadas sucessivamente duas decisões relativas ao sistema de recursos próprios da União Europeia, a saber, a Decisão 2000/597/CE, Euratom do Conselho, de 29 de setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2000, L 253, p. 42), e, em seguida, a partir de 1 de janeiro de 2007, a Decisão 2007/436/CE, Euratom do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2007, L 163, p. 17).

69      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Decisão 2000/597, cujo conteúdo foi reproduzido, em substância, no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2007/436, constituem recursos próprios inscritos no orçamento geral da União Europeia as receitas provenientes, nomeadamente, «[d]os direitos da pauta aduaneira comum e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições [da União] sobre as trocas comerciais com países não membros».

70      O artigo 8.o, n.o 1, primeiro e terceiro parágrafos, das Decisões 2000/597 e 2007/436 prevê, nomeadamente, por um lado, que esses recursos próprios da União serão cobrados pelos Estados‑Membros nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais que, se necessário, serão adaptadas às exigências da regulamentação da União e, por outro, que os Estados‑Membros colocarão à disposição da Comissão os referidos recursos. 

71      O Regulamento n.o 1150/2000 aplicável ao presente litígio resulta de duas alterações introduzidas, no decurso do período a que se referem os factos na origem do litígio, respetivamente, com efeitos a partir de 28 de novembro de 2004, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 2028/2004 do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 352, p. 1), e, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2007, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 105/2009 do Conselho, de 26 de janeiro de 2009 (JO 2009, L 36, p. 1).

72      Por força do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, um direito da União sobre os recursos próprios considera‑se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor. A data a considerar para o apuramento referido no n.o 1 é a data do registo de liquidação previsto na regulamentação aduaneira, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.

73      O artigo 6.o, n.o 1, e n.o 3, alíneas a) e b), deste regulamento prevê:

«1.      Será mantida pelo Tesouro de cada Estado‑Membro ou pelo organismo designado por cada Estado‑Membro uma contabilidade dos recursos próprios, discriminada segundo a natureza desses recursos.

[…]

3.

a)      Sem prejuízo do disposto na alínea b) do presente número, os direitos apurados nos termos do artigo 2.o serão lançados na contabilidade [correntemente designada “contabilidade A”], o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado.

b)      Os direitos apurados e não inscritos na contabilidade referida na alínea a) por ainda não terem sido cobrados, nem ter sido fornecida qualquer caução, serão lançados numa contabilidade separada [correntemente designada “contabilidade” B], no prazo previsto na alínea a). Os Estados‑Membros podem proceder do mesmo modo aos casos em que os direitos apurados e cobertos por garantias sejam objeto de contestação e possam vir a sofrer variações na sequência de eventuais diferendos.»

74      O artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento dispõe:

«Segundo as regras definidas no artigo 10.o, cada Estado‑Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado.»

75      Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

«Após dedução das despesas de cobrança nos termos do n.o 3 do artigo 2.o e do n.o 3 do artigo 10.o da Decisão [2007/436], o lançamento dos recursos próprios referidos na alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o dessa decisão é efetuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.o do presente regulamento.

Todavia, em relação aos direitos lançados na contabilidade separada, nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 6.o, o lançamento deve ser efetuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após o da cobrança dos direitos.»

76      Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n.o 1 do artigo 9.o deste regulamento implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de juros de mora.

77      Por último, o artigo 17.o, n.os 1 a 4, do referido regulamento enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o sejam colocados à disposição da Comissão nas condições fixadas pelo presente regulamento.

2.      Os Estados‑Membros serão dispensados de pôr à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados que se verifique serem incobráveis:

a)      Por razões de força maior; ou

b)      Por outras razões que não lhes sejam imputáveis.

Os montantes de direitos apurados serão declarados incobráveis por decisão da autoridade administrativa competente que verifica a impossibilidade de cobrança.

Os montantes de direitos apurados serão considerados incobráveis o mais tardar após um período de cinco anos a contar da data em que o montante foi apurado nos termos do artigo 2.o ou, em caso de recurso administrativo ou judicial, da data da decisão definitiva, da sua notificação ou da sua publicação.

[…]

Os montantes declarados ou considerados incobráveis serão retirados definitivamente da contabilidade separada referida no n.o 3, alínea b), do artigo 6.o Serão mencionados em anexo ao extrato trimestral referido na alínea b) do n.o 4 do mesmo artigo bem como, se for caso disso, no extrato trimestral referido no n.o 5 desse artigo.

3.      No prazo de três meses a contar da decisão administrativa a que se refere o n.o 2 ou do termo dos períodos a que se refere o mesmo número, os Estados‑Membros comunicarão à Comissão os elementos de informação relativos aos casos de aplicação do referido n.o 2 na medida em que o montante dos direitos apurados ultrapasse 50 000 euros.

[…]

Esta comunicação, que será efetuada conforme o modelo estabelecido pela Comissão após consulta do comité referido no artigo 20.o, deve permitir à Comissão apreciar as razões, referidas nas alíneas a) e b) do n.o 2, que impediram o Estado‑Membro em questão de pôr à disposição o montante em causa, bem como as medidas tomadas por este último para garantir a cobrança.

4.      A Comissão dispõe de seis meses, a contar da receção do relatório previsto no n.o 3, para enviar os seus comentários ao Estado‑Membro em questão.

[…]»

–       Interpretação do Tribunal de Justiça

78      Resulta do artigo 8.o, n.o 1, das Decisões 2000/597 e 2007/436 que os recursos próprios da União a que se referem, respetivamente, o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Decisão 2000/597 e o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2007/436 são cobrados pelos Estados‑Membros e estes têm a obrigação de pôr esses recursos à disposição da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália, C‑334/08, EU:C:2010:414, n.o 34).

79      Para esse efeito, os Estados‑Membros são obrigados, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, a apurar um direito da União sobre os recursos próprios assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor. Por conseguinte, os Estados‑Membros estão obrigados a lançar os direitos apurados nos termos do artigo 2.o desse regulamento na contabilidade dos recursos próprios da União, nas condições previstas no artigo 6.o do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C‑442/08, EU:C:2010:390, n.o 76 e jurisprudência referida).

80      A este respeito, importa esclarecer que, por força do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento, um direito apurado e ainda não cobrado, e para o qual não foi prestada qualquer caução, é lançado numa contabilidade separada, a saber a contabilidade B [v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2019, Comissão/Itália (Recursos próprios — Cobrança de uma dívida aduaneira), C‑304/18, não publicado, EU:C:2019:601, n.o 52].

81      Os Estados‑Membros devem, em seguida, pôr os recursos próprios da União à disposição da Comissão nas condições fixadas nos artigos 9.o a 11.o do Regulamento n.o 1150/2000, inscrevendo‑os, nos prazos previstos, a crédito da conta aberta para o efeito em nome dessa instituição. Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento, qualquer atraso no lançamento nesta conta implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de juros de mora (Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 58).

82      Além disso, nos termos do artigo 17.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1150/2000, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o deste regulamento sejam colocados à disposição da Comissão. Os Estados‑Membros só serão dispensados se a cobrança não tiver podido ser efetuada por razões de força maior ou quando se verifique que é definitivamente impossível proceder à cobrança por razões que não lhes podem ser imputadas. Os montantes declarados ou considerados incobráveis serão retirados definitivamente da contabilidade separada mencionada no artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do referido regulamento (Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 60).

83      A inscrição dos recursos próprios na contabilidade B traduz, assim, uma situação excecional caracterizada pelo facto de permitir aos Estados‑Membros quer não pôr esses direitos à disposição da Comissão a partir do seu apuramento, porque ainda não foram cobrados, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1150/2000, quer dispensá‑los de o fazer se os referidos direitos se revelarem incobráveis por razões de força maior ou por outras razões que não lhes sejam imputáveis, com base no artigo 17.o, n.o 2, deste regulamento (Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália, C‑334/08, EU:C:2010:414), n.o 68).

84      Todavia, a possibilidade de os Estados‑Membros se eximirem à sua obrigação de pôr à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados exige não só o cumprimento dos requisitos enunciados no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000, alterado, mas também que os referidos direitos tenham sido regularmente inscritos na contabilidade B (Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália, C‑334/08, EU:C:2010:414, n.o 65).

–       Aplicação ao caso em apreço

85      A Comissão invoca, como foi esclarecido no n.o 59, supra, o Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália (C‑334/08, EU:C:2010:414, n.o 65), tal como acaba de ser recordado no n.o 84, supra.

86      A título preliminar, importa salientar que o argumento alegado pela Comissão, independentemente do seu mérito, é irrelevante no âmbito da presente ação, baseada num enriquecimento sem causa da União.

87      Neste âmbito, com efeito, como foi recordado no n.o 42, supra, há que verificar se a demandante fez prova de um enriquecimento sem base legal válida da Comissão e do seu empobrecimento relacionado com o referido enriquecimento, ou se, na falta dessa prova, há que concluir que esse enriquecimento se justificava pelas obrigações impostas pela regulamentação relativa aos recursos próprios. Ora, em todo o caso, a colocação à disposição de recursos próprios não encontra justificação na obrigação de respeitar os prazos previstos no artigo 6.o do Regulamento n.o 1150/2000, cuja violação não conduz a nenhum pagamento, nem mesmo ao de juros de mora, que está condicionado ao atraso na inscrição na conta aberta para o efeito em nome da Comissão, em conformidade com o artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000 conforme alterado.

88      Por conseguinte, não se pode exigir à República Checa, no âmbito da sua ação baseada num enriquecimento sem causa, que demonstre, como alega, em substância, a Comissão, que «todo o processo, durante o procedimento aduaneiro, a cobrança do crédito e as operações relativas aos recursos próprios, foi executado em conformidade com todas as regras, corretamente, em tempo útil e no respeito da proteção dos interesses financeiros da União», mas que demonstre apenas, além do seu empobrecimento e do correlativo enriquecimento, que este não tinha qualquer justificação.

89      Em todo o caso, resulta dos autos que os direitos em causa foram inscritos nos prazos previstos no artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1150/2000.

90      A inscrição na contabilidade B é uma operação meramente contabilística, pelo que os prazos previstos para proceder a essa operação devem, contrariamente ao que alega a Comissão, ser calculados a partir não da data em que os direitos em causa deviam ter sido apurados, em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento n.o 1150/2000, mas da data em que esses direitos foram efetivamente apurados.

91      Ora, é pacífico entre as partes, como confirmaram nas suas respostas às questões escritas, que os direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE sobre as importações controvertidas foram apurados e inscritos na contabilidade B no mesmo dia, ou seja, entre 22 de setembro de 2008 e 18 de fevereiro de 2009. De resto, a Comissão reconheceu, no âmbito da medida de organização do processo referida no n.o 28, que «a inscrição na contabilidade B imediatamente após o registo de liquidação previsto pela regulamentação aduaneira [era] aceitável».

92      Nessas condições, há que concluir que, em conformidade com as disposições do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1150/2000, os direitos devidos pela sociedade BAIDE, mas ainda não cobrados e quando não foi prestada qualquer caução, foram, em todo o caso, lançados na contabilidade B, o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19.o do segundo mês após aquele em que esses direitos foram apurados.

93      Por conseguinte, há que verificar se a quantia controvertida era incobrável por razões não imputáveis à República Checa, que lhe permitiam inscrevê‑la numa contabilidade separada.

 Quanto à data em que deviam ser apurados os direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE correspondentes à quantia controvertida

94      A República Checa sustenta, como foi recordado no n.o 51, supra, que só pôde apurar os direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE sobre as importações controvertidas na sequência da transmissão do relatório do OLAF, ao passo que a Comissão alega que devia ter procedido a esse apuramento após o regresso da missão de inspeção, como resulta do n.o 60, supra.

95      Com efeito, a República Checa tinha tido conhecimento da ata de 15 de novembro de 2007 e das provas da origem chinesa da mercadoria em causa obtidas durante a missão e anexadas a esse documento, uma vez que este tinha sido assinado pela representante da Administração Aduaneira checa, que esteve presente ao longo de toda a missão e participado em todas as reuniões e na inspeção das instalações de produção. Nestas condições, a República Checa tinha disposto de informações suficientes para proceder ao apuramento da dívida aduaneira desde que a sua representante regressou da missão.

96      Como resulta da legislação aplicável, recordada nos n.os 68 a 77, supra, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros devem apurar um direito da União sobre os recursos próprios desde que estejam preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.

97      A este respeito, o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1, a seguir «Código Aduaneiro»), na sua versão aplicável ao litígio, dispõe que «[o] montante de direitos de importação ou de direitos de exportação resultante de uma dívida aduaneira, […], deverá ser calculado pelas autoridades aduaneiras logo que estas disponham dos elementos necessários e deverá ser objeto de uma inscrição efetuada por essas autoridades nos registos contabilísticos ou em qualquer outro suporte equivalente (registo de liquidação)».

98      Estas condições estão preenchidas quando as autoridades aduaneiras disponham dos elementos necessários e estejam, consequentemente, em condições de calcular o montante dos direitos resultante da dívida aduaneira e de determinar o devedor (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2005, Comissão/Dinamarca, C‑392/02, EU:C:2005:683, n.os 57 a 59).

99      No caso em apreço, é pacífico que uma representante da Administração Aduaneira checa participou na missão de inspeção e que esta assinou a ata de 15 de novembro de 2007.

100    A República Checa afirma que a representante da sua Administração Aduaneira não recebeu comunicação dos documentos anexos à referida ata no termo da missão de inspeção, pelo que, nessa data, não dispunha das provas necessárias para a cobrança da quantia controvertida.

101    Na audiência, a Comissão confirmou que não alegava que a representante da Administração Aduaneira checa presente na missão de inspeção tinha recebido materialmente os documentos anexos à ata, mas que esta havia forçosamente tido conhecimento dos elementos de prova recolhidos nessa missão, uma vez que tinha podido consultá‑los.

102    Todavia, não pode subscrever a afirmação da Comissão de que teria bastado que a representante da Administração Aduaneira checa «[tivesse] visto com os seus próprios olhos o que se [tinha] passado» para que a República Checa, apenas com base no depoimento da sua representante, após o regresso da missão de inspeção, estivesse em condições de proceder ao apuramento dos direitos devidos pela sociedade BAIDE.

103    Com efeito, não é suficiente ter conhecimento da existência de uma prova para se invocar essa prova no âmbito de um procedimento administrativo. Para lhes permitir tomar em conta o montante dos direitos devidos e disso informar o devedor, as autoridades checas deviam ter tido a possibilidade de autenticar os elementos de prova recolhidos durante a missão de inspeção e, em seguida, de os opor ao contribuinte. Ora, como acaba de ser dito, não se contesta que esses elementos não foram transmitidos à República Checa no termo da missão de inspeção.

104    No entanto, a Comissão alega que, na medida em que a República Checa, através da ata de 15 de novembro de 2007, tinha sido informada da lista das provas recolhidas, cabia‑lhe obter comunicação desse facto, solicitando‑a ao OLAF se o considerasse necessário.

105    A este respeito, importa salientar que a República Checa afirma que não há nenhuma base legal que permitisse à representante da sua Administração Aduaneira transmitir diretamente às autoridades nacionais competentes elementos recolhidos no âmbito de uma missão conduzida sob a responsabilidade do OLAF, que são confidenciais e só podem servir de prova num processo administrativo ou judicial depois de terem sido transmitidos pela Comissão e verificados pelo OLAF, únicos destinatários dos documentos e das informações recolhidos no âmbito de uma missão da União num país terceiro.

106    Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento (CE) n.o 515/97 do Conselho, de 13 de março de 1997, relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados‑Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola (JO 1997, L 82, p. 1), «determina as condições em que as autoridades administrativas encarregadas nos Estados‑Membros da execução das regulamentações aduaneira e agrícola colaboram entre si, bem como com a Comissão, tendo em vista assegurar o cumprimento dessas regulamentações no âmbito de um sistema comunitário».

107    O artigo 12.o do Regulamento n.o 515/97, na versão aplicável ao litígio, dispõe que «[a]s verificações, certificados, informações, documentos, cópias autenticadas e demais informações obtidos por agentes da autoridade requerida [a saber, a autoridade competente de um Estado‑Membro a quem é dirigido o pedido de assistência] e transmitidos à autoridade requerente [a saber, a autoridade competente de um Estado‑Membro que formula um pedido de assistência] nos casos de assistência previstos nos artigos 4.o a 11.o [relativos às regras de execução da assistência mediante pedido] podem ser invocados como elementos de prova pelas instâncias competentes do Estado‑Membro da autoridade requerente».

108    O artigo 20.o do Regulamento n.o 515/97 prevê o seguinte:

«1.      Tendo em vista a realização dos objetivos do presente regulamento, a Comissão pode efetuar, nas condições previstas no artigo 19.o, missões comunitárias de cooperação e de inquérito administrativos em países terceiros, em coordenação e estreita cooperação com as autoridades competentes dos Estados‑Membros.

2.      As missões comunitárias em países terceiros referidas no n.o 1 efetuar‑se‑ão nas seguintes condições:

a)      A missão pode ser empreendida por iniciativa da Comissão, eventualmente com base em elementos informativos fornecidos pelo Parlamento Europeu, ou a pedido de um ou mais Estados‑Membros;

b)      Participam nas missões agentes da Comissão designados para o efeito, e agentes designados para o efeito pelo ou pelos Estados‑Membros interessados;

c)      Com o acordo da Comissão e dos Estados‑Membros interessados, a missão pode igualmente ser executada, no interesse comunitário, por agentes de um Estado‑Membro, nomeadamente nos termos de um acordo bilateral de assistência com um país terceiro; nesse caso, a Comissão será informada dos resultados da missão;

[…]»

109    O artigo 21.o, que faz parte do título IV «Relações com países terceiros», do Regulamento n.o 515/97, na versão aplicável ao litígio, esclarece:

«1.      As verificações efetuadas e as informações obtidas no âmbito das missões comunitárias referidas no artigo 20.o, nomeadamente sob a forma de documentos comunicados pelas autoridades competentes dos países terceiros em causa, serão tratadas em conformidade com o artigo 45.o

2.      O artigo 12.o é aplicável mutatis mutandis às verificações e informações referidas no n.o 1.

3.      Para efeitos da sua utilização ao abrigo do artigo 12.o, a Comissão enviará às autoridades competentes dos Estados‑Membros, a pedido destas, os documentos originais obtidos ou as respetivas cópias autenticadas.»

110    O artigo 45.o do Regulamento n.o 515/97, na versão aplicável ao litígio, enuncia:

«1.      As informações comunicadas, sob qualquer forma, nos termos do presente regulamento têm caráter confidencial, incluindo os dados conservados no [Sistema de Informação Aduaneiro]. Essas informações estão abrangidas pelo segredo profissional e beneficiam da proteção concedida às informações da mesma natureza pela legislação nacional do Estado‑Membro que as recebeu, bem como pelas disposições correspondentes aplicáveis às instâncias comunitárias.

As informações referidas no primeiro parágrafo apenas podem nomeadamente ser transmitidas a pessoas que, nos Estados‑Membros ou nas instituições comunitárias, devam, pelas suas funções, delas ter conhecimento ou utilizá‑las. Essas informações tão pouco podem ser utilizadas para fins diferentes dos previstos no presente regulamento, salvo consentimento expresso do Estado‑Membro ou da Comissão que as forneceu ou que as registou no [Sistema de Informação Aduaneiro] e sob reserva das condições impostas por esse Estado‑Membro ou pela Comissão, e se as disposições em vigor no Estado‑Membro em que tem sede a autoridade que as recebeu não se opuserem a tal comunicação ou utilização.

2.      Sem prejuízo das disposições relativas ao [Sistema de Informação Aduaneiro] previstas no título V, as informações respeitantes às pessoas singulares e coletivas só serão objeto das comunicações referidas no presente regulamento na medida do estritamente necessário para permitir a prevenção, averiguação ou repressão de operações contrárias às regulamentações aduaneira ou agrícola.

3.      O disposto nos n.os 1 e 2 não obsta à utilização, no âmbito de ações judiciais ou de procedimentos instituídos na sequência do incumprimento das regulamentações aduaneira ou agrícola, das informações obtidas nos termos do presente regulamento.

[…]»

111    O artigo 9.o, sob a epígrafe «Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos», do Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pel[o Organismo Europeu] de Luta Antifraude (OLAF) (JO 1999, L 136, p. 1), tem a seguinte redação:

«1.      No termo de qualquer inquérito por si realizado, [o Organismo] elaborará, sob a autoridade do diretor, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do diretor d[o Organismo] sobre o seguimento a dar ao mesmo.

2.      Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária. Ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais e terão idêntico valor.

3. Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos externos [através dos quais, em conformidade com o artigo 3.o do regulamento, o Organismo efetua controlos e verificações previstos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 e pelas regulamentações setoriais referidas no artigo 9.o, n.o 2, do mesmo regulamento, nos Estados‑Membros e, em conformidade com os acordos de cooperação em vigor, nos países terceiros] e todos os respetivos documentos úteis serão transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, em conformidade com a regulamentação relativa aos inquéritos externos.

[…]»

112    O artigo 17.o, sob a epígrafe «Missões de inquérito em países terceiros», das Orientações sobre os procedimentos de inquérito dirigidas ao pessoal do OLAF (a seguir «orientações internas») enuncia, no seu n.o 5, que «[o]s membros da unidade de inquérito [à qual o Diretor‑Geral do OLAF atribuiu o processo, em conformidade com o artigo 6.o,  n.o 1, das orientações internas] que estejam a efetuar a missão de inquérito devem elaborar um relatório das atividades realizadas durante a missão, devendo fornecer uma cópia desse relatório aos participantes [a saber, em conformidade com o n.o 7, no que se refere às missões de inquérito relativas às alfândegas ou recursos próprios, aos funcionários dos Estados‑Membros interessados que participaram na missão de inquérito]».

113    Tendo sido recordadas as disposições aplicáveis ao presente litígio e invocadas pelas partes, há que observar que resulta do quadro regulamentar assim definido que a colaboração dos Estados‑Membros com a Comissão é uma condição essencial do respeito da aplicação da legislação aduaneira na União.

114    Para este efeito, são realizadas missões comunitárias de cooperação e inquérito administrativos em países terceiros, nas quais participam agentes designados, para o efeito, pelos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 515/97.

115    Embora as verificações efetuadas e as informações obtidas no âmbito das missões comunitárias tenham caráter confidencial, o segredo profissional que as abrange, em conformidade com o artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 515/97, não pode obstar a que sejam comunicadas aos representantes designados pelos Estados‑Membros nessas missões, sob pena de privar de efeito útil o objetivo deste regulamento, conforme definido no n.o 113, supra, nos termos do artigo 1.o do referido regulamento.

116    Nestas condições, esses representantes devem ser considerados, na aceção do artigo 45.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 515/97, as pessoas que, nos Estados‑Membros, devem, pelas suas funções, delas ter conhecimento ou utilizá‑las.

117    Consequentemente, as verificações e as informações recolhidas no âmbito de uma missão comunitária efetuada num país terceiro podem ser utilizadas, para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 515/97, pelos agentes designados pelos Estados‑Membros para participarem nessa missão.

118    Por força do artigo 45.o, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento, as informações obtidas no âmbito das missões comunitárias podem ser utilizadas para permitir a repressão de operações contrárias à regulamentação aduaneira, bem como no âmbito de ações judiciais ou de procedimentos instituídos posteriormente. Essas informações podem, em especial, ser invocadas como elementos de prova pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 21.o, n.o 2, do Regulamento n.o 515/97.

119    Nestas condições, ao contrário do que defende a República Checa, a representante da sua Administração Aduaneira na missão de inspeção estava plenamente habilitada a pedir e a receber do OLAF, como alega a Comissão, os elementos de prova anexos à ata de 15 de novembro de 2007, sem que isso fosse um obstáculo à obrigação de confidencialidade prevista no artigo 45.o do Regulamento n.o 515/97. Também estava habilitada a comunicá‑los às autoridades competentes da República Checa para os utilizarem como elementos de prova contra a sociedade BAIDE, no âmbito do processo de cobrança da dívida aduaneira desta sociedade.

120    A este respeito, a República Checa alega, no entanto, como foi esclarecido no n.o 105, supra, que o OLAF estava obrigado a apreciar as verificações efetuadas durante a missão de inspeção antes de as transmitir no âmbito do seu relatório de inquérito, em conformidade com o ponto 17.5 das orientações internas e com o artigo 9.o do Regulamento n.o 1073/1999.

121    A circunstância de o OLAF verificar os elementos de prova antes de os transmitir no âmbito do seu relatório, embora seja suscetível de atrasar, sendo caso disso, a comunicação de tais elementos, não obstava, no entanto, por si só, a que a República Checa, como sustenta a Comissão, lhe fizesse o pedido desde o regresso de missão da sua representante.

122    Todavia, não é contestado que o OLAF se comprometeu a comunicar à República Checa os elementos de prova recolhidos durante a missão de inspeção desde o início de 2008. Ora, é pacífico, como aliás a Comissão reconheceu na audiência, que o OLAF demorou a comunicar o seu relatório, ao qual estavam juntos esses elementos.

123    Nestas circunstâncias, não se pode censurar a República Checa por ter aguardado a comunicação do relatório do OLAF e por não ter solicitado a apresentação dos elementos de prova após o regresso da missão de inspeção.

124    Além disso, a República Checa podia, no caso em apreço, considerar necessário aguardar que esses elementos de prova fossem analisados e verificados pelo OLAF antes de os utilizar no âmbito de um procedimento de liquidação adicional. Com efeito, o OLAF estava em melhores condições para proceder a essa verificação, uma vez que a recolha das provas tinha sido efetuada no âmbito de um acordo de cooperação entre a Comissão e o Laos e na falta de acordo bilateral de assistência entre este país e a República Checa.

125    Nestas condições, a República Checa demonstrou não ter estado na posse dos elementos de prova necessários ao apuramento dos direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE em relação aos 28 casos de importações controvertidas desde o regresso da missão de inspeção.

126    Consequentemente, ao contrário do que alega a Comissão, a República Checa, ao não proceder, nas circunstâncias do caso em apreço, à verificação dos direitos em causa nos dias seguintes ao regresso da missão de inspeção, não violou as obrigações que lhe incumbiam por força das disposições recordadas nos n.os 68 a 77, supra.

 Quanto às consequências da cessação da atividade da sociedade BAIDE sobre a obrigação de colocação à disposição da quantia controvertida e a sua cobrança

127    A República Checa sustenta, como foi recordado no n.o 52, supra, que não pôde proceder à cobrança da quantia controvertida, dado que a sociedade BAIDE tinha cessado toda a atividade no território nacional a partir de maio de 2008, pelo que a maioria do património desta sociedade já não podia ser apreendida quando lhe foi entregue o relatório do OLAF.

128    É pacífico que o relatório do OLAF permitia efetivamente apurar os direitos aduaneiros devidos pela sociedade BAIDE. Com efeito, esse relatório esclarece que os elementos de prova da origem chinesa das mercadorias eram suficientes para dar início a um procedimento de liquidação adicional e assinala os 28 casos das importações controvertidas relativos à sociedade BAIDE na República Checa.

129    Também não é contestado que a sociedade BAIDE cessou as suas atividades no território da República Checa a partir de maio de 2008, o que a Comissão reconheceu na audiência.

130    Além disso, resulta da instrução, especialmente do inquérito levado a cabo pelas autoridades aduaneiras checas junto dos bancos e dos serviços municipais da cidade de Praga (República Checa), bem como do extrato do registo comercial, da resposta das autoridades fiscais dada a pedido das autoridades aduaneiras checas de pagamento de uma dedução fiscal estabelecida em nome da sociedade BAIDE, da resposta a um pedido de informação fiscal e do pedido de insolvência do liquidatário da sociedade BAIDE, juntos à petição, respetivamente, como anexos A.8, A.19, A.20 e A.21, que a sociedade BAIDE não possuía mais nenhum património suscetível de ser apreendido em território da República Checa, com exceção das quantias depositadas em três contas abertas no Československá obchodní banka, e de uma dedução fiscal, respetivamente nos montantes de 16 047,67 CZK, de 14,56 dólares americanos (USD), de 51,60 euros e de 82 300 CZK, montantes que por fim foram recuperados pelas autoridades aduaneiras.

131    A Comissão não contesta o resultado do inquérito conduzido pelas autoridades aduaneiras checas sobre o património da sociedade BAIDE, nem as conclusões e os dados financeiros contidos nos documentos referidos no n.o 130, supra. Também não contesta o facto de a declaração da cessação de atividade da sociedade BAIDE estar diretamente ligada ao facto de, desde então, essa sociedade, com exceção dos montantes acima referidos, não dispor de qualquer património suscetível de ser apreendido na República Checa.

132    Por último, a Comissão não alega que a República Checa podia ter apreendido um património superior ao que por fim apreendeu após a entrega do relatório do OLAF.

133    Embora a Comissão censure a República Checa por não ter agido com a diligência necessária no termo da missão de inspeção, confirmou na audiência que não pretendia alegar que a República Checa, independentemente das medidas aplicadas após a entrega do relatório do OLAF, deveria ter recuperado um montante superior ao que veio a ser recuperado na sequência da entrega desse relatório.

134    A este respeito, a Comissão alegou na audiência, em resposta a uma questão que lhe foi colocada sobre esta matéria, que «a República Checa tinha a obrigação de apurar os direitos aduaneiros quando [a sociedade BAIDE] ainda estava presente em território checo, consequentemente, entre o fim de novembro de 2007 […] e [o] fim de fevereiro de 2008», e que «teria podido [assim] recuperar mais dinheiro se tivesse apurado a dívida aduaneira mais cedo».

135    Ora, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, como foi apurado nos n.os 123 e 124, supra, a República Checa podia razoavelmente aguardar a comunicação do relatório do OLAF anunciado para o início de 2008 sem solicitar, antes dessa data, os elementos de prova recolhidos durante a missão de inspeção. Neste contexto, e tendo em conta o prazo que teria sido necessário para a obtenção dos referidos documentos, para a sua análise pelas autoridades checas e para a instauração de um procedimento de liquidação adicional, a Comissão não tem fundamento para sustentar que a República Checa teria podido cobrar um montante de direitos aos recursos próprios mais elevado se os tivesse apurado mais cedo.

136    Nestas condições, resulta da instrução, tendo em conta os elementos dos autos e os argumentos trocados entre as partes, que a cessação de atividade da sociedade BAIDE pode ter constituído uma razão não imputável à República Checa, que pôde legalmente dispensar este Estado‑Membro de colocar a quantia controvertida à disposição da União, com fundamento no artigo 17.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1150/2000, recordado no n.o 77, supra.

137    Uma vez que a cessação de atividade da sociedade BAIDE ocorreu antes da entrega do relatório do OLAF, a circunstância, mesmo admitindo que é fundada, de a República Checa ter agido tardiamente após a entrega desse relatório, não tem, em todo o caso, relevância na apreciação da obrigação da República Checa de colocação da quantia controvertida à disposição

 Quanto à obrigação de prestar garantia de cobrança da quantia controvertida

138    Todavia, a Comissão alega que a República Checa tinha conhecimento do risco de fraude pela sociedade BAIDE aquando dos controlos que precederam a autorização de saída das mercadorias em causa. Por conseguinte, devia ter prestado, antes da introdução em livre prática dessas mercadorias, como foi esclarecido no n.o 61, supra, uma garantia suficiente para cobrir a diferença que podia haver entre o montante dos direitos declarados por essa sociedade e os montantes a que essas mercadorias podiam por fim ser sujeitas, tendo em conta dúvidas sérias existentes quanto à sua origem.

139    A Comissão invoca quanto a este ponto o artigo 248.o do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 (JO 1993, L 253, p. 1, a seguir «Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro»).

140    A República Checa contesta a posição da Comissão e sustenta que as autoridades aduaneiras não podiam exigir uma garantia no âmbito dos controlos que precederam a autorização de saída das mercadorias em causa, quando, tendo em conta os elementos disponíveis, não havia nenhuma prova de uma dívida aduaneira constituída ou suscetível de se constituir.

141    A República Checa invoca em apoio dos seus argumentos o artigo 190.o, n.o 1, do Código Aduaneiro, que dispõe que «[s]empre que a regulamentação aduaneira preveja a prestação de uma garantia a título facultativo, essa garantia será exigida, segundo o critério das autoridades aduaneiras, se o pagamento, dentro dos prazos fixados, da dívida aduaneira constituída ou suscetível de se constituir não estiver acautelado de forma segura».

142    Convidada a esclarecer a sua argumentação no âmbito da medida de organização do processo referida no n.o 28, supra, a República Checa declarou que «nenhuma disposição da regulamentação aduaneira em vigor à época dos factos previa poder ser exigida uma garantia por força do [artigo 190.o do Código Aduaneiro] na sequência de controlos suplementares ou de novas informações adquiridas depois de as mercadorias terem sido introduzidas em livre prática». Assim, concluiu que era «inaceitável que as autoridades aduaneiras checas tivessem exigido uma garantia ao abrigo dessa disposição».

143    Ora, importa salientar que a Comissão, como confirmou na audiência, não censura à República Checa, para contestar a sua ação no presente litígio, não ter prestado garantia após a introdução em livre prática dos isqueiros de bolso, mas apenas aquando da autorização de saída das mercadorias.

144    Assim, independentemente do seu mérito, a argumentação da República Checa relativa às condições de aplicação, no caso em apreço, da garantia facultativa prevista no artigo 190.o do Código Aduaneiro, é irrelevante para a análise, no presente litígio, da obrigação de garantia invocada pela Comissão para cobrança da quantia controvertida.

145    A este respeito, a República Checa não contesta que a verificação das mercadorias em causa se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 248.o do Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro, que prevê a prestação, aquando da concessão da autorização de saída das mercadorias, de uma garantia para autorizar a sua introdução em livre prática no caso de os controlos efetuados poderem conduzir à determinação de um montante de direitos superior ao resultante dos elementos da declaração aduaneira. A República Checa contesta, em contrapartida, que as condições da sua aplicação estejam reunidas no caso em apreço.

146    Feita esta precisão, pode recordar‑se que, no estado atual do direito da União, a gestão do sistema de recursos próprios da União está confiada aos Estados‑Membros e é da exclusiva responsabilidade destes últimos. (Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 62). Neste âmbito, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados, como foi recordado no n.o 77, supra, sejam colocados à disposição da Comissão, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000.

147    Por conseguinte, cabe aos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, do referido regulamento, proceder às verificações e inquéritos relativos ao apuramento e à colocação à disposição dos recursos próprios provenientes, como no caso em apreço, dos direitos da pauta aduaneira comum e dos outros direitos estabelecidos pelas instituições sobre as trocas comerciais com os países não membros da União, tal como esses direitos foram definidos no n.o 69, supra.

148    O apuramento dos direitos efetua‑se segundo a regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor, em conformidade com o artigo 2.o do mesmo regulamento.

149    O artigo 74.o, n.o 1, primeiro período, do Código Aduaneiro dispõe que, «[q]uando a aceitação de uma declaração aduaneira implicar a constituição de uma dívida aduaneira, a autorização de saída das mercadorias objeto dessa declaração só pode ser concedida se o montante da dívida aduaneira tiver sido pago ou garantido».

150    O artigo 248.o que figura sob o título VIII «Verificação das mercadorias, reconhecimento da estância aduaneira e outras medidas tomadas pela estância aduaneira» do Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro tem a seguinte redação:

«1.      A concessão da autorização de saída implica a imediata liquidação dos direitos de importação calculados de acordo com os elementos constantes da declaração. Quando as autoridades aduaneiras considerarem que os controlos efetuados podem conduzir à determinação de um montante de direitos superior ao resultante dos elementos constantes da declaração, exigirão, além disso, a prestação de uma garantia suficiente para cobrir a diferença entre o montante resultante dos elementos da declaração e aquele a que as mercadorias podem em definitivo ficar sujeitas. Todavia, o declarante tem a faculdade de, em substituição da garantia, pedir a liquidação imediata do montante dos direitos a que as mercadorias podem em definitivo ficar sujeitas.

[…]»

151    Resulta destas disposições que, quando é apresentada uma declaração aduaneira, os direitos aplicáveis devem ser pagos ou cobertos por uma garantia antes da autorização de saída das mercadorias. Assim, se as autoridades aduaneiras considerarem que a verificação da declaração aduaneira pode dar lugar a um montante exigível de direitos à importação mais elevado do que o que decorre dos elementos da declaração aduaneira, a sua autorização de saída será permitida após a prestação de uma garantia suficiente para cobrir a diferença desses montantes.

152    A este propósito, embora o artigo 248.o n.o 1, do Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro permita, devido à utilização do verbo «considerar», uma certa margem de apreciação às autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros quando decidem da necessidade de exigir a prestação de garantias, essa margem de decisão é limitada pelo princípio da efetividade estabelecido no artigo 325.o, n.o 1, TFUE, ao abrigo do qual deve ser assegurada uma proteção efetiva dos interesses financeiros da União contra as fraudes ou quaisquer outras atividades ilegais lesivas desses interesses.

153    O alcance do princípio da efetividade, na medida em que é aplicável à obrigação específica que incumbe aos Estados‑Membros, por força do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, de garantir a cobrança efetiva e integral dos direitos aduaneiros enquanto recursos próprios da União não pode ser determinado de forma abstrata e estática, uma vez que depende das características da fraude ou da atividade ilegal em causa, que, aliás, podem evoluir no tempo.

154    No caso em apreço, para afirmar que a República Checa tinha conhecimento do risco de fraude aquando da autorização de saída das mercadorias em causa, a Comissão sustenta, em substância, que o Estado‑Membro demandante tinha sido informado de que o número de série com cinco algarismos «44001», inscrito na base dos isqueiros de bolso, deixava presumir a sua origem chinesa.

155    A este respeito e em primeiro lugar, a Comissão alega que essa informação constava de uma documentação elaborada pelo OLAF e distribuída num seminário organizado em 31 de maio e 1 de junho de 2005 (a seguir «documentação do OLAF de 2005»). A Comissão reconhece que a República Checa não participou no referido seminário, mas sustenta que foi destinatária dessa documentação.

156    A República Checa contesta ter recebido a documentação do OLAF de 2005.

157    Na audiência, a Comissão referiu não «[saber] exatamente» em que data a documentação do OLAF de 2005 tinha sido recebida pela República Checa. Esclareceu que não encontrou «prova concreta» do envio dessa documentação à República Checa. Também não resulta dos autos que essa documentação, contrariamente ao que a Comissão afirmou na audiência, tenha sido transmitida à República Checa entre «junho e o final de [2005]».

158    Além disso, contrariamente ao que a Comissão alega na tréplica, também não resulta da comunicação WOMIS/CZ/2014/5, junta como anexo D.3 e datada de 3 de outubro de 2016, que, «com base na [documentação do OLAF de 2005], as autoridades checas estabeleceram um perfil de risco em 22 de março de 2006».

159    Por último, embora a República Checa tenha reconhecido na audiência que, como aliás expressamente mencionado, o perfil de risco que tinha estabelecido em 22 de março de 2006 tinha‑o sido efetivamente com base em informações fornecidas pelo OLAF, declarou que essas informações lhe tinham sido comunicadas numa reunião realizada entre 20 e 22 de março de 2006 com os representantes do OLAF, a Comissão não fez observações sobre esta afirmação.

160    Nestas condições, não está demonstrado que a República Checa tenha recebido a documentação do OLAF de 2005 entre junho e o final de 2005.

161    Consequentemente, a Comissão não pode sustentar que a República Checa não cumpriu as suas obrigações em matéria de recursos próprios por não ter prestado, a partir de 2005, com fundamento em «informações suficientemente precisas sobre os riscos» de fraude contidas nessa documentação, uma garantia sobre os direitos antidumping suscetíveis de serem devidos pela sociedade BAIDE, antes da introdução em livre prática dos isqueiros de bolso.

162    Em segundo lugar, a Comissão alega que a informação relativa ao número de série «44001», que revela a origem chinesa dos isqueiros de bolso, também constava no perfil de risco que a República Checa tinha elaborado em 22 de março de 2006 e que tinha atualizado em novembro seguinte (a seguir «perfil de risco»).

163    Resulta dos autos que o perfil de risco, como alega expressamente a República Checa, foi adotado para «cham[ar] a atenção das diversas estâncias aduaneiras para os riscos identificados e […] obrigá[‑las] a proceder a controlos aprofundados das mercadorias tendo em conta esses riscos». O perfil de risco sublinha, como alega a Comissão, que «o código numérico de cinco algarismos na base dos isqueiros indica que se pode tratar de isqueiros originários da China».

164    Em primeiro lugar, a República Checa sustenta que os controlos efetuados com base no perfil de risco não permitiram, no entanto, demonstrar que os isqueiros de bolso tinham uma origem diferente da declarada pela sociedade BAIDE.

165    A este respeito, a República Checa remete, nos n.os 43 e 44 da réplica, para os anexos C.1a a C.1f, C.1h a C.1l e C.2.a a C.2.n. Identifica, mais especificamente, como resulta do n.o 22 das suas respostas às questões escritas colocadas no âmbito da medida de organização do processo referida no n.o 28, supra, os anexos C.1h e C.2.a a C.2.n, em particular as atas que estes contêm, como relativos às importações realizadas após a adoção do perfil de risco.

166    Todavia, a República Checa não identifica nesses anexos, que apresentam uma seleção de «documentos relativos aos controlos aduaneiros», conforme são identificados na lista anexa à réplica, que diz respeito a 24 das 28 importações em causa, composta, no essencial, pelos relatórios dos controlos realizados, faturas emitidas pela sociedade BAIDE, e por algumas fotografias dos carregamentos e mercadorias em causa, elementos que invoca para afirmar que «nenhum desses controlos identificou elementos que sugerissem que a origem efetiva das mercadorias era diferente da origem declarada».

167    Mesmo admitindo que esses elementos tinham sido identificados de forma suficientemente clara para permitir ao Tribunal Geral apreciar o seu mérito, o caráter parcelar e incompleto dessa documentação, apresentada expressamente de forma seletiva, não permitia, em todo o caso, concluir que nenhum elemento podia deixar presumir a origem chinesa das mercadorias em causa. Além disso, como observou a Comissão no n.o 66 da tréplica, não foi junta nenhuma fotografia dos isqueiros de bolso aos documentos selecionados como anexos C.1b, C.1f, C.1h a C.1l, C.2a a C.2n.

168    Interrogada sobre esta questão no âmbito da medida de organização referida no n.o 28, supra, a República Checa limitou‑se a invocar duas fotografias adicionais para afirmar que as autoridades aduaneiras checas não tinham encontrado o número de série «44001», assinalado pelo OLAF, inscrito na base dos isqueiros de bolso, mas um código diferente, composto por três letras e por dois algarismos, ou mesmo nenhum código.

169    A mera apresentação de duas fotografias em apoio dessa argumentação não basta, porém, para demonstrar, como sustenta a República Checa, que «as fotografias tiradas aquando dos controlos aduaneiros» permitem concluir que o número de série «44001» não figurava nas importações controvertidas. Além disso, embora as fotografias juntas como anexo F.3 revelem efetivamente, no fundo de dois isqueiros, um código diferente do indicado pelo OLAF, nenhum elemento dessas fotografias permite identificar o importador dessas mercadorias.

170    Uma vez que as importações controvertidas têm por objeto vários milhões de isqueiros, a falta do número de série, no pressuposto de que está demonstrada, identificado pelo OLAF na base de uma dezena de isqueiros importados pela sociedade BAIDE, como figuram nas fotografias juntas aos anexos citados no n.o 165, supra, não é, portanto, suficiente para demonstrar que a República Checa não podia ter dúvidas quanto à origem chinesa dos isqueiros de bolso.

171    Além disso, a República Checa não podia invocar utilmente relatórios juntos aos anexos C para estabelecer que as medidas tomadas «nada revelavam que demonstrasse que as mercadorias tinham uma origem diferente da declarada», uma vez que esses documentos apenas atestam resultados dos controlos tal como efetivamente se desenrolam, apenas com base nos elementos tidos em conta.

172    A este respeito, também se deve salientar que o ponto 6.1 da Comunicação AM 2007/019 da Comissão, de 30 de abril de 2007, enviada aos Estados‑Membros no âmbito da cooperação mútua esclarece o seguinte:

«[…]

No período de finais de 2004 a julho de 2006, a quantidade de isqueiros importados do Laos para a Comunidade atingiu mais de 80 milhões de unidades.

[…]

Durante os controlos, dois Estados‑Membros (alfândegas checa e belga) detetaram, com base em depósitos de isqueiros declarados como originários do Laos, o código de 5 algarismos atribuído pelas autoridades chinesas aos produtores de isqueiros chineses. Nesse caso, tratava‑se do código 44001, o código dado pelas autoridades chinesas ao produtor chinês referido no ponto 7.1.2 [a saber, a sociedade BAIDE]»

173    O ponto 12 da mesma comunicação tem, por outro lado, a seguinte redação:

«Foi demonstrado que o produtor chinês referido no ponto 7.1.2 fixou o seu centro europeu de distribuição em Praga, na República Checa. As alfândegas checas controlaram a situação da importação do importador mencionado no ponto 7.2 e associado ao exportador.

O importador associado ao exportador deslocou imediatamente o desalfandegamento de uma estância aduaneira para outra para evitar um controlo completo dos carregamentos de isqueiros declarados originários do Laos.

Posteriormente, as mercadorias foram despachadas para livre circulação na Eslováquia. As alfândegas eslovacas foram informadas do transporte de isqueiros pelas alfândegas checas em julho de 2006 e, com a ajuda do OLAF, as importações de dois carregamentos foram apreendidas em agosto de 2006. Quando as alfândegas eslovacas pediram as garantias relativas aos direitos antidumping sobre os isqueiros, os carregamentos foram devolvidos a um entreposto aduaneiro de Praga.

[…]»

174    Convidada expressamente, no âmbito da medida de organização do processo referida no n.o 28, supra, a apresentar as suas observações quanto às informações contidas nos pontos 6.1 e 12 da comunicação referida nos n.os 172 e 173, supra, a República Checa alegou que «as informações sobre o significado do código de cinco algarismos constantes da [referida] comunicação [eram] muito fragmentadas e vagas». No entanto, não pôs em causa o facto, mencionado no ponto 6.1 da referida comunicação, de que as alfândegas checas tinham detetado, independentemente do seu significado exato, esse número de série na base dos isqueiros importados pela sociedade BAIDE.

175    Embora a República Checa também tenha sustentado que essa comunicação não era relevante no presente litígio, na medida em que tinha sido divulgada posteriormente à introdução em livre prática das importações controvertidas, esta circunstância também não podia, por si só, invalidar as informações contidas nessa comunicação de que as alfândegas checas tinham detetado o número de série «44001» na base dos isqueiros.

176    Acresce que, como sublinha a República Checa, uma vez que essa comunicação só foi transmitida após a introdução das mercadorias em livre prática, o facto de o OLAF não recomendar a prestação de uma garantia na comunicação em causa não pode ser validamente tido em conta para apreciar a obrigação de a República Checa implementar essa garantia aquando da autorização de saída dessas mesmas mercadorias.

177    Convidada novamente na audiência a apresentar as suas observações sobre as informações contidas nos pontos 6.1 e 12 da Comunicação AM/2007/019, a República Checa não apresentou nenhum elemento concreto suscetível de as invalidar. De resto, não contestou ter alertado as alfândegas eslovacas para a existência de importações fraudulentas, como resulta do n.o 12 da Comunicação AM/2007/019.

178    Assim, há que constatar que a República Checa, apesar de convidada por escrito a prestar esclarecimentos sobre as informações contidas nos pontos 6.1 e 12 da Comunicação AM/2007/019, não pôde apresentar elementos suficientemente precisos e pertinentes suscetíveis de as refutar. Assim, não pode sustentar que não detetou o número de série assinalado pelo OLAF apesar de ter assinalado às autoridades eslovacas a existência de importações fraudulentas, declaradas provenientes do Laos e anteriormente introduzidas no seu território pela sociedade BAIDE.

179    Embora a República Checa tente contestar a pertinência das informações transmitidas pelo OLAF para verificar a origem das mercadorias em causa, alegando, como se referiu no n.o 174, supra, que o seu caráter lacunar não lhe tinha permitido, em substância, estar segura do seu significado, é pacífico, como confirmou na audiência, que não interrogou o OLAF sobre a exatidão das informações assim transmitidas, mesmo que as tenha recebido tal qual no perfil de risco.

180    Além disso, importa recordar que incumbe às autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros assegurar a aplicação do direito aduaneiro da União e, em especial, efetuar controlos aduaneiros adequados para proteger, de forma efetiva, os seus interesses financeiros. A realização dessa missão carece, por parte dessas autoridades, de um trabalho contínuo, coerente e sistémico. Embora as ações de controlos aduaneiros empreendidas ao nível da União visem apoiar os Estados‑Membros, não podem desta forma substituir, em todo o caso, a ação de controlo e de proteção efetiva dos interesses financeiros da União que lhes incumbe.

181    Por último, contrariamente ao que sustenta a República Checa, a prestação de uma garantia para cobrança da quantia controvertida não exigia, no momento da autorização de saída das mercadorias em causa, a certeza de que a sua origem era diferente da declarada, mas apenas a presença de indícios que podiam conduzir, no controlo dessas mercadorias, à determinação de um montante de direitos superior ao resultante dos elementos da declaração aduaneira.

182    A este respeito, a República Checa não pode agora alegar ter apenas tido vagas suspeitas quanto ao caráter fraudulento das importações controvertidas, quando ela própria reconheceu no perfil de risco que «exist[ia] uma suspeita razoável de evasão à legislação aduaneira», esclareceu que o objetivo do controlo interno era «tomar todas as medidas possíveis para impedir a elisão dos direitos antidumping, através de uma classificação pautal diferente ou de uma declaração de origem diferente das mercadorias» e referiu que era recomendado, sendo caso disso, «executar a apreensão até ao montante do direito antidumping».

183    Aliás, como foi esclarecido no n.o 178, supra, a República Checa alertou as alfândegas eslovacas para a existência de importações fraudulentas. Também implementou algumas medidas na sequência da adoção do perfil de risco que, pelo menos, revelam que tinha conhecimento do risco de fraude desde a aplicação desse perfil. A República Checa não contesta, como a Comissão sublinhou no n.o 15 da contestação, ter enviado em 13 de abril de 2006 uma carta ao OLAF sobre suspeitas de fraude pela sociedade BAIDE e aberto um inquérito relativo a esta sociedade em 28 de agosto de 2006. Também não contesta ter transmitido ao OLAF, antes da sua missão de inspeção, a lista das importações controvertidas cuja origem devia ser verificada.

184    No entanto, e em segundo lugar, a República Checa alega que, no pressuposto de ter de prestar garantia de cobrança da quantia controvertida, tendo em conta as informações do OLAF, tinha de a liberar, uma vez que as autoridades laocianas tinham confirmado a autenticidade dos certificados de origem das mercadorias em causa e que não existia «nenhuma prova que demonstrasse o contrário».

185    No entanto, a mera circunstância, e independentemente do alcance jurídico suscetível de ser atribuído, no âmbito do litígio, às declarações das autoridades laocianas, as quais tinham confirmado a autenticidade dos certificados de origem apresentados pela sociedade BAIDE em 2 dos 28 casos de importações controvertidas, não era, em todo o caso, suficiente para dissipar as dúvidas que a própria República Checa tinha tido com base nas informações comunicadas pelo OLAF tendo em atenção todas as importações da sociedade BAIDE realizadas a partir do Laos.

186    Quando muito, os certificados apresentados pela sociedade BAIDE podiam ter servido de indícios da origem laociana dos isqueiros de bolso apenas na medida em que essa origem foi corroborada, e não, como no caso em apreço, invalidada pelos outros elementos na posse da República Checa aquando da autorização de saída das mercadorias em causa.

187    Tendo em conta tudo o que precede, a República Checa estava obrigada, com base no artigo 248.o, n.o 1, do Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro, a prestar uma garantia para cobrança dos direitos antidumping suscetíveis de serem devidos pela sociedade BAIDE a partir da adoção do perfil de risco, ou seja, a partir de 22 de março de 2006.

 Conclusão geral sobre a existência de um enriquecimento sem causa da União

188    Como resulta dos n.os 123 e 124, supra, a República Checa teve condições para apurar os direitos aduaneiros devidos pela sociedade BAIDE sobre as importações controvertidas a partir da entrega do relatório do OLAF.

189    Como se observou no n.o 129, supra, a entrega do relatório do OLAF foi, no entanto, efetuada após a cessação de atividade da sociedade BAIDE.

190    Em conformidade com a conclusão do n.o 136, a cessação da atividade da sociedade BAIDE, anterior à entrega do relatório do OLAF, pode constituir uma razão não imputável à República Checa, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1150/2000, que a dispensava legalmente de colocar a quantia controvertida à disposição da União, uma vez que nessa altura já não podia ser apreendido nenhum património no território da República Checa.

191    No entanto, concluiu‑se, no n.o 187, supra, que a República Checa estava obrigada, com base no artigo 248.o, n.o 1, do Regulamento de Aplicação do Código Aduaneiro, a prestar uma garantia sobre os montantes a cobrar a título dos direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE a partir de 22 de março de 2006.

192    É pacífico entre as partes que as importações controvertidas, como confirmaram na audiência, foram realizadas entre 26 de setembro de 2005 e 1 de março de 2007. Além disso, a Comissão confirmou na audiência alegar que a obrigação de garantia devia abranger a totalidade das importações controvertidas.

193    Resulta do documento em anexo F.1, e do quadro em anexo B.7, que, a partir de 22 de março de 2006, foram realizadas dezasseis importações, a primeira em 11 de abril de 2006, a última em 1 de março de 2007.

194    Tendo em conta o que precede, há que concluir pela existência de um enriquecimento sem causa da União até ao montante da quantia controvertida correspondente aos direitos antidumping devidos pela sociedade BAIDE sobre as doze primeiras importações de isqueiros de bolso, realizadas entre 26 de setembro de 2005, para a primeira, e em 20 de fevereiro de 2006, para a última, ou seja, em 26 de setembro, em 7, 15, 27, 29 e 30 de novembro de 2005, em 3, 10, 16, 17 e 27 de janeiro e em 20 de fevereiro de 2006.

195    Consequentemente, há que julgar procedente a ação na medida em que tem por objeto o reembolso à República Checa da quantia referida no n.o 194, supra, a saber, tendo em conta os dados financeiros apresentados no anexo F.1 e não contestados pela Comissão, a quantia de 17 828 399,66 CZK paga a título de recursos próprios da União, na conta da Comissão prevista para esse efeito.

196    A ação deve ser julgada improcedente quanto ao restante.

 Quanto às despesas

197    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

198    No caso em apreço, tendo a República Checa e a Comissão sido parcialmente vencidas, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

199    O Reino da Bélgica e a República da Polónia suportarão as suas próprias despesas, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      A ação da República Checa é julgada procedente na medida em que tem por objeto a restituição pela Comissão Europeia da quantia de 17 828 399,66 coroas checas (CZK) paga a título de recursos próprios da União Europeia.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de maio de 2022.



*      Língua do processo: checo.